UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ



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Transcrição:

1. Título: O Efeito da Autonomia Burocrática sobre o Compliance dos Países Tomadores de Empréstimos: uma análise comparada entre Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial 2. Resumo: O presente projeto tem como objetivo avaliar o efeito da autonomia burocrática sobre o compliance dos países tomadores de empréstimos às regras secundárias (condicionalidades) das instituições financeiras internacionais (FMI e Banco Mundial). Sustentamos que as instituições financeiras internacionais passaram por um processo de delegação de autoridade das grandes potências em direção às burocracias institucionais cujos efeitos podem ter afetado os níveis de compliance dos países tomadores de empréstimos às condicionalidades desses empréstimos. Em nossa hipótese exploratória sustentamos que quanto menor o nível de autonomia burocrática da instituição financeira internacional, menor será o compliance dos tomadores de empréstimos. 3. Introdução e Apresentação do Objeto: O presente projeto pretende fazer a seguinte avaliação: qual o efeito do nível de autonomia burocrática 1 de uma organização internacional sobre o compliance 2 de seus Estados membros? É possível sustentar que alguns tipos de 1 Para Carpenter a autonomia burocrática existe quando uma agência mantém padrões de ações consistentes com seus desejos, padrões estes que não são fiscalizados ou revertidos pelos políticos, interesses organizados ou cortes (CARPENTER, 2001). No caso deste projeto, são os Estados que não conseguem reverter os desejos da burocracia. 2 O compliance às regras internacionais ocorre quando o comportamento de um ator cumpre as prescrições comportamentais da instituição, ao passo que o non compliance ocorre quando o comportamento foge à prescrição. Isso é diferente de implementação do tratado ou eficiência do regime (goal attainment e problem solving) (YOUNG, 1979). 1

instituições internacionais, notadamente aquelas altamente burocratizadas 3, podem gerar efeitos 4 mais positivos para os países tomadores de empréstimos, afetando assim o nível de compliance? Mais precisamente, o compliance às regras institucionais por parte dos países tomadores de empréstimos pode ser afetado pelo grau de autonomia burocrática dessas organizações? Geralmente, as organizações internacionais são enquadradas no pressuposto da teoria institucionalista segundo o qual todos os países membros de uma organização estão em uma situação melhor (better off) dentro da instituição do que fora dela. Os países aderem às organizações internacionais porque enxergam nelas ganhos maiores do que ficar fora dela (KEOHANE, 1984; KEOHANE e MARTIN, 1995, 2003). Mas será realmente verdade no caso dos países tomadores de empréstimos do Banco Mundial e FMI? Os países tomadores de empréstimos são sempre beneficiados por essas organizações? Durante os anos 80 e 90 o debate em relações internacionais esteve centrado na influência das instituições internacionais sobre o comportamento estatal. Os institucionalistas buscavam demonstrar que as instituições são fundamentais na formatação da conduta dos Estados porque criam um ambiente informacional e distributivo que favorece a cooperação e ganhos mais próximos à fronteira paretiana (KRASNER, 1982; KEOHANE, 1984). O diagnóstico era de que as instituições têm papel relevante no comportamento dos atores na arena internacional. Já os realistas e neo realistas sustentavam que as instituições nada mais são que meras extensões das estruturas internas dos Estados mais poderosos. Isto é, elas são sustentadas pelos interesses e poder das grandes potências e devem 3 Instituição internacional é diferente de organização internacional. As internacionais são um conjunto de normas, regras e procedimentos de tomada de decisões sobre determinada área temática das relações internacionais. As organizações são quando essas instituições tem um corpo burocrático para apoiá la. Assim, toda organização é uma instituição, mas nem toda instituição é uma organização. 4 A agenda de pesquisa voltada aos efeitos das instituições internacionais é extensa. Temas como compliance e eficiência das instituições são amplamente debatidos. Sobre compliance vide SLAUGTHER e RAUSTIALA, 2002; SIMMONS, 2000; e CHAYES e CHAYES, 1993. Sobre eficiência vide YOUNG, 2005. 2

