LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE RODOVIAS NO ÂMBITO DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOLOS: LEGISLAÇÃO E ÁREA DE INTERFERÊNCIA DO EMPREENDIMENTO

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Transcrição:

LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE RODOVIAS NO ÂMBITO DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOLOS: LEGISLAÇÃO E ÁREA DE INTERFERÊNCIA DO EMPREENDIMENTO Daniela Satie Maekawa (*), Hudson Jorge de Souza Santos, Josiene Ferreira dos Santos Lima, Welberton Silva Dantas, Maxmüller de Andrade Moura. *Gestão Ambiental BR-101 NE PE/AL/SE/BA, daniela.skillengenharia@gmail.com RESUMO Segundo a legislação brasileira, o Licenciamento Ambiental deve preceder a instalação de um empreendimento ou atividade potencialmente poluidora. Assim, no âmbito do licenciamento ambiental das obras de duplicação da BR- 101/NE, a FCP - Fundação Cultural Palmares - solicitou ao empreendedor DNIT, a realização da análise de impacto sobre as comunidades quilombolas localizada na área de influência do empreendimento. O presente trabalho visa fomentar o debate sobre a definição de Terras Quilombolas, a delimitação da área de interferência e o reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas, conforme tratamento fornecido pela Portaria Interministerial 60 de março de 2015 e pela Convenção 169/1989 da OIT - Organização Internacional do Trabalho. Promove-se ainda o questionamento entorno da integração e padronização dos bancos de dados das instituições envolvidas na esfera do licenciamento ambiental, que no contexto das comunidades quilombola são representadas pela FCP e Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A metodologia baseou-se no levantamento teórico e nas visitas técnicas realizadas em 21 comunidades quilombolas localizadas na área de influência do empreendimento. Para efeitos da PI 60/2015, a definição de Terra Quilombola depende da finalização do processo de titulação e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação-RTID. Porém, das 21 comunidades apontadas pela FCP, nenhuma possuía tal condição. A exigência retrata a importância da Convenção 169/1989 promulgada pelo Brasil mediante Decreto nº 5.051/2004 para a temática em questão. Cerca de 76,2% (dezesseis) das comunidades visitadas não foram/serão impactadas diretanegativamente pelas obras. A obrigatoriedade do diagnóstico como parte do processo de licenciamento ambiental, apesar de objetivar a garantia dos direitos fundamentais, pode gerar incômodos, devido aos repetidos diagnósticos realizados por empreendedores diversos. Percebeu-se ainda que, determinar a distância exata das comunidades em relação ao empreendimento, baseando-se apenas em dados secundários fornecidos pelas instituições envolvidas, constitui um desafio. A informação desejada inexiste, ou quando é presente, pode ser que ocorram divergências entre os bancos de dados institucionais. Ainda, o processo de cessão de tais dados pode revelar-se burocrático. Discutiu-se então, sobre a possibilidade de integrar os dados em plataforma digital online, no intuito de que novos empreendedores pudessem realizar consultas para planejar o diagnóstico exigido pelo licenciamento ambiental, de forma a evitar expectativas por parte das comunidades localizadas dentro dos limites da área de interferência estabelecida pela PI 60/2015 que foram visitadas anteriores, por diferentes empreendedores. PALAVRAS-CHAVE: quilombola, licenciamento ambiental, gestão ambiental, rodovia. INTRODUÇÃO Segundo a legislação brasileira, o Licenciamento Ambiental deve preceder a instalação de um empreendimento ou atividade potencialmente poluidora. A duplicação e revitalização da BR-101/NE nos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia é uma obra do Governo Federal, realizada pelo Ministério dos Transportes e executada pelo DNIT, que por meio da Gestão Ambiental, desenvolve Programas Ambientais que visam à conservação da biodiversidade e o atendimento da legislação ambiental. No total, são 649 quilômetros a serem duplicados, distribuídos entre os estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia (Figura 1). IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 1

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 Figura 1 - Trecho da BR-101NE a ser duplicado e revitalizado O processo de licenciamento ambiental possui três etapas distintas: Licença Prévia, de Instalação de Operação, sendo que o órgão responsável pelo licenciamento das obras de duplicação da BR-101NE, é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em conformidade com a Resolução Conama 237/1997. A Licença de Instalação 872/2012 determina ao empreendedor na Condicionante 2.12: Deverá ser encaminhado à Fundação Cultural Palmares o atendimento das condicionantes e programas ambientais por ela definidos, devendo o Ibama ser informado dos procedimentos adotados. Assim, no âmbito das obras de duplicação da BR-101/NE, a FCP - Fundação Cultural Palmares - solicitou ao empreendedor DNIT, a realização da análise de impacto sobre as comunidades quilombolas, localizadas na área de influência do empreendimento, conforme estabelecido pela