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Plano Nacional de Saúde 2012-2016 Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde (Novembro de 2014) Plano Nacional de Saúde 2012-2016

Plano Nacional de Saúde 2012-2016 Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde (Novembro de 2014) Carlos Gouveia Pinto Luís Silva Miguel Centro de Investigação Sobre Economia Portuguesa CISEP, ISEG/U Lisboa Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 2

Índice 1. INTRODUÇÃO... 4 2. A ANÁLISE ESPECIALIZADA E O PNS 2012-2016... 6 3. INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS DESENVOLVIDAS ENTRE 2012 E 2014... 8 4. ANÁLISE CRÍTICA... 9 4.1 ENQUADRAMENTO GERAL... 9 4.2 A EVOLUÇÃO ENTRE 2012 E 2014... 10 5. AÇÕES A DESENVOLVER ATÉ 2016... 10 REFERÊNCIAS... 12 Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 3

1. INTRODUÇÃO A existência de uma análise da intervenção em avaliação das tecnologias de saúde 1 no contexto da avaliação do PNS 2012-2016 só pode ser compreendida na medida em que se considera que os meios são tão importantes como os fins na definição das políticas de saúde. Com efeito, sendo o primeiro objetivo do PNS maximizar os ganhos em saúde da população assume-se que estes devem ser obtidos através do alinhamento estratégico ( procurar garantir que os agentes assumem direções comuns para a concretização dos objetivos com maior valor em saúde ) e da integração estratégica, entendida como a procura da garantia do melhor desempenho e adequação de cuidados que maximizem a utilização dos recursos, a qualidade, a equidade e o acesso. Assim, explicitando, o desenvolvimento do Sistema de Saúde deve reflectir-se na obtenção de ganhos em saúde das populações e subgrupos, através da identificação de prioridades e alocação de recursos aos vários níveis considerando as intervenções custo-efetivas com maior impacto (Direção-Geral da Saúde, 2013, pp. 2-3). Deste modo, a obtenção de ganhos em saúde é definida a dois níveis interrelacionados identificação das áreas de intervenção no sentido de concentração de recursos nas áreas em que existe maior desfasamento (gap) relativamente a outros países e priorização das intervenções que, dentro dessas áreas, permitem obter o maior retorno por custo (Direção-Geral da Saúde, id., p. 4). É neste segundo nível que se insere a avaliação das tecnologias de saúde. Com efeito, a Visão proposta no documento de análise especializada sobre Política do Medicamento, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde elaborado em apoio ao Plano Nacional de Saúde consiste em disponibilizar tecnologias de saúde com valor terapêutico acrescentado que permitam maximizar ganhos em saúde quer para a pessoa, quer para a sociedade em geral (Vaz et al., 2010, p. 52). A racionalidade subjacente a esta abordagem radica-se no facto de, dada a especial complexidade destas tecnologias, existir no mercado informação assimétrica entre comprador e vendedor impedindo que o preço reflita o valor das intervenções. Consequentemente, sem uma avaliação rigorosa dos seus custos e consequências, o agente financiador o SNS tem dificuldade em determinar qual a que permite obter o melhor resultado dado o seu custo em cada área terapêutica (Drummond et al., 2005), ou seja, a que tem associado maior valor. Daí que a implementação de um processo de avaliação sistemática e rigorosa das tecnologias seja um requisito essencial do plano sobretudo quando os decisores se confrontam com uma elevada restrição orçamental. A singularização dos medicamentos tem sobretudo a ver com o elevado peso que a despesa nestes bens tem no total da despesa em saúde, uma vez que a avaliação do seu valor acrescentado 1 No texto que se segue entende-se por tecnologias de saúde qualquer intervenção que pode ser utilizada para promover a saúde, para prevenir, diagnosticar ou tratar uma doença aguda ou crónica, ou para reabilitação. Incluem os medicamentos, dispositivos, procedimentos e sistemas organizacionais utilizados na saúde (HTAi, http://htaglossary.net, acedido em 23 de julho de 2014). Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 4

