Porto Alegre (RS) Comerciantes do Centro defendem revitalização do Cais Mauá, mas questionam modelo escolhido Comerciantes do Centro Histórico dizem ainda não ter muitas informações sobre as obras de revitalização do Cais Mauá Foto: Guilherme Santos/Sul21 Nas últimas semanas, a revitalização do Cais Mauá passou, mais uma vez, a ser tema de debate entre os moradores de Porto Alegre, especialmente após a realização de uma audiência pública para discutir o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA Rima) do projeto. O
encontro reacendeu a discussão entre as pessoas que defendem o projeto atual do Consórcio Cais Mauá Brasil S.A, que, além da recuperação dos armazéns, promoverá a construção de um shopping e duas torres, e os que defendem uma nova licitação para a contratação de um projeto mais focado no aproveitamento dos espaços já existentes. No meio deste embate estão alguns dos que, possivelmente, serão mais impactados pela obra: trata-se dos atuais comerciantes do Centro Histórico. Apesar de o consórcio dizer que ouviu comerciantes e prever que eles serão beneficiados, gerentes e proprietários de estabelecimentos entrevistados pela reportagem do Sul21 disseram que não foram procurados por nenhum representante oficial e que só ouviram falar do projeto de revitalização por meio da imprensa. O relatório do EIA Rima afirma que foram realizadas entrevistas com responsáveis por estabelecimentos localizados no Centro Histórico. Entretanto, percebe-se a ausência de uma questão, O que você conhece sobre a revitalização do Cais Mauá?, o que não permite avaliar se a opinião majoritariamente positiva sobre a vinda do empreendimento está fundamentada em informações consistentes sobre este projeto ou não, diz Milton Cruz, pesquisador do Observatório das Metrópoles. O EIA/RIMA também não apresenta dados sobre a evolução econômica do Centro para embasar a crença de que a revitalização proposta irá dinamizar e potencializar as atividades comerciais, culturais e de lazer na região, afirma. O que você conhece da revitalização?
Nenhum estudo de fundo foi feito sobre como o comércio de rua do Centro será atingido pela revitalização Foto: Guilherme Santos/Sul21 Até onde eu sei, ninguém recebeu nenhuma informação, muito menos viu o projeto, diz Paulo Sebastião, proprietário da loja de materiais de iluminação e decoração Alecrim, aberta há 45 dias na Rua dos Andradas, e morador do Centro há 16 anos. O que sabemos é o que a imprensa escrita diz, complementa. Contudo, mesmo sem receber muitas informações, ele avalia que a maioria dos comerciantes do Centro quer muito que alguma revitalização saia do papel e deve apoiar o projeto. Infelizmente, projetos em POA ou levam muito tempo ou acabam não saindo, afirma. Sebastião acredita que a revitalização irá trazer mais segurança, iluminação e limpeza para o Centro. Havendo a revitalização do Centro, consequentemente, a prefeitura vai se preocupar mais. Os próprios comerciantes vão passar a cuidar mais. Vai dar mais vida, afirma o paulista radicado em Porto
Alegre. Eu adoro morar aqui, mas ultimamente o Centro está abandonado. Helenir da Silva, gerente do sebo e livraria Só Ler, na Rua dos Andradas, diz que ficou sabendo da revitalização do Cais Mauá no ônibus, mas que desconhecia que um shopping deve ser construído no local. Para ela, contudo, o comércio de livros usados, uma marca do Centro de Porto Alegre, não deve ser afetado por um novo centro comercial. O máximo que vai ter é uma livraria, mas nada com um sistema de trocas como temos, diz, acrescentando, porém, que não acredita que a revitalização trará mais público para o sebo. Acho que não agrega, mas também não vai atrapalhar. Acho que vai ser bem neutro, diz. Helenir da Silva disse não saber muito sobre o que acontecerá no Cais Mauá Foto: Guilherme Santos/Sul21 Já Giceli Soares, gerente da loja Maria Brasil, especializada em sapatos femininos e também localizada na antiga Rua da
Praia, acha que a revitalização vai ser uma boa para o comércio de rua do Centro. Apesar de não conhecer as especificidades do projeto, ela acredita que poderá aumentar a circulação de pessoas na área. Por outro lado, ela diz não temer que novas lojas de calçados a serem instaladas no shopping venham a prejudicar os negócios da Maria Brasil. A princípio, a gente já tem bastante concorrência. O que difere é o atendimento, garante. Posição semelhante é defendida por Valéria Nunes, gerente da Cinemateca Paulo Amorim. Segundo ela, mesmo que o provável shopping tenha cinemas modernos, isso não deverá prejudicar o público das salas da Casa de Cultura Mário Quintana. Nosso público é muito específico. Não tiramos público de ninguém. 