Públicos da desigualdade social na EJA: ações educativas, para o reconhecimento e a valorização dos sujeitos



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Transcrição:

Públicos da desigualdade social na EJA: ações educativas, para o reconhecimento e a valorização dos sujeitos (Ana Rosaura Moraes Springer) 1 ; (Jaqueline Rosa da Cunha) 2 ; (Thaís Guma Pagel) 3 O presente trabalho relata experiências com estratégias educativas que fazem referência ao pensamento pedagógico de Paulo Freire dentro do Curso Técnico em Administração - modalidade Proeja do IFRS - Câmpus Porto Alegre. O público da EJA necessita de ações educativas, para o reconhecimento, bem como a conscientização e valorização dos seus direitos a partir da implantação e discussão de temáticas que lhes representam, tais como: diversidade étnica e cultural, diversidade de gênero e inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais. Nesse sentido, o texto traz uma parte do trabalho que é desenvolvido visando atender os públicos da desigualdade social que integram o Proeja. No texto A educação de jovens e adultos e a promoção da igualdade racial no Brasil, Joana Célia dos Passos afirma que a EJA se constitui numa política afirmativa e, por isso, pode estar integrando diferentes políticas em ações e programas que tem como finalidades superar as desigualdades raciais, de gênero e de classe. Na esteira desse pensamento, Miguel Arroyo chama a atenção sobre os sujeitos da EJA e sua diversidade afirmando que as trajetórias desses jovens e adultos são trajetórias coletivas de negação de direitos, de exclusão e marginalização; consequentemente a EJA tem de se caracterizar como uma política afirmativa de direitos de coletivos sociais, historicamente negados (2005, p. 30). Como forma de reflexão sobre essas afirmações, este texto busca apontar ações educativas que podem ser realizadas a partir do reconhecimento e da 1 Pedagoga, pós-graduanda da área da Educação e servidora técnica administrativa do IFRS. E-mail: anaspringer@uol.com.br 2 Doutora em Letras, Professora e Coordenadora do Curso PROEJA e docente do mesmo no IFRS Câmpus Porto Alegre. E-mail: jaqueline.cunha@poa.ifrs.edu.br 3 Pedagoga pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelas Faculdades Integradas Facvest. Pós-Graduanda em Educação de Jovens e Adultos na Diversidade pela Universidade Federal do Rio Grande FURG. Mestre e Doutora em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - PPGEA - FURG. E- mail: thais_pagel@yahoo.com.br.

2 valorização das características de três grupos socioculturais presentes no PROEJA do IFRS Câmpus Porto Alegre. Para fins de observação, foram escolhidos os públicos predominantes nesse curso, que são: mulheres, negros e pessoas com necessidades educacionais específicas. Com relação às estudantes, muitas delas são ou foram exploradas e convivem ou conviveram com a violência doméstica. Algumas ocupam a posição de chefes de família sendo, a cada dia, mais comum tal realidade. Em sua maioria, possuem ocupações domésticas e são as únicas responsáveis pelo cuidado com os filhos, isso faz com que possuam vinculação em trabalhos mal remunerados, geralmente, no setor da informalidade, em tempo parcial ou intermitente, prejudicando a sua garantia de subsistência. A sobrecarga dos papéis por elas assumidos as levam às dificuldades sociais e econômicas. O cotidiano atribulado de multitarefas e sem respaldo sócioafetivo e econômico as deixam expostas à sua condição feminina de vulnerabilidade social, permitindo que fiquem emocionalmente fragilizadas. A gravidez precoce ou indesejada faz com que essas mulheres tenham em média quatro filhos e não possuam o apoio da família, porque essa, por sua vez, possui fragilidade financeira. O aumento do núcleo familiar de forma não planejada potencializa as dificuldades enfrentadas por essas mulheres, alicerces de família, e pelas jovens mães, isso é um entrave para a continuação e/ou recomeço dos estudos ou de uma qualificação profissional e potencializa a dificuldade da permanência daquelas que ingressaram em um curso. A mulher que acessa esse programa busca a realização do sonho de concluir os seus estudos e também a oportunidade de ocupação e renda, por meio de uma qualificação profissional que facilite seu ingresso ao mundo produtivo do trabalho formal, pois compreende que sua sobrevivência no dia a dia é o mais importante para a melhoria de sua qualidade de vida e de sua família. Em uma pesquisa ao final do curso, em 2013, em que as participantes deveriam registrar como se sentiam ao término da experiência de estarem novamente fazendo parte de uma turma em uma instituição de ensino, algumas mulheres afirmaram que sentiam grande satisfação, principalmente, ao falarem que seus filhos voltaram a estudar por ter seguido o exemplo da mãe. Isso demonstra o resultado de reconhecimento e melhoria da autoestima. Assim o programa também atinge diretamente a família, através de uma

