DESEMPENHO DA MEMÓRIA DE CURTO PRAZO EM CRIANÇAS COM SEQUELAS DE PARALISIA CEREBRAL Patrícia Cardoso Garbus Psicóloga Secretaria Municipal de Educação de Pinhais psicogarbus@hotmail.com RESUMO O presente artigo aborda o tema memória em uma clientela específica: alunos de uma escola especial de Curitiba com sequelas neuromotoras decorrentes de Paralisia Cerebral. Tais alunos apresentavam comprometimento motor, mental leve e/ou discreto atraso cognitivo e se encontravam incluídos nos programas de Educação Fundamental alfabetização e/ou Educação de Jovens e Adultos, de acordo com a idade cronológica. O trabalho desenvolvido na escola é composto por acompanhamento pedagógico e atendimento clínico. O acompanhamento pedagógico está embasado na proposta sócio-interacionista e as professoras atendiam em média sete alunos por turma. A equipe multidisciplinar, que realizava o atendimento clínico, era composta por psicólogas, fisioterapeutas, fonoaudiólogas e terapeutas ocupacionais. Os alunos recebiam atendimento individual, no mesmo período em que frequentam o acompanhamento pedagógico. Alguns alunos também recebiam atendimento de reeducação visual, musicoterapia e serviço social. O objetivo de tal pesquisa foi avaliar o desempenho da memória operacional visual e auditiva em tal clientela. Para o desenvolvimento da pesquisa foram selecionados e na sequência aplicados dois testes específicos e informais que consistiam em uma sequência de figuras e de palavras, previamente selecionadas, que foram repetidas em séries. A testagem foi aplicada em dez alunos com idade cronológica entre onze e dezoito anos. Cada aluno foi submetido a dez repetições e eram orientados a repetir a sequência, conforme era apresentada. Com a análise dos resultados obtidos, verificou-se que houve um melhor desempenho global na memória imediata visual em comparação com a memória auditiva. Por outro lado, não foram constatadas quaisquer relações do desempenho alcançado com o déficit intelectual leve ou moderado, ou mesmo o grau do comprometimento motor ou da definição de lateralidade. Após a compilação de todos os resultados encontraram-se evidências da ocorrência do mecanismo de plasticidade cerebral, pois mesmo estes alunos que apresentam lesões neurológicas consideradas graves quanto às estruturas cerebrais realizaram a tarefa proposta. Palavras-Chave: Memória. Paralisia Cerebral. Plasticidade. 1
1. INTRODUÇÃO O tema que será apresentado neste artigo surgiu a partir do interesse pelo funcionamento da memória em sujeitos com sequelas de Paralisia Cerebral e a relação existente entre déficits nesta função e os processos de aprendizagem A pesquisa foi desenvolvida em uma escola de educação especial, tal instituição era mantida por uma associação filantrópica que estabelecia convênios com as secretarias estaduais de saúde e educação. A associação mantenedora era dirigida por pais de alunos e de ex-alunos da escola. A instituição tem como clientela indivíduos com múltiplas deficiências que apresentam comprometimento motor, sendo os diagnósticos variados, como por exemplo: encefalopatia crônica não-evolutiva, síndromes, mielomeningocele, hidrocefalia, encefalocele, entre outros. A escola divide-se em duas unidades, situadas em bairros residencial e central de Curitiba, sendo que na sub-sede atende crianças de zero a quatorze anos e na sede alunos de quinze a trinta e cinco anos. O trabalho desenvolvido na escola era composto por acompanhamento pedagógico e atendimento clínico. O acompanhamento pedagógico era embasado na proposta sóciointeracionista. As professoras regentes são responsáveis por salas de aula com uma média de sete alunos. O ensalamento era realizado a partir das idades cronológicas e do programa mais adequado às necessidades do aluno. Os programas ofertados eram: estimulação essencial, educação infantil, educação fundamental alfabetização, educação fundamental alternativo oficinas terapêuticas e profissionalizante e educação de jovens e adultos. O atendimento clínico era realizado por uma equipe multidisciplinar composta de psicólogas, fisioterapeutas, fonoaudiólogas e terapeutas ocupacionais, os alunos eram atendidos individualmente, no mesmo período em que frequentavam a escola e com uma frequência de acordo com a necessidade e a demanda da instituição. Além disso, era oferecido atendimento de reeducação visual, musicoterapia e serviço social. Todos os profissionais que atuavam na instituição envolviam-se com a tecnologia assistiva visando adaptações para melhorar a qualidade de vida e a realização das atividades diárias dos alunos. 2
