Produção Mais Limpa no Setor de Fabricação de Artefatos de Couro: Panorâma e Considerações



Documentos relacionados
PRODUÇÃO MAIS LIMPA (P+L) Vera Lúcia Pimentel Salazar Bióloga, Dr., PqC do Polo Regional Centro Sul/APTA

Copyright Proibida Reprodução. Prof. Éder Clementino dos Santos

Alternativas tecnológicas disponíveis. Variações de custo e de segurança das operações.

RESÍDUOS SÓLIDOS Gerenciamento e Controle

ESTRUTURA DE GERENCIAMENTO DO RISCO OPERACIONAL DO BANCO COOPERATIVO SICREDI E EMPRESAS CONTROLADAS

POLÍTICA DE GESTÃO DE RISCO - PGR

REAPROVEITAMENTO DA ÁGUA POTÁVEL: REUSO DE ÁGUA PARA MINIMIZAR O DESPERDICIO EM VASOS SANITÁRIOS

7 etapas para construir um Projeto Integrado de Negócios Sustentáveis de sucesso

POLÍTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

INOVAÇÃO para a SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL. Eng. Márcio Torres Diretor CNTL SENAI/UNIDO/UNEP Novembro de 2012

LISTA DE VERIFICAÇAO DO SISTEMA DE GESTAO DA QUALIDADE

PROCEDIMENTO GERAL. Identificação e Avaliação de Aspectos e Impactos Ambientais

EDUCAÇÃO AMBIENTAL & SAÚDE: ABORDANDO O TEMA RECICLAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

NORMA ISO Sistemas de Gestão Ambiental, Diretrizes Gerais, Princípios, Sistema e Técnicas de Apoio

Gestão de impactos sociais nos empreendimentos Riscos e oportunidades. Por Sérgio Avelar, Fábio Risério, Viviane Freitas e Cristiano Machado

ESTUDO DE ANÁLISE DE RISCO, PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE RISCOS E PLANO DE AÇÃO DE EMERGÊNCIA.

Título: Programa 5S s em uma Empresa Júnior: da melhoria do ambiente físico ao cuidado com as pessoas Categoria: Projeto Interno Temática: Qualidade

Eixo Temático ET Gestão de Resíduos Sólidos VANTAGENS DA LOGÍSTICA REVERSA NOS EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS

POLÍTICA DE SAÚDE E SEGURANÇA POLÍTICA DA QUALIDADE POLÍTICA AMBIENTAL POLÍTICA DE SEGURANÇA

TRANSIÇÃO DAS CERTIFICAÇÕES DOS SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE E SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL, PARA AS VERSÕES 2015 DAS NORMAS.

SGA. Sistemas de gestão ambiental. Sistemas de gestão ambiental. Sistemas de gestão ambiental 07/04/2012

Projeto Simbiose Industrial e Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos para APLs

PROJETO DE LEI N., DE 2015 (Do Sr. DOMINGOS NETO)

I - PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA. Os primeiros passos da equipe devem ser dados para a obtenção de informações sobre o que determina a

Projetos acadêmicos Economia verde

A Análise dos Custos Logísticos: Fatores complementares na composição dos custos de uma empresa

1. OBJETIVO 2. APLICAÇÃO 3. REFERÊNCIAS 4. DEFINIÇÕES E ABREVIAÇÕES GESTÃO DE RESÍDUOS

INDÚSTRIA MOVELEIRA E RESÍDUOS SÓLIDOS: IMPACTOS AMBIENTAIS RESUMO

Porque estudar Gestão de Projetos?

SUMÁRIO. Daniel Bortolin02/02/2015 ÍNDICE: ÁREA. Número 80 Título. Aprovação comunicada para Cintia Kikuchi/BRA/VERITAS; Fernando Cianci/BRA/VERITAS

GESTÃO AMBIENTAL. Aplicação da ecologia na engenharia civil ... Camila Regina Eberle

Padrão de Desempenho 1: Sistemas de Gerenciamento e Avaliação Socioambiental

Fundo Brasileiro para a Biodiversidade FUNBIO

1. INTRODUÇÃO. 1 PreSal (definição do site da empresa Petrobras consultado em 28/08/2010): O termo pré-sal

Panorama sobre resíduos sólidos

Poluição atmosférica decorrente das emissões de material particulado na atividade de coprocessamento de resíduos industriais em fornos de cimento.