3 política pública inovadora, na qual a educação e a formação profissional e tecnológica buscam se consolidar através de resultados satisfatórios. A fim de valorizar e levantar a autoestima do público feminino que participa do PROEJA, busca-se ampliar o horizonte de entendimentos e expectativas das estudantes. Essa não é tarefa fácil, pois falar de temas como diversidade de gênero, numa perspectiva de novas construções e expectativas sociais, a partir do olhar e do reconhecer-se mulher com suas orientações sexuais, mexe com as certezas que elas carregam. O objetivo da EJA em tratar desse tema é para que as estudantes possam compreender que gênero diz respeito ao modo como nossa sociedade entende o papel do ser homem e do ser mulher e o quanto essa relação tende a ser engessada. O ingresso no PROEJA, das mulheres pertencentes ao público da desigualdade sociocultural, representa a retomada das relações de grupo. O convívio dentro do grupo é, em geral, conflituoso, porque as participantes possuem um perfil de defesa, mesmo não sendo atacadas. Elas encontram dificuldades na aceitação de opiniões diferentes e entendem os comentários que recebem como se fossem críticas. Através de atividades voltadas ao público feminino, como palestras, oficinas, seção de cinema e literatura comentadas em que as personagens principais são femininas, e práticas pedagógicas é possível trabalhar o conceito de divergência de opinião e ajudá-las a mudar de ideia sobre o seu entendimento e comportamento. Outro grupo a ser observado no PROEJA é o de estudantes afrodescendentes. Esse grupo da diversidade sociocultural, historicamente, sofre preconceito, discriminação e exclusão. Tudo o que se refere aos negros, no olhar da sociedade dominante, é tido como ruim, negativo e sem valor. Os índices de criminalidade contra negros e tudo o que a eles se refere têm sido alarmantes no Brasil nos últimos anos. No entanto, a exigência de cumprimento da Lei 11.645/2008, no Ensino Básico tem assegurado o direito e exigido que sejam incluídos os conteúdos de cultura e história afro-brasileira e indígena no currículo escolar. Dessa forma, no PROEJA do IFRS Câmpus Porto Alegre faz a inclusão da temática, valorizando a cultura, a história e a identidade dos estudantes afrodescendentes. Como o Câmpus possui o NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas), há mais facilidade de realizar a aproximação e inclusão desses estudantes. Todos eles foram convidados a participar do núcleo, no entanto, poucos ainda se reconhecem negros.

4 O trabalho em sala de aula com a abordagem africana nas aulas de Literatura Brasileira, Arte, Educação Física, entre outras áreas, vem apresentando a história e a cultura dos africanos que vieram escravizados para o Brasil; mostrando o lugar que o negro ocupava na sociedade, cultura e literatura dos séculos XIX e XX, tomando por exemplo as charqueadas do extremo sul do nosso Estado; e na sequência, são estudadas as mudanças e conquistas sociais dos movimentos negros, a partir de depoimentos de sociólogos, escritores, poetas e atores negros da atualidade. Assim, conseguimos fazer com que os estudantes negros e não-negros conheçam e valorizem a história e cultura afro-brasileira e se reconheçam parte dela. A partir dessas atividades, os estudantes percebem que, muitas de suas palavras, hábitos, crenças e costumes vêm dessas culturas e que a nossa identidade brasileira passa pela miscigenação afro-brasileira. Assim, entendem a importância de defender o direito de oportunidades iguais para todos e de valorizar os cidadãos afro-brasileiros respeitando a sua cultura e história. Importante destacar que não é necessária a existência de um núcleo de estudos afro-brasileiros, para que sejam realizadas atividades de inclusão, valorização e reconhecimento da cultura de raiz africana. Em toda e qualquer instituição de ensino é possível que esse trabalho seja desenvolvido, inclusive por que há uma exigência legal para isso. O terceiro grupo a ser mencionado é o de pessoas com necessidades educacionais específicas. Essa é mais uma fração do público da desigualdade sociocultural, mas com um agravante: parece ser invisível. Por mais absurdo que possa parecer, a cidade de Porto Alegre possui apenas três escolas de Ensino Fundamental para surdos, duas públicas e uma particular; nenhuma de Ensino Médio. O IFRS Câmpus Porto Alegre conta com o trabalho do NAPNE Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas e, por esse motivo, está se estruturando para receber, a partir de 2015/2, estudantes surdos que queiram completar os seus estudos no PROEJA. Em uma pesquisa empírica realizada com uma comunidade surda, foi perguntado o porquê de eles não procurarem o PROEJA para seguir os estudos. A resposta foi: por que já estamos acostumados a não estudar, pois somos excluídos mesmo; é muito difícil as escolas terem intérpretes e isso torna o acesso impossível. Problema semelhante é enfrentado por cegos e cadeirantes que não alimentam o sonho de seguir os estudos, pois não há espaço real para eles nas instituições, ainda que nos

