O RACISMO NO DISCURSO DO SEGMENTO JUVENIL DA CATALUNHA. *AUTORA: REJANE SÁ MARKMAN RESUMO Investigação que verificou a existência de atitudes de racismo e xenofobia no discurso implícito dos jovens da Catalunha. Os sentimentos de discriminação, que são considerados como produtos dos modelos da memória individual e moldados a partir dos modelos sociais, foram percebidos pela utilização dos moves presentes no discurso explícitos dos jovens entrevistados, cuja origem são a família e os meios de comunicação. * Socióloga, mestre em Ciência Política, doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidad Autónoma de Barcelona, professora de Métodos e Técnicas de Pesquisas em Comunicação da UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco. 1.INTRODUÇAO 1
Este trabalho, que utilizou a técnica da análise de discurso, pretendeu contribuir para enriquecer o acervo dos estudos culturais atuais (BARKER e BREEZER:1994), utilizando a metodologia divulgada por Van Dijk que analisa o tema do racismo presente na comunicação pela via da cognição social e através da análise crítica do discurso. A pesquisa analisou o discurso sobre os imigrantes de um grupo representativo do segmento juvenil da Catalunha, jovens da faixa etária de 16 a 18 anos, alunos de classe de Literatura do Curso de Orientação Universitária do Instituto de Enseñanza Secundaria Angelita Ferrer i Sensat, da cidade de Sant Cugat del Vallés, próxima a Barcelona. As técnicas de investigação utilizadas foram a análise do discurso (escrito e oral), obtido através de texto redigido pelos participantes contendo comentários acerca de um vídeo sobre racismo e a discussão de conceitos discriminatórios mostrados pelo vídeo cujo conteúdo foi obtido em trabalho de grupo. A análise das atitudes dos jovens partiu da hipótese de que os jovens representam um grupo social progressista, que por ser aberto ás novidades convive muito bem com a diversidade cultural. Entretanto, como hipótese contraditória, admitiu-se que esse grupo poderia apresentar atitudes preconceituosas contra os imigrantes por influências do modelo da memória social que de forma autoritária divulga deles uma imagem 2
depreciativa, através dos meios de comunicação de massa e de outros agentes sociais. A construção dos conceitos que orientaram o estudo tomou como referencial teórico a teoria da cognição social de Van Dijk (1994 A,p.57-62). Essa teoria estuda os actos de habla como sendo reflexos dos conhecimentos sociais adquiridos através da socialização e que definem para os indivíduos uma perspectiva da sociedade que é uma reprodução da visão do grupo social ao qual pertencem. Desse modo, os preconceitos seriam esquemas mentais compartilhados por pessoas com padrões de socialização semelhantes. Os discursos sociais introduzidos através dos textos escolares, da fala quotidiana, profissional e institucional, dos meios massivos com os quais os indivíduos entram em contato funcionariam como elementos de dominação e persuasão que geram atitudes e depois comportamentos de racismo e de rechaço aos estrangeiros. Esse repertório é ditado por uma ideologia do grupo dominante que é imposta a população e quando se cristaliza passa a constituir os valores. Em especial, se percebe a ocorrência dessa intencionalidade na produção e construção do discurso social dos médios de comunicação de massa. A hierarquização dos fatos que são notícia impõe uma visão particular e comentada da realidade social que é uma re-construção dessa realidade. A postura da comunicação de massas 3
é induzir a audiência a consumir pautas de lecturas de la realidad social y de estereotipos comportamentales relacionados con divisiones sociales (MORENO:1989.P.48) e, por conseqüência, com os preconceitos. Dessa forma, a atividade da mídia produzirá a transmissão diacrônica da memória coletiva, a curto e largo prazo, ao mesmo tempo em que promove o reconhecimento e o reforço dos valores, das crenças e das opiniões entre os membros da sociedade que consomem esse discurso (VELÁSQUEZ:1990.P.20). Para que se possa entender melhor esse processo, teremos que falar das estruturas mentais dos indivíduos que convivem e recebem influências das representações presentes na memória social imposta. São os