ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL: Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte



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Transcrição:

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL: Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte Roberto Rocha Coelho Pires Belo Horizonte 2001

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E PLANEJAMENTO MUNICIPAL: Uma Análise Neoinstitucional a partir do Caso da Prefeitura de Belo Horizonte Monografia apresentada no CURSO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO, HABILITAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CSAP) promovido pela ESCOLA DE GOVERNO (EG) da FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), sob orientação de Ricardo Carneiro. Roberto Rocha Coelho Pires Belo Horizonte 2001

AGRADECIMENTOS Agradeço de forma muito especial à Flávia Brasil que colaborou intensamente, das mais diversas formas, em todas as etapas de elaboração deste trabalho. Gostaria de agradecer também ao Ricardo Carneiro, pela orientação firme, à Claudinéia Jacinto, pela atenção e acesso à informação, ao Eduardo Batitucci, pelas conversas e orientação inicial, à Vera Westin, pelo interesse e dicas metodológicas, ao Bruno Lazarotti, por sua disposição e seus bons conselhos, ao Wieland Silberschneider, pelas valiosas conversas, à Gilmara Botelho, pelo ouvido atento, e a todos aqueles da Escola de Governo que apoiaram este projeto desde o início, em especial, ao Paulo de Tarso F.S. Linhares. iii

SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 1 1.1 - Apresentação... 1 1.2 - Relevância e necessidade de avaliação de políticas públicas inovadoras: justificativa.... 2 1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas Gerais.... 4 2 INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E O SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO MUNICIPAL.... 5 3 PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO.... 11 3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de planejamento municipal.... 11 3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e repercussões.... 14 4 - O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE: HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS.... 23 4.1 - Orçamento Participativo de 1994.... 23 4.2 - Orçamento Participativo de 1995.... 25 4.3 - Orçamento Participativo de 1996.... 27 4.4 - Orçamento Participativo de 1997.... 29 4.5 - Orçamento Participativo de 1998.... 30 4.6 - Orçamento Participativo de 1999-2000... 32 4.7 - Orçamento Participativo de 2001-2002... 35 5 NOVO INSTITUCIONALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO UM MODELO DE ANÁLISE.... 39 5.1 O Novo Institucionalismo.... 39 5.1.1 Antecedentes e Contextualização.... 39 5.1.2 Instituições... 41 iv

5.1.3 - Desenho Institucional... 43 5.1.4 - Mudança Institucional.... 48 5.1.5 - Heterogeneidade, sub-correntes e seus conceitos.... 50 a) O Novo Institucionalismo Histórico.... 50 a.1) O conceito de "dependência da trajetória" (path dependence)... 52 b) O Novo Institucionalismo na Escolha Racional.... 54 b.1) O conceito de "custos de transação"... 55 c) O Novo Institucionalismo Sociológico.... 56 5.1.6 - Análise Institucional... 58 5.2 Políticas Públicas.... 58 5.2.1 Políticas públicas: conceitos e noções básicas.... 58 5.2.2 - Avaliação de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional... 64 6 ANÁLISE NEOINSTITUCIONAL DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DAS MUDANÇAS PROVOCADAS SOBRE O ESTILO DE PLANEJAMENTO DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE... 76 6.1 - O Orçamento Participativo de Belo Horizonte e o processo de desenho institucional... 77 6.1.1 - Funcionalidade e Legitimidade.... 77 6.1.2 - Princípios orientadores do desenho institucional... 89 6.1.3 - Enforcement... 94 6.2 - Mudança institucional: origens e efeitos das mudanças provocadas sobre o estilo de planejamento... 99 6.2.1 - Dependência da trajetória: identificando os fatores que sustentaram a mudança institucional.... 99 6.2.2 - A noção de custos de transação e os efeitos da mudança institucional... 107 a) Captação e qualificação de demandas... 113 a.1) Critérios de Abrangência Social e Relevância Social... 113 a.2) O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU).... 114 a.3) Pré-requisitos de planejamento urbano... 116 a.4) Orçamento Participativo Cidade.... 117 v

