INTRODUÇÃO PRÁTICAS DE LEITURA DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA/UFMT OLIVEIRA, Ana Arlinda de. PPGE/GEPLL/UFMT* aarlinda@terra.com.br Este artigo é resultado de pesquisa que mostrou aspectos da leitura no cotidiano de cento e treze estudantes do quarto ano do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso. Conhecer suas vivências de leitura ofereceu oportunidade de refletir como se dá essa prática, a partir do contexto social em que vivem e de como se constituem leitores no dia-a-dia, como também no ambiente acadêmico, onde fazem sua formação inicial para a docência. Para esses estudantes, a leitura visa, principalmente, o desenvolvimento profissional. No entanto, eles não lêem somente na universidade, mas em todos os momentos de sua vida e de acordo com suas necessidades. Como ler faz parte da formação pessoal e profissional, certamente em sua prática pedagógica a leitura será de fundamental importância para gerar conhecimentos. A história de leitura de cada um desses estudantes, sem dúvida, refletirá na formação leitora de seus alunos. OBJETIVO - Conhecer as práticas de leitura dos alunos da disciplina Linguagem e Metodologia do Ensino IV do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso. METODOLOGIA A abordagem escolhida é a da pesquisa que engloba aspectos qualitativos e quantitativos. Para a coleta de informações, junto aos alunos recorreu-se à aplicação de questionários. O instrumento utilizado para coletar as informações, com algumas adaptações, teve como fonte um questionário desenvolvido em pesquisa da Universidade Estadual de Campinas intitulada O que pensam as pessoas sobre a leitura e a escrita, publicada na Revista Leitura: teoria e prática. no. 11, junho/ 1988. LEITURA: DIÁLOGO COM O TEXTO Numa perspectiva de pratica social a leitura é entendida como aquela que permite ao sujeito leitor participar de diferentes situações discursivas, nas quais seja possível atender à finalidade de interação pela linguagem. A concepção interacionista concebe que a leitura é o resultado da interação entre o autor, o texto e o leitor. A leitura como processo discursivo, apresenta o texto como lugar no qual autor e leitor interage por meio da materialidade do texto que se constrói concretamente a cada leitura, e que são
mediados pelas condições de produção desde o momento em que o texto é produzido. * Profa. do Mestrado em Educação da UFMT. Linha de Pesquisa Educação e Linguagem. GEPLL Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Leitura e Letramento Como o leitor nesse processo não é passivo, mas é o agente que busca significações o sentido de um texto não é jamais interrompido, já que ele se produz nas situações dialógicas, ilimitadas que constituem suas leituras possíveis (Authier-Revuz, J. apud Geraldi, 1984, p. 80). Assim, o leitor não apreende meramente um sentido que está lá, mas atribui sentidos ao texto, relacionado... à sua natureza, às condições de produção, aos modos de relação, de trabalho e produção de sentidos e de historicidade. A leitura é o momento crítico da produção da unidade textual, da sua realidade significante. É nesse momento que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao fazê-lo desencadeia o processo de significação do texto. Assim, sujeitos e sentidos se constroem simultaneamente, num mesmo processo que se define pela atribuição de múltiplos sentidos ao texto (ORLANDI, 1993, p. 12). É essencial para a leitura o desenvolvimento dos conhecimentos prévios por parte do leitor, o que acontece quando há interação entre o conhecimento que o leitor possui e novos conhecimentos que vão surgindo, por meio de outros textos. Os conhecimentos prévios são compreendidos como aqueles construídos pelos sujeitos, ao longo de sua existência e que corroboram para a compreensão e a significação que o leitor dá à sua leitura. Chartier (1996, p. 20) afirma que, cada leitor a partir de suas próprias referências individuais, sociais, históricas ou existenciais dá um sentido mais ou menos singular, mais ou menos compartilhado, aos textos de que se apropria. O ato de ler, seja das páginas de um livro ou qualquer outro suporte de leitura, deve interagir entre a realidade de mundo do leitor, de modo a permitir o diálogo, o questionamento, a recusa ou aceite de um conteúdo, desde que permita a constatação de conhecimentos que o leitor traz previamente em sua história de leitura. Para Silva (2000), o ato de ler necessita de duas habilidades, a saber: compreensão e interpretação. Compreender é assumir a intenção total, não