terapêutico e económico já é feita aquando da decisão sobre a comparticipação do preço 2. Em especial, a despesa privada é, em Portugal, mais elevada (tanto em termos absolutos como em percentagem da despesa total em medicamentos) do que nos países de referência pelo que as políticas destinadas a fazê-la baixar têm impacto importante no acesso aos cuidados de saúde. Com efeito, em 2011, a despesa privada per capita nos países da Zona Euro era, em média, de 112 correspondendo a 26,7% do total, enquanto em Portugal atingia 128 perfazendo 42,9% da despesa em medicamentos (OCDE, 2014). Mas existem outras dimensões da política do medicamento com muita relevância para a prossecução dos objectivos do PNS, em particular no que se refere à sua utilização. Neste âmbito, a existência de normas de orientação clínica e a análise (e eventual correção) dos padrões de prescrição são importantes no contexto de uma política de melhoria da qualidade no consumo dos cuidados. Finalmente, a análise das medidas de política relativas ao financiamento e utilização de dispositivos médicos insere-se sobretudo numa perspectiva de futuro. Com efeito, independentemente de já terem sido aprovadas normas para a sua utilização, é cada vez mais evidente que este tipo de cuidados absorverá um montante de recursos crescente sendo as consequências sobre a saúde de cada intervenção terapêutica muito difíceis de quantificar. Consequentemente, constituirão a um prazo não muito longo uma preocupação adicional muito relevante tanto das instituições financiadoras como das prestadoras de cuidados em termos da seleção segundo o seu rácio custoefetividade. O objetivo central deste texto é explicitar medidas que devam ser implementadas e prosseguidas até 2016 à luz do Plano Nacional de Saúde 2012-2016 (Direção-Geral da Saúde, 2013) e da análise especializada realizada previamente sobre este mesmo tema (Vaz et al. 2010). Assim, pretende-se fundamentalmente apresentar um roteiro de políticas na área das tecnologias da saúde que permitam atingir os objectivos do PNS 2012-2016. Com esse propósito foram analisados os objetivos constantes da análise especializada Política do medicamento, dispositivos médicos e avaliação de tecnologias de saúde (Vaz et al., 2010) e os indicadores incluídos no PNS 2012-2016 de forma a ser possível enquadrar a avaliação das iniciativas desenvolvidas pelas instituições do Ministério da Saúde até 2014 pontos 2 e 3 deste texto. No ponto 4 faz-se uma abordagem crítica da actividade desenvolvida até 2014 o que permite, no ponto 5, apontar as medidas a implementar até 2016. 2 Note-se, no entanto, que esta avaliação é incompleta uma vez que não é feita nas condições de utilização efetiva dos medicamentos não permitindo, portanto, determinar rigorosamente o seu custo-efetividade. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 5

