A IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO DO TIPO ERP E AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO: evidências empíricas



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0 A IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO DO TIPO ERP E AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO: evidências empíricas Elizabeth Castelo-Branco 1 Raquel Viana Gondim 2 Francisco Roberto F. Guimarães Jr. 3 Resumo: O objetivo desta pesquisa é entender as transformações no processo de trabalho e suas repercussões junto aos trabalhadores de uma indústria localizada na Região Nordeste, à implementação de sistema de informação do tipo ERP. Utilizou-se o processo de associação de idéias e a metodologia é do tipo exploratória e survey. Para coleta de dados empregou-se questionário semi-estruturado. Para tratamento dos dados foi aplicada a análise fatorial. Os resultados sugerem que, para esses trabalhadores, predomina a visão reducionista, determinística e instrumental à utilização do sistema; e a renúncia do diálogo entre conhecer o seu instrumento de trabalho e o próprio instrumento. Palavras-chave: Trabalho, sistema integrado, sustentabilidade. Abstract: The objective of this inquiry is to understand the transformations in the process of work and his repercussions at the workers of an industry located in the Northeast Region, to the implementation of system of information of the type ERP. There was used the ideas association process and the methodology is of the type exploratory and survey. For collection of data semi-structured questionnaire was employed. For treatment of the data was applied the fatorial analysis. The results suggest what, for these workers, predominates the vision reducionist, determinístic and instrumental to the use of the system; and the resignation of the dialog between knowing his tool and the instrument itself. Key words: Work, integrated system, sustainability. 1 Arquiteta. UECE. E-mail: elizabethbranco@secrel.com.br 2 Professora. UECE /UFC. E-mail: raquelgondim@hotmail.com 3 Doutorando. UFPE. E-mail: rguimaraesjr@gmail.com

1 INTRODUÇÃO As organizações adotam, cada vez mais, tecnologias de informação na busca de produtividade e eficácia. Essas tecnologias requerem das pessoas que as utilizam uma gama de competências específicas, além de provocarem profundas mudanças nos processos de trabalho. São mudanças, em ritmo acelerado, provocadas nos indivíduos, nos grupos, nas lideranças, nos processos e no conhecimento técnico que exigem novos perfis profissionais e não há tempo para avaliar a adoção dessas tecnologias quanto aos custos e aos benefícios financeiros, humanos e sociais. O objetivo desta pesquisa é entender o processo de associação de idéias, por parte dos trabalhadores de uma indústria alimentícia de médio porte situada na região Nordeste, à implementação de sistemas de informação do tipo Enterprise Resource Planning (ERP). Muito pouco se tem pesquisado sobre as mudanças percebidas pelas pessoas que trabalham em empresas que implementam mudanças nas sistemáticas de trabalho que visam integrar as várias áreas da organização. Esse processo de mudança tem tido como suporte sistemas de informação, desenvolvidos a partir de um padrão para determinados segmentos e projetados para contemplar as particularidades dos processos de cada empresa. A fase de implementação dos sistemas integrados de gestão merece ser investigada, assim como os fatores que a afetam, pois é nessa fase que ocorre o primeiro contato formalizado dos funcionários com o sistema. 