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Transcrição:

A variação do futuro no espanhol coloquial a partir da filmografía de Pedro Almodóvar Flávia Regina Dorneles Ramos (UFRJ) Esta pesquisa estuda a expressão do tempo futuro no espanhol coloquial a partir de três filmes do cineasta espanhol Pedro Almodóvar: Mujeres al borde de un ataque de nervios (1988), Carne Trémula (1997) e Tacones lejanos (1991). O objetivo desse estudo é investigar a variação entre as seguintes formas de expressão do futuro: o Futuro Simples (FS): <saldré>, o Futuro Perifrástico (FP): <voy + a + salir> e o Presente (P): <salgo>, identificando os possíveis fatores internos e contextos lingüísticos que estão correlacionados a este fenômeno variavél. (...) A abordagem teórica adotada para o desenvolvimento dessa investigação é de base funcionalista, que concebe a língua como resultante da interação social e da relação entre a forma e função, ou seja, correlaciona uso e função dentro do contexto comunicativo. A perspectiva geral é de ordem discursivo-pragmática, associada ao modelo teórico-metodológico da sociolingüística variacionista de William Labov. (...) A sociolingüística variacionista é uma das subáreas da Lingüística que estuda a língua em uso no ceio da comunidade de fala porque entende que língua e sociedade estão relacionadas entre si, de modo inquestionável. Seu objeto de estudo é a diversidade, a variação, entendida como o princípio geral e universal de todas a línguas, passível de ser descrita e analisada. O fenômeno de variação lingüística permite que falantes de uma determinada língua possam utilizar elementos lingüísticos diferentes para expressar os mesmos sentimentos, a mesma idéia e ações, sem que a máxima desse conteúdo corresponda a uma alteração semântico-funcional, ou seja, sem que o uso de um elemento lingüístico em lugar de outro provoque alguma alteração de sentido. São exemplos do fenômeno de variação lingüística, portanto, as três formas de futuro estudadas, normalmente usadas para expressar acontecimentos posteriores ao momento da enunciação, no espanhol e nas demais línguas românicas. (...) A sociolingüística parte do pressuposto de que toda variação lingüística é motivada e configura o princípio universal de toda mudança 1, ou seja, para que haja uma mudança no sistema haverá sempre uma variação caracterizada como uma mudança em processo. (Tarallo, 1990:63), apesar de que nem toda variação culminará em mudança, a variação poderá estabilizar-se na língua. (...) Labov desenvolveu, o chamado método de análise quantitativo, que se propõe a explicar a sistemacidade de uma determinada variação a partir do controle contextual de uso das variantes em uma amostra significativa. Através do pacote de programas Varbrul, criado pela própria sociolingüística, é possível calcular a probabilidade de cumprimento das regras variáveis através de uma seleção estatística dos grupos de fatores por ordem de relevância, isto é, o programa reali 1 O conceito de mudança, se refere basicamente a modificações concretas dentro do sistema lingüístico. 175

za a contagem das ocorrências e calcula as percentagens de aplicação do emprego das variantes para os fatores de cada grupo. Nesta pesquisa seguimos os seguintes passos: a) levantamento das 431 ocorrências nos roteiros dos filmes; b) análise das situações comunicativas e contextos de uso de cada uma das ocorrências nos filmes; c) formulação das hipóteses: seleção dos grupos de fatores que estariam correlacionados ao uso de determinada variante; d) delimitação do corpus e codificação de cada uma das 431 ocorrências em seus contextos de realização a partir das cenas dos filmes. Foram considerados 10 grupos de fatores. e) revisão das ocorrências e revisão da codificação. Os dados foram submetidos ao pacote de programas Varbrul, e foram feitas diversas rodadas para a obtenção dos resultados, obedecendo às etapas usuais. A hipótese geral que sustenta esta pesquisa é a de que, além de fatores sintáticos e semânticos, existem fatores contextuais de ordem discursivo-pragmático que favorecem o uso de uma das três variantes por parte do falante no espanhol coloquial. Alguns estudos recentes do grupo de pesquisadores Val. Es. Co (Valencia Espanhol Coloquial) 2 afirmam que a «gramática» dessa modalidade lingüística está, em muitos casos, condicionada por fatores relacionados com as regras e estratégias de uso da língua em uma determinada situação comunicativa e com a posição modal do falante com relação ao que ele diz. Assim, sustentam a escolha dos fatores testados as seguintes hipóteses específicas: a) O espanhol coloquial favorece o uso de FP, enquanto o espanhol menos coloquial e a modalidade escrita favorecem uso de FS. b) O uso de FS é mais freqüente em contextos onde o falante apresenta maior grau de incerteza com relação ao que ele diz, e, ainda, em contextos de relações sociais assimétricas, caracterizadas por mais poder e menos solidariedade, que configuram, na maioria dos casos, relações hierarquizadas com baixo grau de afinidade entre os pares. Em outras palavras, o uso de FS está relacionado, por um lado, a questão da modalidade epistêmica, ao pertencer ao âmbito do irrealis e, por outro, a uma distância «afetiva», relacionada ao grau de proximidade entre os interlocutores. c) Favorece P os contextos de uso da primeira pessoa do discurso. Supomos que o uso das primeiras pessoas (yo, nosotros) revele maior compromisso com relação ao fato enunciado por parte do falante. Já nos casos de uso da segunda pessoa (tú, vosotros), supomos que haverá preferência 2 Val.Es.Co. (Valencia Español Coloquial) é um grupo de investigação que surge no seio do Departamento de Filologia Española de la Universidad de Valencia. O grupo, dirigido pelo professor Antonio Briz, é formado por profesores e bolsistas de pesquisa do Departamento de Letras (Filología Española) das Universidades de Valencia e Alicante. A página oficial do projeto na Internet é: www.uv.es/~valesco/ 176