ISO 14004:2004. ISO14004 uma diretriz. Os princípios-chave ISO Os princípios-chave

Estado da tecnologia avançada na gestão dos recursos genéticos animais

POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL DAS EMPRESAS ELETROBRAS

Relatório da Oficina

Desenvolve Minas. Modelo de Excelência da Gestão

Em 2050 a população mundial provavelmente

Por que sua organização deve implementar a ABR - Auditoria Baseada em Riscos

A SUSTENTABILIDADE COMO FATOR DE CRESCIMENTO ECONÔMICO DAS NAÇÕES E EMPRESAS

IDENTIFICAÇÃO DE PERCEPÇÃO E DOS ASPECTOS ESTRUTURAIS QUANTO AOS RESIDUOS SÓLIDOS NO BAIRRO ANGARI, JUAZEIRO-BA.

Missão. Quem somos: Promover o conceito de Gerenciamento Integrado do Resíduo Sólido Municipal; Promover a reciclagem pós-consumo;

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão do Meio Ambiente, da Saúde Pública e da Política do Consumidor

NORMA NBR ISO 9001:2008

Eco-eficiência. nas empresas de pequeno porte

BSC Balance Score Card

Desenvolvimento Sustentável. Professor: Amison de Santana Silva

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

EIA - Unidades de Produção de Pó e Pastilhas de UO 2, INB/CIR - Resende - RJ

Campus Capivari Análise e Desenvolvimento de Sistemas (ADS) Prof. André Luís Belini prof.andre.luis.belini@gmail.com /

CP 013/14 Sistemas Subterrâneos. Questões para as distribuidoras

POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

CAPÍTULO 15 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

WORKSHOP SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE E SUA CERTIFICAÇÃO. Onde estão os Riscos?

IMPLANTAÇÃO DOS PILARES DA MPT NO DESEMPENHO OPERACIONAL EM UM CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DE COSMÉTICOS. XV INIC / XI EPG - UNIVAP 2011

PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO SETOR DE PANORAMA E CONSIDERAÇÕES

CÓPIA MINISTÉRIO DA FAZENDA Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

COMPETITIVIDADE EM PECUÁRIA DE CORTE

O lançamento de Resíduos Industriais no trecho entre Resende e Volta Redonda

Estudo de Caso: Aplicação de Produção Mais Limpa no Processo de Embalagem de Soquetes de Luminárias

Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Petrolina - FACAPE Curso: Ciência da Computação Disciplina: Ambiente de Negócios e Marketing

PROJETO DE LEI N.º, DE 2011 (Do Sr. Deputado Marcelo Matos)

Eixo Temático ET Direito Ambiental OS IMPASSES DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL PARA ATIVIDADE OLEIRA EM IRANDUBA (AM): ENTRE A LEI E OS DANOS

Política de Sustentabilidade das Empresas Eletrobras

INSTALAÇÃO, LUBRIFICAÇÃO E MANUTENÇÃO DAS CORRENTES TRANSPORTADORAS PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DA CORRENTE

TIJOLOS DO TIPO SOLO-CIMENTO INCORPORADOS COM RESIDUOS DE BORRA DE TINTA PROVENIENTE DO POLO MOVELEIRO DE UBA

O homem transforma o ambiente

Gerência de Projetos Prof. Késsia Rita da Costa Marchi 3ª Série

Diretrizes para determinação de intervalos de comprovação para equipamentos de medição.

CREMATÓRIO EMISSÕES ATMOSFÉRICAS - ROTEIRO DO ESTUDO

Certificação ANBT NBR 16001:2004. Sistema de Gestão da Responsabilidade Social

PMBoK Comentários das Provas TRE-PR 2009

Óleo Combustível. Informações Técnicas

Estudo do Layout Ricardo A. Cassel Áreas de Decisão na Produção

Referenciais da Qualidade

Confederação Nacional da Indústria. - Manual de Sobrevivência na Crise -

ANÁLISE DAS MELHORIAS OCORRIDAS COM A IMPLANTAÇÃO DO SETOR DE GESTÃO DE PESSOAS NA NOVA ONDA EM ARACATI CE

As Organizações e a Teoria Organizacional

Gestão de Instalações Desportivas

TERCEIRIZAÇÃO NA MANUTENÇÃO O DEBATE CONTINUA! Parte 2

PROGRAMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO

CESA Comitê de Advocacia Comunitária e Responsabilidade Social Questões de Consumidores Junho, 2010.