1 Trabalho, significado do trabalho e tecnologia De acordo com Lobato (2004, p. 1-2), o trabalho humano [...] é gerador de objetos, relações de produção, estratégias de sobrevivência, [...], e, nesta concepção, ao trabalho é atribuído significado, conferindo identidade e sentido ao homem. O conceito de significado do trabalho, sistematizado pelo Meaning of Working International Research Team (MOW), que nos anos 80 conduziu uma pesquisa em oito países, envolve três grandes domínios: a centralidade do trabalho, os resultados e objetivos valorizados do trabalho e as normas societais do trabalho. Ressalta-se, neste artigo, a centralidade do trabalho que representa o grau de importância geral que o trabalho possui na vida do trabalhador (BASTOS; PINHO; COSTA, 1995, p. 23). Segundo o MOW, a centralidade do trabalho define-se como uma crença geral acerca do valor do trabalho na vida do indivíduo, constituindo-se de dois componentes teóricos: (a) valorativo, o trabalho como o papel desempenhado na vida; (b) orientação para decisão sobre as esferas de vida preferidas (MOW, 1987 apud BASTOS;

2 PINHO; COSTA, 1995, p. 23). Nessa perspectiva, a introdução da tecnologia tem representado um aspecto significativo de modificação na organização do trabalho, gerando mudanças paradigmáticas nas práticas administrativas, ao longo da história (BETZ; KEYS; KHALIL; SMITH, 1997). Consideradas em conjunto, essas mudanças tecnológicas, em produtos e processos, vêem, na lógica do capitalismo, para contribuir com o aumento da produtividade nas organizações, constituindo-se em instrumento para viabilização do sistema de controle, pelo capital, sobre o processo de trabalho, em geral e sobre o trabalhador, em particular (FARIA, 2004a, p. 57). Os trabalhadores, de maneira gradual, desde o modelo artesanal de produção, onde tinham total autonomia sobre o conteúdo de seus trabalhos, aos modelos tayloristas e fordistas, vêem perdendo esse controle; é a apropriação do controle do trabalho, pelo capital, retirando-o das mãos do trabalhador (FARIA, 2004b, p. 210). Os trabalhadores tendem a aceitar esta situação como natural, concebendo-se como colaboradores que devem realizar suas tarefas como lhes é determinado (FARIA, 2004c, p. 65). Esse alheamento do trabalhador para com o conteúdo de seu trabalho pode afetar sua subjetividade, causando-lhe sofrimento e alterações nas relações psicossociais que ocorrem nas organizações (FARIA, 2004c), observados, também, nos estudos do MOW (1987) sobre o trabalho humano como objeto definidor da identidade e fundador da forma de se posicionar e de se validar na sociedade (ARENDT, 1981 apud LOBATO, 2004). 2 Sistemas de informação, sistemas de informação integrados - tecnologia e controle Adotando a caracterização de Faria (2004a), entende-se por tecnologia a integração entre tecnologia física e de gestão. Tecnologia física, por definição, é o agregado de máquinas, equipamentos, peças, instalações e métodos, geralmente informacionais, utilizados direta ou indiretamente no processo produtivo (FARIA, 2004a, p. 56), e tecnologia de gestão compreende as técnicas desenvolvidas para racionalização do trabalho, numa visão processual e metodizada. Com o avanço da Tecnologia da Informação (TI), fomentou-se, nas empresas, o uso de sistemas computacionais como suporte às suas atividades. De uma maneira geral, vários sistemas são desenvolvidos para atender a requisitos específicos das diversas unidades de negócio das empresas. A informação se apresenta nesse ambiente de maneira fragmentada, dificultando a obtenção de informações consolidadas, podendo ocasionar inconsistência nos dados, uma vez que estão armazenados em mais de um sistema