A clientela escolhida para ser desenvolvida a pesquisa apresentada neste artigo foram alunos com sequelas de Paralisia Cerebral com comprometimento motor, mental leve e/ou discreto atraso cognitivo, os quais estavam incluídos nos programas de Educação fundamental alfabetização e/ou Educação de jovens e adultos, de acordo com a idade cronológica O objetivo inicial da pesquisa foi avaliar como o funcionamento da memória de trabalho influenciava no processo de leitura em alunos com sequelas de Paralisia Cerebral para o desenvolvimento de estratégias de intervenção que poderiam ser utilizadas para aperfeiçoar o desenvolvimento da aprendizagem. Através do contato com a clientela escolhida observaram-se, em alguns dos alunos atendidos, as defasagens na memória a curto e a longo prazo e déficits significativos na atenção sustentada. A partir da análise destes fatores, realizou-se uma avaliação do desempenho da memória a curto prazo, especificamente da memória de trabalho. 2. PARALISIA CEREBRAL Os quadros de alterações neurológicas decorrentes de lesões congênitas são em geral denominados de encefalopatias não progressivas ou Paralisia Cerebral (Mello, 2005, p.224). A Encefalopatia crônica não evolutiva, ou seja, Paralisia Cerebral é uma patologia que não tem cura e o tratamento realizado visa à estimulação global dos aspectos que se encontram em defasagem e das funções mentais, sendo em relação ao desenvolvimento emocional, social, cognitivo e da linguagem; e a prevenção de deformidades e reabilitação motora em relação ao desenvolvimento motor. O tratamento é considerado um processo de reabilitação. As manifestações das sequelas na Paralisia Cerebral são diversas, dependendo da localização das lesões e áreas do cérebro que foram afetadas. Os sujeitos podem manifestar somente problemas motores e o funcionamento cognitivo ser preservado. Pode afetar juntamente o desenvolvimento motor e mental, sendo em grau leve, moderado, grave e profundo, e pode ser caracterizado como múltipla deficiência afetando o funcionamento mental, motor, visual e auditivo. Tais dados foram colhidos a partir do contato com a clientela e com a equipe multiprofissional que trabalhava na instituição. 3
Andrade, citada em Mello (2005) aponta que no caso de lesões cerebrais, o prognóstico dependerá da causa da lesão, sua gravidade e localização. Existem diversas causas para as lesões cerebrais infantis, segundo Rett (1996) uma forma de classificar tais lesões é de acordo com o momento suposto da formação dessas perturbações, quanto a esta classificação para explicar a etiologia, são apontadas: lesões antes do parto, lesões perinatais, e lesões após o período neonatal. Para classificar os tipos de Paralisia Cerebral, cita-se Lefèvre (1980) onde descreve que os quadros clínicos subdividem-se em três formas principais: espástica, atetóide e atáxica. O mesmo autor ainda aponta que esta subdivisão classifica o tipo clínico ou tipo de alteração do movimento dos membros de cada indivíduo. De acordo com Miller (2002) as síndromes espásticas podem ser simétricas ou assimétricas, e podem comprometer as pernas, somente três membros ou apenas um membro, de qualquer lado do corpo e, além disso, apresentam características de síndromes do neurônio motor superior. As Paralisias Cerebrais dos tipos atetóide e atáxica não serão discutidas, pois os dez sujeitos que participaram desta pesquisa tinham diferenças quanto ao comprometimento motor, como por exemplo, diplegia, hemiplegia e quadriplegia, mas todos sendo do tipo espástica. Miller (2002) aponta que as Paralisias Cerebrais, embora caracterizadas por disfunções motoras, são normalmente acompanhadas por outros distúrbios da função cerebral, destacam-se, entre eles anomalias cognitivas, visuais, auditivas, linguísticas, sensitivas corticais, de atenção, vigilância e comportamento. Outro fator importante é a ocorrência de crises convulsivas, segundo Assencio-Ferreira (2005) a epilepsia, (...), não é uma doença, mas sim um sintoma associado à grande número de acometimentos cerebrais como tumores, mal formações encefálicas (...). No tratamento dos sujeitos com Paralisia Cerebral sugere-se uma equipe formada por neuropediatra, ortopedista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas e professores especializados. Segundo Lefèvre (1980) tal equipe deve cuidar do paciente durante muitos 4