SISTEMA DE GESTÃO INTEGRADO - SGI (MEIO AMBIENTE, SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO) Procedimento PREPARAÇÃO E RESPOSTA A EMERGENCIA

- NORMA REGULAMENTADORA Nº 9 PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS

Disciplina: Técnicas de Racionalização de Processos Líder da Disciplina: Rosely Gaeta NOTA DE AULA 04 O PROJETO DE MELHORIA DOS PROCESSOS

Q TIC. Produtor/ Fornecedor:... Quimil Indústria e Comércio LTDA

Administração de Pessoas

Micro-Química Produtos para Laboratórios Ltda.

ECONTEXTO. Auditoria Ambiental e de Regularidade

Auditoria como ferramenta de gestão de fornecedores durante o desenvolvimento de produtos

Percepção de 100 executivos sobre o impacto das mudanças climáticas e práticas de sustentabilidade nos negócios

o(a) engenheiro(a) Projeto é a essência da engenharia 07/02/ v8 dá vazão

EMPREENDEDORISMO. Maria Alice Wernesbach Nascimento Rosany Scarpati Riguetti Administração Geral Faculdade Novo Milênio

Transcrição:

Produção Mais Limpa no Setor de Fabricação de Artefatos de Couro: Panorâma e Considerações K. M. C. Mattos a, M. R. Monteiro b a.centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materias CCDM- UFSCar,São Carlos, ktmattos@terra.com.br b. Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materias CCDM- UFSCar,São Carlos, monteiro@ccdm.ufscar.br Resumo A preocupação ambiental com os resíduos do Setor de Fabricação de Artefatos de Couro é justificada pelo alto volume gerado e pelo grau de contaminação com metais tóxicos desses resíduos. Os resíduos do couro contêm alta dosagem de cromo substância utilizada no processo de curtimento da pele bovina. Por não ser degradável, o cromo torna-se um risco de contaminação do solo e do lençol freático nas regiões onde os resíduos são depositados. A substância é um metal pesado que pode causar alergias e até câncer, caso esteja presente em grandes quantidades no corpo humano. Os metais pesados, como o cromo, diferem de outros agentes tóxicos porque não são sintetizados nem destruídos pelo homem. Os resíduos com metais tóxicos possuem alto poder de contaminação, além do elevado custo para sua disposição em aterros industriais. Dentro desse contexto, o trabalho apresenta um panorâma sobre o setor, a importância da metodologia de Produção mais Limpa e os primeiros passos dessa ferramenta para avaliar o processo produtivo e tentar minimizar os resíduos gerados, reduzir custos, aumentando a competitividade e o ganho ambiental do setor e da população como um todo. Palavras-Chave: Resíduos, Couro, Cromo, Produção mais Limpa, Sistema de Gestão. 1. Introdução Com a ameaça da escassez dos recursos naturais, vêm-se buscando alternativas para um Desenvolvimento Sustentável. A preocupação com os problemas ambientais aparece como um elemento importante a respeito do crescimento material e econômico e da qualidade de vida. A busca da sustentabilidade pode ser entendida como a capacidade das gerações presentes alcançarem suas necessidades, sem comprometer a capacidade das gerações futuras também fazêlo. Sustentabilidade pode ser entendida como um conceito que depende da escala de tempo e de espaço, e, segundo COSTANZA (1991), é a relação harmônica entre sistemas econômicos e sistemas ecológicos maiores, sendo ambos dinâmicos. A aposta em um desenvolvimento econômico e social contínuo, harmonizado com a gestão racional do ambiente, segundo SACHS (1986), passa pela redefinição de todos os objetivos e de todas as modalidades de ação. O ambiente é considerado uma dimensão do desenvolvimento e deve ser internalizado em todos os níveis de decisão.