pela forma intermediária FP; e para os ocorrências de terceira pessoa (él, ella, usted, ellos, ellas e ustedes), supomos, portanto, uso preferencial de FS, evidenciando zero compromisso do falante com a realização da ação enunciada. d) Os contextos de posterioridade imediata são normalmente especificados através de marcadores temporais e favorecem uso de P. Esta variante se realiza normalmente na presença de marcadores por constituir uma forma não-marcada, isto é, uma forma que não possui marca gramatical formal para indicar futuridade; por outro lado, os contextos de posterioridade remota, do tipo predição, favorecem uso de FS. O uso de FS está relacionado à distância espaço-temporal entre a enunciação e a realização do fato enunciado. e) O uso de P é mais freqüente em contextos cujos «enunciados realizativos» são evidenciados em seqüências de atos de fala do tipo: pedir e impor, esses atos de fala, além de possuir maior força incisiva, normalmente estão relacionados a um futuro de posterioridade imediata, enquanto que seqüências do tipo: prometer e ameaçar, favorecem uso de FS, esses atos de fala estão, na maioria das ocorrências, relacionados a um futuro de posterioridade remota. Não há expectativa para os resultados dos atos de fala: asseveração, expressivo e desacordo. f) Favorecem uso de P os contextos com alto índice agentividade, isto é, cláusulas com sujeitos animados, enquanto os contextos com menor índice de agentividade, isto é, cláusulas com sujeitos não-animados favorecem uso de FS. g) O emprego de P é mais freqüente em contextos com verbos modais e está relacionado à modalidade deôntica. A noção de necessidade, obrigação, possibilidade, vontade e capacidade expressa pelos modais, já possui um traço inerente de futuridade, o que sugere redundância se usados com FS. Tampouco é provável o uso de FP nesses casos, dado que os verbos modais já são formas compostas. h) O paralelismo lingüístico pode ser um fator determinante na escolha de uma das variantes estudadas, ou seja, o uso de cada uma das variantes é mais freqüente quando esta, se encontra em uma cadeia determinada, isto é, quando existe uma identidade formal na seqüência discursiva. Assim, P será precedido de P, FP será precedido de FP e FS será precedido de FS. Não há expectativa com relação ao uso das ocorrências isoladas ou primeiras da série. Cada variável dependente foi estudada separadamente, ou seja, foram feitas rodadas independentes para cada forma levando em conta os mesmos grupos de fatores. Assim, ao escolhermos FS como regra de aplicação, o programa analisa os resultados dessa variante com relação às demais, e assim sucessivamente. Dessa forma, foram estabelecidas três regras de aplicação com o objetivo de verificar a freqüência de uso de cada variante e investigar qual delas é a mais incidente em nosso corpus com relação a cada um dos grupos de fatores estudados. Tais grupos 177

