Imigração: problema ou solução? Análise Segurança / Integração Regional Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira 29 de abril de 2004
1 Imigração: problema ou solução? Análise Segurança / Integração Regional Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira 29 de abril de 2004 Renunciou a seu cargo, na manhã do dia 1o deste mês de Abril, a Ministra Adjunta da Imigração do Reino Unido, Berveley Hughes. Este acontecimento deve ser visto como resultado final de uma crise maior que já vinha acontecendo nos âmbitos do Ministério do Interior, ao qual se subordina o Ministério da Imigração, e do próprio Parlamento britânico, envolvendo a concessão de vistos de permanência no Reino Unido a cidadãos romenos. R enunciou a seu cargo, na manhã do dia 1o deste mês de Abril, a Ministra Adjunta da Imigração do Reino Unido, Berveley Hughes. Este acontecimento deve ser visto como resultado final de uma crise maior que já vinha acontecendo nos âmbitos do Ministério do Interior, ao qual se subordina o Ministério da Imigração, e do próprio Parlamento britânico, envolvendo a concessão de vistos de permanência no Reino Unido a cidadãos romenos. A oposição conservadora britânica vinha acusando, no Parlamento, o Ministério do Interior de ter concedido vistos a estes cidadãos mesmo diante de documentos falsos por eles apresentados. Na semana que antecedeu à sua renúncia, em entrevista concedida a um canal da TV aberta britânica, a ministra Berveley Hughes foi perguntada, a respeito destas acusações, se de fato o Ministério tinha conhecimento de que os documentos com base nos quis os romenos solicitaram seus vistos eram falsos. Tendo respondido de forma evasiva a esta pergunta, a Ministra continuou deixando margem às acusações da oposição conservadora. Assim, investigações acerca do caso continuaram, tendo trazido a público a correspondência enviada por Bob Ainsworth, membro da alta cúpula do Partido Trabalhista, à Ministra Hughes, alertando-na acerca de irregularidades nos documentos dos cidadãos romenos. Diante dessa prova de que o Ministério estava ciente quanto à natureza dos documentos dos romenos, só restou à Ministra a renúncia. Encerrado o caso, pronunciaram-se a respeito tanto membros da oposição conservadora quanto o Primeiro Ministro Tony Blair. Para os primeiros, o que se mostrou mais relevante em toda a crise foi que a política de imigração do governo está um caos ; para o último, por sua vez, importou dizer que a questão imigratória é muito relevante principalmente pelo fato de a maior parte dos estrangeiros que trabalham atualmente no Reino Unido ocupar empregos em setores chave, como saúde, educação e tecnologias de informação, donde deve-se vê-los como essenciais à economia britânica. A partir disto, o que se pode notar é que, para além da crise doméstica que culminou na renúncia da ministra britânica, diversos atores da sociedade têm se envolvido e preocupado com a questão imigratória, nos últimos tempos, de forma singular e isso não só no Reino Unido, mas também na maior parte dos países desenvolvidos do mundo. Tanto
2 entre políticos conservadores, quanto entre aqueles de postura esquerdista; tanto entre observadores da mídia sensacionalista, quanto entre os mais respeitados demógrafos da atualidade: o tema da imigração tem estado claramente em foco nos dias atuais e, portanto, merece ser analisado mais detidamente. A principal causa da centralidade desse tema na agenda política dos países desenvolvidos, atualmente, pode ser encontrada no que revelam dados demográficos acerca do envelhecimento de suas populações. Entre demógrafos já é comum dizer que nas próximas décadas o que assistiremos será a transformação do mundo desenvolvido em uma imensa Flórida, em uma referência ao estado dos EUA com maior concentração de idosos já encontrada: 19% de sua população total. Pesquisas recentes revelam que a Itália já atingiu esta mesma proporção de idosos no ano de 2003, e que será seguida pelo Japão em 2005, pela Alemanha em 2006, pela França e Reino Unido em 2016 e, finalmente, pelos Estados Unidos e Canadá em, respectivamente, 2021 e 2023. Para que se possa comparar esta proporção com os níveis já atingidos em outras épocas, vale ressaltar que nos últimos cinqüenta anos a expectativa de vida global aumentou mais do que fizera durante os últimos cinco milênios. Até a Revolução Industrial, o percentual de pessoas com mais de 65 anos nunca ultrapassou o nível de 3% da população. Hoje, no mundo desenvolvido, esses indivíduos constituem 14% de toda a população. No ano de 2030, serão 25% e, em alguns países, estarão aproximando-se dos 30%, afirma Peter G. Peterson em ensaio seu acerca do tema do envelhecimento global. Há três implicações mais diretas e cruciais desse processo que atingem diretamente os estados nela envolvidos: a falta de mãode-obra, a proporção preocupante entre contribuintes ativos e aposentados inativos e a pressão migratória. Todas estas implicações geram preocupações com as quais os estados têm lidado por meio de reformulações de suas políticas públicas, não sem causar crises e suscitar debates tanto em âmbito doméstico quanto internacional. A título de exemplo, vale lembrar a recente discussão em torno da proibição do uso do xador por meninas muçulmanas em escolas da rede pública francesa, clara reprimenda a manifestação do modo de vida da minoria muçulmana que vive na França, e em outros tantos países da União Européia, e que tem crescido cada vez mais. A falta de mão-de-obra, conseqüência mais previsível do fato da crescente expectativa de vida de países desenvolvidos a que nos