TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUINTA CÂMARA CRIMINAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0159127-49.2012.8.19.0001 (1º Vara Criminal da Comarca da Capital I Tribunal do Júri) RECORRENTE: JOSÉ ADEMIR DE SANTANA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO Indivíduo denunciado por infração do disposto no artigo 121, 2º, I, do Código Penal, em conjugação ao artigo 14, II. Prisão preventiva, e liberdade provisória ao depois. Decisório que pronunciou o acusado nos termos da peça acusatória. Recurso em sentido estrito, manejado pela defesa técnica, postulando a desclassificação para a forma culposa, nos termos do artigo 419 da Lei Adjetiva. Opinar ministerial de 2º grau no desabono do mesmo. Concordância na maior parte. Pronúncia que se traduz em admissibilidade da condenação; esta da competência constitucional do Tribunal do Júri; descabendo invasão de sua soberania pelo julgador togado, com ressalva de exceções aqui alheias. Presunção de inocência, à luz da Carta Magna, de ser considerada ao final, não na etapa em berlinda, na qual um quadro dubitativo ampara a pretensão punitiva, no escopo do definitivo julgamento pelos representantes da sociedade. Elementos coligidos na instrução, e antes na inquisa, sinalizando que o réu, na direção de um caminhão/furgão; trafegando pela Avenida Presidente Vargas em horário matutino de proibição regulamentar; revoltou-se contra um guarda municipal que o abordou e anotou a placa, proferindo ironia ofensiva, e depois, estando o guarda na frente do veículo, o acelerou, atropelando o servidor público, cujos ferimentos leves decorrem de boletim de atendimento no Hospital Souza Aguiar; e se evadindo; porém, detido por outros guardas que o perseguiram. Figura do dolo eventual, não do dolo direto, na assunção do risco, pelo agente, de pôr fim à vida do vitimado; isto, na citada dúvida com tal consequência nesta fase; cabendo aos juízes populares dizer por positivo ou negativo. Qualificadora, porém, que não prospera, uma vez que a hipótese, que seria a correta, do motivo fútil, foi inserida na denúncia e no decisório guerreado, como motivo torpe; que difere sobremaneira; o que passou despercebido pelas partes e pelo MP de 2º grau. Decisão que se confirma na maior parte; para que o réu seja julgado pelo Tribunal
do Júri por tentativa de homicídio simples, à luz do artigo 121, caput, conjugado ao artigo 14, II, do Digesto. Recurso parcialmente provido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos do RECURSO EM SENTITO ESTRITO Nº 0159127-49.2012.8.19.0001, em que é Recorrente JOSÉ ADEMIR DE SANTANA, e Recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO. ACORDAM os Desembargadores, que integram a Quinta Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, na Sessão realizada aos 18 de dezembro de 2014, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito, manejado pelo réu, contra a Decisão que pronunciou o mesmo como incurso no artigo 121, 2º, I do Código Penal, em conjugação ao artigo 14, II. Segundo a denúncia, na manhã do dia 18 de abril de 2012, na Avenida Presidente Vargas, nº 1.900, Centro do Rio, ele, conduzindo uma camionete de carga, proibida de trafegar nessa via entre seis e dez horas matutinas atropelou dolosamente André de Araújo; guarda municipal, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Consta que aquele supôs estar sendo multado pela vítima; o que provocou sua atitude. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Ao depois, foi concedida liberdade provisória, com a expedição do Alvará de Soltura. Nas razões do recurso, a Defensoria Pública, que assiste o acusado, argumenta que o referido guarda se colocou na frente do veículo, de forma a intimidar o condutor; que o próprio agente público disse que o auto fosse dirigido em baixíssima velocidade; que se o acusado quisesse matar aquele, não teria agido com as cautelas tomadas; que isso ficou claro nos depoimentos coligidos; que o semáforo estava fechado; que a desclassificação para o delito de lesão corporal culposa se faz necessária, com fincas no artigo 419 do Digesto de Ritos. Contrarrazões apresentadas pela Promotoria de Justiça no prestígio do julgado guerreado. Houve mantença na sede de retratação. Nesta Superior Instância, a Procuradoria de Justiça posiciona-se pelo desprovimento recursal.