anos, senão durante toda a vida e terá como um dos objetivos colocar o paciente em condições de se integrar na sociedade. Em alguns casos se faz necessário também a intervenção de um tratamento medicamentoso. Para Russman citado por Miller e Clark (2002) os programas de neurorreabilitação em pacientes diagnosticados por Paralisia Cerebral devem dar ênfase à maximização da função sem perder de vista os limites já conhecidos do paciente. 2.1. MEMÓRIA E APRENDIZAGEM O enfoque desta pesquisa foi direcionado ao funcionamento da memória numa clientela específica: alunos de escola especial, diagnosticados com sequelas de Paralisia Cerebral. Visto que a memória está vinculada ao desenvolvimento da aprendizagem surgiu o interesse em investigar se havia déficits em tal funcionamento e a influência nas aquisições de aprendizagens formais e informais, destes alunos. Existe uma relação direta entre a aprendizagem e a memória, de acordo com Bear (2002, p.740) cita que aprendizado é a aquisição de novas informações ou novos conhecimentos. Memória é a retenção da informação aprendida. Segundo Izquierdo (2002, p.9) memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de informações. A aquisição é também chamada de aprendizagem: só se grava aquilo que foi aprendido. A evocação é também chamada de recordação, recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos aquilo que foi aprendido. A memória pode ser subdividida quanto ao conteúdo: explícita e implícita; e quanto ao tempo: curto prazo e longo prazo. Segundo Malloy-Diniz (2010) a memória explicita está relacionada à capacidade de armazenamento e recordação consciente de experiências anteriores (o quê) e apresenta relação anatômica e de funcionamento diferente da memória implícita (como). As memórias de longo prazo ou remotas podem ser armazenadas por semanas, meses ou anos e a memória de curta duração pode durar de segundos a horas. Luria (1980) afirma que a memória humana é uma complexa atividade cognitiva, que transcorre em uma série de etapas sucessivas e que consiste na inclusão progressiva do material em um complexo sistema de relações. 5
Nesta pesquisa será discutida a memória curto prazo e mais especificamente a memória operacional ou de trabalho, as avaliações enfocaram o desempenho na memória auditiva e visual. Andrade (2004, p.138) cita Baddeley que explica este tipo de memória como: (...). O termo memória operacional implica num sistema para a manutenção temporária e manipulação de informação durante o desempenho de uma série de tarefas cognitivas, como compreensão, aprendizagem e raciocínio. (Baddeley, 1986, p.33-34). Outra explicação da memória operacional é apresentada por Malloy- Diniz (2010) que aponta que este tipo de memória é um sistema responsável pelo arquivamento temporário de qualquer informação e auxiliam para que operações mentais se realizem no mesmo período de tempo, ou seja, a memória operacional permite que uma informação seja armazenada enquanto se realiza uma tarefa cognitiva simultânea ou uma operação similar. Quanto às estruturas cerebrais envolvidas com a memória Machado (2006) aponta que o hipocampo é formado de um tipo de córtex muito antigo e faz parte do sistema límbico, tendo importantes funções psíquicas relacionadas com o comportamento e a memória. Segundo Baddeley (2008) a memória de trabalho localiza-se, sobretudo no córtex dos lobos frontal e parietal. O mesmo autor aponta que estudos de imagiologia cerebral identificaram que é comum as memórias serem lateralizadas para o lobo frontal e parietal do lado esquerdo onde interagem com redes neuronais envolvidas no planejamento, fala e tomada de decisão. Cabe salientar