A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. Sumário 1. Introdução 2. A compliance anticorrupção 3. Aplicação de sanções 4. Da declaração de inidoneidade 5. Conclusões 1 Introdução Pedro Aguiar de Freitas Advogado. Diretor vice-presidente do Instituto Innovare. Ex-diretor jurídico de grandes grupos empresariais brasileiros. A Lei nº 12.846, de 2013, joga nova luz sobre o combate à corrupção no Brasil, remetendo às empresas parte da responsabilidade por esse desafio que, até aqui, se imputou quase que exclusivamente ao Poder Público. De fato, ao dispor sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, a já chamada Lei Anticorrupção ou LAC busca atrair as empresas para o cenário complexo da prevenção e combate à corrupção. Se, de um lado, a crítica de que o Estado procura transferir o ônus de uma atividade eminentemente estatal para a iniciativa privada parece inevitável; de outro, tem-se que a responsabilização da pessoa jurídica por ato de corrupção não é uma opção isolada do legislador brasileiro, mas representa, principalmente, a adesão do Brasil a uma tendência internacional que se assemelha irreversível. 97
A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 98 Com efeito, pelo menos desde o ano 2000, 1 quando ratificou e promulgou a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, instituída no âmbito da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o Brasil já houvera se comprometido a editar diploma jurídico com conteúdo semelhante ao da Lei nº 12.846, de 2013. 2 Tal compromisso foi renovado com a edição dos Decretos nº 4.410, de 2002, e nº 5.687, de 2006, os quais promulgaram, respectivamente, a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Apesar do longo tempo decorrido entre a ratificação pelo Brasil dos primeiros instrumentos multilaterais relacionados ao fenômeno da corrupção e a entrada em vigor da LAC, 3 a nova legislação foi recebida com certa surpresa por setores que não vinham acompanhando a transformação do cenário internacional relativamente ao enfrentamento da corrupção. Nesse contexto, diversos aspectos da LAC já suscitam dúvidas e somente o processo natural de decantação da interpretação da norma poderá conferir mais previsibilidade e segurança jurídica à sua aplicação. Não obstante isso, o presente artigo se propõe a tratar da importância da adoção, pelas empresas, de programas de integridade ou compliance, bem como dos reflexos de sua implantação na eventual aplicação das sanções previstas na LAC. Por fim, tecem-se alguns comentários acerca da inidoneidade das pessoas jurídicas, cuja declaração, apesar de ter sido excluída como sanção da redação final do texto da LAC, tende a ter sua aplicação considerada simultaneamente com as penalidades encampadas por esse novo diploma legal. 2 A compliance anticorrupção Em definição simplificada, compliance anticorrupção vem a ser o conjunto de mecanismos e medidas, organizados sob a forma de um programa, que buscam alinhar as organizações com as melhores práticas para prevenir a corrupção, reduzindo riscos e criando ambientes de integridade e ética sadios. Assim, o reconhecimento de programas de compliance efetivos passa pela incorporação de políticas, procedimentos e controles, cujo repertório se construiu, ao longo dos últimos anos, sobretudo a partir de uma maior intensificação da aplicação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), 4 pelas autoridades dos Estados Unidos da América. Nessa linha, a LAC estabelece, no inciso VIII do art. 7º, que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levados em consideração na aplicação das sanções. Na esteira do que ocorre no Direito Comparado, quis o legislador pátrio atribuir crédito às pessoas jurídicas que, apesar de incidirem em conduta ilícita descrita na norma, estariam sujeitas a tratamento mais favorável em razão de terem envidado esforços para prevenir ou deter a corrupção. Nota-se, entretanto, que aparentemente não se criou a possibilidade de que a adoção, pela pessoa jurídica, de mecanismos efetivos de integridade fosse suficiente para afastar a aplicação de san- 1. A Convenção da OCDE foi firmada em 17 de dezembro de 1997 pelos Estados-membros da organização, juntamente com Argentina, Brasil, Bulgária, Chile e República Eslovaca. O Brasil ratificou a Convenção em 15 de junho de 2000 e a promulgou pelo Decreto Presidencial nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. 2. Na verdade, a Convenção da OCDE trata da responsabilização das pessoas jurídicas por suborno praticado em transações comerciais internacionais, enquanto o escopo da Lei nº 12.846, de 2013, é mais abrangente, pois reprime não só o suborno, mas também a prática de outros atos ilícitos, ocorridos tanto no território nacional como no exterior. 3. A Lei nº 12.846 foi publicada no dia 2 de agosto de 2013 e entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014. 4. O Foreign Corrupt Practices Act é a lei americana que trata do suborno de funcionários públicos estrangeiros e da transparência da contabilidade das empresas.