b) Operacionalização e Organicidade... 118 b.1) Precisão na elaboração de projetos.... 118 b.2) Levantamento da capacidade executiva da URBEL e SUDECAP... 120 b.3) Maior autonomia financeira para as Administrações Regionais... 121 b.4) Integração e articulação intersetorial.... 121 b.5) Regionalização a partir de Unidades de Planejamento.... 122 b.6) Bianualidade.... 123 b.7) O Grupo Gerencial do OP... 124 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.... 133 7.1 - Validade da contribuição neoinstitucional para o estudo de políticas públicas... 133 7.2 - Orçamento Participativo e Planejamento: conclusão.... 135 8 BIBLIOGRAFIA... 137 9 - APÊNDICE.... 142 Relação de Entrevistas... 143 Quadro 9.1 - Descentralização Fiscal: países latino-americanos selecionados... 144 Quadro 9.2 - Estratégias de Descentralização: países latino-americanos selecionados... 144 Quadro 9.3 - Distribuição dos Recursos Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002... 145 Quadro 9.4 - Distribuição de Recursos para Empreendimentos Regionais e para Habitação nos Orçamentos Participativos de 1994 a 2001-2002... 147 vi

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 - Apresentação A presente monografia constitui o trabalho final de graduação do Curso Superior de Administração Pública, da Escola de Governo - Fundação João Pinheiro. Este trabalho pretende representar a compilação dos conhecimentos absorvidos e trabalhados ao longo dos quatro anos de formação na área da gestão pública. Adentrando a área de avaliação de políticas públicas, esta monografia tem como objetivo analisar, à luz do aparato teórico do Novo Institucionalismo, o Orçamento Participativo da Prefeitura Belo Horizonte e as mudanças provocadas sobre o planejamento a partir de sua implementação. Visando atender tal objetivo, o presente trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: numa primeira parte (Capítulo 2), o Orçamento Participativo é apresentado enquanto uma política pública inovadora, surgida no contexto do processo de descentralização de atribuições e poderes às esferas municipais; no Capítulo 3, o orçamento público é descrito como um instrumento de planejamento municipal e é apresentada uma extensa revisão da produção acadêmica sobre o Orçamento Participativo no Brasil, apontando antecedentes, contextualização e características; em seguida, o Capítulo 4 apresenta uma retrospectiva histórica de todo o processo de implantação e desenvolvimento do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, ressaltando cada alteração processada sobre a sua metodologia; o Capítulo 5, por sua vez, subdivide-se em duas partes, a primeira representa uma revisão teórica do Novo Institucionalismo, e a segunda, a partir do estabelecimentos de alguns conceitos e noções básicas relativas a políticas públicas, constitui um esforço de construção de um modelo / esquema de análise de políticas públicas a partir da visão neoinstitucional; na seqüência, o Capítulo 6 representa a aplicação, para o caso do Orçamento Participativo de Belo Horizonte, do modelo de avaliação desenvolvido, abordando primeiramente o momento do desenho institucional, para que num segundo momento, a partir da mudança institucional, sejam analisadas suas origens e os efeitos provocados sobre o planejamento municipal; por fim, o Capítulo 7, apresenta as 1

considerações finais e tenta estabelecer uma reflexão sobre a validade da análise neoinstitucional empreendida para o estudo de políticas públicas. 1.2 - Relevância e necessidade da avaliação de políticas públicas inovadoras: justificativa Um dos resultados verificados do processo de descentralização impulsionado após 1988 no Brasil foi o surgimento de diversos tipos de programas e projetos inovadores na gestão municipal. Trata-se de novidades que passam a ser incorporadas ao conjunto de processos e procedimentos que conformam a administração pública. Sendo assim, essas iniciativas inovadoras constituem importante objeto de avaliação. O caráter de novidade gera a necessidade de construção de uma base informacional sobre a dinâmica de funcionamento da política pública e sua integração junto ao ambiente institucional no qual se insere. Além disso, a relevância da avaliação de inovações, tal como afirma BOSCHI (1999), parte da constatação de que inexiste em teoria política uma explicação adequada sobre como se constróem novos desenhos institucionais na relação público - privado e, principalmente, uma vez implantados novos formatos para a produção de determinadas políticas, como estes vêm se consolidar no tempo como experiências consagradas, evidenciando a carência de uma teoria consistente da mudança institucional e do processo de institucionalização. Nesse sentido, uma política pública inovadora deveria ser avaliada minimamente em razão da necessidade de levantamento de informações acerca dos seguintes aspectos: o cumprimento de seus objetivos; necessidades e critérios para o seu aprimoramento; e bases para a sua disseminação. Iniciativas inovadoras na gestão pública local, após implementadas, devem ser avaliadas em relação ao cumprimento de seus objetivos. Por se tratar de uma novidade, os resultados obtidos devem ser monitorados para que seja possível determinar em que medida a iniciativa é bem-sucedida ou traz resultados positivos. Em casos em que os resultados esperados ou benefícios não se verificam, pode vir a ser constatado que a inovação não foi 2

