Nota introdutória que modelo de segurança energética? Teresa Ferreira Rodrigues e António Costa Silva



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QUE MODELO DE SEGURANÇA ENERGÉTICA Nota introdutória que modelo de segurança energética? Teresa Ferreira Rodrigues e António Costa Silva O mundo do século xxi assistirá inevitavelmente à consolidação de um novo modelo energético, que poderá vir a ser o paradigma de um modelo de economia sustentável. Com efeito, torna-se indispensável inovar no modo como se produzem, consomem e gerem os recursos energéticos. Daqui decorrem as potencialidades, mas também as preocupações, nomeadamente de segurança. É certo que nenhum ator pode almejar à liderança absoluta do processo em termos mundiais ou manter-se à margem face ao desenvolvimento de novos modelos energéticos, pelo que o grande desafio será garantir o maior grau possível de independência (soberania) energética, num contexto de interdependência (inevitável) 1. A segurança energética está na ordem do dia, em particular na Europa 2. Com a situação tensa que se vive na Europa Oriental e Central, a guerra na Ucrânia, a anexação russa da Crimeia, o passado recente de utilização pela Rússia do abastecimento do petróleo e gás à Europa como arma geopolítica (como aconteceu em 2006, 2007 e 2009), as preocupações são múltiplas. Estas preocupações são ainda ampliadas devido à situação no interior da Rússia, país que fornece mais de 40 por cento do petróleo e cerca de 25 por cento do gás que a Europa consome 3. A Europa tem fragilidades energéticas estruturais conhecidas. Detém apenas um por cento das reservas mundiais de petróleo convencional e cerca de dois por cento das reservas de gás e vê a Rússia, o seu principal fornecedor, enredada num complexo problema geopolítico, com algumas nações vizinhas e com a Europa no seu conjunto. Acresce ainda a situação de crise económica profunda vivida naquele país, com a queda significativa do valor do rublo, a descida do preço do petróleo, que representa mais de 90 por cento das exportações russas e parte significativa das receitas do Estado, e as dificuldades sérias criadas pelas sanções internacionais em curso. O passado já demonstrou que esta conjugação de efeitos é dramática para a Rússia, como sucedeu em 2008 (última grande queda do preço do petróleo) ou entre 1986 e 1990, quando o declínio acentuado do preço do petróleo contribuiu para exponenciar os problemas estruturais da antiga União Soviética, tendo provocado o seu colapso. RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2015 46 [ pp. 005-010 ] 005

A resposta encetada pela União Europeia (ue) para aumentar a sua segurança energética, que há muito deveria ter acontecido, é apostar de facto na criação do Mercado Único da Energia ou na União Energética. Não sabemos se desta vez a ue será capaz de passar da retórica à ação, uma vez que as tentativas no passado recente fracassaram 4. Na verdade, a União Energética ou o Mercado Comum da Energia têm defrontado obstáculos diversos, que decorrem das diferenças nas políticas energéticas nacionais, da ausência de uma estratégia comum e de uma visão para o futuro, da ligação umbilical que existe entre alguns monopólios europeus (em particular alemães, franceses e italianos) e a Gazprom e do consequente domínio do mercado energético europeu pelos grandes monopólios. Existem propostas interessantes no novo projeto para a União Energética 5, que pretendem evitar que os governos estabeleçam preços-limite abaixo do custo da energia e visam estabelecer planos regionais para lidar com interrupções da oferta e aumentar as ligações transfronteiriças. Estas ligações podem ser importantes para os países bálticos e para a Península Ibérica, que são de facto uma espécie de ilhas energéticas separadas do resto do Continente. No entanto, na Cimeira de Barcelona de 2002, a ue tinha fixado para 2014 a meta de 14 por cento das ligações transfronteiriças realizadas na Península Ibérica (em relação à capacidade total instalada) e o que aconteceu é que essas ligações se cifraram em 2014 em apenas 1,6 por cento, porque a França, para defender a sua indústria nuclear, sempre se opôs a esse objetivo. A realidade vai demonstrar nos próximos anos se algo mudou «no reino da Dinamarca». De qualquer forma, a União Energética ou o Mercado