apenas assumir o que as coisas representam, o seu simbolismo, as suas propriedades, mas o modo específico de existir das coisas que se expressam na composição do texto, nas idéias que se desvelam, no pensamento do autor do texto (Silva, 2000, p. 26). Com relação ã interpretação este autor entende que o trabalho interpretativo, portanto, revela-se como o desvelamento, elaboração e explicitação das possibilidades de significação do documento pela compreensão (Silva, 2000, p. 71). A familiaridade com textos diversificados facilita o aprendizado das características dos diversos gêneros, promove o desenvolvimento do vocabulário, e, conseqüentemente, possibilita ao sujeito fazer uso da intertextualidade, entendida como a capacidade de diálogo que pode ser
estabelecida entre diferentes textos que circulam socialmente. A reflexão se instaura como um dos elementos da leitura crítica que, por sua vez, objetiva do leitor um posicionamento diante do texto, a fim de resignificá-lo. Oliveira (2005, p. 136), concebe que o ato de ler caracteriza-se como um processo em que leitor e autor assumem papéis de interlocutores na construção de sentido do texto, portanto um leitor maduro interage com o texto interrogando, criticando e construindo significados, enxergando a pluralidade da interpretação, desvelando significados do texto; ao passo que o leitor acrítico retira do texto apenas informações fragmentadas e superficiais. A criticidade permite ao leitor ampliar o campo da compreensão buscando a reflexão e o confronto de idéias apresentadas no texto. A formação do leitor e a formação docente A formação para a docência exige um sujeito que tenha familiaridade com as práticas sociais de leitura e, portanto, com determinado nível de letramento. Soares (2003) explicita seu entendimento do que seja letramento: Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se letramento que implica habilidades várias, tais como; capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse; habilidades de interpretar, produzir diferentes tipos e gêneros de textos, habilidade de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever; sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor (SOARES, 2003, p. 92). A constituição do leitor, e sua história pessoal de leitura são afetadas pelo contexto histórico, cultural, político e econômico e, portanto, apresenta variações de acordo com diferentes modos de inserção no mundo da cultura letrada (Almeida apud Kleiman, 2000, p. 115). O professor pensado como um agente cultural no ambiente escolar não pode estar excluído de sua condição de leitor e de consumidor dos bens da cultura. No entanto, por suas condições econômicas e histórico-culturais, ele sofre o desprestígio social que culmina cada vez mais por confiná-lo a um mundo de letramento restrito. Batista (1998, p. 52-57) considera que a situação do professor-leitor é decorrente da falsa democratização cultural, que promove uma exclusão tardia ou a inclusão relativa desses docentes no universo da cultura legítima, situação que é reproduzida e transferida para seus alunos, provenientes de camadas sociais populares, de forma a perpetuar, por meio da instituição escolar, as condições de desigualdade social e cultural. O autor apresenta algumas posições que explicam os modos como se dá a leitura: A primeira posição é de que a leitura seria a leitura de livros denominados como literatura de prestígio, concebida como patrimônio literário
e parte do universo de uma verdadeira cultura. Porém, esta categoria de literatura estaria correndo perigo, particularmente pela ascensão da cultura de massa e pela democratização da cultura. A segunda posição é a que se organiza em torno do discurso do prazer da leitura e de seu valor intrínseco. A leitura seria para o prazer sem obrigações, e sem esforço, nenhuma disciplina ou rotina escolar. A leitura seria um bem em si mesmo. O leitor seria aquele que teria o direito de parar de ler, de saltar partes, de negar-se a uma leitura que é controlada e controladora, em nome do prazer e da fruição criando assim um espaço de liberdade. Neste contexto, o que poderia ameaçar a leitura seria as tentativas de disciplinarizar a leitura, seja por aqueles que querem impor a leitura dos cânones ou como a escola que quer domesticar a liberdade dos leitores, ou ainda dos que vêem no valor da leitura em si mesma, como experiência particular de um grupo social. Esses leitores que não praticam outra leitura que não a escolar em oposição à busca de prazer procuram de modo constante impor a busca