GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS EM GRANDES EVENTOS E A RELEVÂNCIA DE SELOS AMBIENTAIS. Letícia Moniz Freire 1. Elaine Garrido Vazquez 2



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Transcrição:

7 e 8 Novembro 2012 GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS EM GRANDES EVENTOS E A RELEVÂNCIA DE SELOS AMBIENTAIS Letícia Moniz Freire 1 Elaine Garrido Vazquez 2 RESUMO A geração dos resíduos sólidos é hoje um grande problema ambiental enfrentado pela maioria dos centros urbanos no mundo. O gerenciamento, a destinação correta e o reaproveitamento feito da maneira mais adequada e planejada são desafios a serem vencidos diariamente. Grandes eventos produzem uma enorme quantidade de resíduos em um curto espaço de tempo. A cidade do Rio de Janeiro irá sediar nos próximos anos eventos de grande magnitude que irão demandar processos de gerenciamento de resíduos mais eficazes. O evento Rock in Rio, originalmente brasileiro, já realizou algumas edições na Europa e retornou à cidade no ano passado. Este intercâmbio trouxe melhorias ao evento: ele se tornou ambientalmente comprometido, através da adoção do selo 100R. O evento se comprometeu publicamente a destinar corretamente a maior quantidade possível de seus resíduos, e de contribuir com a inclusão social através do trabalho em conjunto com uma cooperativa de catadores. A partir da análise de resultados deste evento, este artigo tem como objetivo avaliar as ferramentas adotadas e a eficiência da metodologia, procurando definir a maneira mais adequada de gerenciar os resíduos de eventos sem afetar a dinâmica das cidades e, além disso, promover inclusão social e valoração dos resíduos. Pretende-se também mensurar a relevância e eficácia de selos ambientais como ferramenta de fomento à correta segregação e destinação de resíduos; e a possível aplicação da metodologia utilizada como política pública permanente na questão de resíduos sólidos. Palavras-chave: Selos Ambientais, Resíduo Sólidos, Grandes Eventos. 1 Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Urbana Escola Politécnica Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, leticia.freire@poli.ufrj.br 2 Professora do Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Urbana Escola Politécnica Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, elaine@poli.ufrj.br

1. INTRODUÇÃO O Brasil ainda não tem os resíduos sólidos como prioridade para suas resoluções ambientais. Uma grande prova disso são os dados referentes à coleta seletiva, que atinge menos de 6% da população. No país, 12,1% da população não possui nem mesmo coleta de lixo, dispondo dos seus resíduos em lixões, fazendo queimadas, ou depositando no terreno mais próximo (PNAD, 2008). Na cidade do Rio de Janeiro, a situação também não é favorável. Apesar de seu grande potencial turístico, os resíduos sólidos não são tratados como prioridade. De acordo com uma pesquisa de gestão ambiental feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, a gestão dos resíduos é uma das principais dificuldades para melhoria ambiental para pequenas e médias empresas (FIRJAN, 2011). Os resíduos sólidos nem sempre foram considerados um problema para a sociedade: Na préhistória, o homem tinha como hábito a vida nômade. Explorava uma região até esgotar seus recursos e se mudava, deixando para trás seus resíduos. A industrialização trouxe com ela algumas inovações: produção em larga escala, o aumento de produtos disponíveis e a criação do plástico; e, com isso, trouxe também nova gama de resíduos que até então não existia. Estes resíduos não mais se reintegravam ao ecossistema, passando a ser um grave problema. Além disso, as pessoas passaram a morar nas cidades, em espaços menores, tornando cada vez mais difícil de se organizar a região e prover boas condições para todos. A preocupação com a recolha de lixo chegou ao Brasil junto com a corte portuguesa (EIGENHEER, 2009). Ainda assim, a primeira empresa de recolha de resíduos da cidade só foi contratada em 1876, deixando transparecer como as inovações podem demorar a ser incorporadas aos processos. Desde então a operação de limpeza e as leis nacionais tem tentado se aprimorar para tornar os serviços relacionados a resíduos mais eficientes e as regras para os geradores cada vez mais restritivas. Em 2010, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou a Lei 12.305, na qual ficou instituída a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Dentre as principais medidas determinadas por esta lei, estão a responsabilidade dos próprios geradores pelos seus resíduos e também do poder público e dos instrumentos econômicos aplicáveis. Esta lei se aproxima bastante do conceito de gestão integrada, que foi aplicado no Rock in Rio: a integração dos diversos atores, de forma a estabelecer e aprimorar a gestão dos resíduos sólidos, englobando todas as condicionantes envolvidas no processo e possibilitando um desenvolvimento uniforme e harmônico entre todos os interessados, de forma a atingir os objetivos propostos, adequados às necessidades e características de cada comunidade (MESQUITA JUNIOR, 2007). Nos próximos quatro anos a cidade estará no centro das atenções mundiais, em função do grande número de eventos que irá receber, como: a Conferência das Nações Unidas Rio +20, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Se os resíduos não tiverem um destino adequado, a cidade irá enfrentar problemas de grandes proporções. As prefeituras mal conseguem arcar com os imensos custos envolvidos com a destinação destes resíduos e a poluição ambiental não pára de crescer, fazendo da reciclagem uma das grandes alternativas (CALDERONI, 1998). Considerando que além do funcionamento normal das cidades, tem-se ainda grandes aportes de resíduos vindos dos eventos, práticas mais sustentáveis precisam ser adotadas, nem que para isso seja necessário um incentivo à adoção de selos ambientais. Este artigo tem como objetivo analisar, através de um estudo de caso, os resultados alcançados pelo evento Rock in Rio com a adoção de um selo ambiental, como meio de fomentar e encorajar o gerenciamento de resíduos. Esta pesquisa busca avaliar a viabilidade de aplicação da metodologia utilizada como sugestão de política pública permanente na questão de resíduos sólidos em grandes eventos, de modo a não afetar o funcionamento das cidades, promover inclusão social, e valorar a maior quantidade de resíduos. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 2

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. Método O método utilizado foi a pesquisa exploratória, onde foi realizado um estudo preliminar do tema no sentido de familiarizar-se com o fenômeno que estava sendo investigado. A pesquisa exploratória, contou com a técnica de amostragem, através de um estudo de caso, onde a autora participou como coordenadora de resíduos sólidos na produção/organização do evento. Esta técnica permitiu ao pesquisador definir o seu problema de pesquisa e formular a sua hipótese com mais precisão. 2.1.1. Relevância de Selos Ambientais Apesar de a legislação brasileira ambiental ser reconhecida como uma das mais completas do mundo desde a sua criação, a falta de fiscalização acaba fazendo com que ela não seja cumprida. A falta de acompanhamento da Política Nacional pode gerar um risco do não cumprimento, como muitas outras leis brasileiras. Os selos ambientais surgem como alternativa para a falta de comprometimento das instituições com relação às leis referentes aos resíduos sólidos. A diferença de cumprir a lei ou de se adquirir um selo/certificação, é que a segunda opção é sempre mais notória. Uma certificação externa acaba gerando uma publicidade positiva, que pode ser explorada pela empresa. O simples cumprimento da lei não tem este impacto. Esta é uma das razões para uma empresa recorra ao processo de certificação. A certificação está associada indiretamente ao cumprimento da legislação e ainda proporciona um marketing positivo agregado à sua marca. Neste sentido, o evento Rock in Rio optou por adotar no Brasil um processo de certificação, adquirindo o mesmo selo das edições europeias, o 100R. Os princípios deste selo seguem de encontro aos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos Brasileira, e foi, portanto, um excelente incentivo e exemplo de que é possível destinar corretamente os resíduos sólidos de determinada atividade, mesmo que este não seja o objetivo final desta, ou seja, mesmo sendo um festival de música, é possível cumprir a legislação. 