1 O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO ÂMBITO ESCOLAR: POSSIBILIDADES AO DEBATE ANTONIETA BERNADETE TEIXEIRA DE ANDRADE Núcleo Estudos e Pesquisas Práticas Educativas e Relações Sociais no Espaço Escolar e não Escolar- Doutoranda Orientadora: Profa. Dra. Anna Maria Lunardi Padilha Introdução Esta tese configura-se como estudo sobre o Programa Federal Mais Educação, criado pelos Ministros de Estado: da Educação, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dos Esportes e da Cultura de acordo com a Portaria Interministerial n.º 17/2007, de 27 de janeiro de 2007, (BRASIL, MEC, 2007). Tal estudo objetiva analisar a implementação do Programa Federal nas escolas públicas de Campinas nos anos de 2011 a 2013. O Programa Mais Educação (BRASIL, MEC, 2009d), é proposta estratégica do governo federal para a promoção da educação integral em jornada ampliada no Brasil contemporâneo e coloca como perspectiva ampliar tempos, espaços, atores envolvidos no processo e oportunidades educativos em benefício da melhoria da qualidade da educação dos milhares de alunos brasileiros (p. 05). Para tal fim, propõe a utilização de outros espaços públicos e comunitários para além da escola, com atividades diversas, divididas em temas denominados de macrocampos. Os macrocampos apresentam-se nas áreas de educação, artes, cultura, esporte e lazer. Além desses, intenta assegurar outros macrocampos que envolvem direitos humanos, consciência ambiental, novas tecnologias, comunicação social, saúde, segurança alimentar. (BRASIL, MEC, 2007) Desenvolvimento Para atender ao objetivo proposto, esta tese debate a implementação do Programa Mais Educação ocorrido em 2009 no país, inicialmente formulado, planejado e estruturado para às escolas públicas brasileiras com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 1 abaixo de 2,9, situadas em capitais ou em regiões metropolitanas com mais de 200 mil habitantes. Considerou-se a necessidade de identificar a concepção Político Pedagógica do trabalho educativo proposto pelo Programa em relação às políticas públicas envolvidas, que ao mesmo tempo em que utiliza indicadores de medida de rendimento escolar, também apresenta como princípio educativo a Educação Integral. Desta forma, no primeiro momento fez-se a leitura dos cadernos que compõe o Programa Mais Educação 2 realizado pelo SECADI 3, além da legislação pertinente ao mesmo, como a Portaria Interministerial n.º 17/2007, de 27 de janeiro de 2007, que instituiu o Programa, o Decreto nº 6094 de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e o Decreto nº 7083 de 27 de janeiro de 2010, que dispõe sobre o Programa Mais Educação. Esses documentos oficiais constituíram material para a pesquisa documental que segundo Severino (2007, p. 123), [...] os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum 1 O IDEB foi criado pelo INEP em 2007, em uma escala de zero a dez. Sintetiza dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática. A série histórica de resultados do IDEB se inicia em 2005, a partir de onde foram estabelecidas metas bienais de qualidade a serem atingidas não apenas pelo País, mas também por escolas, municípios e unidades da Federação. A lógica é a de que cada instância evolua de forma a contribuir, em conjunto, para que o Brasil atinja o patamar educacional da média dos países da OCDE. Em termos numéricos, isso significa progredir da média nacional 3,8, registrada em 2005 na primeira fase do ensino fundamental, para um IDEB igual a 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência. (BRASIL, Portal INEP, 2013, p.1). 2 A série Mais Educação: Mais Educação. Gestão intersetorial no território (BRASIL, MEC 2009a), Educação Integral: Texto referência para o debate nacional (BRASIL, MEC 2009b), e Redes de Saberes Mais Educação, Pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral (BRASIL, MEC 2009c), e os Manuais do programa: Passo a Passo (BRASIL, MEC 2009d), operacional de Educação Integral e Saiba Mais, (BRASIL, MEC 2009e). 3 Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