2. A ANÁLISE ESPECIALIZADA E O PNS 2012-2016 A análise especializada já referida foi elaborada com base num conjunto de contribuições que incidiram principalmente sobre os mecanismos de avaliação, decisão e utilização de tecnologias de saúde; a farmacovigilância; e a investigação clínica e seu enquadramento ético. O trabalho foi concluído com a constituição de um grupo nominal, aberto a todos os colaboradores, em que foram explicitados cinco objetivos estratégicos a serem perseguidos durante o período de vigência do PNS: 1) Cidadania: Promover o envolvimento dos cidadãos na avaliação e monitorização dos ganhos em saúde resultantes das tecnologias em saúde ; 2) Qualidade: Desenvolver mecanismos que balizem a utilização de todas as tecnologias de saúde no SNS tendo em conta o seu valor terapêutico ; 3) Qualidade: Melhorar a interface entre os diversos contextos de prestação de cuidados de saúde no que diz respeito à prescrição, dispensa e utilização dos medicamentos e dispositivos médicos ; 4) Qualidade: Fomentar mecanismos de responsabilização face à utilização de tecnologias de saúde ; e 5) Acesso: Definir um sistema de aquisição de tecnologias de saúde ( ) que potencie a equidade no acesso e ganhos de eficiência para o SNS, e cujos conceitos sejam estáveis ao longo do tempo, numa lógica de evolução e não de ruturas, e que tenha como pressupostos a transparência de processos e de critérios e o equilíbrio entre os vários agentes do processo (Vaz et al., 2010). O primeiro objetivo estratégico, centrado no denominado empowerment dos cidadãos, implicaria a disponibilização de informação técnico-científica robusta sobre as tecnologias de saúde e a sua correta utilização e a implementação de um sistema de notificação de efeitos adversos que conduzisse a que 20% das notificações fossem efetuadas pelos cidadãos. Paralelamente, focava-se a necessidade de certificar associações de doentes, promovendo o seu papel nas políticas de informação e monitorização da utilização de tecnologias de saúde e a sua participação nos conselhos consultivos dos organismos que integram o SNS através de doentes-peritos. O segundo objetivo seria mais abrangente, dado prever a implementação de mecanismos que permitissem avaliar a efetividade e custo-efetividade das tecnologias utilizadas nas unidades prestadoras de cuidados do SNS. Sugeria-se a promoção de investigação clínica sobre o valor terapêutico acrescentado destas tecnologias, com celebração de protocolos interministeriais e com a integração de Portugal em redes europeias de investigação clínica. Focava-se a necessidade de realizar estudos de epidemiologia do medicamento e de dispositivos médicos, recolhendo informação sobre a utilização e as determinantes de utilização de medicamentos e de dispositivos médicos. Previa-se ainda a elaboração de orientações sobre a utilização destas tecnologias de saúde (tendo Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 6

por base o valor terapêutico acrescentado, a efetividade comparada e a consequente obtenção de ganhos em saúde), aliada à implementação de sistemas de apoio à decisão clínica e de disseminação de informação independentes da indústria. Adicionalmente, vincava-se a necessidade de reavaliação sistemática do valor terapêutico acrescentado e da relação custo-efetividade das tecnologias de saúde e a criação de uma rede fármaco-epidemiológica nacional (com participação em redes internacionais de monitorização de utilização em prática clínica corrente). O terceiro objetivo seria atingido através da criação de uma base de dados sobre a prescrição de medicamentos e dispositivos médicos em todo o sistema de saúde (incluindo os sectores público, privado e cooperativo). Tal permitiria também monitorizar o impacto de incentivos financeiros na prescrição de benzodiazepinas, de anti-hipertensores, de antidiabéticos e de antimicrobianos. O fomento da responsabilização relativamente à aquisição e utilização destes cuidados de saúde seria alcançado através da integração de cláusulas de controlo nos documentos de contratualização com hospitais, agrupamentos de centros de saúde e unidades locais de saúde, monitorizando os resultados desta contratualização e dos respetivos incentivos financeiros na qualidade da prescrição, na equidade e nos custos. Finalmente, o quinto objetivo previa a criação de mecanismos que permitissem a obtenção de medicamentos sem interesse comercial ou em situação de prolongada rutura, o combate à contrafação e a criação de um quadro de referência para a ética na investigação clínica. Constata-se assim que era proposta a implementação de um conjunto ambicioso de políticas que, no entanto, dificilmente seriam integráveis no Plano. Com efeito, a grande maioria das medidas eram qualitativas o que dificultava a construção de indicadores de monitorização da sua implementação. Assim, foi proposto um conjunto de indicadores que se referiam aos processos de implementação das políticas e não aos seus resultados, com as limitações daí decorrentes. Mas mesmo esses indicadores eram de difícil manejamento uma vez que, saindo das rotinas estatísticas estabelecidas, envolveriam um esforço administrativo adicional substancial para a sua quantificação. Finalmente, o número de metas implícita nesta análise era muito elevado levando a que, se para cada área de intervenção se fixasse um número idêntico de metas, a operacionalidade do PNS seria seriamente posta em causa. Assim, optou-se por, no Plano Nacional de Saúde 2012-2016, introduzir os indicadores cuja quantificação é de rotina, sendo difusa a sua relação com a análise especializada. Com efeito, os indicadores diretamente relacionados com a intervenção em medicamentos, dispositivos médicos e avaliação de tecnologias em saúde considerados foram os seguintes: a) percentagem de despesa em medicamentos na despesa em saúde, b) percentagem de medicamentos genéricos no mercado total de medicamentos, c) consumo de analgésicos e antipiréticos no SNS em regime ambulatório (DDD/1000 hab./dia), d) consumo de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos no SNS em regime ambulatório (DDD/1000 hab./dia), e) consumo de antidepressivos no SNS em regime ambulatório (DDD/1000 hab./dia), e f) consumo de antibacterianos no SNS em regime ambulatório (DDD/1000 hab./dia) (Direção-Geral da Saúde, 2013). Constata-se facilmente o desfasamento acentuado entre o que era proposto na análise especializada e o que foi consagrado no plano. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 7

