Comunicação, Política e Democracia: Novas configurações em um espaço público midiatizado 1



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Transcrição:

Comunicação, Política e Democracia: Novas configurações em um espaço público midiatizado 1 Rejane de Oliveira Pozobon Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria Resumo Hoje, o livre fluxo de informação e o avanço das redes digitais de comunicação inviabilizaram a existência de uma esfera pública unificada. A mídia, por sua vez, não se converte no único espaço público, mas é o que oferece maior visibilidade aos temas das outras esferas ou campos sociais. Este texto objetiva refletir sobre como o protagonismo dos usuários no processo de produção e difusão de informações tem transformado a esfera midiática e de que forma este processo pode reconfigurar a ideia de política e democracia que temos hoje. Palavras-chave: Comunicação; Política; Democracia; Espaço Público; Midiatização. Novo entendimento de Espaço Público Em 1962, quando Habermas conceituou espaço público seu entendimento envolvia a idéia da co-presença de cidadãos num mesmo espaço físico. O pensador propunha que a esfera pública era um espaço de mediação entre o Estado e a sociedade civil. Nesta sociedade, Habermas incluía apenas os homens (excetuando os escravos e os estrangeiros) com nível sócio-econômico que lhes permitissem acesso a um nível mínimo de educação. A influência das análises de Adorno e Horkheimer conduziram Habermas a afirmar que os meios de comunicação seriam responsáveis pela perda da capacidade crítica do público e, conseqüentemente, pelo declínio da esfera pública, uma vez que esta perdera sua atuação crítica. O modelo proposto pelo estudioso alemão recebeu inúmeras críticas. Thompson (1998) entende que o conceito original de Habermas negligencia a importância de outros discursos que já existiam nos séculos anteriores, discursos estes que não faziam parte da sociabilidade burguesa européia, a exemplo dos movimentos sociais surgidos no início da idade moderna. 1 Trabalho submetido ao GT Comunicação Pública, Governamental e Política.

Thompson (1998) considera a noção de esfera pública burguesa de Habermas um tanto quanto restrita, visto que esta se limitava ao universo masculino e aos indivíduos que tiveram acesso à educação e aos meios financeiros para dela participar. Além disso, o autor argumenta que a maior fragilidade do conceito inicial de esfera pública está no entendimento de que os receptores midiáticos são consumidores passivos que se deixam encantar pelo espetáculo e se manipular pelos artifícios da mídia. Ainda na década de 1950, Hanna Arendt já se contrapunha ao modelo racionalista de comunicação do espaço público que o pensador alemão viria a propor, pois a pesquisadora sugere que a opinião depende do juízo dos espectadores e pertence à ordem da persuasão. Arendt (2001) reconstitui o percurso de desumanização sofrida pelo homem. Na concepção da filósofa, houve um longo processo de atrofia da condição humana, iniciada, parcialmente, com a constituição da esfera social. Isso, segundo ela, porque esse espaço privilegia o comportamento padronizado, diferentemente do espaço público grego que primava pela diferenciação do ser humano. Arendt afirma que a humanidade de hoje é guiada por padrões de comportamento, o que implica em cerceamento reflexivo. Nesta mesma linha de pensamento, Gomes (1999) afirma que o enfoque inicial de Habermas subestima a capacidade argumentativa da mídia. Segundo o autor, a mídia, mais do que representar, produz a opinião pública. O modelo habermasiano foi revisto também pelo seu próprio criador, 30 anos depois de sua concepção, quando o autor acrescentou os novos processos de organização e participação pública dos cidadãos à sua discussão inicial. A partir dos anos 90, Habermas revê, em O Espaço público 30 anos depois, suas reflexões e reconhece as fragilidades de seu enfoque inicial. O autor passa a aceitar a existência de múltiplas esferas públicas, não estando estas restritas a espaços institucionalizados de participação pública, como a imprensa, o parlamento, entre outros. O modelo de Habermas: o controle e a circulação do poder político Para explicar a circulação do poder nas sociedades atuais, Habermas (1997) utiliza-se de um esquema proposto por Bernhard Peters, que organiza os atores sociais em um eixo composto de um centro e vários anéis periféricos. No centro estariam as instituições formais (como parlamentos, agências responsáveis pelas decisões

