OS LIVROS DE AUTOAJUDA COMO MANUAIS DE CONQUISTA E RELACIONAMENTOS: A CULTURA AMOROSA NO SÉCULO XXI



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Transcrição:

OS LIVROS DE AUTOAJUDA COMO MANUAIS DE CONQUISTA E RELACIONAMENTOS: A CULTURA AMOROSA NO SÉCULO XXI Ivandilson Miranda Silva 1 INTRODUÇÃO Com o avanço tecnológico que a humanidade vivencia, aspecto observado mais marcadamente nos últimos 20 anos, e toda complexidade que o momento proporciona, os indivíduos buscam, cada vez mais, soluções rápidas e fáceis para os problemas cotidianos, o que de certo modo cria a ilusão de que os proporcionaria obter maior controle sobre as próprias vidas. Esse momento de mudanças, também, trouxe a reboque os livros de auto-ajuda que prometem sucesso por padronizarem as relações humanas em sociedade ao generalizar casos de êxitos, conselhos profissionais e afetivos, tornando-se modelos a serem consumidos. É crescente a leitura desses tipos de discursos, principalmente, os livros que informam conhecimentos exemplares sobre relações interpessoais. Ruíram muros e rótulos. O mundo não mais se divide em blocos ideologicamente antagônicos; embora mantenham-se atualizados os vínculos econômicos deles advindos. Antes, essa divisão configurava-se a partir da constituição de dois blocos: o comunista e o capitalista com concepções políticas e econômicas bem delimitadas e diferenciadas. Após a queda do muro de Berlim (1989), unificando as Alemanhas (Oriental e Ocidental) e a desintegração das U.R.S.S (União das Repúblicas Socialista Soviéticas) em 1991,nova ordem mundial caracterizada pela globalização econômica se estabelece. Assim, a filosofia ideológica de instituições da referência de, entre tantas, Coca-Cola, Mcdonalds, Microsoft; bem como o limite do cartão de crédito, por exemplo, se estruturam como os principais ícones da inclusão na sociedade do consumo, economicamente demarcada, encobrindo de certa forma a disputa de ideologias. Nesse sentido, sugere-se que o tempo engoliu o tempo. Segundo Espinheira: 1 Mestrando do Programa Multidisciplinar Pós-Graduação em Cultura e Sociedade - Universidade Federal da Bahia (UFBA). Anais eletrônicos 104

As utopias políticas do final do século deixaram o vazio do colapso do comunismo do Leste Europeu, que se seguiu com a avassaladora expansão da livre economia de mercado a espraiar-se de maneira extraordinária e a adensar mais o poderio econômico e político dos EUA. Pela primeira vez na história moderna o mundo ocidental fica sob a égide de um único império, formando um monobloco econômico e político monumental (2006, p. 4). Se vivemos num mundo caracterizado por tal unipolarização, qual seja, o capitalismo como modelo virtuoso em que a livre economia é o elemento pulsante e motivador do próprio sistema o mercado apresenta-se como o mecanismo regulador e gerador de gostos e duvidosas carências. Nesse sentido, pela velocidade e dinamismo do processo, questões relacionadas ao afeto se apresentam como produtos de consumo com forte propensão ao lucro, por ser-lhes implementada notabilidade de fast food pela exploração mercadológica dos sentimentos humanos. ANÁLISE DA CULTURA AMOROSA O amor, ao longo da história, principalmente no ocidente, tem sido um tema polêmico, desde a Grécia antiga a razão tem sido a ferramenta principal para corrigir ou controlar os nossos instintos. O homem correto e feliz é aquele que segue a razão, pois as paixões desequilibram. A civilização ocidental tomou isso como verdade e puniu as emoções. O estudo da cultura amorosa no inicio do século XXI sucinta a percepção de novos comportamentos, para além do romantismo, pois para alguns, o amor romântico serviu como forma de controle do social, na medida em que institucionalizou-se. É o que afirmam Guedes e Assunção: Institucionalmente, o amor romântico foi associado ao casamento, à maternidade e ao patriarcalismo. Através da sacramentalização do casamento, os relacionamentos podem ser controlados e não põe em risco a sociedade (2006, p. 404). A cultura amorosa no século XXI apresenta diversos tipos de práticas e possibilidades. O casamento até que a morte os separe não é mais a única instância legitimadora do amor. Os tempos são outros, mistura-se tudo, questionam-se conceitos e há relacionamentos que não possuem mais a obrigatoriedade de manter compromissos de longa duração. O ficar e o pegar caracterizados como relacionamentos efêmeros são práticas aceitas neste contexto. Anais eletrônicos 105