5 documentos, as escolas falem em inclusão das pessoas com necessidades educacionais específicas. O PROEJA, atualmente, conta com um estudante que apresenta características de autismo mediana; uma estudante com síndrome de kabuki, disgrafia severa, discalculia e problemas de retenção de memória; um educando disléxico; uma com baixa visão e problemas cognitivos; um com baixa visão; e uma cadeirante. A saída para trabalhar com esses estudantes e buscar incluí-los foi estudada intensivamente ao longo de dois anos. Após muitas e longas reuniões entre a coordenação e colegiado do curso, coordenadoria de ensino e membros do NAPNE, todos os envolvidos na construção da aprendizagem desses estudantes perceberam que deveria ser adaptado o currículo do PROEJA, para cada um, respeitando as suas necessidades, tempo e condições de aprendizagem. Essa negociação com os professores não foi algo tranquilo, pois muitos atuam no curso técnico com formação técnica ou em bacharelado e, parece que para sensibilizar e enxergar que o outro aprende de forma diferente e possui limitações, faz falta ter uma licenciatura. Na intenção de auxiliar os estudantes com necessidades educacionais específicas, já que o Câmpus não possui um monitor para acompanhá-los em sala de aula, eles foram encaminhados ao LAD Laboratório de Apoio Didático de Língua Portuguesa. Ele surgiu do fato de que muitos educandos possuem sérias deficiências no aprendizado da Língua Portuguesa o que acarreta em problemas de aprendizagem também nos demais componentes curriculares por não entenderem o que leem e não conseguirem expressar verbalmente ou por escrito o que pensam. O LAD tem por objetivo auxiliar os estudantes dos cursos em geral do IFRS Câmpus Porto Alegre que busquem ajuda e esclarecimentos sobre leitura, interpretação e produção textual, a melhorar as suas competências com relação aos códigos e linguagens que envolvem o estudo da língua materna. Além disso, o projeto visa atuar, primeiramente, em duas vertentes: perceber quais são as dificuldades pontuais de cada aluno, no que se refere a leitura e produção; e desenvolver metodologias de ensino-aprendizagem que auxiliem os alunos a desenvolverem as competências e habilidades necessárias ao seu rendimento escolar. A metodologia das aulas segue dois momentos: primeiro, uma entrevista em que são observadas as dificuldades de cada estudante e coletados temas geradores, seguindo a metodologia de Paulo Freire; depois, são realizadas as atividades necessárias para dar conta de solucionar as falhas de aprendizagem e/ou