administrativas, legislativas e judiciárias, etc.), composta por atores capazes de influir nos processos decisórios. Próximas a este núcleo estariam esferas autonomamente organizadas, mas intrinsecamente ligadas ao governo (como universidades, associações, fundações, etc.). E, em um terceiro nível, estariam as associações orientadas para a formação da opinião (instituições culturais, grupos de ativistas, etc.). Os atores deste nível são aqueles cuja desigualdade de poder faz com que sua prática deliberativa fique limitada à formação da opinião sem alcançar a tomada de decisão. Além de estabelecer essa distinção, Habermas formula um modelo que articula essas esferas. O autor propõe que, o terceiro nível, por possuir uma maior sensibilidade para a identificação de problemas, mobilizaria o primeiro nível, que se encarregaria de decidir quais das alternativas poderiam ser instituídas e legitimadas. O nível intermediário, por sua vez, é o responsável por transportar as opiniões e as alternativas propostas para o nível decisório. Mesmo com algumas críticas apontando para a persistência de uma grande lacuna entre os níveis propostos por Habermas, parece inegável a ampliação que o autor traz no que tange ao papel dos meios de comunicação na esfera pública e nos processos deliberativos da atualidade. A comunicação política mediada na esfera pública pode facilitar processos de legitimação deliberativa em sociedades complexas somente se um sistema mediático auto-regulador adquire independência com relação a seu ambiente social, e se audiências anônimas garantem um feedback entre o discurso informado da elite e uma sociedade civil responsiva (HABERMAS, 2008, p.10). Recentemente, Habermas (2008) reafirmou a centralidade da mídia na esfera pública, salientando o fato de que ela alimenta os fluxos comunicativos e deliberativos que a sustentam, formulando, a partir de estratégias próprias, articulações entre diferentes falas. Ao revisar o conceito de esfera pública e o lugar nela ocupado pela mídia, Habermas aponta que a instância midiática, ao longo dos tempos, adquiriu um grande poder de publicização e desenvolveu uma capacidade de promover acesso aos conteúdos discursivos que circulam em vários contextos comunicativos, contribuindo para que as audiências possam construir opiniões distintas acerca das questões divulgadas. Portanto, podemos dizer que, se na década de 1960 Habermas mostrava uma visão redutora dos meios de comunicação, a partir da década de 1990 ele procura

reformular sua reflexão e confere à mídia uma função organizadora de opiniões e estruturadora da esfera pública. Comunicação, política e democracia no espaço público midiatizado A midiatização constitui, atualmente, um conceito de relevância social, pois remete a questões do espaço público, onde se negociam e se disputam os sentidos ofertados à sociedade. No entanto, ao mesmo tempo em que a mídia se remete a questões do espaço público, ela própria se constitui em um espaço público a partir da produção, mediação e veiculação de sentidos no contexto social. A mídia faz a mediação discursiva entre os diferentes campos sociais e a sociedade como um todo. Essa mediação se dá a partir do momento em que o campo midiático recolhe as informações disponibilizadas pelos demais campos sociais, reelabora esses discursos e os coloca em circulação novamente, segundo suas regras e estratégias. Pensando por meio desta perspectiva, a midiatização se converteria numa complexa interação dos campos sociais sob a coordenação dos medias, ou seja, o processo em que as experiências dos diferentes campos sociais são selecionadas e hierarquizadas segundo a lógica midiática. Entretanto, para além das especificidades do conceito de midiatização, uma questão interessante de se analisar quando estamos pensando a relação comunicação e política é o entendimento de que a midiatização implica uma transformação das formas tradicionais de sociabilidade (Sodré, 2002, p.27). Nesse sentido, nos interessa analisar como o processo de midiatização incide na difusão, no compartilhamento e nas apropriações das informações que circulam nas redes digitais e como se dá a tecnointeração (Sodré, 2002) entre os produtos midiáticos e os sujeitos envolvidos nos processos democráticos. Num espaço público midiatizado, a tecnointeração representa uma nova forma de vínculo social (Sodré, 2002), que promove um alargamento da experiência humana para além do espaço geográfico fixo. As tecnologias de informação passam a modificar as formas de interação social, passando estas a serem mediadas não só culturalmente, mas também tecnicamente. A lógica midiática acaba também interferindo nas lógicas de funcionamento e interação dos demais campos sociais. Esse processo faz com que as inúmeras mediações que se dão via tecnologias de informação sejam entendidas como um processo de midiatização, onde os dispositivos midiáticos passam a ocupar uma centralidade na formação dos discursos e das ações sociais, modificando valores

