OUTRA GLOBALIZAÇÃO É POSSÍVEL: Contribuições de Milton Santos e Amartya Sen



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Transcrição:

174 OUTRA GLOBALIZAÇÃO É POSSÍVEL: Contribuições de Milton Santos e Amartya Sen Fábio Coimbra 1 Mônica Teresa Costa Sousa 2 RESUMO: A pesquisa em questão discute a possibilidade de outra globalização no contexto das reflexões críticas do geógrafo brasileiro Milton Santos e do filósofo e economista indiano Amartya Sen. O objetivo desta pesquisa consiste em analisar a crítica desses autores ao atual modelo de globalização, bem como suas propostas de uma globalização nova buscando compreender de que forma isso seria possível. A pesquisa será composta de três partes. A primeira destina-se a analisar a crítica de Milton à ideia de globalização fazendo algumas interlocuções com Stiglitz. A segunda discute as possibilidades de uma nova globalização refletindo sobre como isso seria possível uma vez que a globalização atual se encontra em um avançado estágio de evolução. Por fim, a terceira, e ultima, parte discorre sobre algumas das ideias de Amartya Sen, procurando colher suas contribuições para a construção de uma globalização que siga os imperativos éticos. Palavras-chave: Etica, desenvolvimento, liberdade. ABSTRACT: The research in question discusses the possibility of another globalization in the context of critical reflections of the Brazilian geographer Milton Santos and the Indian philosopher and economist Amartya Sen. The objective of this research is to analyze the criticism of these authors to the current model of globalization and its proposals a new globalization in order to understand how this would be possible. The research will consist of three parts. The first is intended to analyze the critical Milton globalization idea of doing some dialogues with Stiglitz. The second discusses the possibilities of a new globalization 1 Graduado (Licenciatura) em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (2013); atualmente cursa Mestrado em Cultura e Sociedade pela mesma IES. Dedica-se exclusivamente a estudos na área de Filosofia Política, Desenvolvimento humanos, Ética e Filosofia das Ciências; é membro do NEPS (Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo). Atua principalmente nos seguintes temas: Filosofia Política, Filosofia da Ciência, Estado e Poder, estado de natureza, liberdade e lei, e direito natural e civil, Thomas Hobbes e Amartya Sen. 2 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007). Avaliadora do MEC/INEP. Professora Adjunta na Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Direito e Desenvolvimento (NEDD/UFMA). Coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) "Negro Cosme". Professora dos curso de Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça (PPGDIR) e Mestrado Interdisciplinar em Cultura e Sociedade (PGCult). Tem experiência acadêmica nas áreas de Direito (com ênfase em Direito Internacional) e Relações Internacionais. Atualmente desenvolve como principal linha de pesquisa a relação entre Direito e Desenvolvimento.

175 reflecting on how this would be possible once the current globalization is in an advanced stage of evolution. Finally, the third and last part discusses some of Amartya Sen ideas, trying to harvest their contributions to the construction of a globalization that follow the ethical imperatives. Keywords: Ethics, development, freedom. INTRODUÇÃO Pretende-se com esta pesquisa por em discussão a atual ideia de globalização sob o olhar crítico do geógrafo brasileiro Milton Santos a partir do estabelecimento, aqui, de um diálogo entre ele, o filosofo e economista indiano Amartya Sen e o economista norte americano Joseph E. Stiglitz. O objetivo desta pesquisa consiste em analisar a crítica de Santos ao atual modelo de globalização que, em sua perspectiva, se constitui como uma globalização perversa buscando-se compreender os fundamentos dessa crítica, bem como a sua proposta de uma globalização nova. Visando a uma concatenação consistente das ideias a serem apresentadas e defendidas, a pesquisa será dividida em três partes. A primeira destina-se a analisar a crítica do geógrafo à ideia de globalização fazendo algumas interlocuções com as colocações do economista Joseph E. Stiglitz. Nesse primeiro momento, em um tópico específico, abordar-se-á a questão do ceticismo no que diz respeito à ideia de globalização. Considerando que a globalização atual se encontra em um avançado estágio de evolução, a segunda parte, à sua vez, discute em que medida seria possível à construção de uma nova globalização e quais os requisitos para isso. A terceira, e ultima, parte apresenta algumas das reflexões do filósofo e economista indiano Amartya Sen procurando compreender sob quais perspectivas se dariam as contribuições de suas ideias para a construção de uma globalização nova.

