09 a 11 de dezembro de 2015 Auditório da Universidade UNIT Aracaju - SE AUMENTANDO A EFICIÊNCIA ANALÍTICA COM A DIGESTÃO ASSISTIDA POR MICRO-ONDAS ALTERNATIVA Roseli F. Gennari Instituto de Física da USP Rua do Matão, travessa R, 187 CEP: 05508-090- rgennari@usp.br Resumo A utilização da energia de micro-ondas no intuito de acelerar os procedimentos de preparação de amostras é corriqueira em muitos laboratórios analíticos. No entanto, apesar desta tecnologia de digestão estar disponível comercialmente há mais de duas décadas, há ainda no Brasil muitos laboratórios que não a adotam regularmente. Há muitas razões para isto ocorrer, entre elas se podem citar: 1) desconhecimento dos benefícios analíticos, 2) resistência em adaptação dos procedimentos convencionais, 3) custo operacional, entre outros. Os primeiros digestores comerciais disponíveis eram do tipo aberto onde havia a preparação de no máximo duas amostras por vez. A rapidez no preparo de amostras logo chamou a atenção dos analistas, mas, a restrição no número de amostras foi a responsável pelo surgimento do sistema fechado. Neste sistema, há ganhos na digestão da amostra, não só no tempo mas, também na possibilidade de preparo simultâneo de mais amostras, na redução de contaminantes, de consumo energético, de reagentes, assim como dos efluentes gerados. A utilização da solubilização assistida com fornos de micro-ondas fechado convencional apresenta, na maioria dos equipamentos comercialmente disponíveis, a limitação de digestão sequencial de até doze amostras. Este ponto, para laboratórios analíticos destinados ao monitoramento da qualidade de águas e efluentes, pode ser uma desvantagem considerável. Neste trabalho foram preparadas amostras aquosas, visando a posterior determinação de teores de contaminantes por técnicas espectroanalíticas. As amostras foram digeridas no forno digestor de micro-ondas pelo sistema convencional (doze amostras) e, com o acessório que permite a preparação simultânea de até quarenta amostras. No intuito de otimizar o procedimento analítico empregou-se o planejamento. Na digestão o tempo de digestão variou de 07 a 15 minutos. A digestão no sistema convencional seguiu as orientações doa norma EPA 3015a. Os resultados obtidos foram comparados e o uso do acessório permitiu um acréscimo significativo na eficiência analítica. Palavras-chave: solubilização-assistida, micro-ondas, água. 1. INTRODUÇÃO A água é indispensável à manutenção da vida. E, por conta desta essencialidade, da demanda crescente e da escassez relativa desse insumo no planeta, da crise hídrica do Estado de São Paulo, expressões como 1
reuso, perdas no sistema, manejo inapropriado, contaminação, entre outras tem se popularizado. Aliado à popularização destes termos relativos ao gerenciamento do uso da água, principalmente, cada vez mais, há questionamentos relativos à qualidade da água tanto por parte dos órgãos reguladores como dos consumidores. Há, tanto em bases bibliográficas nacionais como internacionais, uma ampla gama de informações, como exemplo podemos citar fontes relativas às metodologias analíticas [1], à legislaçâo [2], a padrões de qualidade [3], entre outros. No entanto, a maior sensibilidade e/ou sensitividade das técnicas analíticas exige um esforço constante no intuito de atender a demanda analítica. E esta demanda não está relacionada apenas à comprovação da capacidade em se determinar teores de contaminantes em diversos níveis de concentração, inclui também a possibilidade de fornecer estas informações em um tempo cada vez menor. E, no intuito de atender as constantes demandas, há um esforço também continuado do meio acadêmico no intuito de aprimorar a eficiência analítica [4 a 6]. Existem inúmeras