ser encaradas como epifenômenos que pouco influenciam a conduta dos atores (WALTZ, 2002 e MEARSHEIMER, 1995). O debate era restrito a uma dicotomia célebre: as instituições importam ou não importam nas relações internacionais. Naquele momento todos os esforços da agenda institucionalista estavam preocupados em responder à crítica realista no sentido de tentar provar a importância das instituições. Contudo, pouca atenção foi dada aos efeitos reais desses arranjos sobre os padrões de comportamento dos países membros. Pouca pesquisa dava conta, por exemplo, da questão do compliance às regras internacionais ou da eficiência das instituições na solução dos problemas para os quais foram criadas. De acordo com Martin e Simmons, o objetivo da agenda dos anos 80 e 90 sempre foi explicar a própria existência das instituições e não seus impactos concretos sobre a ação estatal no plano internacional (MARTIN e SIMMONS, 1998: 743). Isso não significa, contudo, que a agenda institucionalista nada disse sobre os efeitos institucionais sobre o comportamento estatal. Pelo contrário, o conhecimento convencional da teoria funcionalista, base teórica dos institucionalistas, sempre observou os efeitos como causa central da própria existência das instituições. Os Estados criam as instituições internacionais porque antecipam os efeitos positivos que elas provavelmente proporcionarão no futuro 5. No caso dos países menos poderosos, Milner argumenta que as instituições internacionais têm uma função adicional à antecipação de efeitos positivos: o 5 KRASNER, 1983; HASENCLEVER, MAYER e RITTBERGER, 1997; STEIN, 1983; KEOHANE, 1984; KEOHANE e MARTIN, 2003; KEOHANE, 2002. Keohane esboçou algumas idéias gerais nesse sentido. Segundo o autor, as instituições reduzem os custos de transação das barganhas legítimas dentro das regras e aumentam os custos das ilegítimas fora das regras. Elas propiciam ganhos de escala mais altos para os governos, pois uma vez a instituição estabelecida os custos marginais de lidar com cada questão adicional diminuem, favorecendo novos acordos. Ato contínuo, as instituições resolvem problemas de informação assimétrica porque criam ambientes informacionais propícios ao aumento dos ganhos via a cooperação. A informação se torna importante porque favorece um conhecimento mais preciso sobre o posicionamento futuro dos demais países (KEOHANE, 1984: 87 94). 3

controle das grandes potências. Uma vez as regras estabelecidas e mantidas, ocorrem constrangimentos às ações unilaterais daqueles que têm mais poder. As instituições favorecem também a reciprocidade entre as partes, abrindo espaços para as barganhas dentro de um ambiente estável de regras, o que no limite favorece os países menos poderosos. Assim, a teoria institucionalista diz que todos os Estados estão em uma situação melhor (better off) com as instituições do que o contrário (MILNER, 2005: 14 26). A criação de instituições internacionais é algo positivo aos países menos poderosos. Nesse projeto, extrapolamos esta visão para os tomadores de empréstimos das organizações financeiras internacionais. Mesmo após a crise financeira de 2008 a maioria dos tomadores de empréstimos no FMI e Banco Mundial continuam a ser os países em desenvolvimento ou países desenvolvidos de pequena escala econômica. Segundo a visão geral dos institucionalistas, os países tomadores de empréstimos prefeririam receber empréstimos com condicionalidades ainda que negativas porque eles estariam em uma situação melhor com os empréstimos do que viver em um mundo sem as OI s financeiras. Algumas evidências mais recentes, contudo, têm demonstrado que as instituições internacionais não têm sido tão benéficas para os países em desenvolvimento ou tomadores de empréstimos. É cada vez maior a crítica às condicionalidades dos empréstimos de FMI e Banco Mundial 6. Como a própria manutenção e legitimidade dessas instituições dependem da aceitação de suas regras por todos os Estados, os países tomadores de empéstimos, em especial os países em desenvolvimento, aumentaram as críticas e demandas por reformas 6 A literatura sobre as condicionalidades e seus impactos no crescimento econômico e soberania dos países é imensa. As condicionalidades parecem ser o tema mais controverso do FMI e Banco Mundial. BIRD, 1995; VREELAND, 2003 e 2007; PREWORSKI e VREELAND, 2000; GOULD, 2003a e 2003b; POLAK, 1991; BABB e BURIA, 2005 e GOLD, 1970. 4