2.1.2. A Sociedade Ponto Verde e o Selo 100R A Sociedade Ponto Verde (Der Grüne Punkt) surgiu na Alemanha em 1990, com o objetivo de recolher as embalagens de produtos e encaminhá-las para reciclagem. Na Europa, desde esta época, as fábricas já eram responsáveis por esta destinação. Este cenário propiciou uma demanda para a criação de entidades, como a Ponto Verde, que desempenhassem este papel (SOCIEDADE PONTO VERDE, 2012). Para coordenar todas as entidades ligadas à metodologia Grüne Punkt existentes na Europa, criou-se a instituição Pro Europe, responsável por organizar todas as iniciativas ao redor do continente e do Canadá (país que também adotou o sistema). Em Portugal, a Sociedade Ponto Verde S.A. é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que desde Novembro de 2006 tem a missão de promover a coleta seletiva, a recolha e a reciclagem de resíduos de embalagens. A Certificação 100R foi criada em 2008 exclusivamente pela Ponto Verde portuguesa. Inicialmente lançado como projeto piloto, o 100R foi consolidado como um serviço de consultoria ambiental prestado pela Ponto Verde Serviços a partir de 2011. Nos três primeiros anos, a certificação vinha garantir que as embalagens produzidas em eventos fossem corretamente encaminhadas para reciclagem. Atualmente o selo é concedido a eventos, hotéis, escritórios e centros comerciais, dispostos a assumir o compromisso de destinar corretamente seus resíduos sólidos - como o Rock in Rio. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 3

Como critério para concessão do selo encontra-se apenas o compromisso das empresas, atividades e eventos de criar e implantar as infraestruturas necessárias à segregação correta dos resíduos (SOCIEDADE PONTO VERDE). Uma das grandes resistências de possíveis clientes à Certificação100R é o fato de que como não existem critérios muito definidos para a concessão, também não é possível garantir efetivamente a reciclagem ou valoração da totalidade dos resíduos gerados. Além disso, não existem metas ou indicadores a serem atingidos para garantir a adesão ao selo. Basta declarar a intenção de cumprir com a reciclagem e valoração. Na Europa este pode ser um compromisso eficiente, já que é possível contar com toda a estrutura já existente das Sociedades Ponto Verde. Aqui no Brasil foi necessário organizar a logística praticamente do início. 2.2. O Caso Rock in Rio Resultados Parciais O Rock in Rio é um evento de música que começou no Rio de Janeiro em 1985 - teve outras edições em 1991 e 2001 - e depois de um hiato de dez anos, voltou à cidade. Ao longo deste intervalo, o evento ocorreu em duas cidades da Europa - Lisboa e Madri adquirindo características mais sustentáveis. Com a volta ao Brasil, o evento se dispôs a seguir preceitos ambientais e sociais que já seguia na Europa. Dentre eles se destaca o selo ambiental 100R. O Rock in Rio Brasil foi o primeiro evento brasileiro a tentar esta certificação no país. Em termos de resíduos sólidos, o compromisso do evento era promover uma gestão integrada: Separação dos Recicláveis pelo público, restaurantes e Lojas - triados e encaminhados para reciclagem por uma cooperativa de catadores, que já trabalha na triagem dos resíduos gerados na cidade do Rio de Janeiro; Encaminhamento adequado dos resíduos para não haver problemas de saúde pública; Utilização do composto da compostagem de resíduos orgânicos como adubo em projetos de reflorestamento do Estado do Rio de Janeiro, coordenados pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro; Doação dos contêineres coletores de resíduos adquiridos para o evento para a companhia de limpeza urbana, que os dispôs nas favelas pacificadas da cidade; e Emprego de mão de obra de catadores durante o evento. Um mês antes do evento, teve início um processo de levantamento de todos os resíduos que seriam gerados durante a montagem, dias de show e desmontagem do festival. 2.2.1. Estrutura do Evento O evento contava com várias áreas integradas num grande parque, a chamada Cidade do Rock : o Palco Mundo onde ocorriam os principais shows; o Palco Sunset onde ocorriam os shows secundários; a área Eletrônica onde havia um palco destinado a DJ s conhecidos; o Village área de restaurantes e lojas, a Rock Street rua onde aconteciam apresentações itinerantes e grande concentração de lojas e restaurantes além de alguns brinquedos, a Área VIP onde estavam os serviços mais exclusivos. O festival ocorreu nos dias 23, 24, 25, 29 e 30 de Setembro e 1 e 2 de outubro de 2011. Em cada dia havia aproximadamente 6 (seis) atrações no palco Mundo, entre artistas nacionais e internacionais, e diversas outras espalhadas ao redor da Cidade do Rock. A estimativa de público em todos os dias ficou em torno de 100 (cem) mil pessoas, além das 4 (quatro) mil que trabalhavam na produção, no comércio e nos backstages. Considerando que cada pessoa que esteve no festival como espectador ficou em torno de 8 (oito) horas no local, é possível perceber que a geração de resíduos neste evento foi bastante significativa. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 4

