O Ensino da Pronúncia do Inglês e a Abordagem Comunicativa



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Transcrição:

ARTIGO...Letrônica v. 3, n. 1, p.153, julho 2010 O Ensino da Pronúncia do Inglês e a Abordagem Comunicativa Luciane Guimarães de Paula Introdução O presente artigo 1 relata um recorte dos resultados de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico sobre o ensino da pronúncia da língua inglesa no contexto de uma escola particular de línguas. Na primeira parte deste trabalho será feita uma contextualização do tema enfocando a abordagem comunicativa, a importância do ensino da pronúncia e também alguns dos conceitos imprescindíveis para a sustentação teórica da pesquisa. Em um segundo momento, apresentaremos a pesquisa detalhando a metodologia adotada, o cenário, os instrumentos de coleta de dados. O terceiro momento apresenta os resultados da pesquisa e a quarta e última parte do trabalho apresenta algumas considerações finais da pesquisa. 1 A abordagem comunicativa O advento do movimento comunicativo, por volta dos anos 70, revolucionou o cenário do ensino de línguas da época, combatendo a concepção estruturalista do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras muito em voga até então. A abordagem comunicativa, segundo Almeida Filho (1999), teve o seu marco inicial quando o lingüista Wilkins sistematizou uma nomenclatura de funções comunicativas, tópicos, cenários, papéis sociais e psicológicos, além de noções de gramática nocional como aspectos inerentes ao processo de aprendizagem de línguas estrangeiras que até então eram pautados por aspectos gramaticais. As funções comunicativas de Wilkins, segundo 1 Este artigo é um recorte dos resultados da dissertação de mestrado apresentada ao programa de pósgraduação do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da UnB, defendida em janeiro de 2004

Weininger (2001), foram influenciadas pelas teorias dos atos de fala de John Austin, apresentados em sua obra: How to do things with words 2 em 1962. Assim, os aspectos gramaticais foram substituídos pelo que poderia ser chamado de atos de fala básicos para permitir ao aluno, se apresentar, pedir informações, dar instruções e assim por diante (WEININGER, 2001). A abordagem Comunicativa, portanto, causou grande impacto no cenário do ensino de línguas da época. No momento de seu surgimento, seus defensores adotaram uma postura bastante radical no que se refere aos aspectos estruturais da língua e condenaram inteiramente o ensino formal da gramática em sala de aula. De acordo com eles, o objetivo principal dessa abordagem era a comunicação e não aspectos formais ou estruturais da língua. Com o tempo, os teóricos da abordagem comunicativa adotaram uma posição mais moderada em relação ao ensino da gramática. Assim, não mais preconizaram a exclusão do ensino de aspectos gramaticais, mas sim que fossem apresentados em contextos comunicativos. O autor Littlewood (2001), por exemplo, caracteriza a abordagem comunicativa como uma proposta de ensino que abrange tanto o âmbito estrutural quanto o funcional da língua, para que o resultado final seja a capacidade de promover a comunicação bem sucedida entre falantes: Um dos aspectos mais característicos da abordagem comunicativa de ensino é que ela dá uma atenção sistemática tanto para os aspectos funcionais quanto para os aspectos estruturais da língua, combinando estes em uma visão comunicativa mais completa (LITTLEWOOD, 2001, p.1) 3 A visão comunicativa, em outras palavras, parte do pressuposto que o ensino de línguas tem por objetivo proporcionar aos alunos oportunidades para interagirem uns com os outros, trocando mensagens significativas e relevantes para o seu interesse pessoal. Todavia, vários autores como Castanhos (1993), Weininger (2001), Richards (2006) vêm questionando o caráter comunicativo dessa abordagem. Pagliarini-Cox e Assis-Peterson (2001) reforçam que o ensino centrado na habilidade oral e na competência comunicativa ignora completamente a dimensão político-ideológica que o ensino do inglês envolve. Moita Lopes (1996), além de nos advertir para o perigo da alienação e supervalorização da cultura do país de língua inglesa, alega que o ensino 2 Como fazer coisas com palavras. 3 Tradução nossa. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 154, julho 2010.