estratégias que podem ser empregadas no desenvolvimento de novas estratégias analíticas [7,8], no entanto, algumas ferramentas não se tornaram corriqueiras para a maioria dos pesquisadores, entre elas podemos citar as ferramentas quimiométricas, como o planejamento fatorial. As ferramentas quimiométricas, têm como vantagem principal a facilidade na interpretação dos resultados obtidos, além da otimização dos experimentos [9]. Neste sentido, o planejamento fatorial é uma estratégia potente, haja vista, que ao ser usado no desenvolvimento da metodologia analítica, permite mensurar a contribuição de cada fator estudado, bem como a interação entre todos. Certamente, nas últimas décadas, um dos grandes avanços das estratégias analíticas, mais especificadamente relativo ao preparo de amostras, que, rapidamente se popularizou, foi o uso da energia de micro-ondas. Esta energia possibilitou que a solubilização pudesse ser realizada em fornos em tempos muito mais reduzidos, com menor gasto de reagentes, com menor geração de efluentes, com menor contaminação e consequentemente com maior confiabilidade [10]. Os primeiros experimentos foram feitos com os fornos de micro-ondas caseiros, mas, rapidamente surgiram os equipamentos comerciais. Nestes, havia basicamente dois sistemas: fechado e aberto. O primeiro para até duas amostras, permitia a digestão de massas maiores, isto é, superiores a 1 g. Já no sistema fechado o número de amostras preparadas simultaneamente pode chegar a 12, no entanto, há uma restrição maior da massa da amostra, recomendada menor do que 800 mg e há também uma limitação no volume a ser digerido, até 20 ml [11]. Este ponto, para laboratórios analíticos destinados ao monitoramento da qualidade de águas e efluentes, pode ser uma desvantagem considerável. Neste trabalho apesar de ter sido usado o sistema fechado de digestão assistida com micro-ondas, a limitação de até doze amostras foi superada, pois, o sistema usado permite a digestão simultânea de um número maior de amostras. E, para a otimização do procedimento analítico com este sistema foi empregado o planejamento fatorial 2 3, usando como fatores onde as variáveis foram o volume das amostras, dos reagentes e o tempo de digestão. Para a definição dos fatores a serem avaliados, se baseou na norma EPA 3015A [12]. 2. EXPERIMENTAL 2.1. Amostras As amostras usadas neste trabalho foram coletadas em várias dependências do IFUSP (Instituto de Física da Universidade de São Paulo). A definição dos pontos de coleta de água de torneira baseou-se em conhecimento prévio da idade das tubulações acopladas. Esta decisão foi tomada, pois, sabe-se que as tubulações antigas eram de ferro fundido, as quais são bastante sujeitas à oxidação. Apesar de o IFUSP reformar constantemente suas instalações ainda há muitos locais, principalmente nos laboratórios e em banheiros onde a tubulação ainda é a original. Também foram coletadas amostras de água de torneira onde a tubulação já é de PVC. A coleta, em garrafas de PET, foi feita no início do expediente para que pudesse ser amostrado o primeiro fluxo e coletou-se cerca de 100 ml de cada amostra. Até o momento do preparo foram mantidas sob refrigeração. 2