institucionais que os favorecesse, caso contrário não mais seguiriam as prescrições comportamentais 7. Com efeito, talvez um olhar mais próximo mostre que as instituições estão distantes dos objetivos de eficiência paretiana e informacional da agenda institucionalista. Conforme colocaram Barnett e Finnemore, muitas instituições podem exercer um poder autônomo e diferente daquilo que os Estados que as criaram previam (BARNETT e FINNEMORE, 1999). Isto é, algumas instituições começaram a gerar interesses próprios e diferentes dos interesses das grandes potências e, sobretudo, dos pequenos países. Com o passar do tempo, elas começaram a se tornar atores semi independentes devido a um forte processo de delegação de autoridade e insulamento da burocracia 8. Os países ricos começaram a delegar a operação da governança institucional a um número crescente de burocratas. Do ponto de vista teórico, a autonomização das instituições questiona o pressuposto inicial de antecipação dos resultados dos institucionalistas. Instituições mais autônomas podem não mais responder ao arranjo inicial de ganhos firmado entre Estados que as criaram. Assim, acreditamos que seja possível analisar algumas instituições internacionais, notadamente aquelas com grande número de burocratas, como um corpo de regras cujos efeitos podem ser alterados não apenas pela ação dos Estados fundantes e/ou mantenedores (grandes potências), mas também pelo exercício de uma ação autônoma de seus burocratas ou adjudicadores. Soma se a isso o fato de que tais interesses semi autônomos talvez não sejam tão positivos assim a todos os países membros, especialmente para os menos poderosos (GUIMARÃES, 2012). 7 Sobre crises de representação das OI s financeiras e reformas nas cotas vide SCHOLTE, 1998; PINCUS e WINTERS, 2002; BUIRA, 2003; MOMANI, 2007; BATISTA Jr., 2009 e WOODS, 2000 e 2001. 8 HAWKINS et al, 2006; NIELSON e TIERNEY, 2003; GUIMARÃES, 2012; KEOHANE et al, 2001; KEOHANE e MARTIN, 2003; VAUBEL, 1996 e 2006. 5

Dessa forma, argumentamos que o pressuposto de antecipação dos efeitos institucionais sustentado pela teoria institucionalista consegue explicar a criação e manutenção das instituições, mas não explica satisfatoriamente como essas mesmas instituições começam a gerar resultados diferentes do previsto com o passar do tempo e, em alguns casos, ainda mais ineficientes e distantes daqueles previsto na sua fundação. Acreditamos que, possivelmente, o efeito mais imediato desse processo de insulamento da burocracia acontece sobre o compliance às regras secundárias (empréstimos) das organizações por parte dos países mais prejudicados. Isto é, à medida que as instituições financeiras internacionais começaram a gerar resultados negativos para alguns países, a aceitação das regras institucionais pode ter sido afetada. Fica difícil seguir normas comportamentais que invariavelmente trazem resultados políticos ou econômicos negativos. E fica mais fácil seguí los se os resultados forem positivos. Argumentamos, portanto, que a autonomização da organização pode gerar resultados menos eficientes, exatamente porque estão relacionados à consecução de interesses da própria organização e não dos Estados membros, embora muitas vezes haja complementaridade entre os interesses dos Estados poderosos e da organização 9. Mas um ponto é certo: não é possível pensar as instituições internacionais apenas como um conjunto de regras, normas e princípios sujeitos à constante alteração de interesses e distribuição de poder entre os grandes. Deve se pensá las também como agentes de interesse próprio, embora não totalmente independentes. 9 Dessa maneira podemos argumentar: por que os Estados não se retiram de instituições que geram resultados cada vez mais destoantes de seus interesses? O argumento mais singelo diria que os Estados continuam a ver a organização como melhor meio de se alcançar resultados melhores a despeito dos resultados ineficientes. Mas é possível pensarmos que os Estados não mais conseguem desestruturar organizações internacionais mesmo que produzam resultados ineficientes exatamente porque estas geram dinâmicas e interesses próprios que as mantém funcionando no tempo. Contudo, estas são idéias ainda incipientes. 6

