Espaços interiores Os Maias de Eça de Queirós
O Ramalhete A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Residência da família Maia em Lisboa Presságio inicial: A vivência intramuros era fatal à família, na opinião de Vilaça É lá que Afonso vai morrer de desgosto após descobrir o incesto dos netos. Ramalhete (exterior): Sombrio casarão de paredes severas Um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar Uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado Aspecto tristonho de uma edificação do reinado da senhora D.Maria I Sineta e cruz no topo Revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que nunca fora colocado Painel representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números O ramalhete e o Portugal do último quarto do séc.xix O ramalhete está ligado à decadência nacional do último quarto do séc.xix. Se analisarmos o exterior do edifício, conotamo-lo imediatamente com o ramo de girassóis que ornamentam a casa, substituindo o escudo heráldico da família.
Simbologia do girassol O girassol representa: a atitude do amante ou da amante, que se vira continuamente para olhar o ser amado atitude de submissão e de fidelidade para com o ser amado o girassol associa-se, assim, à incapacidade de ultrapassar a paixão e a falta de receptividade do ser amado, incapacidade que se verifica na terceira geração d Os Maias (suicídio de Pedro da Maia) O pátio Assim, os girassóis relacionam-se com Pedro da Maia e a sua paixão por Maria Monforte já que a atitude que este assume é não só de fidelidade mas de submissão absoluta de tal modo que, após a fuga da mulher, Pedro não é capaz de enfrentar a vida, suicidando-se. De algum modo também se relaciona com Carlos da Maia que vivia para olhar e contemplar Maria Eduarda. Análise de um pequeno excerto: O que surpreendia logo era o pátio, outrora tão lôbrego, nu, lajeado de pedregulhos - agora resplandecente, com um pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral. Em cima, na antecâmera, revestida como uma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor dos passos morria Comparação: solenes como coros de catedral ; como uma tenda de estofos do Oriente. Adjectivação abundante: tão lôbrego, nu, lajeado de pedregulhos Brancos e vermelhos : a presença do vermelho que simboliza a morte Enumeração: um pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral Principais características do pátio: Pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos Plantas decorativas Vasos de quimper
Bancos feudais espanhóis trabalhados em talha, solenes como coros de catedral Antecâmara Revestida como uma tenda de estofos do oriente todo o rumor de passos morria Divãs cobertos de tapetes persas Largos pratos mouriscos com reflexos metálicos de cobre Harmonia de tons severos corredor Ornado com peças ricas de Benfica Arcas góticas Jarrões da Índia Antigos quadros devotos Salão nobre Revestido de veludo cor de musgo de Outono Bela tela de Constable Condessa de Runa, sogra de Afonso Sala Pequena Fazia-se música Tinha um ar de século XVIII Móveis banhados a ouro Sedas Brilhantes Duas tapeçarias de tons cinzentos em lã fixadas na parede Bilhar Forrado de um couro moderno Fumoir Sala mais cómoda do ramalhete Estofos escarlates e pretos com o conchego quente e um pouco sombrio
Escritório de Afonso Revestido de damascos vermelhos Tinha uma maciça mesa de pau preto Estantes baixas de carvalho lavrado Encadernações luxuosas Austera paz estudiosa, realçada por um quadro, um Cristo na cruz, destacando-se a nudez de atleta sobre um céu de poente revolto e rubro - Elemento que indicia a tragédia: sensualidade de uma figura que concentra a ideia da sacralização total, e que anuncia a faceta sensual de Carlos Fogão de sala Biombo Japonês bordado a ouro Vulnerável cadeira de braços, cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda - a diluição do desenho das armas aponta para a extinção da família O relógio Luís XV Dois grandes candeeiros Carcel Corredor do segundo andar -Guarnecido com retratos de família Onde estavam os quartos de Afonso Quarto de Carlos -Possui uma entrada particular e janelas sobre o jardim -Recostos acolchoados -Revestido de sedas Jardim -Ar simpático -Girassóis perfilados ao pé dos degraus do terraço -Cipreste e cedro -Estátua de Vénus Citereia -Deliciosa cascatazinha dentro do nicho de conchas com três pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucólico
O jardim do Ramalhete é rico em simbologias. Cipreste Símbolo de morte Cedro símbolo de envelhecimento Envolvidos por uma relação quase mítica Representam o amor absoluto podendo ainda estar ligados ao mundo romântico por serem árvores de cemitério conotadas com a morte Estátua de Vénus Citereia Vénus Citereia, deusa do amor, ligada à sedução e à volúpia, liga-se às três fases do Ramalhete: Numa primeira fase relaciona-se com a morte de Pedro enegrecendo a um canto Numa segunda fase e após a remodelação aparece com todo o seu esplendor simbolizando o renascimento da família, o regresso a uma vida feliz Numa última fase aparece coberta de ferrugem, simbologia negativa, representando de algum modo Maria Eduarda que através do amor destruiu a felicidade da família O facto da estátua ser de mármore simboliza o universo clássico, numa nítida tentativa de relembrar a tragédia clássica; por outro lado, o mármore liga-se ao cemitério por ser frio como a morte, e por ser o material usado nas campas. Cascata No primeiro capítulo a cascata está seca porque o tempo da acção d' Os Maias ainda não começou. símbolo de regeneração e de purificação No último capítulo, o fio de água da cascata é símbolo da eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e traz, mostra-nos também que o tempo está mesmo a esgotar-se e o final da história d' Os Maias está próximo. Este choro simboliza também a dor pela morte de Afonso da Maia.