ções, contemplando-se, tão somente, a possibilidade de, por assim dizer, mitigar sua amplitude. Por outro lado, segundo a LAC, os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do art. 7º serão fixados em regulamento do Poder Executivo federal. Ou seja, caberá ao chefe do Poder Executivo federal regulamentar, por meio de decreto federal, pelo menos nessa parte, o seguinte: a) o detalhamento, a partir das diretrizes já anunciadas pela LAC, do que será considerado adequado ou indispensável para o reconhecimento de programas de compliance efetivos; e b) os benefícios de que poderão gozar as empresas que possuírem tais programas. A LAC possui tanto natureza de norma civil quanto administrativa. Quanto ao conteúdo dos programas de compliance, chama a atenção o fato de a LAC ter remetido a sua regulamentação para o Poder Executivo federal, cabendo a indagação se a normatização do decreto federal poderia se projetar nas esferas administrativas estadual e municipal, visto que a lei pode ser aplicada pelas diversas instâncias de governo, em todos os níveis. Caso se entenda, como parece ser a posição dominante até aqui, que a disciplina do Executivo federal concernente ao conteúdo e à avaliação dos programas de compliance estaria restrita a essa esfera de governo, restaria a Estados e municípios editarem suas próprias regulamentações. Ressalta-se que a LAC possui tanto natureza de norma civil quanto administrativa. Portanto, há que se perseguir o equilíbrio entre a competência privativa da União para legislar sobre matéria de Direito Civil e a preservação da autonomia administrativa dos Estados e municípios. Em realidade, a melhor composição possível, inclusive do ponto de vista da sua racionalidade, seria que Estados e municípios, por meio de normas próprias, fizessem a remissão à regulamentação federal. Nesse sentido, andou bem o governo de São Paulo, que, ao regulamentar a aplicação da LAC no âmbito estadual, por meio do Decreto nº 60.106, de 2014, estabeleceu o seguinte: Art. 6º - Aplicar-se-á ao processo administrativo de que trata este decreto, no que couber, o disposto em regulamento do Poder Executivo federal acerca do art. 7º da Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 20l3. De modo similar, dispôs a Prefeitura de São Paulo, que tratou da matéria no art. 24 do Decreto nº 55.107, de 2014, cuja redação abaixo se transcreve: Art. 24 - Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no art. 7º, inciso VIII, da Lei Federal nº 12.846, de 2013, serão, no que couber, aqueles estabelecidos no regulamento do Poder Executivo Federal a que alude o parágrafo único do mencionado artigo. Parágrafo único - Até a publicação, pelo Poder Executivo Federal, do regulamento a que se refere o caput deste artigo, considerar-se-á, única e exclusivamente, no âmbito da pessoa jurídica, a existência de mecanismos e procedimentos consistentes de integridade e monitoramento, a efetividade dos sistemas de controle interno, a utilização de códigos de ética e conduta para funcionários e colaboradores, a existência de sistemas de recebimento e apuração de denúncias que assegurem o anonimato, a adoção de medidas de transparência na relação com o setor público e a realização periódica de treinamentos com o intuito de promover a política interna de integridade. Salienta-se que a opção feita pelos Executivos paulista e paulistano antecede a edição do decreto federal, sinalizando positivamente na direção da A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 99
A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 100 uniformidade da aplicação da LAC, pelo menos no que tange à compliance anticorrupção. Idealmente, todos os Estados e municípios deveriam acatar disciplina semelhante à que foi acolhida pelo Estado e pela Prefeitura de São Paulo de maneira a afastar qualquer discussão em torno de eventual conflito de competência, bem como a fim de possibilitar que as empresas possam desenvolver programas anticorrupção uniformes em todo o território nacional. A uniformidade regulatória entre as diversas instâncias, embora bem-vinda e até mesmo indispensável, não terá, porém, o condão de resolver outro problema igualmente inquietante, que é a modulação dos programas de compliance de acordo com o porte das empresas. Não se imagina que, a partir da publicação da LAC, pequenas empresas tenham se movimentado no sentido de estabelecer programas de compliance anticorrupção. Certamente, não o fizeram e provavelmente não o farão. Mesmo empresas consideradas médias, por motivo de escala e de custos, talvez demorem a estruturar seus programas. Cria-se, então, a situação em que grandes corporações, as quais conseguem diluir o esforço de desenvolver e manter programas de qualidade, poderão se beneficiar de uma eventual mitigação de sua responsabilidade, enquanto pequenos empreendimentos não conseguirão exercer essa faculdade. Pode-se estar, entretanto, exagerando o