2.2. Planejamento Fatorial O planejamento fatorial 2 3 é usado toda vez que estamos interessados em descobrir como a resposta dependerá de três fatores, neste caso: HCl, HNO 3, e volume da amostra. Desta forma é necessária a realização de 2 3 = 8 ensaios. Foram escolhidos os níveis de 1 e 3 ml para cada um dos ácidos e volumes de amostra de 07 e 15 ml. Como mencionado anteriormente este níveis foram escolhidos tomando-se como base o método 3015A da EPA [12]. A matriz de planejamento com as combinações é apresentada na Tabela1. Fatores 1. HCl 2. HNO 3 3. Volume da Amostra Limite Superior (+) Limite Inferior (-) 3 ml 1 ml 3 ml 1 ml 15 ml 7 ml Ensaio HCl HNO 3 Volume da Amostra 1 + - - 2 - - - 3 + + - 4 - + - 5 + - + 6 - - + 7 + + + 8 - + + Tabela 1. Planejamento Fatorial 2 3 2.3. Digestão Assistida com Energia de Micro-ondas O planejamento fatorial apresentado na Tabela 1 foi inicialmente executado na amostra coletada contendo mais material em suspensão (lado esquerda da Figura 2), justamente para que o procedimento aplicado possa ser futuramente usado em amostras de efluentes. Além dos ensaios supramencionados, foram feitos dois brancos, um para cada volume de amostra em questão. Estes brancos na verdade servem para o monitoramento do efeito da energia de micro-ondas sobre a amostra. Fig. 1. Exemplo de amostras de torneira coletadas (Lado esquerdo: tubulação ferro fundido e Lado direito: tubulação PVC) No intuito de agilizar o preparo das amostras, foi criado um sistema alternativo que permite o preparo simultâneo de até 70 amostras. Este sistema é acoplado dentro do forno digestor comercialmente disponível (DGT 100 Plus, Provecto Analítica). Na figura 2 o sistema alternativo completo (a) e em detalhes (b) é mostrado. 3
a) b) Fig. 2. Sistema alternativo para a digestão a) Suportes encaixados no prato giratório do forno, b) Suporte contendo água em sua base e o tubo com a amostra. Como se pode ver pela Figura 2 há cinco suportes onde, em cada um deles, são colocados cerca de 30 ml de água destilada e no adaptador superior o frasco de digestão. Este frasco de digestão com tampa é de borosilicato com capacidade para 25 ml. 2.3. Medidas de Absorção Molecular na Região do Ultravioleta No intuito de se poderem avaliar os efeitos dos ensaios do planejamento fatorial, as amostras foram analisadas no espectrômetro de absorção molecular na região do ultravioleta-vísivel (UV-Vis). As amostras foram transferidas para cubetas de quartzo e a varredura feita no equipamento Cary 500 (Varian). 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A Figura 3 apresenta os espectros obtidos para as amostras, apresentadas na Figura 1, sem qualquer tratamento. Esta mesma aparência foi obtida para as demais amostras e, como se pode ver há uma clara diferenciação entre amostras coletadas em torneiras acopladas às tubulações de Ferro fundido e as de PVC. Fig. 3. Espectro na região do UV-Vis de Amostras de Água de Torneira O espectro da Figura 3 concorda com os resultados obtidos por Rudorff e colaboradores [13], evidenciando que a amostra mais amarelada contém na verdade muitos sólidos em suspensão e matéria orgânica dissolvida. 4
Fig. 4. Amostras de Água de Torneira Digeridas Na Figura 5 estão apresentados os detalhamentos de uma região espectral das amostras, oriundas da tubulação de ferro, digeridas de acordo com o planejamento fatorial. São também apresentados os espectros de alíquotas de 7 (TFe 7 ml MO) e 15 ml (TFe 15 ml MO) que foram apensas submetidas ao aquecimento no forno de micro-ondas. A indicação na legenda PF# corresponde ao experimento descrito na Tabela 1. Fig. 5. Espectro na região do UV-Vis da Amostra (Figura 1) de Torneira Digeridas de acordo com o Planejamento Fatorial Fica evidente que a digestão promoveu a destruição dos compostos em substâncias mais simples, uma vez que as bandas deram origem a picos mais bem definidos. Há também uma forte indicação, através da relação sinal/ruído de que os ensaios 3 e 4 são os que possibilitarão uma maior sensibilidade analítica, em função da melhoria da razão sinal/ruído. Indicando que, provavelmente, a contribuição do HNO 3 é a mais significativa. Os picos apresentados nos espectros da figura 5 são correspondentes aos máximos de absorção da molécula de água. 5