tratamento analítico, possibilitando compreender e interpretar qual a concepção educativa que propõe o Programa, bem como sua perspectiva e fundamentação teórica, visando compor uma análise documental. Enquanto tratamento da informação contida nos documentos acumulados, a análise documental tem por objetivo, dar forma conveniente e representar de outro modo essa informação, por intermédio de procedimentos de transformação. [...] A análise documental permite passar de um documento primário (bruto) para um documento secundário (representação do primeiro). (BARDIN, 2011, p. 51). Essa análise consistiu na identificação das proposições do Programa, bem como observação de aspectos referentes às coerências e contradições ocorridas na composição de um plano contínuo de elaboração de documentos e em ajustes, na medida em que estavam em um processo de ampliação em todo o território nacional 4. Para isso, compreender o processo de elaboração da Proposta Político Pedagógica da Educação Integral, requer analisar a concepção do trabalho educativo que o Programa propõe no meio escolar. Deste modo, observou-se que vários autores compuseram a base teórica de educação integral do Programa Mais Educação destacando Anísio Teixeira, Cavaliere, J. Moll, e Boaventura Santos. A proposta de Educação Integral, quando formulada, expressa outras demandas relacionadas aos campos da educação, como o desenvolvimento social, a saúde, esporte, inclusão digital e cultura. Nessa perspectiva, são oferecidas atividades educativas diferenciadas que fundamentam a proposta de uma educação integral, de modo a ampliar as dimensões de formação humana, uma ampliação das necessidades formativas do sujeito, contemplando as dimensões afetiva, ética, estética, social, cultural, política e cognitiva. (BRASIL, 2009c, p.14). Os dados coletados na pesquisa documental e as leis que regem o Programa Mais Educação evidenciaram a função do voluntariado 5 no trabalho educativo, ao atrelar a existência de novas atividades na escola, à presença desses agentes sociais. Na concepção do Programa Mais Educação, o trabalho voluntário feito por pessoas da comunidade colaboram e ampliam a possibilidade de novos conhecimentos e ao diálogo com os alunos e a comunidade. Pensar um programa que assume tal dimensão para a melhoria da qualidade de ensino por meio do trabalho voluntário, formado por educadores sem vínculo empregatício com a escola e por prestadores de serviço para atividades eventuais, no contraturno das disciplinas, contradiz com a lógica do trabalho planejado e executado em conjunto, que compartilha com a comunidade seus projetos e ações e podendo desta forma distorcer e inviabilizar o processo contínuo para uma educação integral. Outro aspecto a ser apontado é que essas atividades só passam a existir a partir das escolhas feitas pela equipe escolar e pelo interesse da comunidade; sendo assim, são passíveis de serem interrompidas quando este interesse diminuir. Nesta forma de organizar as atividades percebe-se que não há um processo contínuo de aprendizagem, são saberes fragmentados definidos por um determinado tempo. Articulado ao estudo dos documentos e da concepção do trabalho educativo do Programa Mais Educação, fez-se necessário analisar os investimentos assegurados em lei, bem como estes estão sendo aplicados na cidade de Campinas S.P. O caminho da pesquisa 2 4 No ano de 2008, que teve o início das atividades do programa, a adesão foi de 1380 escolas, em 55 municípios em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal. Em 2009 este número amplia para 5000 escolas, em 126 municípios. Em 2010 passa a atender 10 mil escolas em 389 municípios. Em 2011, aderiram ao programa 14.995 escolas em 1282 municípios. (BRASIL, MEC. 2014). 5 A Lei 9608 de 18 de fevereiro de 1998 dispõe sobre o serviço voluntário. No Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.( BRASIL, Casa Civil, 1998). São citados como professor / educador comunitário ou oficineiros pelo Programa Mais Educação.