culturais e construindo o que Sodré (2002) denomina de tecnocultura. Estas proposições nos ajudam a entender como o campo midiático participa das lógicas de interação dos grupos sociais e que configurações essa nova forma de vínculo social promove nos sujeitos receptores dos textos midiáticos. A partir do conceito proposto por Sodré (2002) podemos pensar que a midiatização é um processo no qual o real se produz sociotecnicamente e através do qual também temos acesso às experiências do cotidiano. Vale lembrar que esse processo de acesso diverge da manipulação e aproxima-se de uma singularidade, restrita ao tempo e ao espaço midiático. Essa singularidade, por sua vez, é resultado da passagem por diferentes filtros e enquadramentos, que vão desde a subjetividade do jornalista, passando pela cultura organizacional e o crivo do editor, até instâncias mais macros que perpassam o campo comunicacional. Mas é através deste real midiatizado que o receptor vai ter acesso a uma das formas de produção da realidade. Esse real socialmente ofertado está perpassado por estilos e discursos dos seus campos de origem, mas sofre implicações do campo midiático, fazendo com que o acontecimento seja submetido às regras e aos enquadramentos dos medias para poder ser transformado em notícia. Os medias intervêm no cotidiano social, priorizando focos (e fontes) em detrimento de outros. Confirma-se, assim, o caráter ambíguo da comunicação midiatizada pois se, por um lado, representa um discurso polifônico à medida que acolhe e media os diferentes campos do conhecimento, por outro, constitui um poder hegemônico, pois é um campo socialmente legitimado para produzir um discurso da realidade (Rodrigues, 2000). Todos esses aspectos acima mencionados complexificam a tarefa de analisar o processo de midiatização. Uma contribuição efetiva nessa direção é a proposição de Eliseo Verón (1997). O autor desenvolveu um esquema para analisar o processo de midiatização, alertando para o fato de que devemos levar em conta a complexidade das relações que compõem tal processo. Essa complexidade pode ser explicada pelo fato de que, ao ocupar um lugar central na mediação da realidade, o campo midiático participa de inúmeras negociações, disputas e jogos de interesse. O esquema, aparentemente simples, proposto por Verón (1997), mostra as imbricadas relações que se estabelecem entre mídia, instituições e atores individuais, ilustrando a complexidade do processo de midiatização. Segundo o esquema proposto pelo autor, existem quatro zonas de produção de coletivos, a saber: as relações das mídias com as instituições, as relações