Energético Comum na Europa é uma resposta estratégica e estrutural profunda para aumentar a segurança energética do Continente e para dar mais competitividade à sua economia. Um mercado único aumenta a segurança da oferta e da procura, através da diversificação e do smoothing dos picos perturbadores, facilita as sinergias e as economias de escala e trava as manobras dos grandes abastecedores da Europa, em particular da Gazprom, que procuram sempre «dividir para reinar» 6. O conjunto de artigos sobre a segurança energética que a seguir são apresentados procuram discutir todos estes desenvolvimentos e avaliar o seu impacto em termos de futuro, para o continente europeu no seu conjunto e em particular para Portugal. Retoma-se a questão da segurança energética, o conceito ou conceitos atuais e a discussão de como os novos conteúdos que se desenham neste conceito estão a adaptar-se a uma nova era da energia, que se pretende que seja mais barata e mais abundante. Abordamos também o tema das componentes essenciais da segurança energética: a estabilidade dos preços, a segurança do abastecimento e a sustentabilidade ambiental. É discutida a necessidade de uma nova reformulação do conceito de segurança energética à luz das ameaças mais recentes, como a pirataria ou o ciberterrorismo, e as implicações para a segurança das redes, a influência dos desafios tecnológicos, as mudanças em curso, a pressão sobre os modelos tradicionais de negócio e a «guerra digital». Realiza-se uma breve análise sobre os desafios ao nível da Europa e de Portugal, numa ótica atual e prospetiva. RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2015 46 006

A Europa enfrenta hoje uma situação que pode ser favorável para resolver de vez as questões da sua segurança energética e da sua competitividade, na sequência da baixa do preço do petróleo (em função do excesso de oferta no mercado do shale gas e do shale oil nos Estados Unidos), das baixas taxas de juro (em função do programa de «Quantitative Easing» do Banco Central Europeu com a compra da dívida dos países europeus) e da depreciação do euro (que nunca esteve tão perto da paridade com o dólar, o que poderá constituir um estímulo adicional para a competitividade das exportações europeias). Neste contexto, os preços da energia são essenciais. Mas apesar da queda do preço do petróleo, é possível afirmar que existe um fosso transatlântico nos preços da energia. O petróleo é cerca de 12 por cento mais barato nos Estados Unidos do que na Europa; o gás é cerca de duas vezes mais barato nos Estados Unidos do que na Europa e a eletricidade nos Estados Unidos é duas vezes mais barata do que em França e três vezes mais barata do que na Alemanha. Isto é, o facto de os Estados Unidos terem empreendido uma grande revolução tecnológica para desenvolver os seus recursos internos de shale gas e shale oil, quando a Europa rejeitou essa abordagem e, inclusive, o Parlamento francês aprovou uma lei a proibir uma das técnicas de produção, significa que a Europa tem uma espada de Dâmocles a pender sobre a sua competitividade. A questão do abastecimento pode resolver-se no caso europeu com a diversificação dos fornecedores, a menor dependência da Rússia e a criação de um eixo energético no Atlântico potenciando o papel da Península Ibérica, que já concentra cerca de 50 por cento da capacidade de receção de gás natural liquefeito (gnl) na Europa. Mas tal exige a criação efetiva da União Energética ou do Mercado Comum Europeu da Energia e o reforço das interconexões transfronteiriças, em particular da Península Ibérica e desta à restante rede europeia. E não só das redes elétricas, mas também do sistema de pipelines para o escoamento do gás. Se tal não suceder, a Europa continuará muito dependente da Rússia e esta não hesitará em utilizar de novo a energia como arma geopolítica, a exemplo do que fez no passado. É evidente que esta arma pode não ser hoje tão poderosa como outrora, em termos dos efeitos multiplicadores que pode gerar, porque nos últimos anos os países europeus ampliaram a sua capacidade de armazenamento e podem hoje lidar de forma diferente com estas questões. Mas é imperioso resolver de facto a questão de forma estrutural 7. Em relação à sustentabilidade ambiental, a Europa tem sido o paladino da redução de emissões de co2. Mas