por seus alunos da leitura para finalidades pragmáticas que matariam o prazer do ato de ler e o desejo por ela. Batista afirma que a partir dessas duas visões o professor seria sempre excluído e considerado um leitor menor ou precário. Assim, esses docentes seriam leitores que não puderam desenvolver suas competências e as disposições necessárias para se tornar verdadeiros leitores e formar leitores adequadamente. A terceira posição, é aquela que se constrói em torno dos valores ou pressupostos como a democratização da cultura, a diversidade das culturas e a relatividade dos valores sociais. Assim, é preciso possibilitar o acesso à leitura e às formas legítimas de praticá-la aos grupos sociais que estão excluídos da cultura socialmente prestigiada, não para substituir as formas ditas populares de leitura, mas para possibilitar o acesso e o domínio de universos culturais, sociais e econômicos diferenciados. Os professores seriam incluídos, se apropriando de objetos e práticas culturais legítimas, transformando-as e contribuindo ao transmitir seus modos de apropriação aos novos leitores que formam. A quarta posição, as relações e as disposições dos professores a respeito da leitura seriam antes parte de um processo de exclusão tardia ou inclusão relativa. Essa tomada de posição baseia-se na observação de que, apesar dos movimentos de mobilidade cultural e social, as distâncias relativas entre os grupos sociais se mantém, e se perpetua a exclusão. A prática pedagógica relacionada à leitura, consiste, portanto, em transformar, aos poucos, a concepção meramente utilitária do texto e da leitura numa concepção de funções sociais ampliadas a fim de possibilitar a autonomia, a aprendizagem independente e o desenvolvimento do aluno (...) por meio do texto com temas suficientemente abertos para permitir a inserção e a discussão de formas de conhecimento e ação alternativas. (KLEIMAN, 2000, p. 229) A leitura é uma atividade essencial para a formação nas diversas áreas do conhecimento e, mais ainda para a formação cultural da pessoa. A leitura é
também uma atividade que propicia o sucesso acadêmico, e portanto não ser alfabetizado adequadamente pode significar dificuldades para o desenvolvimento do letramento. Segundo Almeida (2001, p. 119) as leituras do professor são relevantes para a constituição de sua identidade profissional, elementos constitutivos da profissão docente, pois estão vinculadas à representação das práticas pedagógicas por eles construídas e podem produzir efeitos significativos em seu desempenho profissional que se refletem em sua práxis. A formação para a docência deve oferecer ao estudante a possibilidade de refletir sobre sua própria exclusão das práticas sociais de leitura, de seu próprio nível de letramento e de sua história de exclusão dos bens culturais. AS PRÁTICAS DE LEITURA NO DISCURSO DOS ESTUDANTES O intuito de conhecer as práticas de leitura dos estudantes foi a preocupação com o momento da formação inicial, na qual esses sujeitos trazem uma trajetória de leitura, cuja história apresenta possibilidades de interferência na formação de seus futuros alunos. Conhecendo as práticas de leitura é possível aos formadores de professores direcionar a formação destes para práticas mais significativas no campo da leitura. Do universo das questões, foram escolhidas algumas, cujas respostas serão apresentadas, a seguir: Questão 1. O que você costuma ler? A leitura de bulas de remédio e outdoors foi citada pela quase totalidade dos entrevistados. A leitura de manuais de instrução no manejo de aparelhos elétricos de uso doméstico tem um pouco mais da metade dos leitores. A leitura de placas de trânsito é feita por um pouco mais da metade dos entrevistados. Esse fato é sintomático de uma cultura que não é educada para o trânsito. Também as instruções sobre alimentos e produtos de higiene pessoal não parecem interessar a todos os leitores. Mais da metade dos entrevistados faz leitura em veículos coletivos. Supondo-se que a grande maioria dos alunos usam o transporte coletivo, podemos inferir que essas leituras possam acontecer em ônibus. A freqüência de leitura para esses entrevistados acontece da seguinte maneira: 37% responderam todos os dias e 26% sempre que necessitam. Alguns responderam que raramente, porém dificilmente uma pessoa no seu dia-a-dia, pode passar sem ler uma diversidade de gêneros textuais, pois eles se impõem à nossas necessidades leitoras pragmáticas, ou seja, estão de tal forma expostos na realidade que se torna quase impossível não lê-los.