denominados modelos na memória que se constituem em repertório de cognições e sentimentos que armazenamos e que a partir dele interpretamos e valoramos as pessoas, as circunstancias quotidianas e as coisas. Tendo isso em mente, a definição de preconceito seria : atitude social de um grupo que vem a ser parte da cognição social e que é expressada pela população geral. Os preconceitos viriam do nível cultural (mental) e não do nível empírico. No caso presente, as atitudes que as pessoas desenvolvem sobre os estrangeiros seriam construídas a partir de conceitos, que em geral são estereótipos, que são ouvidos e lidos e que quase nunca procedem dos atos de sua vivência, de suas experiências 4
pessoais com os coletivos imigrantes. O mais curioso é que as pessoas que expressam essas estruturas de discriminação utilizam para justificá-las argumentos contraditórios com a importância positiva que atribuem a valores como igualdade, democracia, justiça e outros semelhantes. Os comportamentos muitas vezes não correspondem as opiniões emitidas sobre os estrangeiros: os vizinhos podem não ser hostís mas se referem a eles como diferentes e não como pessoas que integram o seu coletivo social. Percebe-se que não há abertura por parte dos nacionais para a integração dos de fora. A visão depreciativa dos outros se baseia na idéia de que os imigrantes são pessoas que não têm como sobreviver e chegam para desestabilizar o equilíbrio social do grupo, nunca para contribuir com sua cultura e conhecimentos para a melhoria da ordem social. Quando se investiga conceitos sobre racismo não se pode perceber com relativa facilidade pela opinião dos entrevistados (que é o discurso explícito ) os preconceitos que desenvolvem contra minorias. Os sentimentos negativos estão presentes no discurso implícito, embora esse seja mais difícil de ser percebido. As perguntas diretas das pesquisas de opinião são ferramentas incompetentes para obter até que ponto são reais as declarações das fontes de aceitação dos coletivos. Os entrevistados, em geral quando inquiridos sobre racismo, declaram não ter preconceitos de raça, de classe e de religião 5
contra os estrangeiros, ainda que deixem entrever pela emissão de algumas expressões (os denominados moves) o desprezo que pode se explícito através da comiseração e a não aceitação dos diferentes. Segundo Van Dijk, os moves são palavras ou expressões que se relacionam com outras como passos funcionais de uma estratégia e que são utilizadas como complementares para atenuar opiniões de discriminação. Funcionam em duas etapas complementares do discurso: a apresentação positiva do nós e a apresentação negativa dos outros. O referencial teórico definido apresenta algumas frases que contem os moves mais utilizados para iniciar um relato: a negação aparente - Eu não tenho nada contra os imigrantes (os negros, ou os ciganos) mas... ; a concessão aparente - Também há negros inteligentes, mas... ; a transferência de responsabilidades - Dizem que... ; Não emprego imigrantes porque os clientes não gostam.... Além dessas expressões, pode-se perceber o contraste, a oposição no uso de eles e nós, meu vizinho negro, aquela gente, eles... A análise da linguagem estrutural realizada neste estudo, levou em consideração o discurso implícito e algumas expressões que serviram de guias para perceber os preconceitos na fala dos entrevistados: 6
1.a valoração negativa dos outros que ao referir-se aos imigrantes ressalta as diferenças como coisa negativa, pois o que fazem os nacionais é sempre melhor. 2. a ênfase nas atitudes e nos hábitos culturais dos imigrantes de cultura oriental considerando-os negativos e relacionando-os aos valores da cultura ocidental tida como parâmetro. 3. atitude de desprezo que se revela em comentários piedosos sobre a situação social precária das minorias; Eles vêm, coitados, de sua terra para não morrer de fome e devem ser ajudados por nós que temos mais que eles (caridade em vez de oportunidades). 2.A ANÁLISE DOS DADOS 2.1.O conteúdo do discurso juvenil, escrito e oral. Os entrevistados declararam suas opiniões, estimulados a escrever e falar sobre os imigrantes. O que se pretendia obter era: como eles se identificavam com indivíduos do coletivo (de forma positiva ou negativa), quais as vantagens/desvantagens que percebiam na convivência social com os imigrantes e quais as fontes dos preconceitos que apresentassem. Verificou-se que, ainda que afirmassem não discriminar os imigrantes, os elementos que mais utilizaram na identificação foram categorizados como negativos (cor da pele, traços físicos, maneira de agir e de vestir ). Os aspectos positivos ( hábitos culturais, crenças religiosas, idioma) foram 7