que é essencial uma boa memória de trabalho para a execução destas funções. Andrade (2004) cita Baddeley que propõe um modelo de organização da memória de trabalho como um sistema tripartido de armazenamento, constituído de um controlador atencional - executivo central e dois subsistemas especializados em processar e manipular pequenas quantidades de informações sendo eles: a alça fonológica baseada na representação e recitação de um material verbal e o esboço visuoespacial relacionado às propriedades visuais e espaciais dos objetos. Para a memória de trabalho se tornar uma memória de longo prazo alguns fatores estão envolvidos, por exemplo, o significado afetivo que é dado à mesma. Machado (2006, p. 283) aponta que a memória recente depende do 6
sistema límbico, que está envolvido nos processos de retenção e consolidação de informações novas e possivelmente também em seu armazenamento temporário e transferência para as áreas neocorticais de associação para armazenamento permanente. Segundo Luria (1980) é por meio da codificação que se realiza a passagem da memória de curto prazo para a memória de longo prazo a qual do ponto de vista psicológico deve ser compreendida como um complexo processo cognitivo, que se realiza em um alto nível e que inclui uma série de operações lógicas. Para que uma tarefa qualquer relacionadas às aprendizagens formais passe pela memória de curto prazo e venha a se tornar uma memória de longo prazo é preciso que tenha algum significado motivador além da integridade de algumas áreas neocorticais. 2.2. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Para o desenvolvimento deste projeto foram utilizados os conceitos da neuropsicologia, conforme apontado por Luria (1981, p.4) é um ramo novo da ciência cujo objetivo específico e peculiar é a investigação do papel de sistemas cerebrais individuais em formas complexas de atividade mental. De acordo com Cunha (2000), a avaliação neuropsicológica é uma avaliação psicológica complexa que exige do profissional fundamentação em psicologia clínica e psicometria e o conhecimento do sistema nervoso e de suas patologias. Segundo Miranda in Andrade (2004, p.222) a avaliação neuropsicológica na criança objetiva pelo menos três momentos: o diagnóstico, o prognóstico e a reabilitação. De acordo com a definição de Lefèvre in Andrade (2004, p.249) a avaliação neuropsicológica na criança requer instrumentos específicos e métodos de exame clínico que possam abranger a avaliação das funções cognitivas (atenção, memória, praxias motoras e ideatórias, linguagem, percepção, visuo-construção e funções executivas). 7
3. METODOLOGIA Para o desenvolvimento deste artigo, inicialmente, foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica acerca dos instrumentos existentes para avaliar a memória de curto prazo, com os quais fosse possível dar um enfoque neuropsicológico na avaliação dos resultados do desempenho da memória de trabalho na clientela escolhida. Neste levantamento dos instrumentos foi necessário observar quais eram as formas de aplicação e quais materiais eram exigidos para a utilização do recurso, pois devido ao comprometimento motor (quadriplegia, hemiplegia e diplegia espástica) que a clientela apresentava, havia propostas que não poderiam ser utilizadas, como por exemplo, responder através de desenhos e/ou escrita. Desta forma alguns instrumentos precisaram ser descartados e outros adaptados para que atendessem às necessidades da pesquisa. Após leitura e tradução das propostas de avaliação descritas por Luria, foi escolhida a sugestão para verificar a memória visual e auditiva imediata, a partir da repetição de uma sequência de figuras e palavras pré-estabelecidas, seria verificado se a quantidade de elementos memorizados iria aumentar com as repetições, seria observado o mínimo e o máximo de elementos memorizados e ao final seria feita uma comparação dos desempenhos. Foram selecionadas doze palavras e doze figuras, todas sendo substantivos comuns, o critério para a escolha das figuras e palavras foi, somente, que fizessem parte do cotidiano dos sujeitos avaliados. Para esta seleção foi necessário conhecer um pouco a realidade de cada aluno, ou seja, como eram