Portaria Interministerial n. 419 de 2011, posteriormente revogada em 24 de março pela Portaria Interministerial n. 60 de 2015 (PI 60/2015). Essa Portaria define a atuação dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, envolvidos no licenciamento ambiental, a qual trata o art. 14 da Lei n 11.516, de 28 de agosto de 2007. Por meia do art. 2 da PI 60/2015 foi estabelecido o entendimento de terra quilombola, como sendo a área ocupada por remanescentes das comunidades dos quilombos, que tenha sido reconhecida por RTID devidamente publicado. Dessa forma, entendem-se como terra quilombola, aquelas áreas identificadas e delimitadas conforme instituição competente, sendo que o órgão responsável pelo processo de titulação dos territórios quilombolas é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por força do Decreto nº 4.887, de 2003, sendo a Fundação Cultural Palmares atuante no processo de autorreconhecimento, anterior ao processo de titulação. Obter o título de posse da terra representa segurança para a comunidade, pois esta passa a ser reconhecida como proprietária da área. Em consonância com a Convenção 169 de 1989 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as leis brasileiras estabelecem que seja direito da própria comunidade se autorreconhecer como remanescente de quilombo. Entretanto, para validar esse autorreconhecimento, é necessário que a FCP emita uma certidão (Portaria n. 98 de 26 de novembro de 2007 da FCP). Depois disso, a comunidade interessada deve solicitar, na Superintendência Regional do Incra em seu estado, a abertura de processo de regularização de seu território, pois o Incra é o órgão competente pela titulação dos territórios quilombolas (Instrução Normativa 57 de 20 de outubro de 2009). Assim, o Incra inicia a etapa de Titulação com a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, também conhecido como RTID. Depois o RTID é analisado e pode ser alterado, dependendo da veracidade das informações apresentadas e finalmente, é publicado no Diário Oficial da União. A própria Constituição faz alusão à problemática em seu Artigo 68: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ainda, na referida Portaria, o Anexo 1 define a área de interferência de empreendimentos onde ocorram a presença de terra quilombolas, conforme exposto na Figura 2. 2 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Figura 2 - Área de interferência dos empreendimentos onde haja terra quilombola, conforme Anexo 1 da Portaria Interministerial n. 60 de 2015. Dentre os empreendimentos lineares, a rodovia é o empreendimento com maior área de interferência, sendo 40 km para regiões da Amazônia legal e 10 km para as demais regiões, conforme Anexo 1 da referida Portaria. Será que á área prevista de 10 km seria suficiente para abranger todas as comunidades impactadas pelas obras de duplicação da BR- 101/NE? OBJETIVOS O presente trabalho visa fomentar o debate sobre a definição de Terras Quilombolas, a delimitação da área de interferência e o reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas, conforme tratamento fornecido pela Portaria Interministerial 60 de março de 2015 e pela Convenção 169/1989 da OIT - Organização Internacional do Trabalho. Além de discutir sobre a inserção e as perspectivas futuras das comunidades quilombolas e suas instituições representativas na esfera do licenciamento ambiental. METODOLOGIA A metodologia utilizada baseou-se na análise do referencial teórico, tendo como peça central a PI 60/2015 e a Convenção 169/1989 da OIT. Foram realizadas visitas técnicas em 21 comunidades quilombolas, localizadas na área de influência das obras de duplicação da rodovia BR-101/NE, que por não se tratar da região Amazônica, constitui 10 km, conforme estabelecido pelo Anexo 1 da PI 60/2015. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cabe observar, que na visão dos ministérios, a rodovia é o empreendimento linear que tem maior amplitude de interferência quando comparado às outras categorias de empreendimentos simulares. Com efeito, diversos são os impactos positivos e negativos que podem modificar tanto a dinâmica social quanto a dinâmica econômica das comunidades localizadas nas áreas de influência. Após consulta à Fundação Cultural Palmares, o empreendedor através da Gestora Ambiental visitou 21 comunidades quilombolas (Tabela 1), localizadas na área de influência do empreendimento de acordo com a PI 60/2015. Ressalta-se o desafio em determinar a distância exata das comunidades em relação ao empreendimento, através da análise de dados secundários. Esta dificuldade pode derivar primeiramente da inexistência da informação desejada, ou pela divergência das informações contidas nos diversos bancos de dados institucionais. Importante observar que, as medidas mitigatórias e/ou compensatórias propostas pelo empreendedor foram encaminhadas para a Fundação Cultural Palmares, que atualmente analisa o processo. Tabela 1 Relação das comunidades remanescentes de quilombos consultadas no âmbito do licenciamento ambiental da BR-101/NE. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 3