176 1. CRÍTICA À IDEIA ATUAL DE GLOBALIZAÇÃO E PROPOSTA DE UMA GLOBALIZAÇÃO NOVA Globalização é um tema a propósito do qual muito tem se debatido nos dias atuais. Para alguns teóricos trata-se de uma ideia controversa que teria fracassado ao não cumprir a promessa de melhorar o mundo. Um dos teóricos que toma partido na defesa dessa tese chama-se Joseph E. Stiglitz, economista norte americano que, em sua obra Globalization and its discontent (2002), contesta a ideia de que a globalização tenha resultado em benefícios econômicos para as nações mais pobre do mundo. Uma das ideias-chaves defendidas por Stiglitz (2002) é a de que o compromisso do Banco Mundial e do FMI com os mercados livres como ideologia levou a muitos erros, em alguns casos drásticos, à custa dos pobres. Com isso, Stiglitz chama a atenção para a possível ocorrência de negligência, por parte das instituições financeiras, na promoção da melhoria da condição de vida dos mais pobres, o que teria distorcido a ideia de globalização enquanto práxis destinadas a esse fim. É a partir dessa distorção que a globalização atual se transforma em uma globalização perversa, tal como argumenta Milton Santos. Sobre os mais pobres teria recaído o peso e as consequências da perversidade dessa globalização excludente. A origem da perversidade desse modelo de globalização, na perspectiva desta pesquisa, reside num problema de natureza ética. Tudo começa quando a busca de lucro se impõe visando ao benefício das grandes instituições financeiras, bem como ao das grandes empresas multinacionais. Consequentemente, deixa-se de lado o outro, o ser. E nesse sentido surge o problema ético. Pois a Ética pressupõe o outro e as boas maneiras de cuidar desse outro. Num mundo onde a preocupação com a busca de riqueza ocupa o centro das preocupações, o homem acaba por ficar de fora não só da atenção, como também dos caminhos que levam ao gozo dos benefícios do mundo globalizado. Outra ideia-chave defendida por Stiglitz (2002), e que aqui chama muito a atenção, é a de que o problema não é a globalização em si, mas, sobretudo, a maneira

177 como ela vem sendo promovida, conduzida e administrada. Por esse ponto de vista, a tese em questão não é a da supressão da ideia de globalização, mas, sim, a de redimensionar a sua administração. Pois, são os diferentes interesses, que dão movimento a essa ideia, que fazem com que ela se transforme em uma práxis perversa, tal como pretende, e com razão, Milton Santos. Ou seja, o que se coloca em questão não se a ideia de globalização deve ou não ser suprimida, mas, sobretudo, o modo como ela tem sido conduzida pelas instituições financeiras e pelas multinacionais. A maneira como ela atualmente é conduzida e daí resulta a defesa de Santos (2009) da supressão dessa ideia para que a construção de uma outra seja possível por essas instituições é que fazem com que ela se torne uma ideia falsa e contraditória ao não efetivar na prática um discurso que em tese é defendido. Daí resulta, por parte de alguns teóricos, um certo ceticismo com relação à ideia de globalização. Ceticismo este que é reforçado com a realidade que atualmente se vê em diversas partes dom mundo, como, por exemplo, fome, miséria, pobreza, dentre outros, que diariamente leva à morte milhares de pessoas nas regiões mais pobres do planeta. Mesmo nos países mais ricos, há aqueles que são excluídos dos benefícios da prestação dos serviços básicos, como, por exemplo, os afro-americanos nos Estados Unidos, tal como mostra Amartya Sen (2010) em sua obra Desenvolvimento como liberdade. Uma terceira ideia-chave apregoada na teoria de Stiglitz (2002) é a de que a supressão dos poderosos interesses das instituições multinacionais do ocidente pode resultar em benefícios para todos. A questão que surge nesse contexto e: como efetivar essa supressão? O grande desafio que se impõe, acredita-se, é o da reversão dessa situação. O que mais interessa nessa perspectiva é saber em que medida se torna possível reverter essa situação, considerando o grau de complexidade que permeia a fase atual da globalização, bem como o avançado estágio do capitalismo moderno enquanto sistema que a tudo busca controlar. Sob o ponto de vista de Sen e Kliksberg (2010), pode-se argumentar que redimensionar os modos de condução e administração da globalização atual implica

178 em trazer o homem para o centro das atenções, buscando observar e suprimir por meio de boas ações a totalidade de suas necessidades para que ele tenha uma vida mais digna de ser vivida, uma vida melhor. Esse, de fato, é um grande desafio, haja vista implicar para as instituições financeiras e para as multinacionais, preocupadas com a aquisição e acumulação de riqueza, um abandono do projeto que ocupa o centro das discussões pela adotação de um novo projeto, voltado mais para a efetivação da dignidade humana do que para a busca de riqueza. A busca de riqueza, tal como se configura atualmente, é um desdobramento do capitalismo moderno que, em sua essência, constitui um fator de degradação da condição humana. 2. A POSSIBILIDADE DE OUTRA GLOBALIZAÇÃO 3 Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. (Milton Santos) Na esteira da possibilidade de outra globalização enquanto permeada por valores éticos e morais é que se destaca o pensamento de Santos (2009, p. 18), em sua obra intitulada Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, na qual destaca: De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos 3 De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção (SANTOS, 2009, p. 18).