instrumental da língua tem mais serventia à realidade dos alunos que dificilmente irão ter oportunidades para viajar para países onde o idioma é falado. A despeito das inúmeras críticas que a abordagem comunicativa vem sofrendo nos últimos tempos, a abordagem ainda é bastante popular nos cursinhos particulares de idiomas. No que se refere à pronúncia, a orientação dessa abordagem é fazer com que o aluno seja capaz de se comunicar de maneira inteligível com outros falantes na línguaalvo. Assim, a ênfase na pronúncia perfeita, como enfatizada pelo método audiolingual, na abordagem comunicativa é substituída pela busca pela inteligibilidade. 1.2 A importância do ensino da pronúncia O ensino da pronúncia é tradicionalmente relacionada com o foco na forma (acuidade), sendo talvez esta a razão pela qual esta prática enfrenta certa resistência por parte dos adeptos da abordagem comunicativa. Segundo Celce-Murcia, Brinton e Goodwin (2000), ao ser definida tradicionalmente como a produção correta dos sons, ritmo e entonação da língua, a pronúncia não foi enfocada no movimento comunicativo do ensino de línguas, pois ela não promovia a interação entre o sonoro e a função e significado dos eventos da língua. Dentro das instituições que dizem adotar a abordagem comunicativa, parece não haver um consenso a respeito da importância do ensino desta habilidade para a aprendizagem. Enquanto um número de professores de Inglês como LE acreditam que o ensino da pronúncia seja uma prática ultrapassada e conservadora, dando mais importância ao ato de comunicar em si, outros já concebem o ensino da pronúncia como um aspecto essencial para garantir o sucesso da capacidade de comunicação do aluno. A esse respeito, Nunan (1999) afirma que o sistema fonológico tem sido explorado por diversos teóricos, de forma diferente dos sistemas léxico e gramatical, talvez devido ao fato de que a influência da língua mãe (L1) seja muito mais aparente na pronúncia do que na gramática ou vocabulário. De fato, parece ser mais fácil adquirir proficiência gramatical ou lexical do que na pronúncia. Grande número de teóricos que tentaram explicar essa dificuldade na aquisição de uma boa pronúncia, observaram que, até certa idade, o aluno tem mais facilidade em adquirir uma pronúncia bem próxima do falante nativo. Este estágio, conhecido como período crítico, seria nas palavras de Brown (1994), um estágio durante o qual o aprendiz tem maior facilidade para aprender uma LE e que, após o mesmo, a aprendizagem se torna cada vez mais difícil principalmente em se tratando de aspectos Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 155, julho 2010.

fonológicos. Embora essa hipótese tenha convencido muitos estudiosos no assunto, ela ainda enfrenta severas críticas de outros que a refutam por falta de comprovação científica. Flege (1987, p. 162), por exemplo, argumenta que não se pode ainda aceitar esta hipótese devido à falta de evidência científica, alegando que uma análise da literatura empírica e teórica existente leva à conclusão de que não há um argumento conclusivo para a existência de um período crítico para a aprendizagem da fala humana 4. Em contrapartida, Patrowski (1990, p.73), em resposta ao argumento anti-período crítico de Flege (1987), publica um artigo defendendo a hipótese do período crítico. Em poucas palavaras, Patrowski alega que Flege não havia interpretado de forma correta a hipótese, tampouco havia apresentado contra-argumentos convincentes. A despeito dessa discussão acerca da legitimidade desta hipótese ou da existência ou não de um período ideal para se aprender uma segunda língua, é observável a dificuldade de alunos adultos com a pronúncia. Além disso, outra questão problemática permeia o ensino da pronúncia: o preconceito em relação à ênfase no ensino da pronúncia que é geralmente associado a metodologias ultrapassadas e com atitudes de alienação e supervalorização da língua e cultura estrangeira em detrimento da identidade nacional do aprendiz da LE: A exigência de uma pronúncia tão perfeita quanto a do nativo e a incorporação de hábitos culturais, ou seja, a cópia, xérox do falante nativo, não podem ter outro objetivo senão o de domínio cultural. Tal atitude de imitação perfeita é o primeiro sintoma de alienação a se detectar (MOITA LOPES, 1996, p. 42-43). Observa-se que muitas vezes pode haver, de fato, uma admiração exagerada da parte dos professores de LE pelo estrangeiro, pela pronúncia do nativo e pela cultura do país onde a língua alvo é falada. No entanto, evitar o ensino da pronúncia ou ignorar certos aspectos culturais não nos parece a solução para se evitar a alienação do professor ou do aluno. Faz-se necessário, desmistificar a concepção de que o ensino da pronúncia seja necessariamente associado à idéia de supervalorização de uma língua ou cultura estrangeira e, por conseguinte, seja visto como uma desvalorização da língua e cultura do país de origem do aprendiz da LE. 4 Tradução nossa. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 156, julho 2010.