dilema. Primeiramente, porque se espera das autoridades razoabilidade tanto na definição de requisitos de compliance compatíveis com o porte das empresas quanto na própria imposição de eventuais sanções. Adicionalmente, registra-se que a LAC não foi concebida para o enfrentamento preferencial da pequena corrupção, antes visa a deter essa prática nas grandes empresas e, a partir do exemplo e das exigências destas, gerar um ciclo virtuoso de integridade, que afetará também os pequenos negócios, ao longo de toda a cadeia produtiva. Por esse raciocínio, uma grande corporação não correrá o risco de atuar em parceria com uma pequena que goze de má reputação, o que induzirá a depuração natural do sistema. Logo, espera-se que as autoridades repressoras concentrem seus recursos de investigação em casos de maior relevo e que as pequenas empresas sejam movidas pela necessidade de adaptação de suas práticas de negócio aos patamares exigidos pelas empresas maiores. 3 Aplicação de sanções O segundo aspecto, entre outros, a ser contemplado pela regulamentação da LAC diz respeito ao crédito que será atribuído às empresas detentoras de programas de compliance adequadamente estruturados. Inicialmente, assinala-se que as sanções administrativas e judiciais previstas na LAC encontram-se elencadas, respectivamente, nos seus arts. 6º e 19, nos seguintes termos: Art. 6º - Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória. [...] Art. 19 - Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. Verifica-se, então, que parte do rol de penalidades previstas na LAC, tais como a publicação extraordinária da decisão condenatória, o perdimento de bens e a dissolução compulsória, não comporta propriamente nenhum tipo de gradação. Já a multa, a interdição ou suspensão parcial de atividades e a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos públicos sujeitam-se a ajustes quanto ao valor, no caso da primeira (multa), e ao tempo de duração, em relação às demais (interdição e proibição de receber incentivos). Portanto, o que se questiona é se, em função da constatação da existência de programas de compliance efetivos, poderá o administrador ou o juiz, nas suas respectivas esferas de decisão, não só reduzir, por exemplo, o valor da multa ou o tempo de proibição para receber incentivos, como também deixar de aplicar estas ou outras sanções. Há que se frisar, nessa linha, que o art. 7º da LAC delimitou os aspectos e circunstâncias que serão levados em consideração na aplicação das sanções, quais sejam: I - a gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados. Parte do rol de penalidades previstas na LAC não comporta propriamente nenhum tipo de gradação. Estranhamente o art. 7º encontra-se inserto no capítulo da LAC que trata Da Responsabilização Administrativa. Apesar disso, não parece razoável supor que a autoridade judicial levará em conta critérios diversos dos ali listados no momento da fixação de sanções judiciais. Assim sendo, assemelha-se claro que a comprovação da existência de programas de compliance robustos, ponderada com os demais aspectos e circunstâncias listados no art. 7º, poderá não só resultar na modulação de penalidades como também afastar a aplicação de sanções. Não pode ser outro o entendimento que se extrai, inclusive, da leitura dos dispositivos abaixo reproduzidos: Art. 6º - [...] 1º - As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações. [...] Art. 9º - [...] 3º - As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Em rigor, dadas as circunstâncias de cada caso, qualquer sanção pode, em tese, ser afastada ou cumulada com outra, observando-se, no entanto, que as penalidades de suspensão ou inter- A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 101
A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 102 dição de atividades e dissolução compulsória são excludentes entre si. Contudo, na esfera administrativa, o leque de penalidades aplicáveis, conforme se viu anteriormente, foi reduzido à multa e à publicação extraordinária da decisão condenatória, o que induz à provável conclusão de que os administradores deverão utilizar a ponderação das circunstâncias do art. 7º, aí incluída a compliance anticorrupção, exclusivamente no agravamento ou atenuação do gradiente da multa. Já no âmbito judicial, o exercício de antecipação do comportamento dos julgadores revela-se muito menos previsível, sobretudo no que respeita à importância que se vai atribuir aos programas de integridade. Em qualquer hipótese, diante da natureza objetiva da responsabilidade acolhida pela LAC, a prova da estruturação de programas de compliance consolidados pode significar o principal e, por vezes, o único argumento a ser articulado em uma defesa que busque demonstrar que a pessoa jurídica investigada envidou todos os esforços para evitar a ocorrência do fato lesivo à Administração Pública. Na verdade, o projeto de lei original encaminhado pelo Poder Executivo