Questão 2. O que você lê obrigatoriamente em sua vida diária? A quase totalidade dos entrevistados afirmou a obrigatoriedade de ler as contas de água, luz e telefone. Em segundo lugar, vem a leitura do extrato de banco, seguido do cartão de crédito. Menos da metade dos entrevistados responderam ter obrigatoriedade com relação à leitura de livros em sua vida diária. Por se tratar de professores ou futuros professores do ensino fundamental, que devem ter um maior compromisso com a formação de leitores-crianças, o fato de não terem a leitura presente diariamente pode comprometer o ensino-aprendizagem da leitura. Sendo alunos em formação inicial da docência, por não considerarem a leitura como prática obrigatória para sua formação, pode-se inferir que esta poderá estar comprometida em sua qualidade. È baixo o número de alunos do curso de Pedagogia, do quarto ano que valorizam a leitura diária de livros, jornais e revistas. Os alunos citaram como leitura obrigatória as apostilas, ou seja, os textos a serem lidos nas disciplinas. Questão 3. O que você escolhe para ler? Qual a sua motivação para ler? Do universo dos entrevistados 80% dos alunos responderam que a motivação de leitura está na busca de informações, 15% disseram ler para passar o tempo. Em torno de 11% dos entrevistados apresentaram como motivação para a leitura, tanto a busca de informações quanto a leitura para passar o tempo. Não responderam a essa questão 7% dos entrevistados. O fato de um número significativo de leitores informarem que lêem para buscar informações, parece deixar a desejar outras dimensões da leitura que são importantes para a formação cultural. Ler para passar o tempo, como expressam, é algo vago que não exprime o valor da leitura. Neste aspecto, podemos inferir que o que demonstram sobre a leitura pode ser entendido como leitura para o prazer, porém isso não está explícito em seus depoimentos. A maior parte dos entrevistados afirmou que escolhe livros ou revistas pelo assunto tratado. Nesta turma alguns afirmaram que escolhem o livro pelo preço. A seção cultural do foi eleita por mais da metade dos entrevistados como a preferida para leitura. Em seguida aparece a seção de divertimentos. A seção de política teve baixíssima escolha para leitura entre os entrevistados de todas as turmas. A maioria dos entrevistados afirmou que costumam discutir as leituras que fazem com outras pessoas. Os interlocutores desses leitores são familiares e colegas de trabalho. As palavras que chamam atenção em seus depoimentos sobre essas trocas são: socialização, interação, questionamento, opinião, argumentação. Em seus depoimentos afirmam: Sim. Costumo discutir o que li com os outros. Comento tudo o que leio. Não sei ficar quieta.
Uns poucos entrevistados disseram não ter o hábito de compartilhar as leituras feitas: Raramente discuto. Não costumo comentar minhas leituras com ninguém. Questão 4. A leitura está associada à atividade recreativa ou profissional? Mais da metade dos entrevistados afirmou que suas leituras estão associadas a sua atividade profissional, enquanto que menos da metade afirmou ser a leitura recreativa de maior importância nas leituras a que se propõem. Vejamos seus depoimentos: Depende. A leitura da Veja ou do jornal, por exemplo, faço pelo prazer. As leituras dos textos acadêmicos nem sempre são prazerosas. Sim. Por ser professora, constantemente leio. Nos momentos de distração adoro ler. A leitura se faz presente tanto na minha atividade profissional como na minha atividade pessoal. As duas coisas, mas prefiro ler por prazer. As duas coisas. Mas tenho o foco da leitura para o aspecto profissional. Prefiro a recreativa, mas ultimamente só tenho tido tempo de ler como atividade profissional. Os dois. O professor, ou melhor, o educador é um eterno leitor, ou deveria ser. No momento da formação inicial é perfeitamente compreensível que esses alunos centrem suas atividades de leitura nos texto de conhecimento para o exercício da docência. Questão 5. Você se considera um bom leitor? Quanto a que se consideram bons leitores, esses estudantes tiveram as seguintes respostas: Acho que não sou boa leitora, porque leio por obrigação. Não me considero um bom leitor. Me falta mais dedicação e menos comodismo. Acho que sim, pois leio, fico informada e uso em atividades. Não sou boa leitora. Leio por necessidade de leitura. Não sou um bom leitor. Acho que um bom leitor é aquele que sempre está lendo. Comigo não é assim. Eu era quando solteira, tinha o hábito de leitura, e os que me cercavam implicavam pelo meu hábito. Hoje não tenho mais. Me considero um bom leitor. Estou sempre atento a tudo que possa ser lido. Não me considero bom leitor, não pelo fato de não entender, mas pelo fato de não gostar. Infelizmente, eu não gosto de ler, mas constantemente, procuro algum texto que seja do meu interesse. O fator econômico, no entendimento dos entrevistados, pode determinar as condições para o leitor.
