Aspectos da Avaliação do Desenvolvimento Musical de Crianças do Nascimento aos 5 anos e seu Impacto na Família 1 Ricardo Dourado Freire, Universidade de Brasília 2 Clarisse Prestes 3 Célia Porto 4 Larissa Rosa, Universidade de Brasília 5 Resumo: Analisar uma proposta de avaliação do processo de desenvolvimento musical onde, não só os aspectos melódico e rítmico são observados, mas também são de valor para registro, os aspectos de concentração e inter-relações afetivas e sociais. O estudo promove uma reflexão do processo de avaliação do desenvolvimento musical de crianças de 0 a 5 anos fundamentada na abordagem de avaliação formativa e conduz uma análise quantitativa e qualitativa dos procedimentos avaliativos utilizados num curso de musicalização que trabalha com crianças nessa faixa etária. A análise articula informações obtidas com os formulários de avaliação utilizados nas aulas enquanto a pesquisa de campo consiste na aplicação de questionários a pais e mães de crianças participantes do curso de musicalização. Os resultados contribuem para a compreensão da função da avaliação na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento musical infantil. Palavras chave: Avaliação Musical; Musicalização; Desenvolvimento Musical; Educação Infantil O processo de avaliação do desenvolvimento infantil apresenta vários desafios; entre eles, quais aspectos devem ser avaliados, o quanto pode ser avaliado, como devemos avaliar e de que maneira a avaliação contribui para o desenvolvimento da criança, tanto no 1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina 2007 2 Clarinetista e Educador Musical, professor do Dep. de Música da UnB. Realizou seu Mestrado (1994) e Doutorado (2000) na Michigan State University na área de performance e cursos de especialização em Educação Infantil com Edwin Gordon e Cynthia Taggart. Criador e Coordenador do programa de extensão universitária Música para Crianças, desenvolve atividades com crianças desde o nascimento até os 10 anos desde 20002. Email: freireri@unb.br 3 Natural de Porto Alegre-RS, formada em Licenciatura em Educação Artística pela UFGRS. Trabalha como coordenadora do programa de Musicalização no programa Música para Crianças. Atualmente cursa especialização em Musicoterapia pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde GDF-DF. Email: clarisseprestes@gmail.com 4 Cantora e professora de música, lançou três CDs: Célia Porto (1994), Célia Porto canta Legião Urbana (1998) e Palhaço Bonito (2000). Formou-se em letras pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e estudou canto na Escola de Música de Brasília. Trabalha como professora de Musicalização no programa Música para Crianças desde 2006. Email: cporto@linkexpress.com.br 5 Cursa Licenciatura em Música na Universidade de Brasília e estuda Canto Erudito na Escola de Música de Brasília. Participa como monitora do projeto Música para Crianças desde 2006. Email: larissinha.rosa@gmail.com 1
contexto da aula de música quanto nas relações familiares. Neste artigo são realizadas análises (I) do formulário de avaliação utilizado em um curso de musicalização de crianças de 0 a 5 anos, e (II) de 137 questionários realizados com pais e mães sobre a importância da avaliação no acompanhamento do desenvolvimento musical infantil. Esta pesquisa se propõe a verificar a relevância da avaliação dos aspectos afetivosocial e de concentração junto aos aspectos rítmico e melódico no processo de desenvolvimento musical de crianças do nascimento aos cinco anos e seu impacto na família. Sabe-se que é necessária uma avaliação do processo de desenvolvimento da criança no contexto educativo por várias razões: (a) para que se possa fazer o acompanhamento da criança durante um período específico - avaliação diagnóstica e contínua; (b) para que as estratégias de ensino estejam realmente em sintonia com as necessidades de aprendizagem da criança - avaliação formativa e de intervenção; e (c) para que se possa oferecer um feedback aos pais acerca do resultado, ao longo de um período, do desenvolvimento e da aprendizagem de suas crianças - avaliação cumulativa e feedback Os três aspectos da avaliação estão interligados na mediação do professor, especialmente na educação infantil, quando a criança ainda não é capaz de tomar parte ativa na avaliação do seu próprio processo. Ao avaliar para mapear, ou acompanhar a trajetória da criança durante certo período, o professor atento e competente está inevitavelmente utilizando essas informações para tomar decisões sobre o direcionamento do ensino. Com base nesse conhecimento, o professor terá condições de informar sobre o desenvolvimento da criança àqueles que a acompanham em outros contextos além da sala de aula. Dessa forma, mais uma vez, o professor mediador entra em ação com base numa avaliação formativa. Pois, para além do contexto da aula, no momento em que a avaliação é utilizada como um processo de reflexão do professor compartilhado com os familiares, todos podem contribuir na construção do conhecimento da criança. A seleção de domínios de aprendizagem oferece uma referência para uma avaliação discursiva e qualitativa do processo de aprendizagem da criança. Mas é importante também considerar o plano social e relacional no qual se inscreve a experiência de aprendizagem da criança. Há autores que sugerem que o conhecimento surge da relação que a criança estabelece com as outras crianças, independente da idade; com os adultos 2