179 fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização. Nessa perspectiva, a tese central não e a de suprimir a ideia de globalização (tal como já fora mostrado acima), mas, sim, a de reverter a sua atual configuração; seu atual modelo e o seu centro de comando que, nos nossos dias, é liderado pelo Banco Mundial, o FMI e demais instituições financeiras, bem como as multinacionais, como, por exemplo, a Nike. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. (SANTOS, 2009, p. 19). Milton Santos entende que esse modelo atual da globalização, ao priorizar o mercado, não dá atenção aos pobres, não faz nada para resolver os problemas da fome que diariamente mata milhares de pessoas no mundo, não tem preocupações com as culturas locais, não trata com respeito os países menos desenvolvidos. E tudo isso é tramado por essas agências e disseminado pela mídia, que muito pouco faz pelas pessoas das classes mais baixas. Essa mídia também tem o poder de manipular e criar uma falsa consciência, bem como um falso conhecimento a cerca dos acontecimentos, dos fatos e do mundo. Pois, tudo o que é transmitido é selecionado de acordo com os interesses que estão por traz das grandes empresas que detém o poder de controlar a informação, já que as mídias pertencem a determinados grupos. Essa cultura midiática se constitui como contraponto à cultura popular, que surge a partir da criatividade e invenções dos grupos humanos e das comunidades, e que norteia e dá sentido à suas vidas no processo de sua existência.

180 A cultura de massa, imposta pela mídia busca suprimir as culturais locais em benefício de uma cultura planetária que só aparentemente está preocupada com a conservação das culturas tradicionais. Só aparentemente a cultura midiática se preocupa com os interesses de todos, quando na verdade, o que está em jogo aí é uma promoção dos interesses da minoria rica em detrimento do interesse da maioria pobre e oprimida. Há, nesse contexto, um processo de alienação que só pode ser rompido com a práxis e o grito dos oprimidos por liberdade e, consequentemente, a junção de suas forças agindo contra um sistema que a tudo busca controlar, manipular e dominar. Somente a união dos de baixo e sua revolta contra os opressores, os de cima, mudarão o curso da historia e o sentido da vida e da existência, onde não mais prevalecerão os valores mercantis, mas, sim, a solidariedade humana, o respeito para com o outro, os valores éticos, morais e culturais. 3 CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN Assim como Milton Santos, Amartya Sen, também traz suas contribuições para a construção de um novo mundo, no qual seja o homem, e não a busca de riqueza, o centro da atenção do mundo. Para dar maior consistência às suas formulações, Sen faz uma retomada de algumas das formulações de Aristóteles que, em sua obra Ética a Nicômaco (2013, p. 43) argumenta que Quanto a vida [caracterizada] pela acumulação de dinheiro, trata-se de um tipo forçado de vida e fica claro que a riqueza não é o bem objeto de nossa busca, porque só é um bem na medida em que é útil, ou seja, um meio para algo mais [...]. Esse pequeno trecho da obra do estagirita se torna um ponto de partida fundamental no pensamento de Sen relativamente às suas reflexões sobre a relação entre ética e economia, donde se pode extrair uma de suas principais contribuições para a formulação de uma outra globalização na medida em que ele propõe a restauração dessa relação que, por

181 alguma razão, teria se rompido dando origem, assim, aos diversos males sociais hoje existentes. Para Sen, as calamidades sociais observáveis devem-se a muitos fatores, dentre os quais cabe destacar o rompimento entre ética e economia no início dos tempos modernos. Com essa cisão, a economia teria se volta para o mercado. A ética, à sua vez, ficaria apenas nas laterais das discussões econômicas. Com o desenvolvimento do capitalismo ter-se-ia deixado de lado as preocupações e reflexões sobre a ética, colocando assim no centro das discussões as questões relativas à economia. Assim, o homem teria saído de cena e ficado em segundo plano. Ao discorrer sobre a temática do desenvolvimento, Sen, assim como Santos, é motivado também pela ideia de trazer o homem para o centro das atenções. Na sua obra intitulada Sobre ética e economia, Sen chama a atenção especialmente para essa cisão que houve entre essas duas categorias. Ele entende que dessa separação só resultaram malefícios para a humanidade. E, nesse contexto, o seu pensamento mantém certa aproximação com o do geógrafo brasileiro. Pois, ambos vão tentar mostrar os caminhos capazes de conduzir à construção de um novo mundo que seja mais humano. O que caracteriza esse novo projeto de humanidade e de globalização é o deslocamento do homem da periferia das atenções para o centro das mesmas, objetivando a construção de uma sociedade na qual sejam os valores éticos, morais e culturais os norteadores da justiça e não mais a atitude autoritária e desenfreada dos opressores sobre os oprimidos fazendo, destes, escravos a seu serviço. A preocupação de Sen e Milton santos consiste em apontar possíveis saídas para os problemas que atualmente mais afligem a humanidade como, por exemplo, pobreza e fome. Sen vai propor a harmonia entre ética e economia como sendo um dos requisitos para a construção de uma nova sociedade. Milton Santos, à sua vez, vai então propor um novo modelo de globalização no qual se dê voz ao outro, que se atenda às suas necessidades, que se respeitem os seus direitos, sua dignidade, e que, acima de tudo, se privilegie a ética e a