de fatores, constituem as variáveis independentes 3 consideradas com fins de comprovar as hipóteses formuladas. Em um primeiro momento, os fatores estavam reunidos em 12 grupos. No entanto, por motivos metodológicos 2 grupos de fatores foram descartados por não terem sido selecionados em nenhuma condição, isto é, por serem considerados altamente irrelevantes. São eles, a relação de poder e relação de solidariedade. O poder é uma noção essencial no estudo das relações grupais na sociedade; é a característica do contexto e da sociedade em geral que maior efeito exerce sobre os textos e a fala (Van Dijk: 2000). Pretendíamos observar com este fator se as relações sociais hierarquizadas, assimétricas, (pai e filho, patrão e empregado, etc.) estavam correlacionadas ou não ao uso de FS. Por outro lado, com o grupo de fatores, relação de solidariedade, pretendíamos comprovar que em relações simétricas, recíprocas, baseadas fundamentalmente na afinidade, (Moreno, 1998: 146), em contextos de menor distancia afetiva entre os pares, haveria um maior o uso de P ou FP. Ambas hipóteses foram refutadas. Dessa forma, foram considerados nas rodadas finais somente 10 grupos de fatores: aspecto interacional, atos de fala, pessoa do discurso, animacidade do sujeito, marcadores temporais, tipo de verbo flexionado, noção posterioridade, grau de certeza, valência verbal e paralelismo. (...) Os três filmes que compõem o corpus da nossa pesquisa, cobrem um período de 10 anos na produção do cineasta espanhol Pedro Almodóvar que, em sua trajetória, confere uma especial importância à linguagem em seus filmes. Ao pretender que seus personagens cotidianos sejam fiéis a uma determinada realidade, seus filmes nos oferecem um rico mostruário dos falares coloquiais da sociedade espanhola, podendo constituir, portanto, material de interesse para o estudo do espanhol coloquial e suas manifestações 4. Faz-se necessário considerar, no entanto, que os roteiros de filmes não constituem unidades enunciativas primárias, do tipo conversações espontâneas para o estudo da língua. Funcionam de forma similar, como uma cópia ou réplica de comunicações verbais reais e pertencem ao que Bakhtin (1997: 281) denomina gênero secundário do discurso e constituem unidades enunciativas secundárias. Sabe-se que a partir de roteiros cinematográficos pode-se observar diversas pautas do comportamento sociolingüístico, como, por exemplo, a variedade de registros de acordo com o status social de cada falante. 3 Não foram aplicadas variáveis externas do tipo, idade, sexo e escolaridade. 4 Sobre os filmes de Almodóvar, Francisco Moreno (2000) observa que são para o ensino do espanhol como língua estrangeira, uma excelente mostra do espanhol coloquial porque son muestras ávidas de língua viva e actual... presentan no pocas expresiones coloquiales das que se toma nota para llevarlas ao aula (espanhol daslmodóvar). Sobre a filmografia de Pedro Almodóvar ver a página oficial da produtora El Deseo na Internet: www.egeda.é/ eldeseo/menu.asp 178

O percentual de ocorrências de cada variante, Gráfico 01 pode ser observada no gráfico abaixo: Perífrase de futuro Gráfico 01 113 Futuro simples Perífrase de futuro 113 118 Presente do indicativo Futuro simples 118 200 0 50 100 150 200 250 Presente do indicativo 200 0 50 100 150 200 250 [P 46% >FS 27% >FP 26%] Nota-se uma maioria de P (200/431, ou seja, 46 %), seguido de FS (118/431, ou seja, 27 %) e FP (113/431, ou seja, 26 %). [P 46 % >FS 27 % >FP 26 %] [P 46% >FS 27% >FP 26%] O número das variantes por filmes pode ser observado no gráfico e tabela, a seguir: Gráfico 3: Número das ocorrêcias por filmes Gr fico 3: N mero das ocorrícias por filmes 85 61 54 54 46 Presente 41 Futuro perifrástico 34 30 26 Futuro Mujeres Tacones Carne Tabela: Distribuição das variantes em cada filme Ocorrências Filmes P FP FS Total 1. Mujeres 85 53 % 46 29 % 30 19 % (161) 38 % 2. Tacones 61 43 % 26 18 % 54 38 % (141) 32 % 3. Carne 54 42 % 41 32 % 34 26 % (129) 30 % Total 200 46 % 113 26 % 118 27 % (431) 100 % 179