25/09/2015 PORTO ALEGRE, RS, BRASIL Funcionárias de loja de calçados dizem não temer a nova concorrência Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ela é mais uma que não tem muitas informações sobre o projeto de revitalização, apenas sabe que devem ser construídos um shopping e duas torres. Até gostaríamos de saber mais, afirma. Contudo, ela acredita que uma revitalização poderá trazer benefícios para todo o comércio do Centro, como melhorias na segurança e na iluminação. Melhorar as condições vai trazer mais pessoas para o Centro, avalia. Em audiências públicas realizadas para discutir a revitalização, representantes do Consórcio Cais Mauá Brasil S.A. disseram ter feito uma pesquisa qualitativa com representantes do comércio do Centro Histórico. Contudo, a pesquisa de impacto econômico realizada em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) não traz qualquer previsão sobre os possíveis efeitos do projeto sobre os atuais estabelecimentos. Shopping para quem? Um dos pontos mais polêmicos da atual proposta de revitalização do Cais, o shopping a ser construído ao lado do Gasômetro as torres devem sair na área das docas também divide os comerciantes ouvidos pela reportagem. Enquanto cidadão, eu acho que chega de shopping, diz Adacir Flores, presidente da Associação Representativa e Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha (Arccov). Cultural dos Flores também questiona o que chama de estratégia de elitização da área. Da forma como a prefeitura apresenta o projeto, é uma forma de elitizar a orla. Não é devolver a orla à população, diz. Sebastião, da Alecrim, também acredita que não há necessidade de um novo shopping em Porto Alegre nem de torres comerciais na região. Ele teme que possam vir a descaracterizar a cidade no futuro e cita o exemplo de sua terra natal, São Paulo. Tudo que eu vivi na minha infância em São Paulo, esquece. É só prédio porrada.
O comerciante ainda teme que um shopping possa tornar ainda mais caótico o trânsito no Centro. Se fizer um shopping de grandes proporções e não melhorar as ruas, isso vai virar um inferno, porque vai afunilar tudo, diz. A chegada é pela Mauá. Mas como vai sair? Paulo Sebastião quer a revitalização do Cais, mas é contrário a construção de shoppings e torres Guilherme Santos/Sul21 Para ele, Porto Alegre deveria seguir o exemplo de Belém (PA), onde os armazéns foram reformados, mas não foram construídas torres nem um shopping. A cidade tem outros lugares para desenvolver bons projetos, por que na beira do rio? Marlene Barden, proprietária do restaurante Gambrinus, um dos mais tradicionais do Mercado Público, também questiona a necessidade de serem construídas modernas torres comerciais junto do Cais. Temos prédios antigos no Centro, acho que seria um choque muito grande construírem torres muito modernas. Poderia ser feito de forma mais harmoniosa,
defende. Por outro lado, Marlene diz ser favorável à construção de um shopping e de um prédio de estacionamentos na área do Cais. Um shopping eu até acho necessário, porque o comércio sempre atrai gente, afirma. Ela ainda diz não temer que as lojas do futuro shopping possam roubar público do Mercado porque o comércio do local é muito peculiar e não concorre com lojas de grandes centros comerciais. Sobre a revitalização em si, ela diz que essa é uma reivindicação antiga dos comerciantes do Mercado Público. Tudo que for feito para melhorar o Centro Histórico é fundamental, diz, lembrando ainda que, quando a prefeitura passou a permitir que os ônibus da linha de turismo parassem junto ao Mercado Público, o comércio do local registrou um aumento de público de cerca de 40%. Se deixar do jeito que está, ficam só as pombas. Mais empregos, mais público
25/09/2015 Porto Alegre, RS, Brasil Representantes da Cinemateca Paulo Amorim acreditam que espaço pode se beneficiar com aumento da circulação no Centro Foto: Guilherme Santos/Sul21 De acordo com o professor de Economia da PUCRS Adelar Fochezzato, um dos responsáveis pela Avaliação dos Impactos Econômicos, Sociais e Tributários do Projeto de Revitalização do Cais Mauá, o estudo contratado pelo consórcio não aborda o impacto econômico que a revitalização terá no comércio já existente do Centro Histórico. O estudo aponta, porém, que, entre diretos e indiretos, serão gerados até 19,2 mil empregos na fase de construção e implantação do projeto e até 28,1 mil durante a fase de operação. Fochezzato prevê que esse novo contingente de trabalhadores na região irá impulsionar o comércio já existente. Não é um jogo de soma zero. Vai ter outros empregos, outros produtos, vai aumentar a circulação de pessoas. É toda uma roda da economia que vai girar, diz. Ninguém vai roubar o comércio de ninguém, todos vão ganhar. O professor ainda defende que o fato de estar prevista a construção de um centro de eventos no novo complexo irá atrair mais turismo de negócios. Por Luís Eduardo Gomes Fonte original da notícia: Sul21