Assim, as colocações acima nos remetem à seguinte pergunta de pesquisa: o autonomização burocrática das organizações financeiras internacionais propiciam resultados negativos (sub ótimos) ou positivos para os países tomadores de empéstimos? Em outras palavras, o compliance dos países em desenvolvimento às regras das instituições é afetado negativamente ou positivamente pelo nível de autonomização da organização? Sugerimos como hipótese de pesquisa que a autonomização resultante da delegação de autoridade pode ter gerado uma dinâmica própria com interesses semi autônomos que, a depender do nível, dificultou a influência dos tomadores de empréstimos no processo decisório e, por conseqüência, em eventuais mudanças de regras secundárias que porventura os favorecessem. Pode ter ocorrido um processo de autonomização das burocracias, gerando resultados sub ótimos para os tomadores de empréstimos, dificultando o compliance às regras prescritas de comportamento. Sustentar esta hipótese passa pela avaliação comparada de dois casos sugeridos: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. É importante salientarmos, contudo, que há uma seleção de viés na escolha dos casos. As duas instituições possuem corpos burocráticos consideráveis e regras operativas relativamente abrangentes no que diz respeito a como os Estados membros devem se comportar na arena internacional. Mas há diferenças entre esses níveis de autonomização (GUIMARÃES, 2012). A bibliografia especializada atribui o compliance às regras financeiras a outros fatores que não a autonomização. Em importante estudo sobre o FMI, Simmons argumenta que o comprometimento ao artigo VIII da instituição é o modo pelo qual os governos procuram melhorar sua credibilidade junto aos mercados que duvidam de sua habilidade ou vontade de manter as contas correntes livres e em ordem no futuro (SIMMONS, 2000: 821). Para a autora o compliance é market enforced e tem a ver, sobretudo, com a questão da 7

credibilidade. Não acatar as condicionalidades do Fundo faz o país perder muito no futuro. Thacker e Vreeland et al sustentam que bons empréstimos do FMI e as ameaças institucionais de retaliação por non compliance dependem não da questão da credibilidade como quer Simmons, mas sim da aliança ou não com os EUA em outros organizações internacionais. Após estabelecer uma relação entre os empréstimos do Fundo e votações centrais nas no CSNU, os autores demonstram que aqueles países aliados aos EUA dentro da ONU recebem empréstimos mais positivos e menos ameaças de retaliações por non compliance do FMI (THACKER, 1999; VREELAND et al, 2009). Assim, o compliance estaria ligado aos ganhos, mas principalmente a uma aliança política com os EUA. Por fim, Vreeland sustenta que a adesão às regras dos empréstimos do Fundo também depende do número de veto players domésticos. Os efeitos desses veto players dependerá, contudo, da aliança ou não com os EUA nas Nações Unidas (o trabalho de Thacker é utilizado na análise). Mesmo que haja muitos veto players domésticos, o que em si dificultaria a adesão a regras que exigem profundas policies changes, será a aliança com os EUA que determinará a força das ameaças de non compliance por parte do FMI. Se o país for aliado dos EUA as ameaças não serão críveis e os veto players domésticos não terão efeito. De modo geral, contudo, a visão é de que os empréstimos servem para vencer resistências internas a reformas impopulares no caso de países não alinhados dos EUA (VREELAND, 2005: 27). Já no caso do Banco Mundial a literatura indica que esta influência dos EUA tem um grau menor sobre o compliance. Embora alguns autores indiquem uma correlação entre o assento de determinado país em desenvolvimento no Conselho de Segurança da ONU e um maior direcionamento dos empréstimos do Banco Mundial para este país, o valor dos empréstimos não é afetado. A organização tem um controle maior sobre os valores e a periodicidade dos empréstimos a serem realizados. A especulação sobre a razão desta diferença seria a forte capacidade de autofinanciamento (capitalização no mercado privado) do Banco Mundial e sua 8

menor dependência dos aportes dos países ricos 10. Se essa diferença nos efeitos sobre o compliance entre as duas organizações é afetada pelo nível de autonomização da buroacracia é algo ainda a ser explorado. Tendo em vista estes trabalhos, localizamos uma lacuna na litaratura sobre complicance, qual seja, é posível avaliar o efeito dos níveis de autonomização burocrática sobre o compliance? As hipóteses que buscamos tentar são as seguintes: H1. Quanto maior o nível de autonomia burocrática da organização financeira internacional, ceteris paribus, maiores serão os níveis de compliance dos países tomadores de empréstimos. H2. Quanto menor o nível de autonomia burocrática da organização financeira internacional, ceteris paribus, menores serão os níveis de compliance dos países tomadores de empréstimos. 4. Metodologia: De modo geral, esse trabalho utilizará o método da diferença para avaliar o processo de autonomização das OI s financeiras. A questão chave nesse método é encontrar os casos mais similares pela variável independente, mas que diferem na variável dependente. Como é difícil encontrar casos desse tipo, o desafio é demonstrar que diferença no valor da variável independente entre os dois casos pode explicar a diferença na variável dependente. Nesse contexto, serão analisadas as regras secundárias das instituições (empréstimos). Isto é, aquelas regras oriundas do processo de tomada decisões. Todos os países são membros dessas instituições e, portanto, estão sujeitos às regras de fundação (regras primárias). Como nossa preocupação de pesquisa tem a ver com o efeito da autonomia sobre o compliance, abordaremos apenas os 10 DREHER, STURN e VREELAND, 2009a. 9

