Os limites da soberania do Estado e a efetividade dos Direitos Humanos



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Transcrição:

Os limites da soberania do Estado e a efetividade dos Direitos Humanos Raquel Texeira Faculdade Direito CCHSA rbt.raquel@gmail.com Resumo: O presente texto tem por objetivo analisar a relação entre aspectos que mostram a relação entre a filosofia política de Tomas Hobbes e o pensamento de Costas Douzinas, principalmente no que concerne aos temas da lei natural, do direito natural e do Estado. A partir da discussão a cerca do debate sobre Direitos Humanos serão levantados questionamentos sobre a eficácia e os limites da democracia contemporânea. Quais os limites do poder soberano do Estado, em que pese seu papel como representante do povo e sua não efetivação dos direitos básicos dos homens dentro da sociedade atual? Investigaremos também os fatores políticos da filosofia hobbesiana que visam estabelecer a paz entre os homens, apresentados em Leviatã, assim observaremos em que sentido esses temas mantêm relação com o pensamento de Costas. Palavras-chave: estado, lei, soberania. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas - Direiro CNPq. 1. INTRODUÇÃO A partir da leitura das obras Leviatã, de Thomas Hobbes, datada de 1651 e O Fim dos Direitos Humanos, de Costas Douzinas (2009) percorreremos a discussão dos direitos humanos, que coloca em cheque os limites do poder soberano do Estado, assim como a teoria do direito natural e das leis naturais fundamentadas por Hobbes. Hobbes é um autor considerado por muitos teóricos, de fundamental importância para a compreensão do pensamento moderno. Com a análise que coloca ênfase na autoconservação dos seres humanos, Hobbes inaugura uma nova visão para filosofia política ocidental. Prof. Dr. Douglas Ferreira Barros Faculdade de Filosofia CCHSA Grupo: Ética e Justiça dfbarros@puc-campinas.edu.br É a organização do Estado, enquanto ente político, aos quais os homens adotaram a democracia e o centralismo do poder como forma de organização política, que Costas embasa sua crítica e análise, nos marcos das opressões e desigualdades que surgiram na contramão do discurso de proteção aos direitos humanos nos dias de hoje. Encaminha seu debate sobre o possível Fim dos Direitos Humanos, a que a humanidade está vivenciando nas últimas décadas. Através do Holocausto vivemos a experiência de presenciar as pessoas passando por aquilo que acreditávamos ser impossível, a morte em massa por questões políticas, religiosas e éticas. A realidade da conjuntura atual é a necessidade de lutas sociais e políticas por direitos universais e igualitários. Diferente dos discursos neoliberais de que existe sim a proteção por direitos humanos, de que a humanidade esta no centro da política, os mesmo países se escondem atrás de guerras, as lutas por poder e espaço dentro da economia e do poderio no cenário internacional. É com a frase: os direitos humanos têm apenas paradoxos a oferecer, que Costas fundamenta sua discussão a cerca da efetividade das leis. Através delas podemos adequar um sistema político que coloca homens e mulheres em situação de igualdade entre si e entre a soberania? Como convencer e colocar em prática o discurso de que a soberania estatal consegue proteger seus representados da guerra, consegue através de políticas públicas tornar acessível à educação, tecnologia, trabalho entre outras o- brigações depositadas pelo povo? 2. DA CRIAÇÃO DO ESTADO O Estado apresentado como o Leviatã é o homem artificial, segundo Hobbes, maior e mais forte que o homem natural, com o objetivo de proteger os homens. Eles possuem a capacidade de criar algo arti-

ficial com poder ilimitado de gerir e evitar as guerras existentes no estado de natural. Esse homem artificial recebe uma alma, a Soberania, adquirida pela leitura que se faz do homem, e não pelo acúmulo de conhecimento dos livros. A Soberania estabelecerá a criação da justiça e das leis. Essa criação tem um único objetivo, cessar as guerras existentes e temidas no estado de natureza. O Estado hobbesiano não se apresenta como único instrumento utilizado por certa quantidade de pessoas com objetivo de servir para melhor realizar os seus objetivos. Assim, o Estado nada mais é do que a necessidade de controle das paixões dos homens. Movidos por elas, no estado de natureza, cada homem luta pela sua manutenção e pela busca de seus objetivos. Quando os mesmos desejos, se afloram em mais de um homem, as paixões, como o ódio, a desconfiança e a competição se afloram. Por isso nasce à necessidade que Hobbes defende, do poder Soberano, como