capaz de agregar benefícios aos padrões anteriores de gestão, podendo ocorrer até a extinção do programa ou projeto. A avaliação de políticas públicas inovadoras adquire enorme relevância quando empreendida em prol da geração de informações para o aprimoramento desses programas ou projetos. Ao serem implementadas, essas políticas podem se deparar com a necessidade de adaptações e ajustes, na medida que estão sendo colocadas em prática pela primeira vez num determinado contexto. Avaliações para o aperfeiçoamento devem ser constantes, uma vez que o ambiente no qual políticas se inserem é dinâmico e instável, apresentando novas situações nas quais os procedimentos internos às políticas podem não se apresentarem bem adaptados. Um outro aspecto que atribui relevância à avaliação de políticas públicas é a necessidade de criação de bases e informações referenciais que possam gerar parâmetros para a disseminação das inovações. Com a descentralização e a maior autonomia delegada aos municípios, iniciativas pioneiras têm surgido por toda parte. Quanto mais rica for a base de informações sobre estas inovações, mais facilitado torna-se o processo de troca de experiências. É por esses e outros aspectos que se considera a realização de qualquer tipo de avaliação, que tenha como objeto políticas públicas inovadoras, um esforço de extrema importância. Tais esforços são fundamentais para o desenvolvimento de modelos mais aprimorados de gestão pública local. O desenvolvimento desses modelos encontra ainda forte impulso na inventividade dos governos locais, através da formulação de programas e projetos pioneiros. Antes de servirem ao aperfeiçoamento dos modelos de gestão, a avaliação de políticas inovadoras cumpre o papel fundamental de formar a base para a consolidação das iniciativas pioneiras enquanto práticas da gestão local. É nesse sentido que o presente estudo pretende avançar, sistematizando informações específicas sobre a dinâmica de funcionamento de uma das mais disseminadas e bem-sucedidas inovações surgidas no poder local: o Orçamento Participativo. Cabe ainda ressaltar que o presente esforço ganha ainda maior relevância frente a relativa carência de 3

produção teórica sobre os impactos do Orçamento Participativo sobre o planejamento e a gestão municipal. 1.3 - Relevância do trabalho para o Governo do Estado de Minas Gerais Acredita-se que o presente trabalho monográfico pode ser de grande utilidade para os envolvidos no processo de tomada de decisão no nível do governo estadual, na medida em que representa um incremento da produção teórica sobre a avaliação de políticas públicas, que por sua vez constitui subsídio para a análise e avaliação das políticas estaduais. Além disso, por se tratar de uma avaliação de política municipal, o presente trabalho acumula informações e conhecimentos que podem ser adicionados ao estoque do Estado no cumprimento de sua competência constitucional de prestar assessoramento técnico e administrativo para os municípios. É importante mencionar ainda, que a presente reflexão sobre a política do Orçamento Participativo pode se apresentar útil para o Estado, tendo em vista a tentativa de implementação do Orçamento Participativo no seu âmbito de atuação. Mesmo que inicialmente esta iniciativa não tenha sido bem sucedida, a possibilidade de novas incursões nesse sentido dotam este trabalho de significativa relevância. 4