(pais, professores e outros); com o meio físico, e com a cultura. Para Figueiredo (1998), todos estes elementos são agentes mediadores entre a criança e a informação e devem ser contemplados no momento da avaliação. Assim, pais, professores e até mesmo crianças mais velhas, assumem o papel do outro que, na perspectiva dialógica e interacionista, é um referencial extremamente significativo para a criança. Todo o processo de aprendizagem e desenvolvimento se dá em um contexto sócio-cultural e as estratégias de avaliação devem ser capazes de contemplar os domínios do desenvolvimento igualmente contextualizados. Em música, em muitos casos, a avaliação se limita a classificar ou julgar o desempenho do aluno em momentos de performance ou a partir de provas teóricas. A avaliação vista desta forma, está destituída do seu grande potencial de subsidiar a própria aprendizagem. Por isso, especialmente na musicalização infantil, a avaliação não tem a função de medir, comparar, classificar, e de aprovar ou reprovar. Para contemplar as múltiplas dimensões da aprendizagem, o desafio posto passa para os critérios de avaliação propriamente ditos. O importante é compreender que cada critério deve ser coerente com a abordagem de aprendizagem no qual a experiência se fundamenta. A aprendizagem musical de crianças de zero a cinco anos para Gordon (2000), ocorre a partir da audiação capacidade de ouvir e compreender música em silêncio, quando a música não está presente que se divide em três níveis: (a) aculturação, refere-se ao contato com a diversidade de tonalidades, tonicalidades i, harmonias, métricas e tempos, e as mudanças decorrentes deste contato; (b) imitação, é a capacidade de imitar modelos e padrões musicais intencionalmente ; (c) assimilação, é a capacidade de executar a diversidade de tonalidades, tonicalidades, harmonias, métricas e tempo atribuindo-lhes significado. A partir da noção de audiação, as estratégias pedagógicas são sistematizadas, desde as atividades musicais propostas aos contextos de aprendizagem criados. É o período mais importante da aprendizagem [...] quando a criança aprende através da exploração e a partir da orientação não-estruturada que lhe proporcionam os pais e outras pessoas que dela cuidam. Aquilo que a criança aprende durante estes primeiros cinco anos de vida forma os alicerces para todo o subseqüente desenvolvimento educativo. (Gordon, 2000, p. 3) Dentro da perspectiva desta pesquisa, na musicalização infantil são levados em consideração os domínios afetivo e social, melódico, rítmico, concentração a partir do 3
estágio de desenvolvimento em que se encontra e o grau de envolvimento da criança em cada um deles: (a) concentração: observa-se de que maneira a criança presta atenção durante as aulas; (b) afetivo e social: como a criança se comporta em grupo, o vínculo afetivo com os pais e nível de interação com o professor; (c) melódico: refere-se ao amadurecimento tonal, à capacidade de cantar afinado, ao uso da voz de cabeça e ao nível de elaboração tonal; e (d) rítmico: refere-se ao amadurecimento rítmico, à capacidade de manter a pulsação e ao nível de elaboração rítmica. a musicalização tem como objetivos oferecer a crianças de zero a cinco anos e suas famílias uma experiência musical significativa que sirva como elemento enriquecedor para o desenvolvimento da criança. Os aspectos afetivo, social, psicomotor e cognitivo são valorizados como os alicerces do processo de construção do conhecimento musical. (Freire, 2002) Para alcançar seu objetivo, o presente trabalho se utiliza de duas ferramentas: (I) o formulário de avaliação individual da aprendizagem musical, (II) questionário respondido por pais e mães das crianças participantes de um programa de musicalização infantil. A análise das informações apresentadas pelas ferramentas consiste numa comparação entre os critérios de avaliação do formulário com a opinião dos respondentes do questionário sobre os aspectos, função e procedimentos da avaliação nas aulas de música. Nessa pesquisa, a interpretação qualitativa se dá com base nas categorias de análise elaboradas a partir das respostas obtidas com os questionários. A interpretação quantitativa se dá a partir da elaboração de um gráfico classificando as respostas de acordo com os aspectos de avaliação do formulário. A partir da coleta de dados, a pesquisa revelou como os pais percebem as funções da avaliação dentro do contexto educativo. O primeiro aspecto mencionado pelos familiares foi o aspecto da avaliação diagnóstica e contínua, em que se pode fazer o acompanhamento da criança durante um período específico: acompanhamento do desenvolvimento da criança em sua totalidade e não somente no âmbito musical ; para os pais verem e ajudarem no desenvolvimento da criança ; orientar os pais no que diz respeito aos itens da avaliação e poder ajustar alguns aspectos da educação dos filhos ; observar o nível de concentração e participação de cada 4