2 A pesquisa A presente pesquisa sobre o ensino da pronúncia da língua inglesa foi realizada em março de 2003, em uma escola particular de línguas de Brasília, que adota a abordagem comunicativa. Este estudo foi desenvolvido com as turmas de seis professoras de alunos adultos e adolescentes ingressantes no primeiro semestre do curso. A metodologia adotada se enquadra ao paradigma de pesquisa qualitativa de cunho etnográfico que, segundo Giordane e Guimarães (2003), surge como uma nova proposta de abordagem metodológica na tentativa de superar algumas das limitações observadas na pesquisa tradicional que limitava-se à interpretação e perspectiva do pesquisador. Sendo assim, procuramos apresentar a opinião e a interpretação dos sujeitos envolvidos a respeito do processo de investigação. Para tanto incluímos na pesquisa: observações de aulas, notas de campo, gravações em áudio, entrevista com os professores observados e questionários para os alunos. Esses instrumentos possibilitaram a obtenção de informações importantes a respeito da compreensão dos alunos e professores sobre o processo de aquisição de línguas. Para direcionar este trabalho formulamos duas perguntas de pesquisa: (a) Qual é a importância dada ao ensino da pronúncia segundo a prática dos professores de línguas que adotam a abordagem comunicativa?; (b) Qual é a expectativa dos alunos em relação à aquisição da pronúncia do inglês? Foram observadas as aulas de seis professoras que se encontravam na faixa etária entre 21 à 35 anos de idade, as seis professoras eram de nacionalidade brasileira e foram denominadas na pesquisa como: P1, P2, P3, P4, P5 e P6. Todas as seis professoras trabalhavam com turmas iniciantes e foi por este motivo que foram escolhidas, pois esta pesquisa centrou-se no contato inicial dos alunos com a língua inglesa. Apenas duas das professoras haviam morado em país de língua inglesa: P3 viveu dois anos na Inglaterra e P2 estudou durante três anos no Canadá. As demais professoras haviam aprendido o inglês em escolas particulares de línguas. Cinco delas estavam freqüentando na época o curso de Letras e apenas uma (P6) já havia se formado. As observações das aulas foram em turmas iniciantes (primeiro semestre) de adultos e de adolescentes entre 14 e 17 anos. A escolha de se observar este nível deveu- Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 157, julho 2010.

se ao fato da pesquisadora buscar compreender como ocorre o ensino da pronúncia em sala de aula a partir do contato inicial do aluno com a LE. A pesquisadora observou uma média de duas aulas de uma hora e meia de cada uma das professoras. As gravações em áudio somaram um total de mais ou menos 15 horas. Ao perceber que o fenômeno detectado nas observações em sala de aula se repetia, julgamos o corpus suficiente para dar encaminhamento à análise dos dados. 3 Resultados da pesquisa: Os resultados deste estudo corroboram os argumentos de Celce-Murcia, Brinton e Goodwin (2000), que alegam que a pronúncia não foi muito enfocada no movimento comunicativo. Como pode ser observado nesta pesquisa, o ensino da pronúncia não representava uma prática regular nas aulas das participantes. Além disso, a análise das entrevistas revelou que as professoras tinham opiniões diferentes a respeito do ensino da pronúncia. Algumas professoras acreditavam que era importante ensinar a pronúncia e outras demonstraram uma preferência por aspectos mais comunicativos. A professora P6 alegou que a preocupação com a pronúncia às vezes atrapalha a fluência, pois o aprendiz terá muita hesitação na hora de falar. A professora P1, por outro lado, demonstrou preocupar-se mais com a pronúncia, alegando que a repetição era uma possível maneira de melhorar a pronúncia dos alunos. Outro posicionamento demonstrou que muitos professores acreditam no fator da aptidão para aprender línguas e que ensinar a pronúncia pouco adianta quando o aluno não tem essa facilidade para aprender línguas: [1] eu acho que vai muito também da facilidade do aluno porque tem alunos que têm facilidade... agora tem aluno que não nasceu para aquilo MESMO!. (P5) Podemos observar na fala de P5, uma postura preconceituosa em relação ao aprendiz que demonstra certa dificuldade para aprender a LE. Tal posicionamento ilustra bem as críticas feitas por Moita Lopes (1996) ao professor que espera que o aluno adquira uma pronúncia bem próxima a do falante nativo. Outro aspecto interessante foi o fato de que, embora o ensino formal da pronúncia tenha sido um aspecto destacado pelas professoras como importante para o aprendizado, essa atividade não foi observada nas aulas gravadas. As professoras P4 e P3 também demonstraram acreditar que a pronúncia é muito importante. A professora P2 ressalta que tanto a pronúncia correta quanto a fluência são muito importantes no Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 158, julho 2010.