das mídias com os atores individuais, as relações das instituições com os atores e as incidências das mídias nas relações entre as instituições e os atores sociais 2. O esquema identifica ainda a possibilidade de diferentes construções de sentido, geradas entre as zonas de produção de coletivos, a partir da ação de seus interpretantes, construções estas produzidas nos processos de comunicação entre as mídias, as instituições e os atores individuais. Pensando o esquema da semiose da midiatização de Verón (1997), visualizamos o emaranhado de cruzamentos entre os discursos produzidos pelos diferentes campos sociais e as ressonâncias produzidas nas (e pelas) instituições e nos (e pelos) atores sociais, afetados pela centralidade do campo midiático 3. A partir da estruturação proposta, podemos inferir que as maiores tensões encontram-se, justamente, entre as instituições e o campo midiático. Essa problemática se inscreve devido ao fato do campo mídiático, muitas vezes, assumir o papel de gerenciador de tensões e conflitos e, por vezes, acabar gerando outras tensões devido ao poder e controle que passa a assumir na construção dessas experiências. A mídia passa, então, a operar como um intelectual orgânico (Ianni, 1995), funcionando como um dispositivo gerenciador de parâmetros da realidade social. Não gerencia apenas o seu espaço, mas passa a operar em toda a extensão da sociedade e nos mais diversos campos sociais. Isso explica porque os fatos sociais não existem como dados e sim como construções midiáticas. Trata-se de uma redução da realidade a um discurso formatado, produzido para ser veiculado nos medias, uma combinação de elementos dos discursos de vários campos, porém, emoldurados pelas regras midiáticas. Todavia, vale lembrar que essa característica gerenciadora da mídia não implica uma volta à concepção causa-efeito, pois não é capaz de impedir as interpretações/construções dos sujeitos. Isso mostra como e porque esse processo é de natureza complexa, pois mesmo que a mídia selecione e até molde o que deve ser 2 É importante ressaltar que nessas zonas de produção não existem movimentos unidirecionais ou lineares. São processos de múltiplas ordens, resultantes de negociações, interesses e fatores externos e complexos. Outro ponto relevante é que se analisássemos essas zonas como sistemas complexos, encontraríamos várias possibilidades de relações em que as instituições se afetam umas às outras e vão se transformando no decorrer do processo de midiatização. 3 Vale lembrar que os meios também são instituições, porém diferenciadas pelo lugar central que ocupam no processo de mediação e midiatização das informações que circulam no espaço público. A centralidade do campo midiático é exemplificada por Verón (1997) no episódio da demissão do então ministro da economia da Argentina (Domingo Carvallo) através de um programa de rádio, mostrando que os problemas que antes eram resolvidos na instituição organizacional agora passam a ser resolvidos via campo midiático.

conhecido, o agendamento social não se converte em uma imposição, o que transformaria o processo em algo extremamente simplista. Aqui é preciso relativizar a autonomia e a supremacia da mídia, pois os receptores dos conteúdos midiáticos são sujeitos críticos e sempre encontram brechas para novas e diferentes construções. Ancorado nestas perspectivas, substituímos a concepção behaviorista por uma perspectiva em que as mediações ocupam um lugar de destaque na construção dos sentidos midiáticos e passa a considerar a existência e a importância das diferentes leituras e apropriações dos sujeitos, dependendo do contexto em que estão inseridos e da situação relacional em que se encontram. Nesta direção, o processo de midiatização traz sua contribuição para compreendermos a relação entre comunicação, política e democracia na medida em que permite a análise dos diferentes campos e atores envolvidos no processo. Ao dar visibilidade aos acontecimentos do campo político, a mídia possibilita um acesso relativamente plural às construções simbólicas e à produção dos sentidos sociais. Nesse espaço público midiatizado, os profissionais da comunicação assumem um papel relevante, na medida em que promovem uma adequação dos fatos originados nos mais diversos campos sociais ao discurso e às normas do campo midiático. Os sentidos ofertados pela mídia são, entretanto, perpassados pelas diferentes falas e culturas dos seus campos de origem e a midiatização, por sua vez, se constitui na fala que tem a função de mediar as demais falas do espaço público, pois é a que contem o poder de articulação. Assim sendo, nos interessa compreender como os cidadãos vão produzindo sentidos neste fluxo intenso, e ao mesmo tempo tão plural, de informações, que se deslocam em uma via de mão dupla, da mídia para os cidadãos e destes para a mídia, formando uma dinâmica capaz de alterar lugares e papéis sociais dos campos e dos atores envolvidos. Uma última questão, já levantada no item da problematização mas que merece ser retomada, é o fato de que essa construção não é uma atribuição exclusiva da mídia, pois as demais instituições a que os sujeitos interpretantes estão ligados também são produtoras e ressignificadoras de sentidos. Ao mesmo tempo essas reconstruções promovidas pelas interações entre instituições e atores sociais passam a realimentar e reconfigurar o campo midiático.