o fio de água punha o seu choro lento cascatazinha chorando num ritmo doce e mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiando saudosamente, gota a gota, na bacia de mármore a água flui gota a gota marcando a passagem inexorável do tempo Vista do terraço Outrora Abrangia até ao mar Agora Uma estreita tira de água e monte entre dois prédios de cinco andares, separados por um corte de rua O terraço Comunicava por três portas envidraçadas com o escritório Sala de Jantar Fogão: junto ao qual Afonso da Maia lia o jornal. O fim de Outono não permitia acender o lume, por isso viam-se plantas de estufa. Nos aparadores de carvalho lavrado encontrava-se as baixelas antigas Tapeçarias Tecto escuro Mesa com flores entre os cristais Ramalhete 1887 Quando Carlos volta a Lisboa após uma ausência de quase 10 anos Na descrição do Ramalhete, as principais sensações transmitidas são o envelhecimento, o abandono, tristeza e o fim: Depois ao fundo, encaixilhada como uma tela marinha nas cantarias dos dois altos prédios, a curta paisagem do Ramalhete, um pedaço de Tejo e monte, tomava naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste: na tira de rio um paquete fechado, preparado para a vaga, ia
descendo, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto; no alto da colina o moinho parara, transido na larga friagem do ar; e nas janelas das casas à beira de água um raio de sol morria, lentamente sumido, esvaído na primeira cinza do crepúsculo, como um resto de esperança numa face que se anuvia. As semelhanças Sombrio casarão de paredes severas Bancos feudais de carvalho lavrado Grande ramo de girassóis fazendo painel no lugar do escudo de armas As diferenças A antecâmara entristecida, toda despida, sem um móvel, sem um estofo. O amplo corredor sem tapete. No bilhar foram acumulados todos os móveis ricos da Toca Na cornija, nos dois faunos que entre os troféus agrícolas tocavam ao desafio. Um partira o seu pé de cabra, outro perdera a sua frauta bucólica Uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia. O cipreste e o cedro envelheciam juntos. A água da cascata cai gota a gota Sombrio casarão, para sempre desabitado, tons de ruína Quadros devotos. No salão nobre os móveis de brocado, cor de musgo, estavam embrulhados em lençóis de algodão, como amortalhados. No início, o Ramalhete não tem vida, em seguida habitado, tornase símbolo da esperança e da vida, é como que um renascimento; A tragédia abate-se sobre a família A morte instala-se nesta família. No Ramalhete, todo o mobiliário degradado e disposto em confusão, todos os aposentos melancólicos e frios, tudo deixa transparecer a realidade de destruição e morte. E se os Maias representam Portugal, a morte instalou-se no país -decadência de Portugal. No último capítulo, a imagem deixada pelo Ramalhete, abandonado e tristonho, cheio de recordações de um passado de tragédia e frustrações, está muito relacionado com o modo como Eça via o país, em plena crise do regime.