182 responsabilidade moral. Para isso, torna-se fundamental desconstruir os meios que contribuem para a unipolarização do domínio dos poucos privilegiados sobre os muitos desprivilegiados que vivem à margem da sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ética e moral são duas palavras-chave indispensáveis à construção de uma nova sociedade onde vigore a justiça, a fraternidade, o respeito e a dignidade do outro. De fato, se quisermos construir uma sociedade justa é para o outro, o ser, que devemos dirigir nosso olhar, nossa atenção, e não necessariamente para o mandamento das normas, que, muitas vezes, estão aí apenas para garantir os interesses dos grupos privilegiados social e economicamente. O mundo no qual vivemos caracteriza-se, também, pela crueldade com que pessoas pobres são tratadas. Vivemos num mundo onde a ética é uma palavra quase em extinção. Não se respeita e nem se promove os de baixo. Pelo contrario, busca-se, a ferro e fogo, explorar e sugar tudo o que ainda lhes resta. O capitalismo, que define-se também por ser uma busca desenfreada por riqueza, se constituiu modernamente como o maior inimigo da promoção dos valores éticos, morais e culturais da humanidade. Nele, todos os valores são relativizados com vista à obtenção de lucro. A esse mundo dá-se também o nome de mundo globalizado, donde a palavra globalização quer significar uma espécie de sistema mundial que abarca a tudo e a todos. Nesse sistema, o que vale, acima de tudo, é o dinheiro. Assim, as pessoas ficam em segundo lugar. Há, portanto, na base desse mundo globalizado um processo de injustiça que perpassa consideravelmente a vida moderna. Para essa injustiça contribuem tantos as instituições jurídicas, como as financeiras. É no contexto de um mundo dessa natureza, que se destaca o pensamento de Milton Santos, enquanto crítico do atual modelo de globalização. Apesar do elevado avanço do capitalismo e da globalização atual, o geógrafo acredita que esse

183 estágio ainda pode ser revertido. Sua preocupação fundamental, pode-se dizer, consiste em trazer o homem para o centro das atenções, para que se ouça sua voz, se veja suas necessidades e se dê destaque à sua humanidade, seus valores, sua cultura. Milton Santos acredita que a evolução da humanidade se dá por etapa. Assim, ele propõe uma nova forma de globalização que se caracterizaria por ser uma nova era, um novo capítulo na história da evolução humana. Entretanto, essa construção de uma nova etapa (leia-se: uma nova globalização) não seria algo tão fácil. Como ele bem refere: A gestação do novo, na história, dá-se, frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante (SANTOS, 2009, p. 141). O velho que predomina ao qual Milton Santos se refere é, entenda-se, a atual fase da globalização. Para o geógrafo, a atual globalização caracteriza-se por ser uma globalização perversa, sobretudo pelo fato de que ela não se verifica de forma homogênea. Ele entende que a globalização agrava a heterogeneidade, dando-lhe mesmo um caráter ainda mais estrutural, (SANTOS, 2009, p. 142), pois é cega às realidades locais. É exatamente nessa cegueira que está o seu maior defeito. Alem das reflexões de Milton Santos, procurou-se também, como forma de enriquecimento do debate, trazer as contribuições de outros dois grandes nomes que discutem os problemas do mundo moderno globalizado: o economista Joseph E. Stiglitz e o economista e filósofo indiano Amartya Sen. Destes autores buscou-se trazer apenas aquelas ideias que se mostraram relevante para a construção deste trabalho. REFERÊNCIAS SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das letras, 1999.

184 ; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução de Bernardo Ajzemberg e Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 404p. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009 STIGLITZ, Joseph E. Globalization and Its Discontents. New York: W.W. Norton, 2002. Print.