induzia a um escalonamento das sanções, pelo qual apenas as mais graves perdimento de bens, interdição ou suspensão de atividades e dissolução compulsória eram reservadas à esfera judicial. A Câmara dos Deputados suprimiu do texto algumas das penalidades originalmente previstas 5 e migrou da esfera administrativa para a judicial a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público. Promoveu, ainda, de maneira acertada neste caso, o deslocamento da sanção de reparação integral do dano causado do rol de incisos para o elenco de parágrafos do atual art. 6º. As sanções retiradas do texto foram a declaração de inidoneidade e revogação de delegação, autorização ou permissão, cassação de licença ou rescisão de contrato celebrado com a administração pública. De certo, os ilustres parlamentares buscaram enxugar o texto original, movidos pelo receio do grande número de autoridades administrativas, em todos os níveis de governo, às quais foi investida a competência de aplicar as sanções previstas na LAC. 4 Da declaração de inidoneidade Apesar de removida da LAC como sanção, há remissões à declaração de inidoneidade de pessoas jurídicas em dois dispositivos da lei, quais sejam: Art. 17 - A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. [...] Art. 23 - Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (grifo nosso). 5. O texto do Projeto de Lei Original nº 6.826, de 2010, listava as seguintes sanções, na esfera administrativa: I - multa, no valor de um a trinta por cento do faturamento bruto do último exercício da pessoa jurídica, excluídos os tributos; II - declaração de inidoneidade; III - reparação integral do dano causado; IV - publicação extraordinária da decisão condenatória; V - proibição de contratar, receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público; VI - revogação de delegação, autorização ou permissão, cassação de licença ou rescisão de contrato celebrado com a administração pública.
Acerca do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis), há que se esclarecer que ele já existe e é mantido pela Controladoria- -Geral da União (CGU). 6 A LAC, entretanto, lhe deu institucionalidade, além de ter tornado obrigatório que todos os órgãos e entidades das três esferas de governo remetam e mantenham atualizadas suas informações referentes à aplicação das sanções previstas nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666, de 1993, que são: advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. Até aqui, como não havia essa obrigatoriedade, a CGU buscou firmar parcerias com Estados e municípios para remessa das informações que alimentam o Ceis. Ressalta-se, porém, que o Ceis apenas registra as penalidades de suspensão e de declaração de 6. O Ceis pode ser acessado pelo endereço eletrônico <www.portal datransparencia.gov.br/ceis>. 7. O art. 22 da LAC institui o Ceis, nos seguintes termos: Art. 22 - Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei. 1º - Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no Cnep, os dados relativos às sanções por eles aplicadas. 2º - O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: I - razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ; II - tipo de sanção; e III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso. 3º - As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência previstos nesta Lei, também deverão prestar e manter atualizadas no Cnep, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. 4º - Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no 3º, deverá ser incluída no Cnep referência ao respectivo descumprimento. 5º - Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora. inidoneidade, não contendo dados sobre a imposição de advertências e multas. Em realidade, além de dificultar o gerenciamento do Ceis, a incorporação das penalidades de multa e advertência ao cadastro teria pouca utilidade, uma vez que ele foi concebido para evitar que órgãos e entidades de diferentes esferas da Administração, por desconhecimento, contratassem empresas declaradas suspensas ou inidôneas por outros entes. As informações sobre multas e advertências aplicadas teriam, portanto, pouco proveito. Por fim, não há que se confundir o Ceis com o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), 7 pois esse último, ainda não existente, registrará as penalidades impostas e os acordos de leniência firmados com base na LAC. Já com relação à possibilidade aventada no art. 17 da LAC anteriormente transcrito, de a Administração Pública, no contexto da negociação de acordos de leniência, isentar ou atenuar as sanções estipuladas pela Lei de Licitações, acredita-se que essa faculdade poderá se constituir em grande estímulo para que empresas que mantêm muitos contratos com o Poder Público busquem a celebração de ajustes. Ademais, é interessante notar que, caso o ente atingido seja um órgão da administração direta, a autoridade competente para aplicar as sanções da LAC e da Lei nº 8.666, de 1993, poderá ser a mesma. Em ambos os casos, os ministros de Estado e os secretários estaduais e municipais. Não se trata de coincidência, é que a definição das autoridades sancionadoras da LAC foi inspirada na Lei de Licitações. Há, ainda, uma tendência de que as controladorias ou órgãos congêneres concentrem a condução dos processos administrativos da LAC, o que, de fato, seria bastante salutar, pois a pulverização de órgãos sancionadores atenta contra a racionalidade e a uniformidade de decisões. Na esfera do Executivo federal, a LAC estabeleceu que a CGU detém competência concorrente para instaurar processos administrativos A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 103