suas rotinas, momentos de lazer, condição sociocultural, relações familiares, entre outros dados do cotidiano. Para a confecção das figuras utilizou-se o recurso do Board Maker (editor de prancha, usado na Comunicação Alternativa), as gravuras foram impressas em quadrados de oito centímetros e todas coloridas. Na figura 1, logo abaixo, apresenta-se o material utilizado na avaliação da memória imediata visual. As figuras foram apresentadas na mesma ordem em cada repetição e da mesma forma para todos os alunos avaliados, sendo elas: cadeira, árvore, casa, óculos, computador, relógio, cavalo, tênis, ônibus, carro, banana e cachorro. 8
Figura 1. Gravuras apresentadas para avaliação da memória visual A sequência de palavras utilizada na avaliação da memória auditiva foi relatada na mesma ordem em cada repetição e também da mesma forma para todos os alunos, as palavras foram: escola, gato, mesa, agulha, pão, cruz, telefone, bola, rádio, boneca, elefante e sol. Para coleta dos dados foi elaborado um protocolo visando à organização e posterior visualização dos resultados obtidos, contendo a ordem de apresentação das figuras e palavras, desempenho em cada repetição, dados de identificação do sujeito, como data de nascimento, diagnóstico clínico, dominância lateral e outras observações relevantes. Os sujeitos avaliados frequentavam uma escola especial, num programa de escolaridade compatível com ensino fundamental, séries iniciais (1ª a 4ª série), com idade cronológica entre onze e dezoito anos. Foram escolhidos para a testagem dez sujeitos com diagnóstico de encefalopatia crônica não evolutiva, todos apresentando sequelas motoras e déficits intelectuais (leve ou moderado). Todos os alunos utilizavam a oralidade como forma de comunicação, sendo este um dos critérios para que pudessem participar da avaliação, pois os resultados foram registrados de acordo com suas respostas orais frente às apresentações dos materiais, ou seja, o desempenho na memória de trabalho foi verificado através de tais respostas. A testagem foi realizada individualmente, em dois encontros de trinta minutos. Na primeira sessão foi avaliada a memória auditiva, onde a sequência de palavras foi repetida por dez vezes e os alunos relatavam quais palavras eram memorizadas em cada repetição, tais respostas eram registradas no protocolo que foi elaborado. Na segunda sessão avaliou-se a memória visual, as fichas com as figuras escolhidas foram apresentadas dez vezes e em cada apresentação era 9
solicitado que o sujeito relatasse quais figuras haviam sido memorizadas. Os resultados obtidos foram registrados num protocolo próprio, o mesmo procedimento foi seguido para memória auditiva. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da compilação dos resultados não foi possível destacar uma relação direta quanto ao desempenho na memória de trabalho e o déficit intelectual, visto que alunos com déficit intelectual considerado leve obtiveram resultados semelhantes e até mesmo inferiores do que os considerados com deficiência moderada. Cabe ressaltar que em pacientes que apresentam lesões cerebrais os processos da memória podem estar funcionando adequadamente, este dado pode ser confirmado em Jaffard (2005, p.6) onde afirma que (...) lesões cerebrais localizadas alteram algumas aptidões mnemônicas, deixando outras intactas. Da mesma forma não foi encontrado, nesta amostra, uma relação direta do desempenho da memória em um dos aspectos avaliados (visual ou auditivo) com a dominância lateral ou mesmo com o quadro motor (diplegia, hemiplegia ou quadriplegia). Observaram-se alguns fatores externos que influenciaram negativamente nos desempenhos dos alunos nas avaliações de memória, foram eles: estado emocional, interesse no material apresentado, imaturidade e interferências durante a aplicação causando alterações na atenção. Nahas (apud Mello, 2005), afirma que a eficiência de uma atividade específica depende de fatores como motivação, atenção e experiência prévia. Constatou-se uma diferença no desempenho dos meninos e das meninas onde elas alcançaram melhores resultados na memória imediata visual e eles na auditiva. No resultado geral para a quantidade de elementos memorizados, foi verificado desempenho mais alto na tarefa de memória visual do que na de memória auditiva, conforme apresentado no gráfico a seguir. Sendo assim, aponta-se que frente ao processo de desenvolvimento da alça fonológica destacou-se melhor resultado no material recebido por via indireta, ou seja, exposição visual. De acordo com Santos, citada por Andrade (2004) o 10