A toca A Toca é o nome dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o carácter animalesco do relacionamento amoroso entre Carlos e Maria Eduarda, sendo a toca o seu território. A toca era o recanto idílico, nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos partilharam curtas juras de amor. A toca apresenta: Finos móveis da renascença italiana Cetim cor-de-rosa das madeiras Cofres nupciais onde se guardavam os presentes dos papas e dos príncipes Contadores espanhóis revestidos de ferro brunido e de veludo vermelho Colchas de Cetim Poltrona Luís XV Tapeçarias de Beauvais Belas faianças Esplêndida taça persa 1º andar Sala de jantar Chaminé de carvalho lavrado, flanqueada à maneira de cariátides, pelas duas negras figuras de núbios, com os olhos rutilantes de cristais Vista da sala: junto do peitoril da janela crescia um pé de margaridas e ao lado outro de baunilha 2º andar Escada escura e feia Paisagem sobre o rio e sobre os campos Quartos: alegres novos forrados de papeis claros
Ao fundo do corredor: Quarto de Rosa Cama de pau preto Maria achou o gosto de Craft excêntrico quase exótico Jardim: Relva mal aparada, um pouco amarelada pelo calor de Julho 2 grandes árvores Largo banco de cortiça A cozinha Arranjada à inglesa Toda em azulejos Corredor cabeça negra de touro Espadas Garrochas Mantos de seda vermelha Cartaz amarelo de la corrida Quarto de Maria Eduarda: Tapete de veludo Pavimento de oiro Leito de dossel Colcha de cetim amarelo Cortinas amarelas Painel antigo defumado onde só se distinguia uma cabeça degolada dentro de um prato de cobre Coruja sinistra com dois olhos agoirentos e redondos
Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam o lado trágico da relação, estando carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte, de igual modo este amor de Carlos e Maria Eduarda estava condenado a desmaiar e desaparecer;...batida por uma faixa de sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profano... misturando o sagrado e o profano para simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. Assim, a descrição do quarto tem traços próprios de um local dedicado ao culto: a porta de comunicação em arco de capela, donde pendia uma pesada lâmpada da Renascença conferindo maior solenidade. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos Presságio dupla adjectivação Carlos mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante mas Maria Eduarda impressiona-se ao ver a cabeça degolada de S. João Baptista, que foi degolado por ter denunciado a relação incestuosa de Herodes, e a enorme coruja a fitar, com ar sinistro, o seu leito de amor (a coruja é considerada uma ave de mau agoiro, que surge aqui para pressagiar um futuro sinistro para este amor). Sala O armário enche a parede do fundo. Na base quatro guerreiros armados como Marte, flanqueavam as portas. A peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas, João, Marcos, Lucas e Mateus. Na cornija erguia-se um troféu agrícola com molhos de espigas, foices, cachos de uvas e rabiças de arados. Dois faunos recostados em simetria indiferentes aos heróis e aos santos tocavam num desafio bucólico a frauta de quatro tubos
Simbologia Faunos : criaturas que, possuíam um corpo meio humano, meio bode Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e de desprezo de tudo e de todos. Os dois faunos simbolizam o desastre do incesto decorrido entre Carlos e Maria Eduarda. Faunos - símbolo do amor carnal O ídolo japonês que há na Toca remete para a sensualidade exótica, que vai contra as doutrinas existentes, desta ligação incestuosa. Os guerreiros simbolizam a heroicidade Os evangelistas, a religião e os troféus agrícolas simbolizam os trabalhos que terão existido na família Maia (e em Portugal). A casa, depois de arranjada, por Maria Eduarda, resplandecia, perdera o ar rígido de museu. Quiosque Japonês uma fantasia de Craft, o seu amor do Japão, construíra ao pé da rua das acácias, aproveitando a sombra e o retiro bucólico de dois velhos castanheiros Todo em madeira com uma janelinha redonda Faianças do Japão Colcha de seda amarela Telhado agudo à japonesa Recanto íntimo de Carlos e Maria Eduarda O pensadoiro Onde tinham longas conversas, onde balbuciavam mil coisas pueris e ardentes, por entre longos beijos As CORES É de salientar a luxúria da cor - o amarelo e o dourado - que remete igualmente, para o gosto das sensações fortes, moralmente proibidas. O tom dourado está também presente, indicando a paixão ardente; anunciando a velhice (o Outono), a proximidade da morte.
Morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora. O vermelho, cor de fogo e de sangue, simboliza esses mesmos elementos, bem como a força, o poder e a vida que a cor transmite.