3 (PITASSI; LEITÃO, 2002). Sistema de informação em TI pode ser definido como um conjunto de componentes (hardware, software, banco de dados, telecomunicações, rede, internet, pessoas e procedimentos) que se inter-relacionam com o propósito de coletar, manipular, processar e disseminar dados e informações, além de fornecer mecanismo de feedback, visando ao atendimento dos objetivos organizacionais (STAIR; REYNOLDS, 2002). Segundo Laudon e Laudon (2001), um sistema de informação além de dar suporte ao processo de tomada de decisões e controlar a organização, pode contribuir na análise de problemas, visualização de assuntos complexos e criação de novos produtos. Para Davis e Olson (1985 apud CLEGG; HARDY; NORD, 2004, p. 320), sistemas de informação constituem-se em um conjunto de subsistemas responsáveis pela execução de funções específicas de processamento de informação, processamento da transação, apoio ao sistema de informação e controle operacional, apoio ao sistema de informação e controle gerencial e apoio ao sistema de informação de planejamento estratégico. A partir da década de 1990, com a evolução do uso da TI nas organizações, surgiu um modelo específico de sistemas, o sistema de informação integrado, denominado, inicialmente, pelo Gartner Group como ERP (Enterprise Resource Planning). Este tipo de sistema é composto por um conjunto de atividades executadas por um software multimodular, utilizado em conjunto por membros de diferentes departamentos de uma mesma organização, cujas funcionalidades suportam as atividades dos diversos processos de negócio das empresas (SOUZA, 2000; TEIXERA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2003), tendo como proposta o apoio à tomada de decisão e resolução dos desafios empresariais por meio da integração dos processos de negócios em uma única arquitetura integrada de informação disponível, automaticamente, a todos que dela dependam ((AUDY; ANDRADE; CIDRAL, 2005, p. 25). A idéia central do modelo é o controle total sobre todas as operações das organizações (SOUZA, 2000), que Faria (2004a), distingue como ampliação do controle sobre o processo de trabalho, por parte do capital; e de sua abrangência física, podendo estar com muitos representantes do capital, dentro das organizações. 3 Implementação de ERP e mudanças na organização A introdução e os avanços da TI levaram as organizações a se defrontarem com variadas mudanças. Percebe-se que as preocupações em torno dessas mudanças

4 organizacionais são encaradas sob a ótica da razão instrumental e pelo paradigma funcionalista (NEGROPONTE, 1995 apud PITASSI; LEITÃO, 2002), onde as transformações superficiais de estrutura, comportamento e processos são mais relevantes que a complexidade das questões que envolvem a implementação de um sistema de informação. Essas transformações podem acarretar para as organizações produtivas, a deformação da natureza da informação, da linguagem e da comunicação (PITASSI; LEITÃO, 2002). A relação determinística de que o desenvolvimento da tecnologia, por si só, é capaz de transformar o modelo de gestão das organizações pressupõe uma visão reducionista e equivocada dos gestores sobre a responsabilidade das organizações pela produção de um bem-estar social (PITASSI; LEITÃO, 2002, p. 78). Para Davenport e Prusak (1998), a introdução de um sistema integrado de gestão em uma organização implica em mudanças nos processos e na cultura da organização em relação à informação que é compreendida como o padrão de comportamento e atitudes que expressam a orientação informacional de uma empresa (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p. 110). Na perspectiva de uma gestão em TI, o sujeito, na apreensão de uma nova realidade, está em interação dialética com outros sujeitos e com aquilo a ser conhecido, no caso, o ERP (LEFEBVRE, 1979 apud PITASSI; LEITÃO, 2002). Sob tal aspecto, as mudanças possibilitadas por TI devem ser orientadas pela razão substantiva voltada a entender a natureza e o ser humano, sendo, portanto, crítica (PITASSI; LEITÃO, 2002). É da relação dialética entre o sujeito que elabora o pensamento e o objeto a ser apreendido, que à TI será dada a condição de atuar responsavelmente a serviço da organização e da sociedade, utilizando-se do conhecimento acumulado da humanidade e, não limitada a uma capacidade de coleta, armazenamento, interpretação e compartilhamento de informações (PITASSI; LEITÃO, 2002; AUDY; ANDRADE; CIDRAL, 2005). 