2 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production O Setor Coureiro é de extrema importância na economia brasileira, não só pelo volume de exportações, mas também pela geração de empregos (em torno de 550 mil). Os problemas atualmente enfrentados, além de uma dimensão relacionada à estrutura de custo e ao acesso à tecnologia (dimensão estrutural), são também de ordem conjuntural, estando associados ao processo de abertura da economia brasileira e aos demais aspectos macroeconômicos. O setor, que foi protegido durante muito tempo, vem se defrontando desde o início do Plano Real com um novo concorrente: o produto importado, principalmente oriundo dos países asiáticos. Paralelamente, a competitividade externa dos produtos nacionais também sofreu grande deterioração devido ao câmbio. Essa cadeia produtiva é constituída por aproximadamente 450 curtumes, seis mil empresas de calçados, 110 fabricantes de máquinas e equipamentos, 1.100 produtores de componentes para calçados e 2.300 empresas fabricantes de Artefatos de Couro (CORRÊA, 2001). O Setor de Fabricação de Artefatos de Couro enfrenta sérios problemas em relação ao grande impacto ambiental causado pela geração de resíduo. Em função da quantidade gerada, dificuldades na gestão e disposição final, o setor tem um grande desafio: promover seu desenvolvimento sustentável e com menor impacto ao meio ambiente. Os resíduos provenientes do processo de curtimento e acabamento da raspa e do couro são caracterizados pela presença do elemento químico cromo, pois sais de cromo ocupam lugar de destaque entre os curtentes de origem mineral. Por não ser degradável, o cromo torna-se um risco de contaminação do solo e do lençol freático nas regiões onde os resíduos do couro são depositados. Os resíduos, tais como: aparas, pó de couro, serragem, são classificados como pertencentes à CLASSE I (Resíduo Classe I (perigoso) ABNT NBR 10004, 1987), ou seja, resíduos que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em função de suas características, tais como toxicidade e patogenicidade. Desta forma, a geração e disposição do resíduo gerado pelo setor têm despertado grande interesse da cadeia produtiva do couro, dos órgãos governamentais, das instituições de pesquisa e da sociedade. A tecnologia aplicada em grande parte das empresas de fabricação de luvas e recurtimento de raspas de couro no estágio wet blue é transferida diretamente aos familiares (CICB/APEX, 2004). Com o passar dos anos, esse ativo precisa ser remodelado e conviver com a necessidade de dividir espaço com novas formas de gestão, para que a Empresa continue competitiva. De acordo com Eduardo Najjar coordenador do Núcleo de Estudos de Empresas Familiares da ESPM, esse processo é motivado, como indicam as experiências brasileiras e mundial, em decorrência do elevado índice de mortalidade das empresas da segunda para a terceira geração (RAMON, 2009). Os Arranjos Produtivos Locais APL s, vêm buscando estratégias que minimizem os efeitos dos resíduos gerados pelo setor no meio ambiente. A redução e destinação correta dos poluentes permitem que o setor atenda as especificações estabelecidas pela atual legislação em vigência. Atualmente, algumas empresas já dispõem de um sistema de coleta e classificação do resíduo para posterior destinação final. Entretanto, os custos elevados da terceirização do gerenciamento dos resíduos e o grande volume gerado têm dificultado a redução dos custos, ganho ambiental, competitividade entre outros. Uma estratégia possível para minimizar os efeitos dos resíduos gerados é o uso da metodologia de Produção mais Limpa. De acordo com o Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL) produção mais limpa é a aplicação de uma estratégia técnica, econômica e ambiental integrada aos processos e produtos, a fim de