empréstimos (regras secundárias) financeiros solicitados pelos países em desenvolvimento nas das organizações durante determinado período de tempo. A pesquisa será time series e cross section. Utilizaremos a bibliografia secundária que trata do tema da autonomia das burocracias (CARPENTER, 2001a, 2001b, STIGLITZ, 2002; BIRDSALL, 2002 e VAUBEL 1996, etc.) e levantaremos os dados estatísticos descritivos relacionados ao número de burocratas, origem, hierarquização, participação no processo decisório, consenso técnico, etc. Já no que concerne à atribuição de compliance dos países em desenvolvimento utilizaremos o mesmo método adotado na pesquisa do IRD (International Regime Database, YOUNG et al, 2006). Neste trabalho os pesquisadores atribuíram os valores de compliance de maneira qualitativa e quantitativa. Todos os países que estão sujeitos às regras (ricos e pobres) serão avaliados exatamente para verificar se há alguma relação de causalidade entre a autonomização (variável independente) e o compliance dos países em desenvolvimento (variável dependente). É importante lembrarmos que a questão central em estudos sobre o compliance tem a ver com a dificuldade em se diferenciar os efeitos reais das instituições sobre os comportamentos de outros fatores como poder, economia, novas tecnologias, etc. O país mudou o comportamento e acatou as regras por que a instituição teve influência nesse sentido ou outros fatores exógenos tiverem efeitos? Em muitos casos observa se a combinação de ambos os processos sobre os comportamentos 11. No entanto, é aparentemente mais fácil verificar, a partir de um ponto de vista quantitativo, o compliance às regras do que a eficiência da instituição. A eficiência trata de questões como a resolução do problema e consecução dos objetivos (problem solving e goal attainment) para qual a 11 Os estudos dos efeitos das instituições internacionais sofrem de problemas bastante conhecidos pela literatura: selection bias, dependência de contrafactuais, endogeneidade das variáveis e especificação inadequada dos conceitos. SIMMONS e MARTIN, 2002, p. 202 203. 10

instituição foi criada p. ex. estabilidade macroeconômica no caso do FMI (YOUNG et al, 2006). Não faremos avaliação da eficiência diretamente. Apenas na medida em que influenciar o compliance. 5. Bibliografia utilizada no projeto: BARNETT, M. e FINNEMORE, M. (1999). The Politics and Pathologies of International Organizations. in International Organization, 53 (4), 1999. BIRD, G. (1995). IMF Lending to Developing Countries: issues and evidence. Londres: Routledge. BIRDSALL, N. (2002). Why It Matters Who Runs the IMF and the World Bank. Center for Global Development: Working Paper, 22, 2002. BUIRA, A. (2003). The Governance of the IMF. in Conceição, P. et al (orgs.) Providing Public Goods: managing globalization. Nova Iorque: UNDP Press. CARPENTER, D. (2001a). The Forging of Bureaucratic Autonomy: reputations, networks, and policy innovations in Executive Agencies 1862 1928. Princeton: Princeton University Press. CARPENTER, D. (2001b). The Political Foundation of Bureaucratic Autonomy. in Studies in American Political Development 15 (1). CHAYES, A. e CHAYES, A. (1993). On Compliance. in International Organization, 47. DREHER, A., STURM, J., VREELAND, J. (2009a) Development Aid and International Politics: does membership on the UN Security Council influence World Bank decisions? in Journal of Political Economics, 88. DREHER, A., STURM, J., VREELAND, J. (2009b). Global Horse Trading: IMF loans for votes in the UN Security Council. in European Economic Review, 03. EASTERLY, W. (2001). The Elusive Quest for Growth: economist adventures and misadventures in the tropics. Cambridge, MA: MIT Press. GOLD, J. (1970). The Stand by Arrengements of the IMF: a commentary on their formal, legal, and financial aspects. Washington, D.C.: IMF Press. GOULD, E. (2003a). When IOs Influence Each Other: has the World Bank Expanded Fund Conditionality? Paper presented at the APSA. 11

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