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 UF Município Comunidade AL (n=4) SE (n=8) BA (n=9) Igreja Nova Teotônio Vilela Capela Distância linear do empreendimento calculada pósdiagnóstico Medidas mitigatórias e/ou compensatórias Palmeira dos Negros 3 km NÃO Povoado Sapé 15 km NÃO Abobreiras 12,5 km NÃO Birrus 4,5 km NÃO Pirangy 7 km NÃO Terra Dura e Coqueiral 2 km NÃO Canta Galo 5 km NÃO Japaratuba Patioba < 1 km SIM Santa Luzia do Itanhy Luziense 4 km NÃO Estância Propriá Alagoinhas Curuanha 6,2 km NÃO Porto D'Areia Santo Antônio Canafístula < 1 km SIM, CASO NÃO OCORRA VARIANTE* < 1km NÃO Catuzinho 8,8 km NÃO Fazenda Cangula 1,4 km SIM Fazenda Oiteiro 2 km SIM Aramari Olhos D'Água 11,2 km NÃO Esplanada Entre Rios Timbó < 1km SIM Mucambinho 1,5 km NÃO Massarandupió 43 km NÃO Fazenda Porteiras < 1km SIM Gamba 7 km NÃO Dos dados acima apresentados é possível refletir sobre algumas considerações: Direitos humanos e normativas Para efeitos da PI 60/2015, a definição de terra quilombola depende da finalização do processo de titulação e publicação do referido RTID. Porém, das 21 comunidades apontadas pela FCP, nenhuma possuía tal condição. A exigência talvez seja realizada devido à relevância para a temática, da Convenção 169/1989 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, promulgada pelo Brasil mediante Decreto n. 5.051 de 19 de abril de 2004 (Dia do Índio). Após sete anos, entrou em vigor a Portaria 419/2011, que estabelecia os procedimentos administrativos que disciplinavam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Ibama.Duas semanas depois, mediante Lei n.12.519 de 10 de novembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff instituiu o dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares, como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A Convenção 169/1989 lembra os termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação e reconhecem as aspirações desses povos a assumir o 4 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram. Nesse contexto, a Emenda Constitucional 45 de 30 de dezembro de 2004 modificou o art.5 da Constituição Federal de 1988, chancelando que Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Dessa forma, a Convenção é evocada amiúde pelas lideranças quilombolas e representantes da Fundação Cultural Palmares, pois remete à Carta Magna, norma jurídica suprema no Brasil. Garantia dos direitos e expectativas Devido aos desafios em se verificar a distância das comunidades através de dados secundários, quatro das 21 comunidades acabaram sendo visitadas, mesmo sendo localizadas além do limite de 10 km (Povoado Sapé, Abobreiras, Olhos D'Água e Massarandupió). Vale destacar o repto em se realizar um diagnóstico ambiental sem levantar as expectativas dos moradores das comunidades. É comum encontrar moradores e lideranças que cobram determinadas medidas prioritárias, porém, sem relação de nexo-causal para com o empreendimento. Após realização da análise de impacto ambiental, conclui-se que das 21 comunidades listadas pela FCP, cinco* (Patioba, Fazenda Cangula, Fazenda Oiteiro, Timbó e Fazenda Porteiras) foram identificadas como sendo impactadas negativamente pelo empreendimento. Os impactos sofridos por uma comunidade (Porto D'Areia) dependerão da existência ou não da variante de traçado original. Caso se confirme a existência da variante, a comunidade não seria, em princípio, diretamente impactada, pois os transtornos oriundos da obra seriam consideravelmente deslocados. Não obstante, considerando as cinco comunidades impactadas, a maior distância em linha reta observada, foi de 1,4 km (Fazenda Cangula) do eixo central do empreendimento. Assim, cerca de 76,2% (dezesseis) das comunidades visitadas não foram/serão impactadas direta-negativamente pelas obras. Neste caso, conclui-se que o limite de 10 km definido para a área de influência do empreendimento ampara com certa margem de segurança, a inclusão de tais comunidades no processo de licenciamento. Integração e publicidade dos dados obtidos A obrigatoriedade do diagnóstico como parte do processo de licenciamento ambiental, apesar de objetivar a garantia dos direitos fundamentais, pode gerar incômodos, devido aos repetidos diagnósticos realizados por empreendedores diversos. Ocorre também a sobreposição das medidas mitigatórias e/ou compensatórias por variados empreendedores. O planejamento das atividades de cada empreendedor poderia ser facilitado caso os dados existentes fossem disponibilizados em plataforma digital online. Essa plataforma poderia dispor também dos dados de todos os empreendimentos que foram ou serão implementados em regiões próximas às comunidades quilombolas. Dessa forma, os moradores poderiam obter informações dos empreendimentos que influenciam suas comunidades e os empreendedores poderiam se unir e desenvolver atividades de mitigação/compensação de forma conjunta, caso fosse viável e favorecesse a comunidade em questão. Poderia ser vantajoso que a comunidade mantivesse seus laços de relacionamento com apenas uma equipe técnica compartilhada por empreendedores diversos, visto que o grau de interferência de pessoas estranhas seria reduzido. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS De 2005 a 2014, o Incra emitiu 21 títulos (Incra, 2015), em contraposição, segundo dados da Fundação Cultural Palmares (2015) foram certificadas 2474 comunidades entre os anos 2004 a Fevereiro/2015. A relevante diferença devese ao fato de o processo de autorreconhecimento ser muito mais célere do que o processo de titulação realizado pelo Incra, pois as etapas são bem mais simplificadas. Assim, devido à complexidade do processo de titulação, torna-se coerente pelo empreendedor, considerar as terras certificadas como terras tituladas. Neste contexto, ainda que as comunidades impactadas positivamente e negativamente não fossem tituladas, por estarem localizadas no raio de 1,4 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 5