3 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production aumentar a eficiência no uso de matérias-primas, água e energia, através da não geração, minimização ou reciclagem dos resíduos e emissões geradas, com benefícios ambientais, de saúde ocupacional e econômicos. No início dos anos 2000 começa uma busca de soluções tecnológicas para atenuar impactos ambientais gerados pela produção coureiro-calçadista promovida pelas empresas, mas provocada pelas autoridades públicas. Após o cumprimento de uma ação judicial de 2002, no interior de São Paulo, determinando que os resíduos sólidos de couro depositados em locais impróprios fossem retirados, o volume desse resíduo lançado diretamente no ambiente diminuiu de maneira significativa (CONTADOR JÚNIOR, 2009). Esses resíduos sólidos de couro causam impactos negativos ao meio ambiente e ao Homem, pois possuem alto poder de contaminação, quando não são convenientemente tratados e simplesmente abandonados em corpos d água, aterros industriais ou mesmo lixeiras clandestinas. Com facilidade, o cromo atinge o lençol freático ou mesmo reservatórios ou rios que são as fontes de abastecimento de água das cidades. Se o resíduo é degradado no solo, o cromo permanece e pode ser absorvido por plantas que posteriormente servirão de alimento diretamente ao Homem ou a animais, podendo por este caminho também atingir o ser humano. Esse processo é que chamamos de bioacumulação (MATIAS, 2003). Em 2004 foi realizado um diagnóstico pelo convênio CICB/APEX, para levantar todos os pontos positivos, negativos, ameaças e oportunidades do Setor Produtivo de Fabricação de Luvas e recurtimento de Raspas de Couro no estágio wet blue. O público envolvido neste diagnóstico compreendeu empresários dos setores de acabamento em couro, fabricantes de EPI, costureiras, vendedores de couro wet blue em raspa e a diretoria da entidade que congrega o setor Associcouros. Para o levantamento dos dados foram usados vários métodos de pesquisa, como entrevistas com sondagem aberta e visitas in loco, nos diversos tipos de empresas, fotografando os ambientes e conversando com as pessoas diretamente ligadas à atividade. O diagnóstico realizado aponta para: a baixa qualidade da matéria-prima utilizada (raspa de barriga, cabeça e grupo), com pequena dimensão e baixo aproveitamento para um artigo mais sofisticado (aproximadamente 33%), mão de obra desqualificada, alto custo para remoção dos resíduos para os aterros industriais, problemas com fornecedores, parceiros e crédito para modernização do parque industrial e incorporação de tecnologias. Apesar das inúmeras dificuldades, o setor apresentava viabilidade econômica, mesmo considerando sua baixa eficiência, com 70% de rejeito a partir da matéria-prima (CICB/APEX, 2004). Esse diagnóstico ressalta a importância desse setor produtivo e a busca de alternativas técnicas - ambientais - produtivas economicamente viáveis para manter o setor ativo. A implantação de um Sistema de Gestão Ambiental vem ao encontro a essa nova busca do setor, auxiliando na identificação de oportunidades de melhoria para redução de impactos ambientais gerados dentro da empresa. Exigindo o comprometimento da empresa com o meio ambiente e a elaboração de planos, programas e procedimentos específicos. Segundo Gustavo Krause: a redução dos custos com a eliminação de desperdícios, desenvolvimento de tecnologias limpas e baixo custo, reciclagem de insumos são mais que princípios de gestão ambiental, representam condições de sobrevivência (SENAI-RS, 2003a). Um Sistema de Gestão Ambiental pode ser definido como um conjunto de procedimentos para gerir ou administrar uma empresa, de forma a obter o melhor relacionamento com o meio ambiente. Para iniciar o planejamento do sistema é necessário avaliar como se encontra a organização.

4 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production Para essa análise é necessário avaliar também qualquer impacto, sobre o meio ambiente, direto ou indireto, resultante das atividades, produtos e serviços da empresa, quer sejam esses adversos ou benéficos. Essa análise inicial pode ser feita através da metodologia de Produção mais Limpa, identificando os aspectos ambientais e avaliando os impactos relacionados a esses aspectos. 2. Produção mais Limpa - Setor de Fabricação de Artefatos de Couro Segundo o conceito criado pela UNEP (United Nations Environmental Program) em 1988, Produção mais Limpa (P+L) é a aplicação contínua de uma estratégia ambiental preventiva e integrada, aplicada a processos, produtos e serviços. Incorporando o uso mais eficiente dos recursos naturais e, conseqüentemente, minimizando a geração de resíduos e poluição, bem como os riscos à saúde humana. Consiste em eliminar todo desperdício, pois este não agrega valor ao produto ou serviço. Para os processos: a P+L inclui a conversão de matérias-primas e energia, eliminado o uso de materiais tóxicos e reduzindo a quantidade de toxicidade de todas as possíveis emissões e resíduos. Para os produtos: a P+L inclui a redução dos efeitos negativos do produto ao longo de seu ciclo de vida, desde a extração das matérias-primas até a disposição final do produto. Segundo Andrés (2001), é necessário trabalhar nas três fases do ciclo de vida do produto: o processo, o uso e o descarte final, para que se atinjam os objetivos de minimização do consumo de recursos e da poluição. É mais fácil eliminar o poluente do que tentar recuperá-lo. Para a Produção mais Limpa, talvez o mais importante sejam as habilidades básicas e o conhecimento tácito das empresas. São aspectos invisíveis baseados no learning-by-doing vistos como difíceis de reproduzir, pautados na experiência acumulada das pessoas e seu refinamento com a prática (MELLO, 2002). Aspecto positivo dentro do setor, já que as experiências são passadas, na maioria das empresas, de geração em geração. Precisam ser revistas as tecnologias convencionais, pois trabalham principalmente no tratamento de resíduos e emissões gerados em um processo produtivo, chamadas técnicas de fim-de-tubo. A Produção mais Limpa pretende integrar os objetivos ambientais aos processos de produção, a fim de reduzir os resíduos e as emissões em termos de quantidade e periculosidade. A Fig. 1 mostra as várias estratégias utilizadas visando a Produção mais Limpa e a minimização de resíduos.