Deste modo, somos livres para escolhermos parceiros dentro das opções que a sociedade convencionalmente disponibiliza. AUTO-AJUDA: BREVE HISTÓRICO O termo auto-ajuda foi criado por Samuel Smiles (1812-1904), no livro Self-Help (1859) onde defende a posição do homem como o construtor de bem-estar e êxito próprios no mundo. A obra, imediatamente, tornou-se sucesso. Fora traduzida para oito idiomas e o termo transformou-se num determinado gênero de escritura. No entanto, faz-se necessário entender o que significa a auto-ajuda defendida por Smiles no contexto histórico do século XIX. A visão de sucesso, objetivo da auto-ajuda, correspondia a um conjunto de valores morais que o homem devia desenvolver para empregar no bem-estar da comunidade. Diante disso, sucesso era, pois, cumprir um dever social. O termo e a respectiva aplicabilidade foram modificados no contexto atual e na forma como os escritores da modalidade apresentam suas ideias aos leitores. Assim, os escritos prometem sucesso individual e riqueza material ou afetiva, vez que a solução para todos os males/problemas está dentro do próprio indivíduo e no pensamento positivo. Os manuais de auto-ajuda não só direcionam regras para auxiliar o indivíduo em seu dia-a-dia, como estimulam aceitação e adaptação à ordem social, pois os grandes problemas a serem resolvidos são de ordem pessoal, individual e não coletiva, pois a sociedade do consumo, do capitalismo amplo e irrestrito, venceu as utopias e projetos de sociedades pautados na solidariedade, fraternidade e igualdade, lemas do Iluminismo e dos programas de orientação socialista do século XX. O que temos hoje é uma espécie de salve-se quem puder. O individuo que sozinho tem que dar conta dessa complexidade chamada realidade. A auto-ajuda promove, portanto, uma revolução em termos de vendas no mercado editorial. Há livros e manuais para as mais diversas situações da vida, com fórmulas, receitas e prescrições que de tão bem aceitas pelo público justificam o crescimento desse tipo de leitura na sociedade. O AMOR EM MANUAIS Há receita pronta para o amor? Qual o poder de convencimento do discurso apresentado nos livros de auto-ajuda? Há manual de instruções para a vida? Consumidores de livros de Anais eletrônicos 106