Em consequência, a importância da avaliação das tecnologias é referida no PNS a nível apenas do discurso enfatizando-se a necessidade de monitorização e avaliação das tecnologias de saúde utilizadas, no sentido de garantir equidade, acesso e sustentabilidade através da utilização de tecnologias com valor terapêutico acrescentado e que também sejam custo-efetivas, como já foi referido. 3. INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS DESENVOLVIDAS ENTRE 2012 E 2014 O período inicial de implementação do Plano Nacional de Saúde coincidiu com o aprofundamento da crise económica e consequente assinatura do Memorando de Entendimento com o Fundo Monetário InternacionaI, a União Europeia e o Banco Central Europeu que obrigou à adoção de um conjunto de medidas para controlar a despesa com a tecnologia em especial com os medicamentos, nomeadamente descidas administrativas de preços e maior incentivo à concorrência no mercado de genéricos. No entanto, também foram postas em prática políticas destinadas a melhorar a monitorização da utilização das tecnologias de saúde nos estabelecimentos e serviços do SNS. Neste âmbito, um dos aspetos mais relevantes foi a elaboração pela Direção Geral de Saúde de 30 normas de orientação clínica (NOC) sendo cerca de metade referentes à utilização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica. No que respeita à monitorização da prescrição, deve destacar-se a criação das Comissões de Farmácia e Terapêutica em cada Administração Regional de Saúde (CFT-ARS) com competências explícitas nesta área e a obrigatoriedade de prescrição eletrónica por denominação comum internacional (DCI). Esta norma permitiu a implementação de mecanismos de monitorização da prescrição quer internamente (ou seja, para utilização a nível hospitalar) quer externamente, controlando as prescrições efetuadas tanto no setor público como no setor privado. A obrigatoriedade da prescrição por DCI (com exceções previstas para a necessidade de indicação da denominação comercial) foi acompanhada da obrigatoriedade de os farmacêuticos indicarem e disponibilizarem aos utentes os medicamentos genéricos mais baratos. Foram também definidos os critérios de base para a elaboração do Formulário Nacional de Medicamentos, reforçando-se a obrigatoriedade da sua utilização pelos estabelecimentos e serviços do SNS, embora também com exceções. Relativamente aos dispositivos médicos, deve ser realçado o processo de codificação de todos os que são utilizados no SNS, criando condições quer para a monitorização da sua utilização quer para o controlo e comparação dos preços. Naturalmente, foram implementadas outras medidas na área dos medicamentos e dispositivos médicos, não parecendo relevante realizar uma descrição pormenorizada. As medidas referidas são as que parecem mais relevantes numa perspetiva de criação de condições para uma efetiva monitorização da prescrição, de equidade na prestação de cuidados e de incremento na utilização de genéricos. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 8