citados, porem unidos a moves e a estereótipos circulantes socialmente. Ao discorrerem sobre as vantagens e desvantagens que a presença dos imigrantes poderiam acarretar para a sociedade espanhola, algumas declarações, seguidas do uso de novos moves, mostraram que o discurso implícito dos jovens estava impregnado de conceitos circulantes de preconceito e xenofobia. ( Dizem que eles ocupam postos de trabalho que deveriam ser dos naturais do país, Quando trabalham não há problemas, mas quando não conseguem trabalho, podem converter-se em delinqüentes... As pessoas de outras nacionalidades que convivem em nosso país podem faze-lo, desde que respeitem a nós e a nossa cultura.) Pelo discurso dos jovens percebeu-se que a imagem negativa dos imigrantes, de seus costumes e do seu papel na sociedade em que convivem, parece ser imposta pelos meios de comunicação de massa. As induções surgem nas mensagens da televisão, do cinema e dos jornais (filmes e notícias que retratam outras culturas como atrasadas ( as sociedades dos países islâmicos tratam a mulher como seres inferiores, eles têm uns costumes bárbaros ) e relacionam os estrangeiros com crimes, desemprego e marginalização social, pois ressaltam a participação deles enquanto minimizam as dos espanhóis. A imagem que produzem dos imigrantes é de uma onda invasora que vive em situação de ilegalidade, a devorar os postos de trabalhos dos nacionais e a gerar problemas sociais e delinqüência. Não houve memória de notícias que associassem os imigrantes a situações amenas. Outra fonte dos preconceitos percebidos nos jovens é a família, que de certa forma reflete e reproduz a visão discriminatória circulante da sociedade. Nas conversações familiares o tema imigrantes não é muito constante, mas alguns jovens confessaram que seus 8
pais se expressam de forma francamente preconceituosa com relação aos imigrantes ( Meus pais acham que seria melhor que eles voltassem para sua terra, eles estão relacionados com drogas, aqui, eles tomam os empregos dos verdadeiros espanhóis ). As declarações dos entrevistados deixou claro que os conceitos que eles esboçam em relação aos imigrantes são fruto de conceitos que ouviram, leram e não de experiências vividas. Solicitados a falar de seus contatos com imigrantes, apenas dois dos jovens haviam tido uma relação negativa de violência ou mal-estar com um estrangeiro ou presenciado fatos que produzissem imagem depreciativa de pessoas desses coletivos. 2.2. As estruturas mentais dos preconceitos: a associação de palavras. Foi utilizada a técnica de associação de palavras para perceber os conceitos discriminatórios inconscientemente presentes na cognição dos entrevistados. As palavras: imigrante, negro, chinês, cigano, marroquino, racismo, xenofobia foram apresentadas aos entrevistados para que citassem vocábulos que lhes sugerissem associação com elas. O objetivo era obter dos jovens a visão inconsciente de aceitação ou rejeição ao racismo e aos imigrantes. Verificou-se que o coletivo cigano aparece como o mais rechaçado ( rechaço, desprezo, pessoa de classe baixa, são algumas das palavras associadas ao vocábulo). Com relação aos negros e outros imigrantes, as associações revelam sentimentos de comiseração e curiosidade ( o chinês é inofensivo, o negro vive mal, o muçulmano é pobre e ignorante ). A análise das palavras referidas aos vocábulos racismo e xenofobia, parece haver uma declaração velada de não sou 9