ferramenta de manutenção da paz e limitação das paixões. Hobbes, afirmava que a origem do Estado esta num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização mas somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política (Leviatã,Cap. XIII, p. 107). No Capítulo anterior, afirma que o medo é das paixões que mais exercem influência sobre homens no Estado Natural. Os mais fracos poderiam atacar os mais fortes no estado de defesa, como o contrário também se aplica. No Leviatã os homens não lutam entre si para acumulação de bens, mas sim, pela honra. Entre essa luta existe uma necessidade de um Estado armado, capaz de evitar e controlar os conflitos derivados do medo. Esse poder que é criado e depositado por e- les, seja em um homem ou ao conjunto deles, deve ser pleno e absoluto. Para Hobbes é o Estado, que vai controlar os conflitos e tomar decisões em relação a todos os problemas de enfrentamento 3. DIREITO DE NATUREZA E LEI DE NATUREZA O jusnaturalismo hobbesiano é composto de duas peças-chave: o direito natural e a lei natural. Direito e lei naturais não se encontram intrínsecos um no outro. Cada qual habita em Hobbes, um espaço próprio, que transmitem a condição natural do homem. O que se passa, no texto do teórico político inglês, é que o direito natural encontra-se vertido em liberdade, e a lei natural está convertida em consciência. Hobbes define o direito de natureza como a: liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim. A Lei de Natureza seria: preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la (Leviatã, Cap. XIV, p. 113) Para Hobbes todo homem nasce com o direito de natureza. Possui liberdade para escolher quais ações tomar em busca da preservação de sua vida. Tem liberdade em julgar através da razão quais caminhos e meios a utilizar em sua manutenção. O capítulo XXI de Leviatã discute o significado da palavra liberdade, retirando o valor utilizado pela maioria dos filósofos e reduzindo-o a determinação da física, elimina um valor retórico a seu ver, como algo que os homens buscam, lutam e morrem. Depositando poderes no Soberano, com o intuito de manter a paz, o homem abriu mão de seu direito para proteger a sua própria vida. Se esse fim não foi contemplado com a postura do Soberano indo de contramão ao pacto, desaparece a razão que levava o súdito a obedecer, ele não está mais obrigado. A- qui, Hobbes coloca como a verdadeira liberdade do súdito. O Soberano não perde seu poder por não atender caprichos individuais dos súditos. Mas se deixa de proteger a vida de determinado indivíduo (e só ele) não lhe deve mais sujeição. Hobbes diz, porque mesmo que em todos os lugares do mundo os homens costumassem construir sobre a areia as fundações de suas causas, daí não seria possível inferir que é assim que deve ser feito. O talento de fazer e conservar Estados consiste em certas regras, tal como a aritmética e a geometria, e não (como o jogo de tênis) apenas na prática. Regras essas que nem os homens pobres têm lazer nem os homens que dispõem de lazer tiveram até agora curiosidade ou método suficientes para descobrir. (Leviatã, cap. XIII, p. 74.) O jusnaturalismo de Hobbes expõe que as leis naturais, emanam da natureza ou da Bíblia, não possuem

obrigação capaz de comprometer os homens uns aos outros, muito menos, vincula-os a si mesmos. O direto natural favorece a sobrevivência, mas não a assegura. Para Hobbes, as leis da natureza são imutáveis e eternas, pois a injustiça, a ingratidão, a arrogância, o orgulho, a iniqüidade, a acepção de pessoas e os restantes jamais podem ser tornados legítimos. Pois jamais poderá ocorrer que a guerra prescreva a vida, e a paz a destrua. 3.1. LEI NATURAL E DIREITOS HUMANOS Para Costas, a busca pela sociedade justa tem sido associada desde a era clássica com o Direito Natural. É por muitos séculos a fonte da jurisprudência e da filosofia política. Com o objetivo de limitar significados e valores, virtudes e dever, o pensamento hermenêutico ganhou uma separação e mudança radical, na forma de ser encarado, a natureza e as leis foram separadas. Os fatos na prática são encarados como a fonte das limitações das condutas, e o mundo natural entraram para um campo sem sentido. A filosofia grega pode ser um ponto de partida para compreender as transformações em relação às leis naturais. Os fragmentos filosóficos dos présocráticos estavam cheios de referências à justiça e ao direito. Não havia uma separação que pudesse distinguir entre lei e convenção ou entre direito e costume na Grécia arcaica. O costume foi utilizado de maneira dupla. Tanto para unir famílias, como também, através do