Observando filme por filme, verificamos que o filme Mujeres al borde de um ataque de nervios (1988) possui o maior número de ocorrências do corpus (161/431) onde se constata um maior número de P (85/161, ou seja, 53 %), seguido de FP (46/161, ou seja, 29 %). Em último lugar e com uma diferença de 10 pontos percentuais com relação a FP, aparece FS (30/161, ou seja, 19 %). Já em Tacones Lejanos (1991) verifica-se uma maioria de P (61/141, ou seja, 43 %), seguido de FS (54/141, ou seja, 38 %) e de FP (26/141, ou seja, 18 %). Nota-se, neste caso, uma significativa queda de FP e um aumento de FS. Em Carne trémula (1997), observa-se maioria de P (54/129, ou seja, 42 %), seguido de FP (42/129, ou seja, 32 %) e FS (34/129, ou seja, 26 %). Como podemos observar na tabela acima. (...) Para melhor mapear a distribuição das variantes nos filmes, mais precisamente, a alta freqüência de uso de FS verificado no filme Tacones Lejanos (1991), verificamos tipo de discurso 5 em que se realizam os enunciados selecionados, considerando o modo de produção do discurso em dois grupos: discurso escrito (correspondências, bilhetes, notícias de rádio ou televisão, canções e publicidade) e discurso oral (com ou sem interação: interação cara a cara ou por telefone, monólogos, secretária eletrônica e alto-falantes). Verificou-se, nesta classificação, que em contextos escritos, a maioria das ocorrências é de FS (29/36, ou seja, 81 %), seguido de P (7/36, ou seja, 19 %). Não consta nenhum caso de FP para esses contextos. Em Tacones Lejanos (1991) abundam contextos de discurso escrito oralizado, do tipo: bilhetes, cartas, notícias de rádio etc. (...) Dos resultados obtidos atesta-se em nossso corpus, conforme hipótese formulada, que FS é mais freqüente em contextos de situações comunicativas menos coloquiais. No espanhol coloquial seu uso favorece os contextos em que o falante apresenta menor grau de certeza com relação à realização do fato enunciado e, ainda, maior distância espaço-temporal desta realização. Assim, constatou-se alta freqüência de uso desta variante em contextos de terceira do discurso, onde verifica-se um menor grau de comprometimento do falante com a realização do fato enunciado. O uso de FS está correlacionado, ainda, à noção de posterioridade remota, à predição e talvez, por esse motivo, favorece o uso do ato de fala promessa. Por outro lado, comprova-se que o uso de FP é favorecido por contextos mais coloquiais da língua, esta variante apresenta resultados altamente relevantes, inclusive sobre o presente. Seu uso dispensa o uso de marcadores temporais. Já com relação ao uso de P, forma não-marcada, podemos afirmar conforme os resultados apresentados, que esta variante é bastante freqüente tanto em contextos mais coloquiais quanto em contextos menos coloquiais. Constata-se sua freqüência com uso de marcadores temporais com o fim de reforçar o traço de futuridade. O uso desta variante, conforme nossa hipótese, está correlacionado à posterioridade imediata e ao maior grau de certeza do falante com relação a sua proposição. Assim favorece, igualmente, o uso da primeira pessoa do discurso que revela um maior grau de comprometimento do falante com a verdade enunciada. O uso de P favorece, ainda, o uso dos verbos modais. Devido ao traço de futuridade inerente a estes 5 A expressão tipo de discurso, está sendo utilizada conforme as considerações de Bakhtin (1997:283). 180

verbos o uso de FS se apresentaria redundante. O grupo de fator paralelismo lingüístico mostrou-se relevante no estudo de todas as variantes estudadas, ou seja, constata-se que o uso de cada uma das variantes é mais freqüente quando existe uma identidade formal na seqüência discursiva. Este estudo foi desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro, como dissertação de mestrado. Acredita-se que um maior aprofundamento deste estudo, inclusive com a consideração das variáveis que neste trabalho não se apresentam correlacionadas ao fenômeno, possa vir a contribuir para o estudo e descrição do espanhol coloquial, e, ainda, a um estudo comparativo entre o espanhol e o português. BIBLIOGRAFÍA Austin, J., 1998, Cómo hacer cosas com palabras y acciones?, Barcelona, Paidós Iberia. Bakhtin, 1997, Estética da Criação Verbal. Os géneros do Discursivo, São Paulo, Martins Fontes. 1990, Marxismo e filosofía da linguagem, 5.ª ed., São Paulo, Martins Fontes. Bello, A., (1847), 1948, Gramática de la lengua castellana, Buenos Aires, Anaconda. Bouza Vidal, Nuria, 1990, El cine de Pedro Almodóvar, Barcelona, Ediciones Destino. Briz, A., 1988, El español coloquial en la conversación. Esbozo de pragmagramática, Barcelona, Editorial Ariel. 2000, El español coloquial: Situación y Uso, Cuadernos de Lengua Española, Madrid Editorial Arco/Libros, S.L. Coseriu, E., 1981, Lecciones de Linguística General, Gredos, Madrid. Dapena, José Álvaro Porto, 1985, Tiempos y formas no personales del verbo, Madrid, Arco Libros. Dijk, T. A. Van, 1983, La ciencia del texto, Barcelona, Paidós. 1980, Texto y contexto (semántica y pragmática del discurso), Madrid, Cátedra. 2000, «El discurso como interacción en la sociedad», en El discurso como interacción social, Barcelona, Gedisa, pp. 19-65. Fleischman, S., 1982, The future in thought and language, Cambridge, Cambridge University Press. Gibbon, Adriana de Oliveira, 2000, A Expressão do Tempo Futuro na Língua Falada de Florianópolis: gramaticalização e variação, Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Gili Gaya, Samuel, 1943, Curso Superior de sintaxis española, Barcelona, Vox. Givón, Talmy, 1979, Discourse and Syntax. Syntaxe and Semantics 12, Nueva York, Academic Press. 1995, Functionalism and grammar, Amsterdam / Philadelphia, John Benjamin. Hopper, P. & S. Thompson, 1980, Transitivity in grammar and discourse language, LSA, 56(2). Labov, W., 1993, Modelos sociolinguísticos, Madrid, Cátedra. 181

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