referimos estar sendo acompanhada por um também crescente declínio em suas taxas de natalidade, pode ser analisada como causa das outras duas implicações do processo de envelhecimento populacional. Isto porque é ela que tem gerado tanto a desproporção entre pessoas economicamente ativas e aposentados, quanto à pressão migratória. Neste sentido, retomando o ensaio de Peterson, pode-se prever uma pressão sobre a população economicamente ativa dos países desenvolvidos sem precedentes, já que a questão do envelhecimento geral de suas populações impacta diretamente em seus sistemas previdenciários: atualmente, a proporção entre contribuintes ativos e aposentados inativos no mundo desenvolvido é de cerca de 3 para 1. Se não houver nenhuma reforma, em 2030, essa proporção irá cair para 1,5 para 1 e, em alguns países como Alemanha e Itália, chegará mesmo a níveis como1 para 1, como afirma Peterson. A pressão migratória não é menos preocupante, também do ponto de vista socioeconômico dos estados desenvolvidos. Até a eclosão da Primeira Grande Guerra, os países agora envolvidos na questão do envelhecimento global representavam países de emigração
3 ou seja, países dos quais a população saía em direção a outras localidades. Foi neste sentido que, entre 1870 e1920, o mundo assistiu ao que hoje os historiadores chamam A Grande Migração, fluxo que se dirigiu especialmente da Europa para o continente americano, principalmente EUA, Brasil, Argentina e Chile. No entanto, depois do fim da Segunda Guerra até os dias de hoje, o que se vê é um movimento de mesmo sentido, mas direção oposta: emigração de países em desenvolvimento, entre os quais se destacam aqueles que se tornaram independentes recentemente por processos de descolonização, e imigração ou seja, estabelecimento espacial - em países desenvolvidos. Esta corrente migratória em direção aos países desenvolvidos, então, pode ser vista como solução para o problema de mão-de-obra engendrado pelo envelhecimento global. Entretanto, outras questões nela envolvidas dificultam que assim os estados desenvolvidos e suas populações a perceba. A razão disto deve ser buscada no fato de que, em geral, os imigrantes que se estabelecem em países desenvolvidos são jovens e tendem a reproduzir suas práticas familiares e culturais de origem, o que inclui taxas de natalidade elevadas. Assim, em muitos países europeus a proporção de estrangeiros em suas populações já atinge os 10% - e só tende a crescer. Os riscos implicados por isso são, claramente, o de conflitos culturais em função da chamada balcanização lingüística e religiosa, da divisão de eleitorados segundo linhas étnicas e do aumento da influência de dirigentes dos imigrados nas políticas doméstica e externa dos países que os recebem. Para além disto, tem-se configurado também um novo tipo de fluxo migratório entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos: a chamada transmigração. Os chamados transmigrantes, protagonistas deste fenômeno, são indivíduos que integram movimentos migratórios, mas não o fazem visando o pleno assentamento espacial e a integração à sociedade de destino o que é absolutamente distinto do que caracterizou A Grande Migração. Ao contrário, buscam mover-se entre países para melhorar suas condições de vida, mas agora temporariamente e não plenamente. Mudam para países vizinhos para trabalhar e gerar renda e estabelecem moradia fixa em território estrangeiro, mas não o fazem com finalidades que se entendem, localizam e podem ser realizadas de fato naquele território. Neste sentido, sua motivação ao conseguir trabalho naquele outro país e ali estabelecer moradia surge de questões relativas a seu país e grupo de origem. A renda que justifica sua saída, conquistada no exterior, já tem fração comprometida com seus familiares que tenham permanecido no país de origem. Planos futuros deste indivíduo incluem tanto seus países de origem quanto o de chegada - da mesma forma que suas famílias, dependendo de alguma forma de seu movimento, incluem em seus projetos de vida fatos, circunstâncias e questões surgidas naquele outro país. Este novo fenômeno, que tem atingido especialmente os EUA com a vivência de cidadãos mexicanos que cruzam a fronteira entre os países freqüentemente, trazem também claros desafios políticos para os países desenvolvidos, como a mesma ameaça de divisão étnica de eleitorados e o aumento da influência de imigrados na política doméstica e externa de seus países receptores, a que já nos referimos. Contudo, além disso, a transmigração implica também um questionamento da própria territorialidade dos estados nacionais, já que, no caso de mexicanos nos EUA, por exemplo, o governo do México tem mantido canais de televisão nos EUA para se dirigir a suas populações de transmigrantes e estimular a comemoração de datas nacionais e a
4 participação nas eleições mexicanas. O que todos estes dados acerca do envelhecimento global e do fenômeno imigratório atuais que se configuram no cenário internacional denunciam, então, é a centralidade de algumas questões demográficas, e de suas implicações sócioeconômicas, para a agenda política de países desenvolvidos e mesmo para a agenda internacional. Assim, é possível dizer que o episódio da renúncia da Ministra britânica a que nos referimos anteriormente denuncia não só uma crise doméstica relevante para o Reino Unido, mas também a pertinência da preocupação de diversos atores daquela sociedade com a própria questão da imigração e a atual necessidade de se pensar tanto suas causas e implicações quanto os desafios por ela colocados para os estados nacionais.