entorpecimento, impedindo qualquer forma de crítica a autoridade tradicional da época. Em meio a esse cenário foi possível o nascimento da natureza e a ideia do que é justo como forma de resistência contra a autoridade e suas injustiças. Segundo Costas a ideia de lei natural aparece totalmente desenvolvida apenas com Aristóteles, filósofo que Hobbes contrapõe diversas questões que inaugura o processo político e filosófico de sua obra a cerca do tema. Mas foi a aceitação crítica a cerca da Natureza que abriu as portas para seu significado, enquanto norma. Foram Sócrates, Platão e os sofistas que deram o contorno filosófico, necessário para contestarem governantes e sacerdotes daqueles séculos, através do significado da natureza que esteve intimamente ligado ao movimento das coisas e pessoas, que colocava como justificativa sua ligação ao desenvolvimento da civilização e as complexidades nas relações entre os homens dentro dela. Em meio a esse desenvolvimento filosófico a cerca das leis naturais, houve diversos pensamentos filosóficos que percorreram caminhos diferentes para explicar as implicações da natureza e as escolhas do ser humano em seus diversos patamares sociais. Os cínicos, que lutavam contra a tradição e os artifícios em suas muitas formas; os hedonistas que pregavam o prazer. Ambos são reconhecidos como antepassados dos movimentos revolucionários e tiveram forte influência nos dias de hoje. São os estóicos que contribuíram diretamente ao que seria a concepção de direito natural à paz e deram fortes contribuições as declarações universais de emancipação do homem e na criação do Direito do Império Romano, onde teriam seu estabelecimento para fora dos espaços de contemplação filosófica. A obra de Hobbes é por alguns estudiosos contemporâneos como um desenvolvimento mais atual e próximo ao que hoje concebemos como relação essencial entre os homens, para uma interação necessária e existente como relação política. Comparado com as obras de Aristóteles, que a primeira vista, também foram importantes contribuições no que concerne a história dos homens e de suas relações políticas, a diferença estaria no fato das obras de Thomaz Hobbes ser mais próxima às considerações adequadas ao homem natural. Para Aristóteles, o homem era naturalmente um animal social, diferente do que Leviatã constrói a cerca do estado de natureza, aos quais os homens, movidos pelas paixões, sem nenhuma forma de concentração de poder, vivem em estado de guerra, apenas o medo é capaz de movê-los a uma organização social, a partir do soberano, como forma de alcançar o estado de paz. 4. DIREITOS HUMANOS Uma das questões centrais é a legitimidade da representação quais os limites dessa transferência de poderes do povo a um ou a um grupo de pessoas incumbidos de zelar pela paz e o bem comum. A criação do Estado para Hobbes, perfaz, no Leviatã, um contrato de autorização em favor de um homem ou assembléia de homens. Hobbes caracteriza os homens enquanto protagonistas das teorias políticas, enquanto um indivíduo ativo que cria o Estado legitima a autoridade e se interessa pelas leis. Hobbes cria um conceito político que influenciará por mais de três séculos a filosofia do individuo moderno. Hoje constatamos a influência daquele período. Iniciamos um novo marco no que diz respeito aos questionamentos dessas diretrizes e

legitimações do povo, notamos um desenvolvimento intelectual, ao mesmo passo em que diversas demandas sociais se insurgem contra o Estado Soberano. Em O fim dos Direitos Humanos, encontramos a relação entre o pensamento de Hobbes e a contemporaneidade da discussão dos direitos humanos no que diz respeito à Lei Natural. Encontramos nele uma mudança estrutural e determinante na relação entre Direito e Filosofia, assim como, no papel dos homens, que ao longo da história, quase nunca, e ainda hoje podemos ver esse efeito, foram subjugados e colocados à margem da política e da sociedade, como um todo. Para Costas os direitos humanos são o fado da pós-modernidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promessa do Iluminismo de emancipação e autorrealização. (2009, p.37) Os Direitos Humanos estavam ligados inicialmente a interesses de classes específicos e foram as armas ideológicas e políticas na luta da burguesia com intuito de se colocar no centro do poder político social. É um fato inegável, escreve Gabriel Marcel, que a vida humana nunca foi tão universalmente tratada como uma commodity desprezível e perecível quanto durante nossa própria época. (2009, p.51) Douzinas defende que a jurisprudência liberal se caracteriza por acúmulos volumosos, mas pouco