2 - INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O SURGIMENTO DE INOVAÇÕES EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO MUNICIPAL A gestão das políticas públicas promovida pelo Estado Brasileiro, no período marcado pelo regime militar autoritário, tinha como um dos seus elementos mais característicos a centralização decisória e financeira na esfera federal. O governo central concentrava boa parte do escopo de decisões relativas ao desenho, formulação e implementação de políticas públicas, cabendo aos estados e municípios quando estes eram envolvidos em uma política específica o papel de apenas executá-las (FARAH, 1997; 2000a). Como sabido (ABRUCIO, 1994; DINIZ, 1985), o regime militar entra em crise, explicada, em grande parte, por aspectos ligados à legitimidade do governo. Foram dois principais conjuntos de fatores que levaram o regime à decadência: a) desequilíbrio financeiro gerado a partir da segunda crise do petróleo em 1979 e da crise da dívida em 1982, evidenciado pelo colapso do modelo de financiamento do estado desenvolvimentista (ABRUCIO, 1994); e b) a vitória oposiocionista nos principais estados da federação na eleições para governador em 1982 (ABRUCIO, 1994), proporcionada pelas reformas eleitorais. Paralelamente, conduzia-se a "transição democrática", caracterizada por um processo gradual de democratização. Tal processo constituía-se de um movimento de reformulação da estrutura legal do governo que teve, num primeiro momento, a reforma eleitoral como um dos principais aspectos (DINIZ, 1985). Já num momento posterior, o passo seguinte no processo de democratização política e administrativa concentraria esforços no sentido da descentralização. "A descentralização apresentou no ideário dos agentes decisórios uma estreita conexão com a democracia e, em certo sentido com razão, pois o ideal democrático é bem representado pelo sistema político que seja plenamente institucionalizado (...), marcado pela redistribuição efetiva de poder através do remanejamento de arenas decisórias e executivas (...) e 5

que compreenda toda a população, no sentido de possibilitar o acesso completo ao catálogo de direitos e liberdades" (PEREIRA FILHO, 1995). Em 1988, a promulgação da Constituição da República inaugura o tratamento dos municípios enquanto entes federativos, reconhecendo-os como parte indissolúvel do Estado. A descentralização preconizada por esta Constituição possibilitou a instauração paulatina de condições institucionais e políticas para uma atuação governamental mais democrática no nível local. Essa mudança constitucional vem abrindo caminhos para a instauração de novas institucionalidades que, em alguns casos, têm redefinido as relações entre Estado e sociedade (FJP, 2000). Neste quadro, o poder local é submetido a transformações no que diz respeito ao seu papel, assumindo novas responsabilidades e experimentando a exploração de novas potencialidades na busca de equacionar, quase que de forma independente, os desafios impostos pelas necessidades de desenvolvimento econômico, político e social. A descentralização implica a delegação de autonomia decisória do governo central para os governos regionais e locais, conferindo-lhes responsabilidade perante os cidadãos circunscritos nesses espaços. A rigor, a descentralização incorpora um conjunto de pelo menos três aspectos: a) administrativos - responsabilidade pela gerência da provisão de serviços públicos e gestão de políticas públicas (transferência de funções e atribuições); b) fiscais - responsabilidade na obtenção de recursos necessários ao financiamento das políticas (relativa autonomia tributária e de endividamento); e c) políticos - autonomia decisória quanto a forma de promover a política, a oferta de serviços, sua estrutura de financiamento, etc.(liberdade política) [GREMAUD, 2000]. As estratégias de descentralização e a extensão desse processo variam significativamente em diversos países da América Latina. No apêndice deste trabalho, (itens 9.1 e 9.2), encontram-se algumas tabelas e quadros que podem ilustrar melhor essa situação. O processo de descentralização foi e vem sendo largamente defendido por aqueles que encaram como um desafio a necessidade de tornar o aparato estatal cada vez mais 6

permeável ao interesse público, pela percepção dos seguintes benefícios listados por GREMAUD (2000): do ponto de vista político, a descentralização, por permitir a incorporação direta da participação popular nas escolhas públicas através da aproximação dos atores sociais, proporciona um maior controle sobre a burocracia e uma melhor percepção acerca da solução para os problemas de uma determinada comunidade; do ponto de vista econômico, a descentralização proporciona o aumento da eficiência alocativa, gerada pela maior facilidade de detecção das demandas em virtude da maior proximidade entre governo e governados. Além disso, essa mesma proximidade possibilita aos governos locais o desenvolvimento de estratégias para incrementar a arrecadação, capturando de maneira mais eficiente a capacidade contributiva dos cidadãos. Entretanto, a descentralização de autonomia e poder para os governos locais pode apresentar certos riscos. Quando o processo de descentralização é conduzido de forma desordenada, pode acarretar o agravamento de pelo menos dois problemas típicos: as desigualdades regionais e as dificuldades macroeconômicas. O primeiro problema refere-se ao fato de que localidades menos desenvolvidas atuando de forma mais autônoma, sem auxílio externo, encontrarão sérias dificuldades para solucionar os problemas já existentes. Enquanto localidades em estágio de desenvolvimento mais avançado poderão se tornar ainda mais dinâmicas. A descentralização também torna mais difícil a coordenação de políticas macroeconômicas nacionais. Uma vez que a autonomia é distribuída e delegada para os entes sub-nacionais, a implementação de políticas macroeconômicas nacionais conduzidas pelo governo central torna-se mais difícil e delicada, envolvendo problemas como cooperação e negociação. Em virtude desses riscos, um processo de descentralização requer o preenchimento de certos requisitos para que produza os benefícios esperados. Estes requisitos, de acordo com GREMAUD (2000), podem ser agrupados em três grandes conjuntos: a) capacitação das instâncias sub-nacionais; b) desenho das relações intergovernamentais; e c) instituições políticas. 7