4. ANÁLISE CRÍTICA 3 4.1 ENQUADRAMENTO GERAL A crítica mais importante feita pelos intervenientes no 4º Forum Nacional da Saúde foi a de não ter sido tomado em conta quer na análise especializada quer no PNS o contexto social e económico em que o Plano seria executado, em particular as restrições de ordem financeira impostas pelo Memorando de Entendimento assinado com o FMI, a UE e o BCE. Com efeito, mesmo quando o documento de análise especializada foi elaborado 2010 já era claro que existiriam dificuldades financeiras para a implementação de um plano muito ambicioso o que se tornou evidente com a celebração do Memorando de Entendimento em 2011. Assim, seria obrigatório pelo menos discutir as condicionantes que a crise imporia à prossecução dos objectivos do Plano, nomeadamente nas políticas referentes às tecnologias. O programa de ajustamento conduziu à implementação de várias medidas com o objetivo de diminuir a despesa em medicamentos como, por exemplo, a alteração das formas de cálculo dos preços dos medicamentos genéricos, a informatização da prescrição ou a alteração das margens de lucro das farmácias. Estas medidas permitiram que se atingissem estes objetivos devido principalmente às modificações nos preços e consumos dos medicamentos prescritos em ambulatório. No entanto, foram medidas ditadas fundamentalmente pela situação de emergência económica e não pela implementação do PNS. Por outro lado, como foi referido anteriormente, não existiu coordenação entre o que é proposto na análise especializada e o que consta do Plano. Assim, o trabalho que foi realizado com contribuições de qualidade (embora pouco articuladas entre si) na elaboração do documento de análise especializada perdeu-se na transição para o Plano. Isso refletiu-se na quase ausência de metas definidas a partir do documento referido (excetuam-se os indicadores de consumo de alguns medicamentos) e de articulação entre os indicadores propostos para monitorização da política na área das tecnologias e os objectivos do plano bem como, em consequência, da identificação das entidades responsáveis pela operacionalização e monitorização da implementação das medidas preconizadas. Aliás, esta posição está em sintonia com a assumida no documento de análise do PNS elaborado pela OMS (WHO, Regional Office for Europe, 2014). 3 Este ponto baseia-se em grande medida nas contribuições de José Aranda da Silva, Julian Perlman e Maria Clara Pais aquando da discussão deste tema no 4º Forum Nacional de Saúde. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 9

4.2 A EVOLUÇÃO ENTRE 2012 E 2014 As políticas implementadas neste período podem ser agrupadas consoante se refiram à avaliação de tecnologias de saúde; à prescrição e consumo dos medicamentos; e à investigação em saúde. Relativamente à avaliação das tecnologias, o aspeto fundamental foi o de se terem dado os primeiros passos para incluir os dispositivos médicos, para além dos medicamentos. Quanto à monitorização da prescrição e consumo dos medicamentos, foram tomadas várias medidas designadamente a obrigatoriedade da prescrição eletrónica, a prescrição por DCI, ou a elaboração de normas de orientação clínica. No entanto, persistem deficiências na informação recolhida em especial sobre o consumo por indicação terapêutica ou segundo as características sociodemográficas dos doentes, sendo a falta de informação mais acentuada a nível hospitalar. Tal impossibilita quer a adequada análise dos fundamentos das distorções do consumo quer, por exemplo, a implementação de modelos de financiamento ajustados pelo risco. Paralelamente, as normas de orientação clínica (NOC) foram elaboradas tomando em conta apenas critérios clínicos e farmacológicos. Tal impede que a prescrição tome em consideração parâmetros de eficiência económica, em particular o custo-efetividade dos instrumentos terapêuticos. No que respeita à investigação em saúde, o seu desenvolvimento pressupõe a existência de bases de dados compreensivas e de qualidade e financiamento adequado. Muito pouco foi feito neste âmbito. No que se refere especificamente aos cuidados de saúde primários, existe uma apreciação em geral positiva relativamente às políticas implementadas normas de orientação clínica; informação regular sobre prescrição de medicamentos disponibilizada pela ARSLVT; prescrição electrónica dos medicamentos; e prescrição obrigatória por DCI. 5. AÇÕES A DESENVOLVER ATÉ 2016 No que se refere à avaliação das tecnologias de saúde, a principal lacuna é a não existência de um sistema compreensivo de avaliação das tecnologias incluindo os medicamentos, os dispositivos médicos e as intervenções. No entanto, é possível que esta lacuna seja pelo menos parcialmente coberta com a criação, no INFARMED, do SiNATS Sistema Nacional de Avaliação das Tecnologias de Saúde tal como já foi recentemente anunciado. No entanto, subsistem dúvidas quanto à capacidade existente quer em recursos humanos quer, sobretudo, quanto à capacidade de recolha e sistematização da informação necessária para o bom desempenho do sistema. Aliás, a criação de um sistema compreensivo de informação epidemiológica incorporando dados não só sobre a utilização das tecnologias mas também sobre o seguimento e características dos doentes deve constituir a primeira prioridade do Plano pois, sem ele, a avaliação das tecnologias será sempre débil uma vez que obrigará à utilização de dados recolhidos noutros países e não permitirá a monitorização adequada do cumprimento dos objetivos, designadamente a relação entre a utilização Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 10