4 Metodologia da Pesquisa A metodologia desse trabalho é do tipo exploratória e visa proporcionar uma visão geral do objeto de estudo (GIL, 1999). Quanto aos procedimentos é do tipo survey, na qual os investigadores [...] coletam seus dados através de respostas a questões predeterminadas feitas a maioria ou a todos os sujeitos de pesquisa (RIGSBY, 1987, p. 49). O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário semi-estruturado, com perguntas abertas e fechadas. O questionário é compreendido por três partes. A primeira, por meio de questões fechadas, propõe um gradiente, na percepção dos trabalhadores, da relação que 127 palavras ou expressões, extraídas da literatura, têm com

5 o sistema; a segunda, composta de questões abertas, visa à apreensão dos dez constructos que mais se relacionam com o sistema e os dez menos relacionados, além de abrir um espaço para, se necessário, o respondente acrescentar palavras ou expressões que não aparecem na lista, mas que, na sua visão, relacionam-se com a implementação do sistema; e a terceira, é formada por perguntas visando traçar um perfil dos respondentes. O tratamento dos dados foi elaborado com a análise fatorial, estatística multivariada para redução e sumarização de dados, que compõe o conjunto de métodos estatísticos para estudar as relações de interdependência que existem entre um conjunto de variáveis ou indivíduos (AAKER; KUMAR; DAY, 2004). Pode haver um grande número de variáveis, sendo a maioria delas correlacionadas, e que devem ser reduzidas a um nível gerenciável. Com a análise fatorial, estudaram-se as relações entre as variáveis da pesquisa, representando-as em termos de fatores fundamentais (HAIR JR. et al, 2005). Esta pesquisa teve como critério de amostragem a seleção por conveniência, na qual os elementos da população são selecionados conforme a sua disponibilidade para o estudo, ou por conveniência do pesquisador (CORRAR; TEÓPHILO, 2004). 5 Análise dos dados e interpretação dos resultados A principal estatística a ser observada na análise fatorial é o índice de Kaiser-Meyer- Olkin (KMO), para avaliação de sua adequacidade. Tabela 1 Medida de adequacidade e teste de esfericidade KMO e teste de esfericidade de Bartlett Medida de adequacidade de Kaiser-Meyer-Olkin 0,610141 Teste de Qui-quadrado 332,586 esfericidade Grau de liberdade 210 de Bartlett Sig. 1,42E-07 Fonte: Cálculo dos autores. A análise fatorial é apropriada se 0,5 KMO 1,0. Observa-se, também, o teste de esfericidade de Bartlett, para examinar a hipótese de as variáveis serem correlacionadas na população, ou seja, verificar a inexistência de multicolinearidade. A análise deste teste se dá por meio do valor da significância (Sig.) que é apropriada quando menor que 0,05 (HAIR JR. et al, 2005). Os resultados demonstram que a análise fatorial está adequada e confiável (Tabela 1). Confirmada a adequacidade e a significância da análise fatorial, a próxima etapa é a identificação, análise e interpretação dos fatores extraídos. Ao todo foram extraídos 14 fatores, que explicam 75% da variância total. A Tabela 2 apresenta os fatores extraídos com as respectivas variáveis explicativas e cargas fatoriais que orientam a análise e

6 interpretação dos fatores. Tabela 2 Fatores extraídos através da análise fatorial FATORES EXTRAÍDOS 1 Eficiência no Trabalho 2 Trabalho em Equipe 3 Retorno do Invest. em TI DINAMICIDADE 0,885200 COOPERAÇÃO 0,775008 VEICULO COMUNIC. 0,865953 SISTEMA 0,850287 SOLUÇÃO 0,749955 RED. BARREIRAS 0,813474 VELOCIDADE 0,806605 MODELO 0,636382 MELH. CONTÍNUA 0,807634 TRABALHO 0,731879 RELACIONAMENTO 0,626338 VANT. COMPETIT. 0,795589 REESTRUTURAÇÃO 0,712887 INFORMAÇÃO 0,609855 BENEFÍCIO 0,625810 4 Conformação no trabalho 5 Conflito de Interesses 6 Eficiência da Informação STRESS 0,756299 PROMESSA 0,739309 EFICIÊNCIA 0,816788 DESGASTE 0,743733 IMPREVISIBILIDADE 0,706227 USABILIDADE 0,659151 SACRIFÍCIO 0,721573 ACOMODAÇÃO 0,664926 DEMOC. INFORM. 