Por se tratar de um programa de governo definido por uma política pública com seus efeitos no cotidiano escolar, entrevistas foram realizadas com profissionais envolvidos com as escolas públicas municipais da cidade de Campinas. Esses profissionais conheciam e conviviam com a realidade do Programa e discorreram sobre o tema, produzindo informações para a investigação, de maneira a contribuir para a identificação das categorias de análise, juntamente com as informações obtidas na análise documental. As entrevistas ocorreram em dois momentos e em três espaços. No primeiro momento, em 2012 com o coordenador do Programa da Secretaria Municipal de Campinas, e no segundo momento, em 2013, em duas escolas que foram escolhidas pelos seguintes critérios: a primeira por representar umas das escolas com mais atividades do Programa Mais Educação na rede municipal e a segunda porque se tornaria educação integral em tempo integral no ano de 2014. Essas escolas encontram-se localizadas em áreas opostas da cidade, ou seja, a primeira situada na região norte e a segunda na região noroeste da cidade de Campinas, S.P. Fiz entrevistas com dez profissionais que desenvolviam atividades diversas no Programa e na escola. Os entrevistados são gestores (o coordenador do programa na cidade de Campinas, diretores de escola e orientadores pedagógicos), professores efetivos e voluntários. A abordagem metodológica e os principais achados Ancorada no materialismo histórico-dialético de Karl Marx, que trata da ontologia do real, o qual procura captar e analisar a realidade para a compreensão dos fenômenos estudados, nesta visão a investigação exige o máximo de esforço possível no domínio do material fatual. (Marx, 1996, p. 24), o que induz a atenção do pesquisador para as mudanças estruturais provocadas na organização social e política causada por fatores econômicos. A investigação na escola pública buscou desvelar a realidade da implantação do Programa Mais Educação, bem como os processos e procedimentos desenvolvidos na forma de conceber o ideário educativo no contexto atual. Como afirmam Marx e Engels: A produção de ideias, de representações concepções, da consciência, está em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. [...] A consciência nunca pode ser outra coisa senão existência consciente, e a existência do homem é seu processo de vida real (MARX, ENGELS, 2007, p.93). Para tanto Estudar o processo de consciência é refletir sobre a ação dos indivíduos e das classes em sua pretensão de mudar o mundo (IASI, 2002). O caráter crítico dessa opção metodológica é analisar as reais condições de operacionalidade do programa, sua agenda e sua urgência, quanto à implantação, nas escolas de Campinas, para discutir a política pública que o compõe, contribuindo para as indagações sobre todo o entorno que o tema requer, dos movimentos articulados para sua implementação, da ação dos atores envolvidos e suas possibilidades. A partir dessa compreensão, a política pública do Programa se apresentou como categoria de estudo e dessa forma foi possível identificar planos de ação, organização dos coletivos e a forma de execução do trabalho educativo para gerir as atividades quanto à autonomia da escola. Os eixos de análise foram: política pública do programa, o trabalho educativo e a autonomia da escola que nos pareceram contemplar os objetivos propostos nesta tese. Das políticas públicas do Programa: para o entendimento da elaboração da estrutura de educação integral, fez-se necessário identificar a articulação entre a política pública do Programa Federal e a política do município, que está envolvida com a política partidária da administração municipal sofre adaptações e releituras das abordagens teóricas e metodológicas, quanto ao procedimento e execução do Programa. 3
Para Gramsci (1978) os partidos políticos possuem um papel importante na composição das ideias e da concepção da organização social, portanto, são atores que intervém no modo de conceber teoricamente a execução de uma política pública. A articulação entre Secretarias no Município, conforme a proposta do Programa, não foi identificada ficando, a responsabilidade das tarefas das ações extraclasse, extracurricular e a contratação de agentes sociais à Secretaria Municipal de Educação e mais especificamente às unidades escolares. O que ficou evidenciado nesta proposta de Programa é a inviabilidade quanto ao próprio atendimento aos alunos, diante da falta de infraestrutura para atender mais de 20 % dos alunos da escola. O Programa não traz investimentos financeiros para a melhoria da qualidade escolar, apenas para a manutenção das despesas do custeio das equipes de voluntariados e para aquisição de materiais de uso cotidiano e manutenção de atividades extraclasses. Do trabalho educativo: Nas relações cotidianas, no contexto do Programa, as atividades no contraturno não ocorrem articuladas entre si ou com as demais disciplinas do curso regular, reflexo da impossibilidade de tempo de encontro entre os educadores envolvidos. Há uma evidente fragmentação das atividades cotidianas, no qual os professores efetivos das unidades não participam do Programa, excluindo-se a articuladora. Na realidade, o Programa distanciou os profissionais da escola do conjunto de ações programáticas, ou seja, da totalidade objetiva do projeto educativo. Da autonomia da