A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 104 de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento. Na prática, imagina-se que a CGU conduzirá a maioria dos processos. O município de São Paulo, em exemplo que deveria ser seguido por outros entes da Federação, atribuiu exclusivamente à sua Controladoria- -Geral a competência para instauração da sindicância e do processo administrativo destinado a apurar a responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública Municipal Direta e Indireta, nos termos da Lei Federal nº 12.846, de 2013. 8 A convergência da aplicação da declaração de inidoneidade cumulada com as sanções da LAC reside também no fato de que vários dos atos lesivos 9 nela previstos constituem igualmente ilícitos preconizados na Lei de Licitações. Resta clara a conexão entre a LAC e a Lei de Licitações no que tange às autoridades sancionadoras. Nesse sentido, outro ponto que merece comento é o relativo à perda de idoneidade das empresas ou profissionais de que trata o inciso III do art. 88, verbis: Art. 88 - As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei: [...] III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados. Com base no dispositivo acima reproduzido, pode-se cogitar de que a empresa que vier a ser sancionada com base na LAC e que mantenha contrato com a Administração Pública poderá também ser declarada inidônea por demonstrar não mais possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados. Como se vê, resta clara a conexão entre a LAC e a Lei de Licitações no que tange às autoridades sancionadoras e às condutas ilícitas descritas em ambas as normas, o que leva ao entendimento de que eventuais fatos ilícitos praticados no âmbito de uma ou de outra deverão ser apreciados, inclusive no que tange às sanções correspondentes, à luz de ambos os diplomas legais e até mesmo no curso do mesmo processo administrativo. 5 Conclusões Em resumo dos argumentos aqui apresentados, tem-se que: a) Nos termos da LAC, a estruturação de programas de compliance anticorrupção robustos, embora não tenha o condão de isentar a responsabilização da pessoa jurídica infratora, se constitui no principal e talvez no único instrumento disponível para articular uma defesa que busque demonstrar que a empresa investigada envidou todos os esforços para evitar a ocorrência do fato lesivo à Administração Pública. 8. Conforme disposto no art. 3º do Decreto nº 55.107, de 13 de maio de 2014, disponível no endereço eletrônico: <http://www.prefeitura. sp.gov.br/cidade/secretarias/controladoria_geral/legislacao>. 9. A LAC prevê, no inciso IV do art. 5º, como ato lesivo à Administração Pública, no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico- -financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
b) A existência de programas de compliance deve servir de fator de ponderação na aplicação das sanções previstas na LAC, tanto na esfera administrativa como na esfera judicial. c) Estados e municípios deveriam editar regulamentos próprios que acatassem, quanto às exigências de compliance e à aplicação de multas, as mesmas diretivas encampadas pelo decreto federal a ser editado. d) Os regulamentos da LAC deveriam contemplar modelos e exigências de compliance anticorrupção ajustados ao porte econômico das pessoas jurídicas. e) O exame dos aspectos e circunstâncias previstos no art. 7º da LAC e que deverão ser levados em consideração na aplicação das sanções pode tanto ser um fator de gradação como de exclusão de penalidades. f) Idealmente, no âmbito de cada esfera de governo, deve-se buscar concentrar em um único órgão a condução dos processos administrativos sancionadores da LAC. g) A declaração de inidoneidade, apesar de ter sido retirada como sanção, subsiste em alguns dos dispositivos da LAC e sua aplicação poderá ser cogitada nos casos em que os atos lesivos à Administração Pública também constituam ilícitos preconizados na Lei de Licitações ou, ainda, se se considerar que a pessoa jurídica que mantém contratos com a Administração Pública deixou de ser idônea, conforme disposto no inciso III do art. 88 da Lei nº 8.666, de 1993. A Lei Anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. 105