O primeiro conjunto diz respeito à capacitação técnica tanto dos quadros burocráticos quanto dos aspectos infra-estruturais dos governos locais, de suma importância para que os efeitos da descentralização sejam processados em ações governamentais bem estruturadas. Quanto ao conjunto ligado às relações intergovernamentais, para que haja um processo de descentralização efetivo é necessário que seja delegada à esfera sub-nancional alguma capacidade de definição tributária, reduzindo sua dependência financeira em relação às transferências do governo central. Isso gera uma maior autonomia sobre o orçamento e, portanto, um maior grau de responsabilização para o governo local. Por fim, o terceiro conjunto de requisitos ressalta a centralidade do desenvolvimento de instituições que possam de fato incorporar a participação popular nos processos de decisão pública. Não sendo assim, a aproximação entre governo e sociedade, resultante da descentralização, não é capaz de produzir os efeitos democratizantes esperados. Dessa forma, é possível percebermos que o processo de descentralização acima definido e situado historicamente tem como um de seus elementos estruturantes a questão da participação popular. "Não havendo participação, dificilmente os benefícios da descentralização seriam alcançados" (GREMAUD, 2000). A participação passa a aparecer como resultado de mudanças que envolvem tanto a sociedade quanto o governo. De um lado, ocorre a aproximação entre governante e governado, de outro, o governo é dotado de maior autonomia para melhor atender as demandas específicas de sua comunidade local. Tal fenômeno é claramente percebido através do surgimento de programas e projetos municipais inovadores, em grande parte, orientados pela busca por maior inclusão da população nos processos de gestão e tomada de decisão. Marta Farah 1 relata que a análise das inovações enquanto conjunto aponta para uma ampliação da cidadania aliada a uma busca por maior responsabilização na utilização dos recursos públicos (Informação verbal, em 15 de maio de 2001). Esse conjunto de inovações, agora examinado de forma desagregada, apresenta-se a partir de dois grandes blocos de iniciativas públicas: o 1 Coordenadora do programa Gestão Pública e Cidadania FGV / Fundação Ford, que premia anualmente políticas públicas inovadoras e mantém um extenso banco de dados, em palestra proferida no Curso de Gestão Urbana e de Cidades Fundação João Pinheiro, maio de 2001. 8

primeiro, caracterizado pelo surgimento de novas políticas públicas; e o segundo, ligado a novas formas de gestão e processos (FARAH, 2000b). O Bloco das novas políticas públicas é marcado pela inauguração de novas áreas de atuação envolvendo, por exemplo, a questão ambiental, novos segmentos da população (ampliação da cidadania e acesso a direitos), desenvolvimento local (geração de emprego e renda) e apoio ao produtor rural assim como novas formas de concepção das políticas que incluem, dentre outros, uma visão de sustentabilidade e empowerment, saúde preventiva, redução da evasão na educação, assistência à criança e à mulher. O segundo bloco, referente às novas formas de gestão e processos, engloba inovações em políticas públicas que visam produzir efeito no sentido de incluir novos atores; melhorar o atendimento e o acesso à informação para o cidadão; articular esferas de governo; buscar a intersetorialidade e a articulação intra-governamental; e, por fim, gerar novas técnicas administrativas em programas e organizações. Esses programas e projetos inovadores, que têm surgido na última década, têm demonstrado possuir um enorme potencial reformador da gestão pública local, por meio da adoção de práticas que vêm reformulando o relacionamento entre Estado e sociedade. Nesse relacionamento, a noção de parceria é introduzida como condição para uma administração bem-sucedida. Muitas prefeituras conseguiram importantes ganhos de produtividade com o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação popular em seus programas estruturadores (SOARES & GONDIM, 1998). Partindo dessa constatação, muitos governos locais que buscavam pensar a participação num sentido mais profundo, de partilha de poder envolvendo a formulação e implementação de políticas públicas, perceberam a necessidade de buscar mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade e eficácia. Sendo assim, a institucionalização do processo participativo sob a forma de "conselhos" passou a predominar sobre as formas mais autônomas e menos organizadas de participação popular (SOARES & GONDIM, 1998). 9