armazenador fonológico recebe informação tanto por via direta (apresentação auditiva) quanto por via indireta (apresentação visual). Comparação desempenho global 8 7 6 7,58 Visual 6,77 Auditivo Tabela 1. Desempenho total nas tarefas auditiva e visual As lesões cerebrais comprometem o funcionamento cerebral, tanto em relação ao quadro motor, como quanto ao nível intelectual, mas o grau deste comprometimento é muito difícil de precisar. De acordo com Mello (2006) os tipos de sequelas, sejam sensoriais, motoras e cognitivas, associadas a lesões congênitas dependem da localização e extensão dos danos no sistema nervoso. Acredita-se que os alunos que participaram desta amostragem iniciaram seus tratamentos de reabilitação precocemente, isto pode ter favorecido os mecanismos de reorganização cerebral, resultando na ocorrência de processos de neuroplasticidade. Para Mello (2006) a qualidade e quantidade de estimulação adequada, em especial durante os primeiros anos de vida, têm papel fundamental na evolução das crianças com lesões e favorecem os mecanismos de plasticidade. A neuroplasticidade pode ocorrer com a estimulação e provoca mudanças nas funções e estruturas cerebrais. Muszkat (2006, p.29) aponta uma definição de plasticidade: A plasticidade cerebral pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso, que ocorre em qualquer fase da ontogenia como função de interações com o meio ambiente interno e externo, ou ainda como resultante de lesões que afetam o ambiente neural. Com os resultados obtidos e levando em consideração os diversos tipos de lesões que a clientela submetida a esta pesquisa possui, pode-se sugerir a ocorrência do processo de neuroplasticidade, o que pode vir a justificar os bons desempenhos na avaliação da memória imediata. 11
Um exemplo evidente do que está sendo apontado é o caso de um dos alunos avaliados (masculino, 11 anos, déficit intelectual leve, diplegia espástica), pois em sua ressonância cerebral foi constatado que havia uma fenda no hemisfério cerebral esquerdo, região fronto-têmporo-parietal, ocasionando uma redução do volume dos giros corticais. De acordo com Fonseca (1995) o lóbulo temporal esquerdo é uma das áreas responsáveis pela memória verbal auditiva. Ou seja, mesmo com o comprometimento existente tal aluno foi capaz de realizar a tarefa com um desempenho médio, comparado aos outros alunos. Aos profissionais que atuam no processo de reabilitação com alunos diagnosticados com Paralisia Cerebral devem ter em mente que a estimulação deve ocorrer o mais precocemente possível e acreditar que mesmo em caso de lesões graves pode haver a possibilidade das funções mentais evoluírem e alcançarem funcionamentos adequados. O estudo realizado teve uma amostragem reduzida, seria interessante realizar uma pesquisa mais aprofundada do desempenho das funções mentais e não somente da memória operacional, além disso, relacionar a localização das lesões com os resultados alcançados em cada função. Sugere-se também, como forma de pesquisa, um acompanhamento através da observação de ressonâncias visando verificar o resultado das estimulações no que se refere à plasticidade cerebral. REFERÊNCIAS ANDRADE, Vivian M.; SANTOS, Flavia H.; BUENO, Orlando F. A. Neuropsicologia hoje. (orgs). São Paulo: Artes Médicas, 2004 ASSENCIO-FERREIRA, Vicente José. O que todo professor precisa saber sobre neurologia. São José dos Campos: Pulso, 2005 BADDELEY, Allan. Aprendizagem e memória. Disponível em: <http://www.anato.ufrj.br/material/neuroibro11aprendizagemmemoria.pdf>. Acesso em: 02 de abril 2008. BEAR, Mark F. Neurociências: desvendando o sistema nervoso / Mark F. Bear; Barry W. Connors e Michael A. Paradiso; Coord. Trad. Jorge A Quillfeldt...[et al.] 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2002 12
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