5 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production PRODUÇÃO MAIS LIMPA Minimização de resíduos e emissões Reuso de resíduos, efluentes e emissões Nível 1 Nível 2 Nível 3 Redução na fonte Reciclagem interna Reciclagem externa Ciclos biogênicos Modificação no produto Modificação no processo Estruturas Materiais Housekeeping Substituição de matérias-primas Modificação tecnológica FIGURA 1 Escopo de atuação da metodologia Produção mais Limpa FONTE: CNTL Centro Nacional de Tecnologias Limpas A prioridade da Produção mais Limpa está no topo (à esquerda) do fluxograma: evitar a geração de resíduos e emissões (nível 1). Os resíduos que não podem ser evitados devem, preferencialmente, ser reintegrados ao processo de produção da empresa (nível 2). Na sua impossibilidade, medidas de reciclagem fora da empresa podem ser utilizadas (nível 3). A prática do uso da Produção mais Limpa leva ao desenvolvimento e implantação de Tecnologias Limpas nos processos produtivos. Para introduzirmos técnicas de Produção mais Limpa em um processo produtivo, podem ser utilizadas várias estratégias, tendo em vista metas ambientais, econômicas e tecnológicas. O balanço ambiental documenta o material e a energia que entram e saem do processo, avaliando quais os impactos provenientes desta atividade ao ambiente, tanto no uso de recursos naturais, muitas vezes feito de forma irracional, como na geração e emissão de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos. Um pré-requisito para a identificação de resíduos e emissões indesejáveis é conhecer o processo tão amplamente quanto possível. Em muitos casos faltam dados importantes com relação à condição e ao comportamento do processo. O balanço do processo documenta entrada e saída de energia e materiais. A partir destas informações, pode-se estabelecer um controle de parâmetros de cada operação o que possibilita a escolha da estratégia mais adequada à empresa para a redução de resíduos e de seus efeitos. Depois de realizado o balanço de material é necessário fazer uma análise crítica das informações obtidas, enfocando:

6 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production Quantidades e toxicidade dos resíduos gerados e das matérias-primas consumidas; Regulamentos legais que deviam ser cumpridos para utilização e disposição dos materiais e resíduos; Custos envolvidos: os de compra, os de tratamento e os relativos a possíveis punições do órgão ambiental. No processo produtivo, as indústrias de manufatura de couro realizam procedimentos cujas sobras são chamadas de raspa de couro, pó de lixadeira, entre outros. Os resíduos são caracterizados pela sua concentração de cromo, substância empregada no processo de curtimento do couro. Seguem os primeiros passos para a implementação da metodologia PmaisL no setor: o comprometimento da direção da empresa: é preciso querer que o Programa aconteça na Empresa e apoiar os funcionários para que o objetivo seja alcançado; sensibilização dos funcionários: comunicar todos os funcionários sobre a realização do programa na Empresa e que terá todo o apoio da direção, estabelecer prazos e tarefas e pensar em formas de retribuição do esforço extra; formação de ecotime:os funcionários chaves serão responsáveis por repassar a metodologia e implementá-la na Empresa; estabelecimento das metas do Programa: podem ser estabelecidos planos de redução na utilização e substituição de produtos químicos, prevenção de acidentes, gerenciamento e tratamento de resíduos sólidos, entre outros; pré-avaliação: como está o Licenciamento Ambiental da Empresa, como estão dispostos os resíduos, quais impactos podem ser observados, entre outros; elaboração de fluxogramas: representação gráfica de todos os passos de um processo e do modo como estão relacionados entre si. Esses primeiros passos são importantes para uma melhor visualização do processo produtivo e das tarefas de cada um, e para tornar o programa não só da empresa, mas também dos funcionários, fundamental para seu sucesso. Os resultados são visíveis em pelo menos dois aspectos: 1. A P+L melhora o ambiente de trabalho, afetando as condições de saúde e segurança, consequentemente, deixa os funcionários mais satisfeitos e motivados; 2. A redução dos desperdícios se traduz em custos menores e em melhoria da produtividade. A empresa fica mais competitiva e menos vulnerável às oscilações do mercado, com condições de manter os postos de trabalho (SENAI RS, 2003f). O comprometimento da direção da empresa, o conhecimento das entradas e saídas do processo, dos impactos ambientais potenciais, a escolha de técnicas adequadas, a implementação de medidas (incluindo treinamento de Recursos Humanos) são estratégias para o gerenciamento e o bom Housekeeping (Tomar conta da casa). Primeira etapa do programa P+L. O fluxograma do processo no Setor de Fabricação de Artefatos de Couro permite a visualização e a definição do fluxo de matéria-prima, água e energia do processo produtivo, e a visualização da geração de resíduo durante o processo, agindo como ferramenta para obtenção de dados necessários para o estabelecimento de indicadores que serão usados na implantação e manutenção do Sistema de Gestão Ambiental.