6 desenvolver as habilidades linguísticas, além de trabalhar as questões de leitura e produção textual. Inesperadamente, o LAD passou a ser frequentado apenas por estudantes dos cursos técnicos e PROEJA com necessidades especiais, pois esses percebem que possuem dificuldades e buscam ajuda. Eles encontram no LAD, além de um momento em que podem realizar as suas atividades no seu tempo e com o auxílio da monitora e da coordenadora do laboratório, também um espaço em que são ouvidos e recebidos com amorosidade e incentivados a seguir os estudos e a sonhar com mudanças positivas nas suas vidas. A existência do LAD tem sido essencial para esses estudantes. Após iniciar as aulas no LAD, a frequência deles nas aulas regulares tem aumentado, bem como o desenvolvimento cognitivo dos mesmos. A partir disso, os professores responsáveis pelas disciplinas cursadas por esses educandos, foram sendo comunicados de que eles realizavam atividades no LAD, e os docentes foram adaptando atividades para que fossem desenvolvidas no laboratório. Em um ano de LAD, estudantes como o rapaz descrito com características de autismo mediana; a menina com síndrome de kabuki, disgrafia severa, discalculia e problemas de retenção de memória; e o estudante disléxico, foram tornando-se mais confiantes e sentindo-se capazes de estudar e aprender. Ao longo dos meses foram desenvolvidas atividades individuais com cada um dos educandos, sempre respeitando as suas dificuldades e fazendo um trabalho mais repetitivo para que eles compreendessem melhor; eram disponibilizados muitos exercícios parecidos até que houvesse uma compreensão e a monitora percebesse que cada um, a seu tempo, estava apto a passar para um grau de maior dificuldade e ir avançando na construção do conhecimento. Importante destacar que, após ingressarem no LAD, esses estudantes, na sala de aula regular do PROEJA ou de seus cursos, ficavam menos ansiosos e passaram a conseguir realizar tarefas em grupo com os seus colegas ditos normais. O grau de responsabilidade deles aumentou e isso fez com que as suas respectivas turmas os acolhessem de maneira mais solidária e paciente, realizando a inclusão. Todos unidos, professores, colegas, coordenadores e monitores formam um alicerce para os alunos com necessidades educacionais específicas compreender que todos são capazes de aprender. Porém, é necessário que todos juntos formem essa base, principalmente, para no que tange à avaliação. Nesse sentido, o PPC do

7 PROEJA prevê que ao estudante com necessidades educacionais específicas fica assegurado, conforme LDB (LEI 9.394/96), currículos, método, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades. Para tanto, os educandos com tais necessidades serão avaliados por instrumento descritivo a partir dos seguintes critérios: CONCEITO DESCRIÇÃO Análise Argumentação Autonomia Cidadania Classificação Compreensão Conservação Discernimento Expressão Formulação de conceitos Identificação Interpretação Observação Raciocínio lógico Relação Teoria/Prática Senso crítico Seriação Síntese analisar as partes de um todo, verificar prós e contras de uma ação situação apresentar justificativas com coerência às ideias capacidade de governar-se, ter emancipação e independência ser responsável e comprometido com as ações do meio e circunstâncias, respeitando o coletivo reunir características comuns é alcançar o entendimento de forma geral do tema trabalhado preservar conceitos construídos distinguir situações diferentes expressar e manifestar de forma clara as ideias é conseguir criar opinião própria e individual referente ao tema exposto e trabalhado é o reconhecimento de características, pontos específicos ou informações relativas ao tema trabalhado. compreender o sentido da proposta olhar atentamente, examinar com detalhes, minúcias deduzir com coerência, chegar a uma conclusão. é conseguir a conexão do mundo que nos cerca (trabalho, tecnologia, dia-a-dia) com os conteúdos vistos em aula. capacidade de apreciar, de julgar entendimento. é atingir a ordem de evolução de conhecimento, fazendo a enumeração dos fatos. elaborar de forma coerente e resumida as partes de um todo.

8 Tempo/Espaço Transcendência saber relacionar a época e o local onde aconteceram os fatos ir além do proposto, reconhecer as entrelinhas do processo Após apontar ações educativas realizadas para fomentar o reconhecimento e a valorização das características de três grupos socioculturais predominantes no PROEJA do IFRS Câmpus Porto Alegre, quais sejam: mulheres, negros e pessoas com necessidades educacionais específicas, retomam-se e ampliam-se as ideias da autora Joana Célia dos Passos. Podemos afirmar que a EJA é o espaço perfeito e adequado para tratar as questões de políticas de promoção da igualdade não apenas racial, mas de todo o público da desigualdade social devido ao seu histórico de enfrentamentos com relação às situações de exclusão social, discriminação e injustiça presentes nas trajetórias socioculturais, ambientais e de escolarização. Como registra Paulo Freire na Pedagogia da Autonomia, faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. (1996, p. 39). Assim, reforçamos a fala de que a EJA se articula com outras políticas públicas que têm como objetivo reduzir as desigualdades socioculturais e ambientais na sociedade brasileira. Referências bibliográficas: ARROYO, Miguel G. Educação de jovens e adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio; GIONAVETTI, Maria Amélia; GOMES, Nilma Lino. Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 19-50. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PASSOS, Joana Célia dos. A educação de jovens e adultos e a promoção da igualdade racial no Brasil. Disponível em: < https://www.ufpe.br/cead/estudosepesquisa/textos/joana_celia2.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2015.