O Recurso é tempestivo, atendendo aos outros requisitos legais. RELATADOS, PASSA-SE AO VOTO. De proêmio, salienta-se que a decisão de pronúncia não se confunde com a de condenação. Consiste a mesma em um juízo de admissibilidade da última, ou delibação. Na etapa atinente, eventual quadro dubitativo não beneficia a defesa, mas por contrário, a acusação pública. Isso em nada afronta o princípio constitucional da presunção de inocência, cuja cognição concerne ao final julgamento, este, por seu turno, na competência, também constitucional, dos representantes da sociedade, nas respostas aos quesitos que lhes sejam formulados, orientando o decreto de absolvição ou de condenação, a ser proferido pelo magistrado togado, presidente do conselho. Dispensa-se maior dissertação a propósito, bem como transcrição de abundante doutrina, e jurisprudência, na esteira. Resumindo-se o inquisitório, tem-se que aos 18 de abril de 2012, por volta das nove horas da manhã, na Avenida Presidente Vargas, na altura da Central do Brasil, o guarda municipal MAX REGO DA SILVA deu voz de prisão ao acusado porque ele, conduzindo uma caminhonete, do Campo de Santana até a referida Central, atropelou um guarda municipal, cujo corpo girou pela frente do veículo e caiu no solo; que o dito motorista tentou resistir e foi imobilizado; que o outro guarda, ANDRÉ LUIZ GREGÓRIO, repetiu a versão do colega, aduzindo que a vítima se achava estirada no asfalto, meio tonta; que o guarda vitimado disse que no exato momento em que anotava os dados de um ônibus que avançou o sinal, percebeu um caminhão/furgão, da empresa Alsco Toalheiro Brasil Ltda., vindo da Praça da República, trafegando irregularmente naquela movimentada artéria, onde é proibido o trânsito de veículos de carga entre 06.00 horas e 10.00 horas; que seu motorista, abordado com educação, foi solicitado a mostrar os documentos, e foi advertido de que estivesse cometendo infração; que o mesmo, vendo o depoente tomar notas, proferiu a expressão pode jogar no bicho, e não cumpriu a ordem; que o depoente se postou à frente do furgão, ocasião em que o ora apelante o acelerou e disse sai da frente que eu vou te matar, e vou passar por cima de você ; que o depoente se esquivou, mas foi atingido com violência, caindo ao chão; que ficou tonto pelos ferimentos e foi socorrido pelo colega GREGÓRIO; que outros colegas perseguiram e alcançaram JOSÉ ADEMIR; que este se negou a sair do veículo, tendo que ser retirado; que o depoente se dirigiu a um hospital municipal; que o Tenente Coronel do Exército, DANTE VIEGAS, se prontificando a depor, disse que seu furgão estava no local, e que presenciou o réu ofender o guarda, e ainda acelerar o caminhão e atropelar o agente, quando o último anotava a placa; que para o depoente, o ora recorrente agiu de forma fria e calculada (sic.); que o ajudante do furgão, FABRÍCIO DE FREITAS, disse estar no banco do carona, e ter assistido ao condutor mandar o agente jogar no bicho quando a placa foi anotada, e ainda, o motorista ter acelerado, atropelando o guarda; ainda, que o réu respondeu com a palavra vou à pergunta do guarda se
ele o atropelaria; também, que o réu tentou resistir à detenção pelos outros guardas. Foram juntados documentos de trabalho do então indiciado, e de residência na Gávea, e de nascimento de filhos. No processo propriamente dito, positiva-se que o referido guarda vitimado; conforme boletim de atendimento de unidade de saúde pública; sofreu contusão na região parietal, e escoriação na mão direita, sem ferimentos de maior gravidade; que na instrução, DANTE VIEGAS reiterou o anterior depoimento, por completo; que o guarda vitimado também o fez, aduzindo que sofreu arranhões e dor de cabeça, tendo sido medicado no Hospital Souza Aguiar; que não se submeteu ao exame de corpo de delito porque não quis; que voltou a trabalhar no dia seguinte; que MAX REGO e ANDRÉ GREGÓRIO, colegas da vítima, também o fizeram, aduzindo o primeiro que o réu foi por eles abordado a uma distância aproximada de 50 metros, e o segundo, que não ouviu discussão entre réu e vítima; que FABRÍCIO DE FREITAS procedeu por igual, aduzindo que trabalhava com o acusado por menos de 10 dias, e que o último acelerou gradualmente, não tendo atropelado o guarda em alta velocidade. Por fim, no interrogatório, o ora apelante optou pelo silêncio constitucional. Ora, tal conjunto, dentro do comentado acima sobre a natureza das decisões de pronúncia, faz concluir no acerto do julgado guerreado, da lavra do ínclito Juiz FÁBIO UCHÔA PINTO DE MIRANDA MONTENEGRO. Todavia, não na integralidade, com vênias à brilhante Procuradora de Justiça MARIA TERESA DE ANDRADE RAMOS FERRAZ. Em verdade, os elementos coligidos sinalizam a figura do dolo eventual, não a do dolo direto, na assunção, pelo autor, do risco de pôr fim à vida do integrante da Guarda Municipal Carioca. Caberá aos juízes populares, quando do final julgamento, o confirmarem, por positivo ou negativo; talvez, no repute da culpa consciente. Entretanto, na etapa vertente, quadros de dúvida acarretam o abono da pretensão punitiva, com vistas à cognição aperfeiçoada do Conselho de Sentença; e não da resistência à mesma. Aliás, a denúncia expressou a majorante do motivo fútil ; mas, por equívoco, ou erro material, referenciou o inciso I, do artigo 121, 2º, do Código Penal, que diz respeito ao motivo torpe ; este; nada tendo a ver com aquele. O que dispensa análise doutrinária ou pretoriana. E o Magistrado Singular, pela mesma erronia, embasou o Decisório, a propósito, no referido inciso I, quando o certo seria o inciso II, agregado a um aditamento, ou retificação, da peça vestibular. Logo, não há que prevalecer a qualificadora; respondendo o réu, no referido Conselho de Sentença, por tentativa de homicídio simples, ao teor do artigo 121, caput, conjugado ao artigo 14, II, da Lei Substantiva Genérica. Lamenta-se, respeitosamente, a omissão da defesa técnica e do Parquet em ambos os graus, em atinência.
Assim considerando, dá-se provimento parcial ao recurso. Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2015. Des. LUIZ FELIPE HADDAD Relator