2.2.2. Formação e Sinalização de Segregação de Resíduos Para garantir que todos os parceiros e fornecedores estivessem alinhados com a gestão de resíduos da organização, uma apresentação foi passada para cada um deles, com o suporte da área comercial do evento. Além disso, as principais medidas tomadas neste gerenciamento foram afixados em todos os contêineres, ainda na fase de montagem. Junto à apresentação, foi enviado a cada um dos responsáveis pelos stands e lojas um documento de compromisso com as práticas do evento, destacando a maneira como a separação dos resíduos deveria ser feita. Para que o público interno e externo pudesse participar ativamente da segregação, os coletores foram identificados com adesivos específicos. A sinalização dos coletores foi feita de forma que o público pudesse separar seus resíduos em Recicláveis e Não Recicláveis. Algumas figuras foram utilizadas para facilitar o entendimento. 2.2.3. Recolha e Encaminhamento dos Resíduos A organização contou com uma parceria com diversas empresas, como a companhia de limpeza urbana da cidade, uma empresa privada especializada em limpeza, uma cooperativa de catadores, e uma cooperativa responsável pela reciclagem do óleo de cozinha. Os resíduos orgânicos eram destinados a uma usina de compostagem; os resíduos recicláveis eram levados para uma usina próxima ao evento, de onde era levada, pela cooperativa, para a área onde seria feita a segregação. Depois de separados, eram comercializados. Os resíduos que não fossem recicláveis eram destinados a um aterro sanitário licenciado. Durante a desmontagem, houve grande presença de madeira nos resíduos, e foi preciso fazer parceria com uma outra empresa, neste caso uma cerâmica. A madeira recolhida foi utilizada em seus fornos, durante o processo de queima. Além da madeira, foi preciso encontrar um destino para as lonas do evento. Em um primeiro momento elas foram destinadas a uma ONG, encarregada de reaproveitá-las através da produção de bolsas e acessórios. Em função da grande quantidade de material, a ONG não foi capaz de aproveitar tudo, fazendo com que a cooperativa de catadores também se responsabilizasse pela correta destinação deste resíduo. 2.2.4. Quantidade de Resíduos do Evento Depois de desmontada a Cidade do Rock, foi possível fazer um levantamento de todos os resíduos gerados pelo evento. Os resultados estão na Tabela 1. Peso em Kg Recicláveis Compostagem Tabela 1 Total de resíduos do Rock in Rio Óleo de cozinha Madeira Lonas Não recicláveis Total/Fase Montagem 14.000 - - 7.000-50.000 71.000 Evento 80.300 35.300 1.090 - - 182.000 298.690 Desmontagem 1.700 4.200-30.160 2.000 9.100 47.160 Total/Festival 96.000 39.500 1.090 37.160 2.000 241.100 416.850 Fonte: Relatório 100R RiR (2011) A partir do quantitativo dos resíduos gerados e do total gerado em cada uma das fases do evento, foi possível definir os índices de reciclagem por fase, como mostra a Tabela 2. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 5

Índice de reciclagem Tabela 2 Índice de reciclagem por fases do evento Montagem Evento Desmontagem Total/Festival 29,58% 39,07% 80,70% 42,16% Fonte: Relatório 100R RiR (2011) O número de resíduos encaminhados para reciclagem não foi maior devido a vários fatores. A operação de encaminhamento não ficou muito bem estruturada, então só foi possível reciclar o que foi separado pela cooperativa no próprio evento. Além disso, a principal rede de fast food do evento, que era a maior geradora, não estava comprometida com este objetivo e juntava todos os diferentes tipos de resíduos em um só coletor. A dependência de um mercado consumidor para os recicláveis também afetou a operação. A falta de arcabouços legais que garantissem a completa triagem dos resíduos fez com que a taxa de reciclagem não fosse maior. Caso a cooperativa fosse contratada para triar independente de