racista, mas... Ainda que considerem que ter posições xenófobas seja inútil e reprovável, reconhecem que é uma atitude muito comum na sociedade espanhola. Conclusões O estudo realizado, pelas suas características, revelou as tendências dos preconceitos de um grupo social específico - os jovens da Catalunha - cuja visão de mundo e convicções sobre o tema estão sendo moldados. Revelouse que as mensagens trazidas pelos meios de massa e pelo discurso sociedade geral ao seu redor parecem ser muito significativas para as convicções que estão construindo. A presença dos moves nos discursos analisados revelou como o racismo está plantado nas estruturas mentais dos entrevistados. Nas conclusões que pudemos sacar na análise dos discursos, ficou aparente que os jovens apresentam mais sentimentos de curiosidade que de discriminação cristalizada em suas mentes. Entretanto, no discurso implícito ( la habla muda) se percebe a presença de elementos que apontam para a reprodução da visão racista inoculada pela comunicação de massa e pela família, que funciona como elemento catalisador dos conteúdos discriminatórios circulantes no chamado modelo da memória social. Os discursos analisados revelaram que a imagem que os jovens têm dos 10
imigrantes é de que são gente estranha, talvez perigosa, que têm hábitos culturais diferentes que devem ser mudados para que possam conviver socialmente na Espanha. Esse e outros dados revelam, também, sentimentos de desprezo e de superioridade dos espanhóis ante as culturas das minorias com as quais convivem, até mesmo com relação a cultura gitana que é responsável por conteúdos significativos, assimilados pela cultura espanhola, alguns dos quais constituem um toque de identificação da Espanha perante os outros países, como a música e a dança. ( Observação: Conteúdo resumido e traduzido do original em castelhano) BIBLIOGRAFIA BARKER. M e BEEZER,A (1992) Introducción a los estúdios culturales, Bosch Comunicación, Barcelona. MORENO,Amparo,(1989) Metodologia para la investigación histórica de la prensa, in Quaderens d História de la Comunicació Social, no. 8, (2 a.edició ampliada), julió, Bellaterra. VAN DIJK, Teun, (1993) Elite, discourse and racism, Newbury Park, CA, Sage. 11
(1994A) Análisis crítico del discurso, Quadernos de la Maestría en linguistica, no. 2, (p.0-21) octubre, Colombia. (1994B) Discurso, poder y discriminación, op.cit. (p.22-55) (1994C), Estructura discursiva y cognición social.op. cit.(p.57-93 ) (1993) Discurso en la memória, mimeo, Barcelona. VELÁSQUEZ, Teresa Garcia-Talavera, (1990) Los Políticos y la televisión, Editorial Ariel, S. A, Barcelona. 12
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e que indicam: - a negação aparente: Eu não tenho nada contra os imigrantes,(ou negros) mas.... -a concessão aparente: Também há negros inteligentes, mas... - o contraste, a oposição: o uso de eles e nós, que se pode perceber junto a expressões: meu vizinho negro, o turco..., aquela gente, eles... Algumas vezes se pode ver com claridade o rechaço quando se fala de seus costumes ao dizerem: devem adequar-se a nossa forma de agir e pensar... Também foram consideradas como elementos de análise, a presença nas opiniões emitidas pelos entrevistados de algumas categorias mais ou menos fixas, como: 14
- a aparência das pessoas do coletivo. Na descrição das diferenças entre os entrevistados e os imigrantes, o que é ressaltado é a aparência física: cor da pele, traços físicos característicos, etc. E não aspectos culturais como : idioma, religião, costumes, tomados em positivo. -O aspecto sócio - econômico. O questionamento de por que vem, como sobrevivem, os preconceitos causados pela presença dos imigrantes como fator de agravamento dos problemas econômicos na sociedade receptora, etc. - os aspectos negativos da cultura. Se pode dar ênfase as atitudes e hábitos culturais e não a aparência dos imigrantes ou considerar negativos alguns desses hábitos e relacioná-los aos de sua própria cultura. As questões que foram consideradas neste trabalho foram: Como são vistos pelos jovens os imigrantes? Até que ponto as idéias que tem sobre eles são geradas pelos preconceitos sociais circulantes? Em que medida o repertório juvenil se assemelha ou se diferencia do repertório dos adultos? Que conteúdos de discriminação aparecem na linguagem muda dos jovens? Além de procurar conhecer as fontes dos preconceitos expressos no discurso juvenil se buscou saber até que ponto a experiência oriunda da convivência com os coletivos imigrantes é responsável pela visão negativa dos entrevistados. 15