escola: Com os recursos advindos do governo federal pelo Programa (BRASIL, MEC, 2009a), criou-se uma ideia de autonomia nas escolas, de poder descentralizado e de democratização para uso dos recursos. Na realidade, o que se constatou nas entrevistas foi o uso monitorado dos recursos pelo poder central, ou melhor, orientação de onde pode, se pode e, como devem ser utilizados os recursos. Foi possível concluir que não é adequado considerar que o Programa traz, ou possibilita uma nova forma de gestão na escola. Ele apenas oferece um novo procedimento para agilizar as ações na escola, com a intervenção político-pedagógica monitorada pelo município em suas ações, e avaliada pela União por meio dos índices do IDEB. Entendemos que a escola desempenha novas formas de intermediar as funções educativas, no qual o governo repassa a responsabilidade às escolas, de gestar as ações e de executar uma proposta, por ele defendida, que possibilite viabilizar sua finalidade de oferecer educação de qualidade à população. Essa responsabilidade vem permeada por metas definidas pelas instâncias superiores, o que não caracteriza uma redistribuição das decisões para o interior do sistema escolar, o que indicia uma participação controlada e uma autonomia inexistente, pois, apenas possibilita a elaboração dos procedimentos para a execução das ações necessárias ao cumprimento de metas, do que foi estabelecido na esfera federal. Além disso, os gestores demonstraram preocupação pela dificuldade de aproximação e de articulação entre o Programa e o Projeto Político Pedagógico, como sendo necessária uma ação urgente para aproximá-la para compor um objetivo geral de atendimento a todos os estudantes em suas reais necessidades. Desta forma, identifica-se uma discrepância entre o objetivo comum da ação político pedagógico da escola e a implantação do Programa. Na realidade o que se constata são adequações para o atendimento escolar ampliado com as novas atividades, o que não corresponde assim, a uma proposta que reformule para o atendimento a uma demanda da envergadura o qual o Programa se propõe. Marx (2010, p.152) afirma que A teoria só se realiza num povo na medida em que é a realização das suas necessidades quando discute o pensamento revolucionário radical e a emancipação política. Para tanto, à ingerência nas ações pedagógicas do Estado nas práticas que são próprias da escola, o cenário acima exposto demonstra a limitação da possibilidade de ação educativa 4
autônoma bem como na forma de conceber ações criativas para a escola, diante das demandas já postas pelo Programa. Uma vez assumindo o pensamento de Marx (1984) que a autonomia é negada neste modelo de sociedade de classes e, estando o projeto de escola na sociedade de classes, para que se rompa com essa ontologia, há que se romper com esse modelo de gestão e de organização da sociedade. Para Marx Não basta que o pensamento procure se realizar; a realidade deve compelir a si mesma em direção ao pensamento (2010, p.152). Uma transformação educativa requer mais que tempo de permanência e atividades diversas, ela precisa romper com as barreiras impostas pela realidade, com condições materiais para seu enfrentamento e isso requer a aproximação a essa realidade. Sendo assim, a escola precisa ter o direito de constituir seu papel de formadora perante a sociedade, visualizar e recompor o trabalho educativo que se fragmentou na política, quando esta foi planejada sem a presença significativa de educadores. Saviani (2007) aponta em seu texto, O Plano de desenvolvimento da Educação: Análise do projeto MEC, que o governo federal ao formulá-lo realizou um movimento de aproximação com o empresariado, [...] Talvez isso explique, de certo modo, por que o MEC, ao formular o PDE, o tenha feito em interlocução com a referida parcela da sociedade e não com os movimentos dos educadores (p.1243). Dessa maneira, considera que a educação foi formulada por profissionais que pensam a lógica da política, da economia e do atendimento assistencial à população e não um projeto de educação que possibilite ensinar as crianças a se ver como ser histórico e com possibilidade de compor sua história. Definir hoje, um modelo de ensino integral, para toda a população, sem os profissionais da educação envolvidos, sem recursos financeiros e sem infraestrutura parece-nos uma tarefa impossível, pois a educação integral escolar requer formar o aluno para a vida em sua totalidade, possibilitando-lhes escolhas, para si e para seu espaço de construção social. 5 Referências Bibliográficas BARDIN L. Análise de conteúdo, São Paulo: Edições 70/ Almedina, 2011. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1978. IASI, M. O dilema de Hamlet. O ser e o não ser da consciência. São Paulo: Viramundo, 2002. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. Lisboa: Ed: 70, 1984.. O capital. Crítica da Economia Política. Tomo 1. Nova Cultura, São Paulo, 1996.. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo, Boitempo, 2005.. Engels, F. A ideologia alemã. Boitempo Editorial São Paulo, 2007. SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações. 10.ed. Autores Associados, 2008. Campinas:. Educ. Soc. Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2728100.pdf. Acesso em: 28 jul. 2014. SEVERINO A. J. Metodologia do trabalho Científico- 23. ed. rev. atual, São Paulo: Cortez, 2007.