das tecnologias e a obtenção de ganhos em saúde. Assim é crucial, designadamente, a criação de uma rede epidemiológica nacional, a reorganização do sistema de informação para apoio à decisão clínica e a promoção de um sistema de avaliação e monitorização de ganhos em saúde. Tal exige a articulação estreita entre os departamentos do Ministério da Saúde responsáveis pela recolha e tratamento desta informação, em particular a Direção-Geral de Saúde, a Autoridade Central do Sistema de Saúde e o INFARMED uma vez que, também, as bases de dados a desenvolver devem ser transversais aos serviços de saúde (designadamente entre os hospitais e as unidades de cuidados de saúde primários) de forma a incorporarem informação não apenas sobre a utilização das tecnologias mas também sobre o seguimento e as características dos doentes. Este sistema só poderá ser implementado com a colaboração dos profissionais e, para tal, é necessário criar incentivos à investigação aumentando o peso do financiamento da investigação em saúde nos recursos canalizados pela Fundação da Ciência e Tecnologia e implementando uma mais estreita relação entre a publicação de trabalhos científicos e a progressão na carreira. Paralelamente, as Normas de Orientação Clínica devem ser reavaliadas de forma a acolherem os resultados dos estudos de avaliação económica nas normas de prescrição criando-se os mecanismos adequados para a sua adoção em todas as unidades de saúde e não apenas nas prestadoras de cuidados primários. Finalmente, para que este conjunto de medidas seja posto em prática é decisivo o bom funcionamento dos sistemas informáticos e que sejam realizadas frequentemente sessões de troca de informação e de debate sobre utilização da tecnologia entre profissionais de diferentes especialidades. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 11

REFERÊNCIAS Direcção-Geral da Saúde, Plano Nacional de Saúde 2012-2016, Versão Resumo. Lisboa: DGS, 2013. Drummond MF, Sculpher MJ, Torrance GW, O Brian BJ and Stoddart GL. Methods for the Economic Evaluation of Health Care Programmes, Third Edition. Oxford: OUP, 2005. OCDE. OECD Health Statistics 2014. How does Portugal compare? Disponível em http://www.oecd.org/portugal/briefing-note-portugal-2014.pdf. Vaz AF, Pinto CG, Lourenço A, Monteiro E, Barros H de, Vale M do C e Marques PS (coordenadores). Plano Nacional de Saúde 2011-2016: Política do Medicamento, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde. Lisboa: Alto Comissariado da Saúde, Novembro de 2010. WHO, Regional Office for Europe. The Portuguese National Health Plan 2012-2016. Comments from WHO Europe. World Health Organization, 2014. Roteiro de Intervenção em Medicamentos, Dispositivos Médicos e Avaliação de Tecnologias em Saúde Pág. 12