De maneira geral, os "conselhos" ditos acima, sob os quais a participação toma forma, podem ser classificados em dois tipos: aqueles que se destinam a aprimorar a performance de programas já instituídos e fiscalizar a aplicação de recursos existentes; e aqueles que introduzem a participação em decisões concernentes à própria definição de programas e projetos de natureza variada. Neste último conjunto, destaca-se o Orçamento Participativo, objeto de estudo do presente trabalho, que veio a se constituir no experimento mais visível, e possivelmente o mais avançado, de democratização de governos locais no Brasil. 10

3 - PLANEJAMENTO MUNICIPAL, ORÇAMENTO PÚBLICO E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO 3.1 - O Orçamento Público e seu papel como instrumento de planejamento municipal "O orçamento público, hoje em dia é um dos instrumentos mais importantes e corriqueiros de gestão dos negócios de uma coletividade politicamente organizada" (SOUZA, 2000). Como reflexo de tal afirmação, o orçamento constitui, a partir do ponto de vista político-institucional, de acordo com SILBERSCHNEIDER (1998), a síntese do compromisso de contribuições da sociedade e de realizações do governo, tal como um contrato firmado entre governo e sociedade que reflete, em termos monetários, o que o governo faz pelo povo e o que o povo contribui para o governo. A formalização do orçamento público encontra sua origem nos sistemas feudalistas da Idade Média. O método de orçamentação empregado nessa época conhecido como tradicional centrava-se claramente na função de controle no que diz respeito aos aspectos contábeis, dando ênfase aos objetos de gasto e ao estrito emprego das dotações nos fins (elementos e itens de despesa) para os quais foram concedidos (SANCHES, 1997). O orçamento era, então, um instrumento jurídico sem maior complexidade, que atuava como mecanismo de controle através da fixação dos meios (objetos de gasto) para que o poder governante executasse as tarefas definidas. Com o tempo, a peça orçamentária veio mostrar-se mais claramente como um instrumento de administração e não tanto como um mecanismo de controle político sobre o executivo (SOUZA, 2000). Sustentado pelo advento da racionalização administrativa, através da consolidação da administração enquanto ciência no início do século XX, surge a metodologia do orçamento-programa. Essa metodologia pode ser definida através do processo de fixação de despesas públicas a partir da identificação das necessidades públicas segundo níveis de prioridade e estruturas apropriadas de classificação da programação. Neste modelo, os itens de gasto devem ser explicitados por unidade executora e programa de trabalho (SANCHES, 1997). Enquanto que na metodologia de orçamentação tradicional 11

o orçamento é dissociado do planejamento e da programação, no orçamento programa o processo orçamentário é um elo entre o planejamento e as funções executivas do estado. A alocação de recursos tem em vista a realização de metas e as decisões orçamentárias levam em conta análises de diversas alternativas (SOUZA, 2000). Dessa forma, podemos dizer que o orçamento programa consegue articular aspectos ligados tanto à dimensão da gestão quanto à do planejamento. É interessante esclarecer que quando pensamos planejamento e gestão estamos tratando de atividades marcadamente diferentes que podem vir a ser confundidas mas não se substituem. A marca da distinção reside principalmente no aspecto temporal. Gestão pode ser entendida como a administração dos recursos (de todos os tipos) e dos problemas no tempo presente. Por sua vez, o planejamento é a preparação para o futuro, voltada para evitar ou minimizar problemas e melhor explorar potencialidades. Perceber a distinção não nos livra da constatação óbvia e necessária da interface existente entre gestão e planejamento. No Brasil, o orçamento público - da União, dos Estados e Municípios - é, em princípio, o documento anualmente aprovado com a finalidade de evidenciar, em termos qualitativos e quantitativos, física e monetariamente, as políticas econômico-financeiras e o programa de trabalho que o governo pretende executar no período de um ano (SILVA, 1997). Sendo assim, é possível definirmos o orçamento público no Brasil como uma tradução financeira de um plano de ação. De fato, no processo de planejamento, cada fase de decisão de natureza política corresponde a uma fase de natureza financeira. Além disso, como no caso brasileiro o orçamento público é anual, o processo de confecção da peça orçamentária representa a elaboração de um plano de trabalho que articula e organiza um vasto conjunto de ações em diversos setores pelo período de um ano. Assim, mesmo sendo um período relativamente curto, o processo de orçamentação, em sua maior parte, não trata de decisões isoladas, constituindo um instrumento de planejamento de curto prazo que agrega as metas e os recursos financeiros disponíveis para o seu atingimento. Transferindo o foco para o âmbito municipal, podemos dizer que a elaboração anual do orçamento constitui o momento em que o poder público local, tendo em vista suas 12