0,653046 PRISÃO 0,678326 COMODIDADE 0,661432 INSTRUMENTO 0,594030 TURBULÊNCIA 0,677789 INCERTEZA 0,568491 PROJEÇÃO 0,567763 7 Eficácia do Sistema 8 Lucro e Controle 9 Sublimação CICLO 0,692350 AGREG. VALOR 0,709035 CONFORTO 0,750592 VARIEDADE 0,673226 MONITORAMENTO 0,667736 AGENTE 0,692842 LIB. PESSOAS 0,615281 COMPLEXIDADE 0,630312 NECESSIDADE 0,670434 ELEMENTO 0,578892 REDUÇ. DE CUSTO 0,541591 ADOÇÃO 0,654783 SIMPLICIDADE 0,534095 INSTRUMENTO 0,536340 ABERTURA 0,415142 10 Espraiamento do Controle 11 Mudança Organizacional 12 Sofrimento no Trabalho FLEXIBILIDADE 0,691233 INTEGRAÇÃO 0,753908 OPRESSÃO 0,732455 FACILIDADE 0,608266 INOVAÇÃO 0,749570 INEFICIÊNCIA 0,658521 MANIPULAÇÃO 0,568209 DIALOGO 0,633306 FRUSTRAÇÃO 0,449230 APRENDIZAGEM 0,557482 REVOLUÇÃO 0,483489 INTIMIDAÇÃO 0,433337 SIMPLICIDADE 0,467578 ESTABILIDADE 0,465438 LIMITAÇÃO 0,425523 13 Instituição de Novo Padrão 14 Controle PADRONIZAÇÃO 0,610534 CONFIABILIDADE 0,781972 VINCULO 0,556401 PARTICIPAÇÃO 0,382305 MÉTODO 0,518148 AUTONOMIA 0,379403 PADRÃO 0,415074 REGRAS 0,331993 NOVAS IDÉIAS 0,338456 ESTABILIDADE 0,330909 Fonte: Cálculo dos autores. Os nomes atribuídos aos fatores foram sugeridos pelos autores, interpretando o significado dos cinco constructos que compõem cada fator. Observa-se que, de acordo com o agrupamento das variáveis e pela compreensão qualitativa das relações sugeridas por estes 14 fatores, um reagrupamento destes em cinco grupos de categorias parece emergir. Para esses trabalhadores, os fatores que emergiram indicam que a implementação do ERP possibilitou uma melhoria qualitativa no desempenho de suas atividades, a qual foi identificada com o surgimento dos fatores: (1) Eficiência no trabalho; (2) Trabalho em equipe; (6) Eficiência da informação. Um segundo grupo, formado pelos fatores (3) Retorno do investimento em TI e (7) Eficácia do sistema, sugere que, para esses trabalhadores, o ERP é, também, eficaz e justifica-se como investimento em TI. Um terceiro grupo de fatores sugere a emergência da categoria controle, podendo significar que para os trabalhadores o ERP amplia as possibilidades de controle dos gestores, mas também, os trabalhadores podem controlar uns aos outros, no desenvolvimento de suas atividades, aumentando a

7 confiança interna no trabalho, o que sugere o valor da carga da variável confiabilidade. Esta percepção se deu pela observação dos fatores: (8) Lucro e controle; (10) Espraiamento do controle; (14) Controle. Um quarto grupo de fatores parece sugerir a ocorrência de um processo de aculturação dos funcionários, percebido através dos fatores (11) Mudança organizacional e (13) Instituição de novos padrões, pois estes indicam o surgimento de novas rotinas aplicadas no desempenho das atividades com o apoio do ERP, representadas pelas variáveis: integração, inovação, padronização, vínculo, método e padrão. Os fatores relacionados no quinto grupo sugerem a emergência da categoria Sofrimento no Trabalho, percebida pelos fatores: (4) Conformação no trabalho; (5) Conflito de interesses; (9) Sublimação e (12) Sofrimento no trabalho. Comparando esta análise com as respostas abertas do segundo grupo de questões do questionário, verifica-se que o ERP, quando de sua implementação na empresa, transforma seu âmago, uma vez que o sistema, segundo os funcionários, agrega valor ao trabalho e às pessoas. Estas assertivas parecem ir ao encontro do que afirma Orlikowski (1992 apud CLEGG; HARDY; NORD, 2004, p. 326), sobre a personalização assumida pela tecnologia: a tecnologia é produto da ação humana [...] mas, uma vez desenvolvida e desdobrada, a tecnologia tende a se tornar personalizada e institucionalizada, perdendo sua conexão com os agentes humanos que a construíram e lhe conferiram significado. 