Não me considero uma boa leitora pelo fato de não ter possibilidade econômica de adquirir livros. Não me considero boa leitora, porque não tenho condições de adquirir livros variados. A grande maioria dos entrevistados, embora afirme não serem bons leitores, demonstram consenso de que para ser um bom leitor é necessário compreender, interpretar, criticar, fazer uso do que lê. Pouco se falou nas leituras por prazer. Poucos têm a visão que se precisa ler tanto por necessidade social como por prazer pessoal. Questão 6. A sua vida seria diferente se não soubesse ler e escrever? Analisando as informações podemos visualizar que para esse universo de estudantes, a vida seria diferente se não soubessem ler e escrever. As respostas abrem um leque de afirmações que demonstram sentimentos variados: Acredito que seria mais dependente. Porque tenho uma amiga que não teve esse privilégio. Ela só conseguiu escrever o nome e ela reclama muito, dizendo que é dependente. Acredito que sim, mas conheço pessoas que não são alfabetizadas e que vivem mais felizes do que as ditas sábias. Seria horrível. Tenho aluno à noite no EJA, que eu ensino a ler e vejo o sofrimento deles. Sim. O meu pai era analfabeto, mas sofria muito por isso. Em contrapartida estudou todos os filhos. Com certeza seria diferente, porque através da leitura e da escrita sou independente e não fico totalmente à mercê de outras pessoas. Ler e escrever é poder. Sim. Porque é muito difícil viver sem leitura no mundo letrado. Vivemos num mundo onde o analfabeto é discriminado e sem chance para o mercado de trabalho. Entre as respostas dadas há várias que não apresentam consistência:...vegetando ;...fora do ar ; Infeliz ; Seria cega ; Seria um tédio, eu não existiria ; Me sentiria como portadora de alguma deficiência ; Com certeza. Pois eu deixaria de fazer parte integrante da sociedade ; Seria uma pessoa vazia. Seria infeliz, frustrada, dependente, limitada, aleijada, marginalizada. Não saber ler e escreve é trágico! ; Penso que eu estaria vivendo na escuridão, de olhos vedados fardo: Um entre os estudantes considera que o acesso à leitura pode ser um Às vezes são tantas as leituras... Então eu sinto que seria mais fácil ser analfabeta. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante que a formação inicial reflita sobre a continuidade do desenvolvimento das práticas sociais de leitura entre os alunos, proporcionando vivências nas diversas linguagens. Ater-se somente às leituras propostas na bibliografia dos cursos de formação promove a formação
específica, mas não promove práticas de leitura que amplie o letramento dos estudantes. Em seus depoimentos os entrevistados trazem elementos sobre a importância da leitura para sua formação profissional. Configurou-se que as leituras obrigatórias da formação estão em primeiro plano. É uma leitura autorizada pela academia e, portanto, essa obrigatoriedade traz um certo desconforto. O texto acadêmico apresenta, para esses alunos, grande dificuldade de compreensão, pois apresentam temas que até então não haviam tido contato antes de sua entrada na universidade. São leituras solitárias ou em grupo, nas quais é preciso apresentar um resultado, seja por meio de resumos, seminários ou provas. Num segundo plano está a leitura do dia-a-dia, cuja função é utilitária no sentido de resolução dos problemas comuns. No conjunto desses leitores podemos identificar que a literatura não tem ainda um lugar de destaque. Os alunos têm a auto-estima baixa, por não se considerarem bons leitores. Esse é um ponto de estrangulamento para o desenvolvimento do letramento neste grupo de estudantes e, portanto, será preciso investir numa mudança de atitude dos leitores no percurso de sua formação, sensibilizandoos, mas também investindo em um planejamento de leitura da diversidade de gêneros textuais em todas as áreas. Ficou evidente que as práticas e eventos de letramento nos cursos de formação de professores não têm sido suficientes para o desenvolvimento dos leitores, mas podem a partir da reflexão e ações efetivas, promover mudanças significativas. Os estudantes da pesquisa avaliam que têm condições precárias, tais como o tempo e os recursos financeiros para a aquisição de livros, o que parece demonstrar que há lacunas em sua formação intelectual. Os alunos têm encontrado obstáculos, pelo histórico familiar, pelo nível sócio-econômico e pela dificuldade de acesso aos bens culturais. Na formação inicial há necessidade de fortalecimento do letramento, provendo esses leitores com leituras dos universos artístico, literário, filosófico e científico que possam assegurar a inclusão dos futuros docentes na cultura letrada e, dessa forma, a construção de leitores críticos possa repercutir em práticas pedagógicas reflexivas que por sua vez possam contribuir para formar outros leitores. Cabe aos educadores, de todas as áreas do conhecimento, propiciar, por meio de sua atuação pedagógica, sua transformação e a de seus alunos em leitores reflexivos. Nesse sentido, conhecer aspectos das práticas de leituras dos estudantes pode servir para que formadores de professores reflitam sobre as condições que determinam o desenvolvimento do letramento, e levem em consideração os aspectos dialógicos e polissêmicos da leitura.
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