funções e competências, define os programas, projetos e atividades que irá empreender. De alguma forma, o orçamento municipal expressa a forma como a administração pretende lidar com as suas funções e competências - que podem ser verificadas na constituição e na Lei Orgânica Municipal. Tal reflexão em relação à forma de atuação constitui, sem dúvida, uma atividade de planejamento. Tal como afirma AZEVEDO (1994a), o planejamento municipal tem a função de pensar a cidade a curto, médio e longo prazo, e compatibilizar as políticas setoriais e as intervenções pontuais com os objetivos ali estabelecidos. Ainda segundo o mesmo autor, dentro desta perspectiva, caberia ao planejamento a tarefa de realizar estudos e pesquisas prospectivos que forneçam subsídios para a formulação de políticas, bem como para análises do seu impacto sobre a estrutura urbana. Tais esforços permitiriam avaliar os benefícios potenciais destas políticas, alguns dos efeitos colaterais perversos que possam vir a produzir, os obstáculos que cercam sua implementação, bem como as correções de rotas e reordenamento de prioridades que se fizerem necessários. Além do que já foi exposto acima, um outro fato que demonstra a existência da forte relação entre orçamento e planejamento no âmbito municipal é o Estatuto da Cidade. Tal estatuto constitui a lei complementar que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição da República, estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana no país. Nele, o inciso III do artigo 4º destaca não apenas o orçamento anual, mas também, a gestão orçamentária participativa, como instrumentos de planejamento municipal (BRASIL, 2000). 13

3.2 - Orçamento Participativo: antecedentes, caracterização geral e repercussões Apesar de muitos associarem o surgimento do orçamento participativo à experiência do município de Porto Alegre (RS) a mais ousada e consolidada, cujo início data de 1989 outras iniciativas já haviam sido empreendidas no Brasil no final dos anos 70. Ainda durante o regime militar, registraram-se experimentos em Lages (SC), Vila Velha (ES) e Pelotas (RS) que tiveram pouca visibilidade e vida curta dadas as condições restritivas do contexto político do momento (SOUZA, 2000). De acordo com SOMARRIBA & DULCI (1997), estas experiências de orçamento participativo, somadas a outras iniciativas de incorporação da participação popular na gestão pública que também ocorrereram no período de regime autoritário, constituíram o primeiro momento de evolução das formas de democracia local no Brasil. O segundo momento, localizado temporalmente na transição entre o regime militar e o civil (1983-88), foi caracterizado pela predominância de esforços de descentralização administrativa em grandes capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Porto Alegre), acompanhados de ensaios, ainda que pouco sistemáticos, e abertura dos governos à participação popular. O terceiro momento, por sua vez, ocorreu já na vigência da nova Constituição, correspondendo às gestões municipais eleitas em 1988, dentre as quais adquiriram grande realce as administrações do PT, cuja marca principal era a proposta de orçamento participativo. Por fim, SOMARRIBA & DULCI (1997) ainda destacam um quarto momento dessa seqüência, referenciado pelas administrações eleitas em 1992. Algumas delas dinamizaram as experiências participativas em curso, enquanto outras as introduziram pela primeira vez - como é o caso de Belo Horizonte. Nesta fase, a idéia de gestão participativa adquiriu maior solidez e popularidade, notadamente pelo amadurecimento do orçamento participativo enquanto prática. Ao longo desses momentos de evolução das formas de democracia local no Brasil, dois elementos ou atores adquirem grande relevância no processo de mudança no 14