7 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production SETOR DE RASPAS E EPIs Couro "wet-blue" Corte manual resíduo sólido (aparas) Classificação (pode ocorrer antes do enxugamento) Rebaixamento resíduo sólido (pó ou farelo) Recorte resíduo sólido Medida da Massa Água, insumos Engraxe resíduo líquido Secagem Varal Amaciamento resíduo sólido (pó ou farelo) Couro semi-acabado FIGURA 2: Fluxograma do processo no setor de raspas de couro O resíduo de couro curtido com cromo, gerado na operação de rebaixamento, é um resíduo volumoso em forma de farelo impregnado de sais curtentes altamente tóxicos. É uma das etapas que gera o maior volume de resíduos sólidos do processo. Para cada couro curtido com cromo, gera-se de três a quatro quilogramas de resíduo. Se for considerado o exemplo da produção brasileira de couro em 2000 (32,5 milhões), pode-se afirmar que foram gerados cerca de 125 toneladas de resíduo, cujo destino final podem ser terrenos baldios, margens dos rios, banhados entre outros, contaminando de forma agressiva o meio ambiente. E, por ser um produto lentamente biodegradável, permanece ativo por muito tempo (CORRÊA, 2001). 3. Possibilidades de Produção mais Limpa no Setor (SENAI-RS,2003b) Na maioria dos casos, o recurtimento com Cromo pode ser considerado como a melhor tecnologia disponível. Curtentes orgânicos sintéticos, utilizados sozinhos ou combinados com um cátion metálico, podem ser usados como substitutos para o Cromo, desde que as legislações ambientais e de saúde dos trabalhadores sejam atendidas; Recurtimento com tanino vegetal pode em algumas situações também ser utilizado em substituição ao Cromo; No recurtimento ao Cromo, como o esgotamento dos banhos residuais contendo Cromo é mais complexo, são necessários maiores controles e balanceamento da formulação; Para uma Produção mais Limpa devem ser contempladas as ausências de Cromo durante o recurtimento, de corantes propriamente ditos que tenham impacto ambiental (à base de animais), bem como de óleos halogenados em materiais de engraxe; Durante a etapa de secagem, deve-se otimizar a remoção mecânica da umidade anteriormente à secagem propriamente dita;

8 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production A utilização de acabamentos em base aquosa é básica para Produção mais Limpa, os pigmentos não devem conter nenhum metal pesado ou outros produtos de uso restrito que causem danos ao meio ambiente; Em relação aos equipamentos empregados no acabamento de couro, os aplicadores de rolo e tipo cortina são melhores sob o ponto de vista ambiental. Em algumas situações, unidades de pistolagem, dotadas de economizadores, bem como pistolas de Alto Volume e Baixa Pressão, ou do tipo Airless, podem reduzir as emissões ao meio ambiente; Ajustes freqüentes na rebaixadeira e treinamento eficaz reduzem o volume de resíduo gerado nessa etapa; Para minimizar a geração de resíduos, os processos devem ser otimizados em relação ao emprego de produtos químicos: substituição de produtos (principais e auxiliares) por produtos menos danosos; manter um inventário de entradas e saídas, seu destino no processo e sua emissão; mensurar parâmetros adequados para monitorar as emissões ao meio ambiente; treinamento da equipe, incluindo o conhecimento dos produtos e informações e medidas de segurança para o local de trabalho; Armazenar os produtos químicos adequadamente, considerando a separação daqueles que podem reagir gerando emissões perigosas; uso de recipientes apropriados, identificados e rotulados; uso de locais de armazenagem adequadamente ventilados e com proteção do solo; Treinar e implementar informações ao pessoal, bem como prover a existência de medidas de apoio à segurança e de proteção individual para minimizar os riscos na manipulação; Treinamento dos trabalhadores no manuseio seguro e na limpeza da planta industrial; Monitorar a operação de medidas fim de tubo, entre outros. 4. Conclusão A Produção mais Limpa melhora as condições ambientais e de trabalho nas quais as empresas do setor produtivo estão inseridas. A redução dos desperdícios se traduz em custos menores e na melhoria da produtividade, tornando as empresas mais competitivas. Com o Programa de Produção mais Limpa a empresa visa a melhoria de seu desempenho ambiental, redução de custos e aumento de produtividade. O Setor de Fabricação de Artefatos de Couro produz uma elevada quantidade de resíduos sólidos por dia, cujos custos para destinação final vêm sendo cada vez maiores ao longo dos últimos anos. O aproveitamento da raspa em wet blue ainda é baixo e compromete toda a cadeia produtiva. Medidas como a implantação do Sistema de Gestão e a utilização da metodologia de Produção mais Limpa podem transformar o setor mais produtivo, mais competitivo com a redução de custos e dos impactos negativos ao meio ambiente e a sociedade em geral. 5. Referências ALVES, S.M & OLIVEIRA, J.F.G., 2007. Adequação ambiental dos processos usinagem utilizando Produção mais Limpa como estratégia de gestão ambiental. Prod. v.17 n.1 São Paulo jan./abr. ANDRÉS, L. F., 2001. A gestão ambiental em indústrias do Vale do Taquari: Vantagem com o uso das técnicas de Produção mais Limpa. Dissertação (mestrado). Departamento de Administração, UFRGS, Porto Alegre.