auto-ajuda devem acreditar nesta premissa, e, com isso, darem vazão à publicação de obras que ensinam como ser um amante de sucesso, criando a cultura de amor de manuais? Tais questões estimulam a análise sobre o crescimento do gênero, principalmente, sobre o poder persuasivo de discurso que alimenta um grande mercado em nome das emoções.como afirma Babo e Jablonski (2002, p.38): Usa-se o amor para tudo, do produto mais comezinho como pasta de dentes a jóias de luxo e seguros de vida. Nesse sentido, produção de auto-ajuda, para Viktor Chagas: É uma tentativa de extinguir o sofrimento. Para os teóricos da auto-ajuda, o que vale é pensar positivamente, enquanto o pensamento negativo se torna sinônimo de pensamento negativista. Elimina-se o sofrimento no momento em que se lê as recomendações do autor (2004, p. 9). Produtos como: Dicas Para Uma Mulher Moderna Seduzir O Homem Certo ou Lidar Com os Homens (2007) Como Fazer Qualquer Pessoa Se Apaixonar Por Você" (2008), Superdicas Para Ser Feliz no Amor (2008), Porque os Homens Fazem Sexo e as Mulheres Fazem Amor: Uma Visão Científica (e bem humorada) de Nossas Diferenças (2000), A Paixão é Cega, Mas Você Não (2007), Trezentas Sugestões Para Você Se Relacionar (2007), Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus (1995) Ela Está Muito a Fim de Você (2006), Pare de Levar Foras! (2006), e o clássico Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, escrito em 1937 por Dale Carnegie, são anunciados e vendidos como espécie de verdade absoluta; manuais para seduzir e consolidar boas relações amorosas e pessoais num mundo marcado por praticidade, rapidez, impaciência, tempo escasso, dúvidas e muita ansiedade. A construção discursiva por manuais visando a consolidar uma determinada postura sobre as relações amorosas na contemporaneidade lembra, em muito, a observação de Edward Said (2001, p.51) no texto Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente, ao afirmar: O Oriente era visto como que delimitado pela sala de aula, pelo tribunal, a prisão, o manual ilustrado. Em outras palavras, o Ocidente cria a ideia do homem oriental a partir dos contos orientais. Essa visão manualesca produz uma generalização que será válida para os mais diferentes povos e realidades daquela região. Os manuais e contos diversos inventam/estandartizam um lugar e um tipo de cultura, moldam uma civilização. Tais procedimentos desconsideram aspectos específicos de cada localidade, os aspectos físico-reais e não ficcionais, a história do povo e do lugar. Acredita-se numa construção focada em eventos mais superficiais que concretos, lógicos, racionais, evidentes. Anais eletrônicos 107

Ora, é aqui que residem algumas inquietações sobre os manuais de auto-ajuda: por quais motivos deve-se acreditar que as vivências dos autores do gênero são benéficas para terceiros? A publicação de textos desta natureza é um traço econômico-social e cultural da pósmodernidade? Ao deixar de acreditar em valores absolutos e universais, abandona-se critérios e passa-se a considerar a cultura do instante, do fragmento, da fala barata dos intelectualóides, das subjetividades sem sujeitos e da lógica relativista como verdade. Em passagem da obra Como Fazer Qualquer Pessoa Se Apaixonar Por Você!, evidencia-se o trabalho argumentativo da autora em validar o discurso de que toda a construção do texto ali apresentado baseou-se em estudos científicos e por isso deve ser apreciada e considerada pelos leitores. O livro de auto-ajuda, segundo a autora, é fruto de um processo de responsáveis e consquentes análises científicas a respeito das relações amorosas; devendo portanto constituir-se em fonte de confiança e de conhecimento inquestionáveis: É isso que faço neste livro. Baseado em estudos científicos, revelo as necessidade e motivações básicas que levam alguém a se apaixonar. Em seguida, forneço as práticas verbais ou não-verbais adequadas para induzir o comportamento que se deseja nesse caso, fazer uma pessoa se apaixonar por você. (LOWNDES, 1999, p.21) A argumentação é direta, firme e promete exatamente aquilo que o leitor com óbvia realidade de alguma forma de insucesso e/ou infelicidade nas relações amorosas deseja ler. Deste modo, pelo jogo retórico, persuadir a leitores sujeitados a tal perfil, apresenta-se como empenho pouco dificultoso por parte de tamanhos cientistas dos sentimentos. Postulam-se tão objetivos e convincentes no discurso avaliativo de estudos científicos que impactam de modo crucial ao receptor, satisfazendo-lhes ludicamente as necessidades, ofertando pouca vazão de raciocínio em estabelecer reflexão crítica sobre o produto que veicula o tão esperado milagre/sucesso. Assim, discutir a cultura amorosa no inicio do século XXI é demonstrar como indivíduos buscam relacionamentos e como os livros de auto-ajuda se apresentam como receituários facilitadores para tais concretizações. A análise dos livros de auto-ajuda como manuais de conquista e relacionamentos sugere evidenciar que estamos diante de novas formas de viver a sociabilidade amorosa, como e- xemplifica Giddens (1993, p. 18): A vida pessoal tornou-se um projeto aberto, criando novas demandas e novas ansiedades. Esse projeto de vida pessoal especifica a natureza de uma sociedade, de acordo com Lipovetsky, do hiperconsumo, em que o objetivo principal é: Anais eletrônicos 108

