O BRASIL NO MUNDO PÓS-CRISE #



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Transcrição:

O BRASIL NO MUNDO PÓS-CRISE # José Augusto Guilhon Albuquerque * O título desta apresentação deveria ser: missão impossível. Falar sobre o Brasil no mundo pós-crise em 12 minutos implicaria falar sobre a crise, que ninguém sabe como irá ainda se desenvolver, sobre o fim da crise, que ninguém sabe se está por vir, e finalmente sobre o mundo pós-crise, cuja natureza certamente dependerá da resposta dada às duas perguntas anteriores. E aí sim, poderíamos começar a falar sobre o Brasil. Bom, não daria sequer para enunciar o problema. Para encurtar uma longa história, digamos que o mundo pós-crise será provavelmente o Século da Ásia, só se discute se esse Século da Ásia será, simultaneamente, ainda o Século da América, e se a Ásia deste Século resultará de um soft landing ou de um hard landing da economia chinesa. A única certeza que podemos ter é de que não será o Século da América do Sul. Isto porque, quando falamos em Século da Ásia, estamos falando não apenas da China, mas da ascensão simultânea como potências financeiras, industriais, potências do conhecimento, de países como a Coréia do Sul, Singapura, Indonésia e do potencial de ascensão de países como a Tailândia, a Malásia, o Vietnã, além da Índia, é claro. Mas sem o reconhecimento universal da ascensão da China como Grande Potência e futura potência global, a Ásia não ocuparia o lugar que hoje ocupa nas relações internacionais e nos estudos estratégicos. # Texto apresentado no Seminário O Brasil em meio às Transformações do Cenário Internacional, organizado pela Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Primeira Sessão, Contexto Internacional Um Mundo em Transição, São Paulo, 3 de agosto de 2012. * Coordenador de Projetos do Grupo de Estudos Brasil-China, Centro de Estudos Avançados, UNICAMP e Diretor da Sobeet

E se a China ocupa esse lugar é porque se preparou longa e conscientemente para isso, aprendendo com os países bem sucedidos amigos ou inimigos mas sem seguir nenhuma cartilha e reinventando, sempre que necessário, sua própria trajetória. Agora: se sabemos que este Século não será da América do Sul é porque sabemos que o Brasil não se preparou para ser uma Grande Potência, e menos ainda para ser uma potência global. A China, desde que abandonou o isolacionismo, a rejeição ao sistema internacional, a concepção das relações internacionais como um jogo de soma zero, no qual seu único trunfo seria a combinação entre a extensão do território, o volume da população chinesa e sua enorme resistência ao sofrimento, isto é, após o final da era Mao, manteve um perfil modesto e de absoluto respeito às regras do jogo em todas as instituições em que julgou necessário participar. Empenhou-se em obter a estabilidade em suas fronteiras, resolvendo todos os conflitos territoriais por meio de mútuas concessões. Estabeleceu acordos de comércio com os países de sua região, em seguida criou uma extensa rede de investimentos diretos e de ajudas externas na África, depois no Oriente Médio e na América Latina. Os vinte anos de negociações para seu ingresso no GATT, que a impediram de ser membro fundador da OMC, não constituíram uma exceção, mas seguiram um padrão: a negociação foi precedida de declarações peremptórias de que seriam estabelecidas em pé de igualdade e sem ameaça de uso da força, para benefício mútuo e sem qualquer pretensão de liderança mas, ao contrário, com espírito de colaboração para o bem público. O novo membro comportou-se no início como observador, aprendendo e respeitando as regras do jogo, até ter seu domínio dos assuntos e das regras suficientemente reconhecido para participar mais ativamente.

Tanto no tratamento dado aos vizinhos, como nas relações comerciais e de investimento, e no ingresso em instituições internacionais, teve imensa cautela para não confirmar os temores de que não respeitaria as regras do jogo e imporia sua própria vontade. Desde a era Mao, os comunistas chineses tinham consciência de que devido a diferendos seculares com seus vizinhos e ao temor provocado por seu próprio capital humano, territorial e de homens em armas não conseguiriam construir a rede de satélites com que a antiga União Soviética se armou para enfrentar os Estados Unidos e, em conseqüência, optou por contar exclusivamente com suas próprias forças e a não se confrontar com os americanos nem ameaçálo em seus interesses vitais. Com a reforma e abertura da era Deng Xiaoping, e sobretudo com o governo Hu Jintao, passou a apostar no desenvolvimento de soft power e na absoluta desideologização de suas relações bilaterais, o que permitiu sua fantástica ascensão na América Latina, onde compete abertamente com os Estados Unidos, sem parecer confrontá-lo. Hoje, creio que é razoável perguntar quem tem o maior potencial de influência na América Latina: os Estados Unidos, o Brasil ou a China? Eu não teria dúvidas em avançar a hipótese de que a China estabeleceu laços bilaterais decisivos com governos de países-chave em nosso continente, como o México, o Chile, a Venezuela, o Peru e a Argentina, o que lhe permite proteger seus interesses melhor do que o Brasil, com todas as concessões unilaterais, afagos e rapapés em dez anos de diplomacia da era Lula. Mas nosso país não se preparou nem se está preparando para ser uma Grande Potência, porque, entre outras coisas, pensa que já é. Nem se preparou, nem se está preparando para a crise porque, entre outras coisas, pensa que não é problema nosso, e vem jogando fora, lenta e

inexoravelmente, todaa a preparação que foi feita ao longo da década de 90. Vou tentar, nos minutos que me restam, enunciar alguns casos que mostram a distância abismal entre o comportamento dos governos dos dois países. 1. Nas questões de comércio e finanças internacionais. A quebra da Europa afetaria o mundo e principalmente a China, por isso a China quer ajudar a Europa, o Brasil quer culpar a Europa. A China precisou convencer o Brasil a cumprir a promessa de contribuir para o fundo de emergência do FMI, na última reunião do Brics durante a Cúpula do G-20 financeiro em Los Cabos, porque a Dilma se recusava a fazê-lo. A China criou uma rede de acordos de comércio em todos os continentes, e o Brasil participa deliberadamente da liquidação da única área de livre comércio de que faz parte. 2. Nas questões de segurança internacional, o Brasil se confronta sistematicamente com os Estados Unidos e com as potências ocidentais, em questões em que a China também mantém divergências. Mas, para o governo chinês como para o governo russo é vital impedir a legitimação, pela ONU, de qualquer intervenção contra sublevações internas que esses governos considerem terroristas, como manifestações nacionalistas, étnicas ou separatistas. O governo militar tinha suas razões para se opor a ingerências externas em questões de direitos humanos e de repressão violenta contra a oposição. Mas a diplomacia da era Lula não tem nenhuma razão plausível para manter a política de olhos fechados contra governos que desrespeitam sistematicamente o direito de oposição.

3. Na ação bilateral e multilateral. O contraste entre o perfil modesto e a ação cautelosa dos chineses e a jactância da era Lula pode resumirse em uma palavra: protagonismo. O governo brasileiro vem arrotando liderança e se comportando nos países pobres como um senhor de engenho distribuindo mimos para os seus afilhados. Mas não consegue evitar um golpe de Estado no seu próprio quintal, mesmo tendo todos os elementos de inteligência nas mãos, como agora sabemos que tinha, porque foram fornecidos a tempo pela Abin e pelo Itamaraty. Mas, como vários vazamentos de assessores diretos da Presidente deram a entender, estavam esperando um levante popular para salvar o governo Lugo. Contudo, ainda resta uma esperança: que a crise dure o suficiente para que o governo Dilma aprenda alguma coisa de útil com os chineses.