apesar de todos os esforços, a retórica política, se não está ancorada em mecanismos de mercado, pode funcionar ao contrário. O que é extraordinário é que o continente europeu, que está na primeira linha da luta pela redução das emissões de co2 e cujos esforços têm sido notáveis, está nos últimos anos a aumentar as suas emissões, porque está a importar carvão barato dos Estados Unidos. Por seu turno, neste país a economia está em processo de gaseificação, isto é, de penetração acelerada do gás na geração elétrica e térmica (substituindo as centrais a carvão), mas também no sistema de transportes (em particular nos camiões de longo curso, Nota introdutória 007

nas frotas de táxis das grandes cidades e nos navios). O gás é o mais limpo dos combustíveis fósseis, produz 60 por cento menos emissões de co2 do que o carvão e cerca de 30 por cento menos que a gasolina e o gasóleo, quando utilizado nos veículos de transporte. Desta forma, os Estados Unidos, um país que não assinou o Protocolo de Quioto, tem visto as suas emissões de co2 diminuírem, enquanto a Europa as aumenta. Estas novas tendências mostram a importância do funcionamento da economia e da competitividade das fontes energéticas, com vista a permitir o desenvolvimento de políticas públicas eficazes 8. O dossiê «Que modelo de segurança energética?» é constituído por seis artigos, os quais procuram discutir alguns dos desenvolvimentos recentes sobre a questão energética e avaliar o seu impacto em termos futuros para o continente europeu no seu conjunto e em particular para Portugal. O primeiro artigo, da autoria de António Costa Silva e Teresa Ferreira Rodrigues, retoma o conceito de segurança energética e a discussão de como os novos conteúdos que se desenham neste conceito se estão a adaptar a uma nova era da energia, que se pretende que seja mais barata e mais abundante. Retoma as componentes essenciais da segurança energética (estabilidade dos preços, segurança do abastecimento e sustentabilidade ambiental) e discute a necessidade de reformulação do conceito à luz de ameaças recentes, como a pirataria ou o ciberterrorismo, as implicações para a segurança das redes, a influência dos desafios tecnológicos, as mudanças em curso, a pressão sobre os modelos tradicionais de negócio e a «guerra digital». Na parte final apresenta alguns desafios atuais e futuros para a Europa. No segundo artigo, José Félix Ribeiro efetua uma descrição muito breve do ecossistema do petróleo e gás natural mundial, quer das funções e padrões de comportamento de alguns dos seus atores principais, quer do funcionamento do conjunto. Na sua abordagem destaca o papel central dos Estados Unidos na organização e gestão desse ecossistema. O artigo termina com a apresentação de três exemplos de intervenção dos Estados Unidos, no sentido de aumentar a oferta de petróleo a nível mundial, fora e dentro da opep, por parte da Administração norte-americana e das grandes empresas de petróleo e gás. De seguida o caso português é tratado por Catarina Mendes Leal. A autora avalia a situação de forte dependência nacional e a influência atual e futura do Norte de África e da África Ocidental no abastecimento do País, sublinhando as vantagens e vulnerabilidades existentes e o potencial para o futuro, num contexto de desenvolvimento de novos meios tecnológicos de comunicação, de persistência de fraquezas socioeconómicas, do falhanço da implementação de pilares de governança e de democracia nos países abastecedores aí situados. O artigo de Carlos Nunes centra-se precisamente na última dessas regiões. O artigo aborda a relevância dos hidrocarbonetos do Golfo, salientando os fatores de atratividade e os riscos associados. Destaca as idiossincrasias locais e a recente mudança de ciclo RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2015 46 008