processo de aprendizagem de línguas. Apesar da maioria das professoras ter alegado nas entrevistas que utilizavam o quadro fonético, apontando os símbolos dos sons e comparando-os com os sons de palavras conhecidas, a utilização desses recursos não foi evidenciada durante as observações das aulas: [2] P: Como você poderia resolver alguns problemas de pronúncia em sala de aula? P3: Introduzindo de uma forma simples, mais prática os símbolos fonéticos. P: Ahã. P3: Porque quando o aluno está sozinho em casa e vai abrir um dicionário são símbolos que ele tem em mãos. P: Ahã. P3: Então é uma forma dele aprender a estudar sozinho. Ao contrário, durante as observações das práticas das seis professoras em sala de aula, a pesquisadora verificou que o ensino da pronúncia acontece quase que exclusivamente sob forma de repetição, ora de palavras, ora de sentenças. Nesse sentido registramos que algumas professoras utilizaram este recurso com maior e outras com menor freqüência e uma professora não fez uso da repetição em nenhum momento de suas aulas. Nesse sentido, esses dados ilustram bem as críticas de Castanhos (1993) que alega que o ensino comunicativo, na maioria das vezes, mascara uma prática estruturalista da língua. Além do recurso da repetição de palavras, duas outras práticas foram observadas. A primeira delas foi quando a sujeito P5 chamou a atenção dos alunos para a diferença entre o modelo de pronúncia britânica e americana e a segunda, quando P2, para ajudar os alunos a pronunciar corretamente, comparou os sons da LE com os sons da L1. Esse recurso nos pareceu um dos mais ricos e significativos para o ensino da pronúncia, pois chamou a atenção dos alunos para as diferenças entre os sons entre o sistema lingüístico da língua alvo e o da sua língua materna. Duas das professoras justificaram o fato de não trabalharem formalmente a pronúncia em sala de aula, devido à troca do livro didático por um novo material que não traz mais o quadro fonético nem exercícios de pronúncia. A análise dos questionários dos alunos, revelou uma grande preocupação com a pronúncia do inglês, a despeito da ênfase das professoras para aspectos relacionados à comunicação e à transmissão de mensagens significativas. O questionário aplicado aos alunos continha 14 questões, cinco fechadas e nove abertas. Apresentaremos aqui parte Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 159, julho 2010.

dos resultados obtidos, especificamente as questões que contemplam as dificuldades e as expectativas dos alunos em relação à aprendizagem do inglês. A questão O que você considera mais difícil na aprendizagem do Inglês? ilustrou bem a preocupação dos alunos com a habilidade oral. O dados a seguir apresentam as alternativas para responder a pergunta acima e as porcentagens que cada uma obteve. [3] a) ler (17,07 %) b) escrever (22 %) c) falar (24,39 %) d) compreensão auditiva (61 %) e) pronunciar (19,51 %) Como podemos observar, apesar da alternativa referente à pronúncia ter aparecido com uma porcentagem menor que a compreensão auditiva e a alternativa para falar, ao ler as justificativas dos alunos que assinalaram essas alternativas, percebemos que muitas vezes suas justificativas tinham muito a ver com a questão da pronúncia: [4] Pois os sons são parecidos e é de difícil diferenciação. Falar por causa da pronúncia Por ser muito diferente a escrita da pronúncia. Tem muita palavra com o mesmo som. Pois existe muitos jeitos de pronunciar... Compreensão auditiva: as frases são mencionadas rápido e as palavras são parecidas em relação à pronúncia e eu não consigo captá-las no devido tempo... As perguntas Qual das quatro habilidades você considera mais importante: ler, escrever, falar ou ouvir? e Em sua opinião, qual destas habilidades o professor enfatiza mais em suas aulas? obtiveram resultados semelhantes. Embora as respostas a essas questões tenham sido variadas, observamos que muitos alunos apontaram a fala, justificando essa escolha por causa da pronúncia. O item ouvir também foi bastante mencionado, no entanto algumas das justificativas para ouvir também tinham a ver com a pronúncia: [5] Ouvir e entender para depois falar. Na diferença que há entre o inglês britânico e o americano às vezes surgem dificuldades um exemplo é city, no CD a pronúncia é uma em sala de aula é outra. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 160, julho 2010.