Seguramente, a mídia tem o poder de retirar várias demandas e atores sociais da condição de invisibilidade, exercendo uma função mediadora. A visibilidade possibilitada pela mídia é importante não só para o sistema decisório, que ocupa um nível central, como também para os atores que fazem parte dos níveis mais periféricos. É fato, entretanto, que neste espaço de visibilidade mediada existem grandes assimetrias no que tange às possibilidades de validação e regulação das mensagens. Grupos mais organizados, movimentos sociais e ONGs possuem maior possibilidade de instaurarem agendas públicas de discussão de suas necessidades. Inversamente, grupos politicamente desarticulados têm suas demandas constantemente restringidas às dinâmicas comunicativas de contextos privados ou alternativos que fazem parte das margens do processo deliberativo (DOWNING, 2001). Primeiramente, é preciso destacar que nem todas as vozes estão representadas no espaço da visibilidade mediada. No caso da demanda do grupo receber destaque na instância midiática, vale ainda lembrar que o acesso às informações não assegura às audiências uma disponibilização de todas as perspectivas relacionadas às questões que estão sendo discutidas. O acesso a diferentes enunciados não implica que estes foram selecionados a partir de um processo democrático de inclusão. Podemos dizer que, uma das principais contribuições que a mídia oferece ao processo deliberativo é a disponibilização de uma pluralidade de informações. Ao expor informações qualificadas, a mídia disponibiliza pontos de vista diferenciados para que a audiência possa formar seu próprio juízo e interpretar a informação recebida a partir das suas experiências de vida. Assim, a publicização de uma determinada questão no espaço da visibilidade mediada permite sua disseminação a um público múltiplo e heterogêneo, viabilizando a capacidade de uma interpretação crítica e diversificada da audiência. É neste sentido que, hoje, a esfera pública converte-se numa arena de entrecruzamento de diferentes demandas, proposições e pontos de vista, mediada pelo poder e pelo discurso da mídia. Relações e potencialidades ampliadas pela era digital Quando trazemos a relação comunicação e política para o debate, e associamos a este binômio a palavra internet, novas tecnologias ou era digital é recorrente a projeção de que essa relação resultaria (ou deveria resultar) em mecanismos de intervenção dos públicos na esfera da decisão política. As redes digitais, hoje, são

pensadas como uma possibilidade de incremento das práticas democráticas. No entanto, a realidade nos mostra que essas práticas são limitadas e a questão que desponta é pensar, em que medida as tecnologias da comunicação, disponibilizadas e ampliadas na era digital, podem modificar, aprimorar ou ampliar as possibilidades democráticas da sociedade contemporânea. A meta projetada é que as redes digitais permitam uma relação sem intermediários entre a esfera civil e a esfera política, minimizando as influências da esfera econômica e, sobretudo, das indústrias do entretenimento e da informação de massa, que nesse momento controlam o fluxo da informação política (GOMES, 2005). Dessa forma, a sociedade civil não seria apenas consumidora de informação política. Um fluxo de informação de dupla via possibilitaria que a esfera civil produzisse informação política e criasse as condições necessárias para decisões relevantes. Em um estudo focado na relação entre comunicação e política, Gomes (2005) define os cinco graus de uma democracia digital. O primeiro e mais elementar grau seria aquele representado pelo acesso do cidadão aos serviços públicos através da rede. No mesmo nível estaria a prestação de informação por parte do Estado, dos partidos ou dos representantes que integram os colegiados políticos formais. O segundo grau seria constituído por um Estado que consulta os cidadãos pela rede para averiguar a sua opinião a respeito de temas da agenda pública e até, eventualmente, para a formação da agenda pública. Nestes dois graus mais elementares, o fluxo de comunicação parte da esfera política, recebe feedback da esfera civil e retorna como informação para os agentes da esfera política. O terceiro grau de democracia digital seria representado por um Estado com tal volume e intensidade na sua prestação de informação e prestação de contas que, de algum modo, adquire um alto nível de transparência para o cidadão comum. Numa democracia digital de quarto grau o Estado se torna mais poroso à participação popular, permitindo que o público não apenas se mantenha informado sobre a condução dos negócios públicos, mas também que possa intervir deliberativamente na produção da decisão política. O quinto grau é representado pelos modelos de democracia direta, onde a esfera política profissional se extinguiria porque o público mesmo controlaria a decisão política válida e legítima. Este último grau converte o cidadão não apenas em controlador da esfera política, mas em produtor de decisão política.