Às amostras digeridas não foram adicionados quaisquer reagentes complexométricos logo, não foi possível observar-se quaisquer bandas características de contaminantes, na região do UV-VIS e, portanto o cálculo dos efeitos, e suas interações, para os mesmos não foi possível. No entanto, foram usados os máximos de absorção de água através dos picos mais evidenciados, na figura 5, para calcular-se a contribuição de cada efeito. Este cálculo foi feito com o auxílio do programa Action 2.9 e o gráfico obtido está apresentado na figura 6. Ao analisarmos a figura 6 fica comprovado que a contribuição do HNO 3 foi a mais significativa seguida pelo volume da alíquota a ser digerido. Apesar deste comportamento diferenciado, ambas as contribuições estão dentro da faixa de erro do planejamento fatorial adotado. Lenth s Plot Efeitos -0.04-0.02 0.00 0.02 0.04 HCl HNO3 Va HCl:HNO3 HCl:Va HNO3:Va HCl:HNO3:Va ME ME Fatores Figura 6. Contribuição dos Efeitos Individuais na Digestão das Amostras de Água O uso rotineiro do programa de digestão implicará em avaliação dos experimentos do planejamento fatorial tomando-se como base a resposta de analitos específicos e assim, pretende-se, em uma próxima etapa, adicionar reagentes cromóforos às amostras digeridas para viabilizar o cálculo dos efeitos nos contaminantes. 4. CONCLUSÕES O acessório alternativo se demonstrou eficiente na digestão simultânea das amostras e a utilização da ferramenta de planejamento fatorial, certamente contribui para uma maior compreensão dos fenômenos existentes na digestão ácida. AGRADECIMENTOS Agradeço aos funcionários dos laboratórios do IFUSP que permitiram a coleta das amostras. 6
REFERÊNCIAS [1]APWA, AWWA, WEF, 2005. Standard Methos for the Examination of Water and Wastewater, 21 st ed., American Public Health Association, Washigton. D.C.. [2] BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 2914, de 12/2011. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 2011. Seção 1, p. 39-46. [3] EPA, Environmental Protection Agency, Estándares del Reglamento Nacional Primario de Agua Potable, http://water.epa.gov/drink/agua/estandares.cfm (acessado em 20/10/2015). [4] G..Girotto, Nogueira, K. L., Moura, J. A., Souza,J. B. Giacometti,L. L. Marchi, M., R.R., Tognolli, J. O., Estrógenos em água: otimização da extração em fase sólida utilizando ferramentas quimiométricas, Eclética Química Volume 32, número 2, 2007, p 61-67. [5] S. S. Caldas, F. F. Gonçalves, E. G. Primel, O. D. Prestes, M. L. Martins, R. Zanella, Principais Técnicas de Preparo de Amostra para a Determinação de Resíduos de Agrotóxicos em Água por Cromatografia Líquida com Detecção por Arranjo de Diodos e por Espectrometria de Massas, Quim. Nova, Vol. 34, No. 9, 1604-1617, 2011. [6] D. Q. Hung, O. Nekrassova, R. G. Compton, Analytical methods for inorganic arsenic in water: a review, Talanta Vol. 64, Issue 2, 8 October 2004, Pages 269 277. [7] M. Swartz, I. Krull, Handbook of Analytical Validation, CRC Press, 2012. [8] EURACHEM, Quality Assurance for Research and Development and Non-routine Analysis, 1998. [9] B. B. Neto; I. S. Scarminio; R. E. Bruns Como fazer experimentos: Aplicações na Ciência e na Indústria, 4ª edição, Bookman, 2010. [10] F. J. Krug (Ed.), Métodos de preparo de amostras, Ed. ESALQ, 2008 [11] H. M. S. Kingston, S. J. Haswell (Eds), Microwave-Enhanced Chemistry: Fundamentals, Sample Preparation, and Applications, ACS Professional Reference Book, 1997. [12] EPA, Method 3015ª, Microwave Assisted Acid Digestion of Aqueous Samples and Extracts, 2007. [13] C. de M. Rudorff, E. M. L. de M. Novo, L. S. Galvão, Spectral mixture analysis for water quality assessment over the Amazon floodplain using Hyperion/EO-1 images, Ambi-Agua, p 65-79 2006. 7