conseguir ou não compradores para o material, certamente o resultado seria bem diferente. A separação por parte do público também ficou abaixo do ideal, o que já era esperado pela produção, uma vez que a população brasileira ainda não tem a reciclagem como parte de sua rotina. Apesar das dificuldades encontradas, em termos de selo ambiental como fomento à segregação, os resultados são bastante positivos. A notoriedade dada pela imprensa ao evento por conta da preocupação ambiental trouxe o assunto à tona. Incorporando esta discussão, a sociedade tem a possibilidade de evoluir mais rapidamente e finalmente incentivar a busca por uma política pública eficiente no que tange os resíduos sólidos. 3. CONCLUSÃO A realização do Rock in Rio foi um grande estudo de caso para demonstrar a viabilidade de execução de um plano de gerenciamento de coleta de resíduos sólidos. Vale destacar também o pioneirismo na questão da adoção de selos ambientais, que se torna um grande parâmetro de exemplo para futuros empreendimentos. A quebra deste paradigma leva a grandes mudanças no modo do planejamento de grandes eventos no país e que também acarreta um impacto bastante positivo para a questão ambiental. Vale destacar algumas observações sobre os problemas evidenciados. A estrutura dos principais parceiros de coleta e segregação foi indispensável para o desenho da operação de recolha e reciclagem dos resíduos do evento, mas ainda foram insuficientes. Na Europa, a estrutura logística das Sociedades Ponto Verde é pré-existente, de modo que parte do trabalho já estava iniciado. A adoção do selo ambiental foi positiva em termos de marketing ambiental, pois deu grande visibilidade ao evento, e encorajou o público a participar da separação. Mesmo assim, o índice total de reciclagem não foi satisfatório se comparado com o primeiro ano do Selo no Rock in Rio Lisboa, em 2008, cujo índice de reciclagem ficou em aproximadamente 60% do total gerado (RELATÓRIO 100R). Além disso, a falta de metas e indicadores faz da adoção do selo uma iniciativa sem respaldo. Nada garante que a valoração de 100% dos resíduos será efetivamente realizada. Mas existem princípios do 100R que não podem ser ignorados. Promover inclusão social através da parceria com cooperativas; e garantir a valoração dos resíduos através da correta destinação são práticas obrigatórias para a conquista do selo, e também constam como mandatórias para o cumprimento efetivo da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Por esse ponto de vista, a adoção do selo pelo evento foi de grande-valia como exemplo de política Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 6

pública a ser incentivada; e poderia ser um bom exemplo a ser adotado em grandes eventos, desde que passasse por melhorias essenciais. Enquanto a população do Brasil não atingir certo nível de conscientização e engajamento com relação ao gerenciamento de resíduos, a adoção de selos e quaisquer outras práticas de sensibilização serão bem vindas, justamente para servir como incentivador e multiplicador desta cultura. Além disto, esta prática pode servir de modelo para outras iniciativas neste campo de ação. Apesar das dificuldades, a iniciativa e o ineditismo fazem do Rock in Rio um evento inovador no que tange às questões ambientais no Brasil e demonstra sua real preocupação com a minimização de seus impactos. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei Federal 12.305, 2010 Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. CALDERONI, S. Os bilhões perdidos no lixo. São Paulo: Humanitas, 1998. EIGENHEER, E.M. Lixo. A limpeza urbana através dos tempos. Rio de Janeiro: Editora Palloti. 2009. FIRJAN. Súmula Ambiental. Pesquisa Gestão Ambiental 2010 Sistema FIRJAN divulga novo Diagnóstico da Indústria Fluminense. Ano XV, n 171, Maio de 2011. MESQUITA JUNIOR, J.M de. Gestão integrada de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: Ibam, 2007. PNAD. Pesquisa Nacional por amostra de domicílios 2008. Levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Brasil, 2008. RELATÓRIO 100R. RIR 2011. Relatório elaborado pela Sociedade Ponto Verde em parceria com a organização do evento. Outubro de 2011. SOCIEDADE PONTO VERDE. Home Page da Instituição. Disponível em <http://www.pontoverde.pt/home.html> Acessado em 08/10/2012. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana 7