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 km, elas deveriam ser incluídas no processo de licenciamento ambiental por estarem inseridas na Área de Influência Direta do empreendimento. Cabe ressaltar, que mesmo as comunidades localizadas a cerca de 2 km do empreendimento (Terra Dura e Coqueiral, Fazenda Oiteiro, Mucambinho) não apresentaram impactos negativos significantes, com destaque dos moradores para os impactos positivos. O observado é explicado pelo fato das comunidades pouco utilizarem a rodovia em seu cotidiano e pelo fato de não existirem áreas de apoio (locais de extração e/ou deposição de material para/oriundo das obras) no entorno, acontecimentos esses que constituem as principais relações de nexo causal dos impactos observados nas comunidades listadas como impactadas. Ademais, a obrigatoriedade da consulta às comunidades remanescentes de quilombos é devido à necessidade de se garantir os direitos das comunidades, porém, pode gerar incômodos, como a repetida procura realização do diagnóstico por parte de diferentes empreendedores. Dois representantes da Comunidade Fazenda Oiteiro quando entrevistados sobre os impactos causados pela duplicação da BR-101/NE, relataram estarem cansados de ter que responder a tantas empresas que de fato, não resolveriam as principais questões da comunidade. Assim, é possível que a relação de nexo causal dos impactos derivados do empreendimento nem sempre estão correlacionados com as expectativas de medidas e prioridades esperadas pelas comunidades, o que pode acabar gerando certa frustação por parte dos entrevistados. O momento de realização do diagnóstico das interferências causadas é também o momento onde o empreendedor tem a oportunidade de melhor explicar sobre o empreendimento, suas etapas e sanar as dúvidas dos entrevistados. Para tanto a equipe técnica deve ter a atenção e o cuidado para não fomentar ansiedade e falsas esperanças na comunidade. Em conclusão, entende-se que a disponibilidade e integração dos dados secundários levantados por diferentes empreendedores e instituições refletiriam em melhores condições para a execução de medidas de mitigatórias e/ou compensatórias que beneficiariam ainda mais as comunidades. Dessa forma, no intuito de promover a celeridade, eficácia e efetividade do processo de licenciamento ambiental no que tange às comunidades quilombolas, os autores levantam como perspectivas futuras a possibilidade de integrar os dados em plataforma digital online, no intuito de que novos empreendedores pudessem realizar consultas para planejar o diagnóstico exigido pelo licenciamento ambiental, de forma a evitar expectativas por parte das comunidades localizadas dentro dos limites da área de influência estabelecida pela PI 60/2015 que foram visitadas anteriores, por diferentes empreendedores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. 2. Brasil. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção 169 de 1989 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): os direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais. 3. Brasil. Decreto n. 4.887 de 20 de novembro de 2003. Identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. 4. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Instrução Normativa n. 57 de 20 de outubro de 2009. Identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. 5. Brasil. Lei Federal n. 10.683 de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. 6. Fundação Cultural Palmares (FCP). Portaria n. 98 de 26 de novembro de 2007. Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundação Cultural Palmares. 7. Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde. Portaria Interministerial 60 de 24 de março de 2015. Substitui a Portaria Interministerial 419/2011. Estabelece os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA. 8. Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde. Portaria Interministerial 419 de 26 de outubro de 2011. Estabelecia os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA. 9. Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Resolução n. 237, 19 de dezembro de 1997. Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente. 10. Brasil. Emenda Constitucional 45 de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivo do art. 5 da Constituição Federal de 1988. 6 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

11 Brasil. Lei n. 12.519 de 10 de novembro de 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 7