Não entrando no mérito da viabilidade de concretização da proposta acima apresentada, pensamos que é inegável o fato de que as redes digitais proporcionam mecanismos e recursos significativos de participação política. No entanto, argumentamos que, apenas o acesso a essas redes não garante o incremento da atividade política e democrática. Nessa direção, Gomes (2005) salienta que as discussões políticas on-line, embora permitam ampla participação, são dominadas por uns poucos, do mesmo modo que as discussões políticas em geral. Segundo o autor, pesquisas sugerem que a esfera política virtual de alguma maneira reflete a política tradicional, servindo simplesmente como um espaço adicional para a expressão da política mais do que como um reformador radical do pensamento e das estruturas vigentes. Ou seja, apesar das significativas vantagens, a comunicação digital não resulta, necessariamente, numa esfera de discussão pública justa, representativa e igualitária. As redes, embora viabilizem feedbacks da sociedade civil ao centro político (anel central do esquema proposto por Habermas), não garantem que este retorno influencie nos processos decisórios. Nessa direção, uma questão relevante é que a informação via redes digitais, em princípio, está disponível para todos aqueles cidadãos digitalmente incluídos, entretanto, o gerenciamento destas informações não é tarefa fácil. A busca (e a seleção) de informações requer tempo e habilidade, variáveis que não estão ao alcance de muitos. Assim, por mais que as redes ofereçam oportunidades inovadoras de participação, é necessário uma cultura e sistema político com condições (e interesse) de acolhê-los. Sodré (2009, p.123) afirma que está chegando ao fim a coincidência entre duas dimensões: o espaço público e o espaço político. Por um lado a perda da centralidade política; por outro, o enfraquecimento do poder de transformação das expressões individuais e coletivas que caracterizam o que chamamos de espaço público. O autor afirma que o espaço público é mais do que um lugar de comunicação, é um plano de expressão e de circulação de forças (SODRÈ, 2009, p.124). E é justamente nesse espaço, de intensa circulação de força e poder, que as práticas comunicativas e democráticas tentam se desenvolver. A nós, comunicadores, cabe a responsabilidade de criar mecanismos que viabilizem ou ampliem as possibilidades democráticas dos sujeitos que buscam acesso às informações disponíveis nas redes.

Referências ARENDT, Hannah. A condição humana. VI Ed., São Paulo: Forense Universtária, 1958. DOWNING, John D. H. Mídia Radical: rebeldia nas Comunicações e Movimentos Sociais. São Paulo: SENAC, 2001. GOMES, Wilson. Esfera pública: política e media II. In: Práticas discursivas na cultura contemporânea. Rio Grande do Sul: Unisinos, 1999.. Internet e participação política em sociedades democráticas. V ENLEPICC. Universidade Federal da Bahia, 2005.. A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política. In: Revista Fronteiras. VII (3), setembro/dezembro 2005, p.214-222. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol II. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.. O Espaço Público 30 anos depois. Caderno de Filosofia e Ciências Humanas. Ano III n.º 12 Abril/99 Unicentro/BH, 1999.. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.. Comunicação política na sociedade mediática: o impacto da teoria normativa na pesquisa empírica. In: Revista Líbero - Ano XI - nº 21 - Jun 2008 (p. 9-22). IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. RODRIGUES, Adriano Duarte. A emergência dos campos sociais. In: Reflexões sobre o mundo contemporâneo. RJ: revan, 2000. SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2002.. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009. THOMPSON, John. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998. VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs, 1997.