A questão Você sente alguma dificuldade quanto à pronúncia? que está diretamente relacionada às perguntas da pesquisa confirmaram a dificuldade da maioria dos alunos em relação à pronúncia e também a expectativas deles em relação a aquisição de um boa pronúncia. A questão Que estratégia você usa para melhorar a sua pronúncia? apontou que a maioria dos alunos pratica a pronúncia ouvindo e repetindo com o CD em casa, ouvindo música, assistindo a TV à cabo, prestando atenção nas aulas. Apenas dois alunos alegaram checar a pronúncia no dicionário, demonstrando que essa prática não é muito comum entre eles, pois provavelmente não aprenderam a pronunciar as palavras transcritas foneticamente nos dicionários. Uma resposta interessante foi a de um adolescente que disse que escreve como se pronuncia a palavra no livro. À primeira vista poderíamos pensar que este aluno faz uso dos símbolos fonéticos para transcrever a palavra, no entanto, é mais provável que esse aluno utilize um código pessoal, derivado dos sons do português para indicar como se pronuncia determinada palavra. Na questão Você se preocupa com a pronúncia quando está falando ou você acha que o mais importante é conseguir comunicar com seus colegas?, observamos que apesar de alguns alunos acreditarem que transmitir a mensagem é o mais importante, a grande maioria dos alunos alegou que pronunciar corretamente é muito importante. Assim ficou evidente nos dados uma incoerência entre as expectativas dos alunos e a prática dos professores com relação ao ensino da pronúncia. Se, por um lado, existe a preocupação daqueles em adquirir uma boa pronúncia, existe a prática desses últimos que ignora completamente esse interesse. Além disso, não existe uma orientação clara da abordagem que esses professores adotam em relação a essas questões. 4 Considerações finais Os resultados tanto da pesquisa bibliográfica quanto da pesquisa de campo demonstraram que não existe um consenso a respeito da importância do ensino da pronúncia dentro do ensino comunicativo de línguas. Se por um lado há teóricos e professores mais favorável e outros menos favoráveis ao ensino formal da pronúncia, por outro há uma grande preocupação por parte dos alunos com relação à aquisição de uma pronúncia correta. A própria literatura que sustenta a abordagem comunicativa não apresenta uma visão uniforme a respeito do ensino de aspectos formais da língua como é o caso da pronúncia, ficando assim a critério do professor. Dessa forma, faz-se necessário que novas pesquisas a respeito do ensino da pronúncia venham contribuir Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 161, julho 2010.

para que teóricos e professores cheguem a um denominador comum e assim evitar que práticas tão polarizadas coexistam no dia-a-dia em sala de aula. Referências ALMEIDA FILHO, José Carlos (org). O Professor de Língua Estrangeira em Formação. Campinas: Pontes, 1999. BROWN, H. Douglas. Teaching by Principles. New Jersey: Prentice Hall Regents, 1994. CASTAÑOS, Fernando. Dez contradições do enfoque comunicativo. Trabalhos em Lingüística Aplicada. Campinas, (21), p.65-78, Jan/Jun, 1993. CELCE MURCIA,Marianne; BRINTON, Donna M. e Goodwin, Janet. M. Teaching Pronunciation: a reference for teachers of English to speakers of other languages. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. FLEGE, James Emil. A Critical Period for Learning to Pronounce Foreign Languages? In: Applied Linguistics. vol.8, no.2, p.162-177, 1987. GIORDANE, ElisângelaVilela e GUIMARÃES, Luciane Silva A adaptação da Metodologia de Pesquisa Etnográfica ao Contexto Educacional. In: Desempenho, Brasília: UnB, no.2, p.7-14, 2003. GUIMARÃES, Luciane Silva. O Ensino da Pronúncia no Processo de Ensino- Aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira e a Abordagem Comunicativa. Brasília, 2004. 169p. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, Universidade de Brasília.-DF, 2004. LITTLEWOOD, William. Communicative Language Teaching. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. MOITA LOPES, Luiz Paulo. Oficina de Linguistica Aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercados das Letras, 1996. NUNAN, David. Second Language Teaching and Learning. Boston: Heinle& Heinle Publishers, 1999. PAGLIARINI-COX, Maria Inês e ASSIS-PETERSON, Ana Antônia. O professor de inglês: entre a alienação e a emancipação. Linguagem & Ensino, vol.4, no.1, p.11-36, 2001. PATROWSKI, Mark S. Age and accent in a second language: a reply to James Emil Flege. In: Applied Linguistics. vol.11, no.1, 73-89, 1990. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p. 162, julho 2010.

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