do upstream destas indústrias, que estão a afetar as decisões de investimento e a reorientar os fluxos de troca destas matérias-primas energéticas. É neste contexto que a região ganha importância para o aprovisionamento de Portugal, com destaque para as importações nacionais de crude de Angola. A importância atual da bacia do Cáspio para a segurança de aprovisionamento da ue é analisada por Carla Fernandes. A autora destaca sobretudo as potencialidades da região, num contexto em que se prevê o aumento do consumo de gás natural na Europa, o que poderá agravar a dependência energética face à Rússia. A bacia do Cáspio pode deste modo vir a representar uma das regiões-chave para a estratégia de segurança de aprovisionamento da Europa, particularmente com a construção do corredor de gás meridional. São igualmente analisadas as oportunidades de Portugal intervir no abastecimento energético da Europa. Finalmente, o artigo de Miguel Moreira da Silva expõe o papel do sistema elétrico na transição energética e identifica os desafios-chave que os sistemas de energia enfrentarão nos próximos anos. O autor refere os problemas operacionais para a gestão de redes elétricas, no contexto da construção de um novo modelo energético, e sugere um modelo possível para as redes elétricas do futuro. O artigo termina com uma identificação das ameaças e oportunidades para o sistema elétrico nacional relacionadas com a transição energética e conclui como nota positiva que, não obstante a complexidade associada à construção de uma rede inteligente e segura, as oportunidades superam as ameaças. NOTAS 1 Rodrigues, Teresa Ferreira, Leal, Catarina Mendes, e Ribeiro, José Félix Elementos para Uma Estratégia de Segurança Energética para o Século XXI em Portugal. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, 2012, pp. 13-14. 2 Silva, António Costa «A segurança energética da Europa». In Nação e Defesa. N.º 116, 3.ª série, 2007, pp. 31-72. [Consultado em: 12 de março de 2015]. Disponível em: http://comum.rcaap.pt/ bitstream/123456789/1231/1/ned116_ AntonioCostaSilva.pdf 3 BP Statistical Review of World Energy, bp, junho de 2014. [Consultado em: 21 de www.bp.com/content/dam/bp/pdf/energy- -economics/statistical-review2014/bp- -statistical-review-of-world-energy2014- -full-report.pdf 4 European Security Strategy. Luxemburgo: Office of ue Publications, 2003 5 The Outlook for Energy: A View to 2030. exxonmobil, 2010. [Consultado em: 21 de www.assoelettrica.it/wp-content/ uploads/2013/01/exxonmobil-energy- -Outlook-A-view-to2030.pdf 6 Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Uma Política Energética para a Europa. Comissão Europeia, 2007. [Consultado em: 10 de eur-lex.europa.eu/legal-content/p t/ txt/pdf/?uri=celex:52007dc0001&fro m=pt 7 Ribeiro, José Félix «Portugal, a Europa e a segurança do abastecimento energético». In Conceito Estratégico de Defesa Nacional 2013. Contributos e Debate Público. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 238-239. 8 Silva, António Costa, e Alves, F. Barata «Partex Oil and Gas: a vision of the world world market and the role of gas as the future of oil». In ASPO, maio de 2005. Nota introdutória 009

BIBLIOGRAFIA BP Statistical Review of World Energy, bp, junho de 2014. [Consultado em: 21 de www. bp.com/content/dam/bp/pdf/energy-economics/statistical-review2014/bp-statistical-review-of-world-energy2014-full- -report.pdf Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Uma Política Energética para a Europa, Comissão Europeia, 2007. [Consultado em: 10 de março de 2015]. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/ legal-content/pt/txt/pdf/?uri=celex:520 07dc0001&from=pt European Security Strategy. Luxemburgo: Office of ue Publications, 2003 Ribeiro, José Félix «Portugal, a Europa e a segurança do abastecimento energético». In Conceito Estratégico de Defesa Nacional 2013. Contributos e Debate Público. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 238-239. Rodrigues, Teresa Ferreira, Leal, Catarina Mendes, e Ribeiro, José Félix Uma Estratégia de Segurança Energética para o Século XXI em Portugal. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, 2012, pp. 13-14. Silva, António Costa «A segurança energética da Europa». In Nação e Defesa. N.º 116, 3.ª série, 2007, pp. 31-72. [Consultado em: 12 de março de 2015]. Disponível em:http://comum.rcaap.pt/ bitstream/123456789/1231/1/ned116_ AntonioCostaSilva.pdf Silva, António Costa, e Alves, F. Barata «Partex Oil and Gas: a vision of the world world market and the role of gas as the future of oil». In ASPO, maio de 2005. The Outlook for Energy: A View to 2030. exxonmobil, 2010. [Consultado em: 21 de www.assoelettrica.it/wp-content/ uploads/2013/01/exxonmobil-energy- -Outlook-A-view-to2030.pdf RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2015 46 010