6 Considerações finais Da análise fatorial das respostas dos questionários emergiram 14 fatores. Estes foram agrupados em cinco grupos afins. A partir de uma visão macro destes cinco grupos, pode-se sintetizá-los em dois grandes grupos por assuntos relacionados. No primeiro, formado pela união dos grupos 1, 2 e 3, estão relacionados os fatores que representam a posição do indivíduo na perspectiva do alinhamento estratégico da organização em relação ao ERP. Idéias como o retorno do investimento, lucro, controle da informação e do trabalho, eficácia e eficiência do sistema demonstram que há o predomínio da visão reducionista, determinística e instrumental quanto à utilização do sistema pelos trabalhadores. O segundo grande grupo, composto pelos grupos 4 e 5, apresenta os fatores relacionados ao impacto percebido pelos trabalhadores quanto à nova ferramenta de trabalho. Estes parecem demonstrar uma passiva compreensão da necessidade do controle da informação para o seu bem-estar e o da organização. A mudança ocorrida com a implementação do ERP converge a uma questão de adaptação. Assim, os fatores do

8 segundo grupo sugerem que o indivíduo, no processo de adaptação à TI, renuncie a seu diálogo dialético (LEFEBVRE, 1979 apud PITASSI; LEITÃO, 2002) entre o processo de conhecer o seu instrumento de trabalho e o próprio instrumento. O comportamento dos trabalhadores se modifica para se adequar à expectativa da organização, onde a aceitação do ERP representa uma pseudo-garantia da empregabilidade no mercado. A crença de que o ERP implantado é a solução redentora dos problemas da empresa pode ser representada nos conflitos entre os objetivos dos indivíduos e os da empresa sugerindo que a conformação, o sofrimento e a sublimação do trabalho no espaço produtivo são sentimentos camuflados no discurso organizacional. Visto que a TI é amplamente acessível, de fácil replicação e adaptação e, no que se refere ao capital humano, recurso que gera valor agregado, estes sistemas não permitem uma resposta que direcione valor de longo prazo, então, como as empresas podem manter vantagem competitiva e duradoura embasada nessa tecnologia? Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas com o objetivo de identificar quais os direcionadores de valor das empresas e como os sistemas ERP podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento desses direcionadores. Referências AAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, G. S. Pesquisa de Marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. AUDY, J. L. N.; ANDRADE G. K.; CIDRAL, A. Fundamentos de sistemas de informação. Porto Alegre: Bookman, 2005. BASTOS, A.; PINHO, A.; COSTA, C. Significado do trabalho: um estudo entre trabalhadores inseridos em organizações formais. RAE. Vol. 35, n. 6, p. 20-29, São Paulo: FGV, 1995. BETZ, F.; KEYS, K.; KHALIL, T.; SMITH, R. O fator tecnológico. HSM. Vol. 5, ano 1, n. 1, SP: Savana, 1997. CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. Handbook de estudos organizacionais. Vol. 3, SP: Atlas, 2004. CORRAR, L. J.; TEÓPHILO, C. R. Pesquisa Operacional para decisão em contabilidade e administração: contabilometria. São Paulo: Atlas, 2004. DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998. FARIA, J. H. Economia política do poder. Vol. 1. Curitiba: Juruá, 2004a.. Economia política do poder. Vol. 2. Curitiba: Juruá, 2004b.. Economia política do poder. Vol. 3. Curitiba: Juruá, 2004c. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. HAIR JR., J. F.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L.; BLACK, W. C. Análise multivariada de dados. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. LAUDON, K; LAUDON, J. Gerenciamento de sistemas de informação. 3. ed. RJ: LTC, 2002. LOBATO, S. Trabalho: meio de vida, meio de morte. II Encontro da ANPPAS. Indaiatuba, 2004. MOW. Meaning of Working International Research Team. London: Academic Press, 1987. PITASSI, C.; LEITÃO, S. P. Tecnologia de informação e mudança: uma abordagem crítica. RAE. Vol. 42, n. 2, p. 77-87. São Paulo: FGV, 2002.

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