Tornar a existência materialista mais qualitativa e mais equilibrada, os ideais de renúncia ao mundo foram trocados pelas técnicas de auto-ajuda que supostamente proporcionam a uma só vez êxito materiais e paz interior, saúde e confiança em si (2007, p. 351). Examinar o discurso e a dinâmica por trás dos livros de auto-ajuda na chamada cultura amorosa do século XXI, dentro da lógica do consumo e da individualização do ser humano, é relevante para a sociedade e nessa ordem de reflexão é fundamental pensar a cultura sob as regras da indústria cultural, apresentada pela Escola de Frankfurt (1924); por Adorno (1903-1969) e Horkheimer (1895-1973) que passa a determinar a cultura apenas como mercadoria, ou seja, produto a ser vendido e explorado comercialmente. As mercadorias culturais da indústria se orientam, como disseram Brecht e Suhrkamp há já trinta anos, segundo o princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. (A- DORNO, 2002, p. 288). Deste modo, ao que parece, em tempos de falta de utopias, o amor é potente mercadoria, embalada em páginas, regada por construções signicas sedutoras e estimulantes, cristalizando em si itinerário de sucesso absoluto e perfeito. CONCLUSÃO Assim sendo, os livros de auto-ajuda promovem no receptor um desligamento da realidade concreta, aventando a emergência de uma instância iluminada pelo pensamento positivo, místico, sagrado; pelo afeto, sucesso e pela certeza da felicidade induzindo o indivíduo ao consumo sem questionamento e reflexão. O poder evocado nos títulos constrói uma imagem de realização fantástica e mágica, que reclama pouco investimento a não ser a leitura. Com frequência, observam-se afirmações e interpretações baseadas em compêndios dessa natureza como citações de grandes especialistas no assunto. Não precisamos mais de ciência, de análise crítica da realidade, vivemos um momento da história da humanidade em que os oráculos, a bolinha de cristal e o raciocínio indutivo são ferramentas mais eficazes para responder aos problemas do nosso tempo. Todo processo de mudanças que excita a análise sobre o discurso defendido pelos livros de auto-ajuda como elemento construtor de um tipo de sociabilidade amorosa no século XXI, apresenta a possibilidade de perceber a capacidade desse conteúdo que mobiliza milhões de Anais eletrônicos 109

consumidores para as livrarias, sebos, feira de livros, internet, mercados, entre outros pontos de venda, que vão em busca desses modelos. Abrimos mão da possibilidade de construir nossas próprias histórias em nome de modelos, coisa pronta, fabricada para consumo. Corremos o risco de anular nossa existência, no sentido sartreano da palavra, para saborear a superficialidade dessas argumentações cheias de experiências pontuais que são generalizadas como verdadeiras cartilhas para a felicidade amorosa. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. A Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra. 2002. BABO, Thays e JABLONSKI, Bernardo. Folheando o Amor Contemporâneo nas Revistas Femininas e Masculinas. Rio de Janeiro, Alceu, v.2 - n.4 - p. 36 a 53 - jan./jun. 2002. CHAGAS, de Viktor. Auto-Ajuda em Tempos de Self-Service: Dois Ensaios. Rio de Janeiro. Contoaberto.Org. 2003. ESPINHEIRA, Gey. O Declínio da Era Amorosa. Salvador. Texto livre, Curso Sociologia das Emoções, UFBA. 2006. GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades. 2ª ed. São Paulo: UNESP. 1993 GUEDES, Dilcio e ASSUNÇÃO, Larissa. Relações Amorosas na Contemporaneidade e Indícios do Colapso do Amor Romântico (Solidão Cibernética?). Revista Mal-Estar e Subjetividade / Fortaleza / v. Vi / n. 2 / p. 396-425 / set. 2006. HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.1997. LIPOVETSKY, De Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio Sobre a Sociedade de Hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras. 2007. LOWNDES, Leil, 2009. Como Fazer Qualquer Pessoa Se Apaixonar Por Você. São Paulo: Editora Record.2009. SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente Como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras. 1990. Anais eletrônicos 110