9 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production CEBDS, Guia da Produção mais Limpa, Faça você mesmo, 2009. Rio de Janeiro. www.cebds.com. acessado em Janeiro/2009. CICB/APEX, 2004. LUVAS E RASPAS. Revista Courobusiness. Edição nº 34 - Ano VI Mai/Jun. http://www.courobusiness.com.br/convenio/50.php, acessado em Janeiro/2009. CONSTANZA, R., ed., 1991. Ecological economics: the science and management of sustainability. New York, Columbia University Press. CONTADOR JÚNIOR, O. 2009. Articulações Locais na disseminação de Tecnologias Mitigadoras dos Impactos Ambientais dos Processos Produtivos e o Desenvolvimento Econômico. APL Desenvolvimento do Setor de Calçados em Jaú- SP. http://fatecjahu.edu.br/files/projetos/buga/projetobuga.pdf, acessado em Fevereiro/2009. CORRÊA, A. R., 2001. O Complexo Coureiro-Calçadista Brasileiro.BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n.14, p 65-92, set. MELLO, M. C. A., 2002. Produção mais Limpa: um estudo de caso na AGCO do Brasil. Dissertação (mestrado). Departamento de Administração, UFRGS. Porto Alegre. MOREIRA, M. V. & TEIXEIRA, R. C., 2003. Estado da arte tecnológico em processamento do couro: revisão bibliográfica no âmbito internacional. Porto Alegre: Centro Nacional de Tecnologias Limpas. 242p. il. (Projeto Desenvolvimento Sustentável da Indústria do Couro em MG e no RS). RAMON, J., 2009. Inspiração aos 100 anos Longevidade das empresas serve de exemplo para o enfrentamento do difícil período de crise econômica. Revista da Indústria, dez/2008 jan/2009. SACHS, I., 1986. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo, Vértice. SENAI-RS. (a), 2003. Sistema de gestão ambiental e produção mais limpa. Porto Alegre, UNIDO, UNEP, Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI. 43 p. (Série Manuais de Produção mais Limpa). SENAI-RS. (b), 2003. Produção mais Limpa no processamento de couro vacum. Porto Alegre, UNIDO, UNEP, Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI. 33 p. (Série Manuais de Produção mais Limpa). SENAI-RS. (c), 2003. Indicadores Ambientais e de Processo. Porto Alegre, UNIDO, UNEP, Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI. 103 p. (Série Manuais de Produção mais Limpa). SENAI-RS. (d), 2003. Diagnóstico ambiental e de Processo. Porto Alegre, UNIDO, UNEP, Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI. 20 p. (Série Manuais de Produção mais Limpa).

10 2 nd International Workshop Advances in Cleaner Production SENAI-RS. (e), 2003. Implementação de Programas de Produção mais Limpa. Porto Alegre, Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI-RS, UNIDO/INEP. 42 p. SENAI-RS. (f), 2009. A Produção mais Limpa na Micro e Pequena Empresa. Porto Alegre,Centro Nacional de Tecnologias Limpas SENAI-RS/ UNIDO/INEP. www.cebds.com. acessado em Janeiro/2009.