aluno e seu desenvolvimento ; apresenta maior desinibição, grande progresso, canta sozinho melodias diferentes"; "acho que ele passou a gostar mais de música e passou a ser mais musical ; a sensibilidade para perceber todos os tipos de música e sair pulando, batendo palmas, fazendo lá-lá-lá, é cada vez maior. Considero acima das minhas expectativas e extremamente positivo para o desenvolvimento da pessoinha ; observo mais ritmo. Mesmo sem entender, algumas vezes, o que ela fala, é possível reconhecer a música pela melodia que ela entoa ; agora ela está começando a se soltar nas aulas contudo, como eu tenho formação musical, desde bebê eu incentivei muito esse aspecto, tanto que ela gosta muito de cantar. ; ela gosta de música, já acompanha o ritmo e gosta de dançar. Neste semestre ela está participando mais e menos grudada em mim. A avaliação formativa e de intervenção promove reflexão e posterior redirecionamento da ação para suprir necessidades das crianças. Muitas respostas demonstraram que há interesse por parte dos pais em compreender melhor os aspectos da avaliação: para melhorar a qualidade das aulas ; orientar os pais no que diz respeito aos itens da avaliação e poder ajustar alguns aspectos da educação dos filhos, dentro de sua faixa etária ou etapa de desenvolvimento. Os familiares também identificaram os aspectos de avaliação cumulativa, nos quais é possível ter um feedback do processo de desenvolvimento musical dos filhos: desenvolveu seu senso de ritmo e tem muito mais prazer com tudo relacionado com música"; "maior interesse por instrumentos musicais, músicas e ritmos diferentes ; "muito significativo. Já sabem acompanhar alguns ritmos e gostam de instrumentos em geral"; tem uma musicalidade e ritmo mais desenvolvidos que outras crianças da mesma idade ; meu filho é outra criança. Uma criança que não tinha perspectiva para falar, fala tudo, canta, tem ritmo, dança. A música possibilitou o desenvolvimento do meu filho (criança com Síndrome de Down). ; "melhorou muito, mas este trabalho também é feito em casa e assim um ajuda o outro"; embora não demonstre tanto nas aulas, ela canta o dia todo e já sabe diferenciar agudo e grave, por exemplo ; quando a aula termina ele canta as músicas no trajeto para casa. É incrível como ele acompanha os ritmos das variadas músicas. ; talvez fosse importante os pais saberem o rendimento dos filhos ao longo do semestre, para que possam ajudar em casa no que for necessário. 5
Na análise das respostas foi possível identificar um elemento quantitativo quanto aos domínios de desenvolvimento e estabelecer um gráfico comparativo dos diferentes aspectos contemplados na avaliação. Nele, pode-se observar que o aspectos rítmico e o aspecto afetivo-social são os mais valorizados pelos pais, seguidos do melódico e da concentração. (Figura 1) 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Afet ivo/social Melódico Ritm o Concentração Fig. 1- Aspectos importantes do desenvolvimento nas aulas de música Observou-se, a partir de sugestões dadas pelos pais, que a entrega das fichas de avaliação no final de cada semestre é bastante significativa, principalmente o interesse de maior participação deles no processo de desenvolvimento musical dos filhos: poderia haver um texto ao início de cada semestre sobre o que seria avaliado em cada turma neste semestre e o que será desenvolvido para atingir os objetivos.", "Como os pais podem proceder para dar continuação ao processo do desenvolvimento musical em casa", pontos que vocês vêem no decorrer da aula, que nós poderíamos melhorar em casa. Ou seja apontar pontos ao longo do semestre quando possível e necessário. O aspecto mais contemplado pelos pais, na avaliação das crianças, foi o domínio rítmico. O afetivo-social, em segundo lugar, mostrou a preocupação dos pais em relação à socialização da criança em grupo. A partir da análise quantitativa ficou evidente que os domínios, melódico e concentração, não têm tanta relevância quanto os anteriores na opinião dos pais. 6
Pôde-se concluir que os resultados da pesquisa contribuem para a compreensão da função da avaliação. E que a família é fundamental no processo do desenvolvimento musical infantil. Referências Bibliográficas FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. O que é Educação Infantil? Os objetivos do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 6 anos. Psicopedagogia OnLine, 1998. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/novas/educacao_infantil.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007. GORDON, Edwin E. Teoria de Aprendizagem Musical para Recém-Nascidos e Crianças em Idade Pré-Escolar. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. FREIRE, Ricardo D. Programa Música para Crianças. Folder explicativo. Não Publicado. 2002. LUCKESI, Cipriano. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez, 2005. ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 1998. HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 1996. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."professor mediador" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix, 2002. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=198. Acessado em 17 mai. 2007. SANT ANNA, Ilma Maria. Por que avaliar? Como avaliar? Rio: Vozes, 1995. 7