estruturadores de novas concepções. Assim os últimos grandes debates colocados foram àqueles apresentados por Hobbes e Kant, sendo que a jurisprudência adquiriu um discurso legitimador e repetitivo. Assim a filosofia política inicia um abandono de seus objetivos iniciais clássicos, explorar a teoria e a história da boa sociedade e segue outro, se deteriorar e se transformar na ciência política que dita os comportamentos e a jurisprudência que cria doutrinas sobre os direitos. Ao retomar, no Leviatã, à miserável condição do homem natural, Hobbes despotencializa atributos do corpo e do espírito, os quais, porventura, diferenciem entre si indivíduos, e estabelece a igualdade dos seres humanos como principio básico da filosofia política moderna. Tanto os mais fracos quanto os mais fortes, no estado de natureza, são capazes, motivados pelas paixões, de se defenderem ou competirem entre si. Esse fator faz com todos estejam em patamar de igualdade. O poder do livre-arbítrio de mudar e recriar o mundo de acordo com suas preferências foi impossibilitado pela força do Estado ilimitado que molda os indivíduos e controla a liberdade de cada um, refletida na capacidade legislativa e administrativa do Estado de interferir e regular todos os aspectos da vida social. O indivíduo livre e que possui desejos não encontra restrições a seu poder de fazer o mundo; do mesmo modo, o Estado não encontra limites para o alcance e a extensão de sua soberania. As escolhas individuais sofrem influencia generalizada e tão potencializada que chega a ser definida e moldada pelo poder soberano de forma direta e sem meios de escolhas. Poder-se-ia argumentar, utilizando-se de Foucault, que o ideal de emancipação fora obscurecido pela tecnologia da legislação, e o objetivo de autorrealização por técnicas disciplinadoras do sujeito e modeladoras do Estado e da dócil e produtiva entidade individual.(2009, p.77) Na Europa, Hannah Arendt observou que, antes da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos "haviam sido invocados de modo bastante negligente, para defender certos indivíduos contra o poder crescente do Estado e para atenuar a insegurança social causada pela Revolução Industrial". Aqueles juristas e filantropos que tentavam usar os direitos humanos para proteger as minorias "tinham uma estranha semelhança de linguagem e composição com os das sociedades protetoras dos animais". Transformação que marcou de forma decisiva a transição dos direitos naturais para os humanos foi à substituição de sua base filosófica e de suas origens institucionais. Acreditava-se que seria possível a proteção dos direitos por intermédio da natureza humana e da ação das instituições jurídicas, ou mesmo através dos projetos legislativos da soberania popular, pontos que se mostraram irreais. Conforme observou Hannah Arendt, "é perfeitamente concebível (...) que, um belo dia, uma humanidade altamente organizada e mecanizada chegue, de maneira democrática - isto é, por decisão da maioria -, à conclusão de que, para a humanidade como um todo, convém liquidarem certas partes de si mesma". (2009, p.57) Os franceses da Déclaration foram exemplo que se expandiu abrangendo toda a humanidade, as instituições internacionais e elaboradores de leis substituíram o legislador divino ou o contrato social, e as convenções e tratados internacionais tornaram-se a Constituição acima das constituições e o Direito por trás das leis. Um processo que não coloca nenhuma limitação para elaboração de leis internacionais e humanitárias, criado com o objetivo de proteger as pessoas de falsos discursos sobre sua soberania. 5. LEI NATURAL, LEI CIVIL E SOBERANIA

A contra-ofensiva à versão democrática concebe a narração política hobbesiana dentro da tradição jurídica. O Leviatã é criado por Hobbes com indícios do que seria futuramente um Estado de direito e, assim, não se diferencia substancialmente do Estado que propõe e coloca em prática, regula e assegura a participação dos cidadãos nos poderes democráticorepublicanos da política atual. Para Hobbes, o soberano de um Estado é livre não porque o Estado é a realidade efetiva da liberdade concreta, mas porque já antes era livre, ou seja, no que tange à liberdade, o Leviatã hobbesiano não tem a mínima possibilidade de concorrer, de i- gual para igual, com a natureza humana. Os homens transferiram poderes ao Soberano, de tal forma que se comprometeram ao pacto entre si mesmo. Isso faz com que a liberdade de cada um parta do pacto, para Hobbes no capítulo XVIII, nenhum dos súditos pode libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de infração. Assim o Leviatã é absolutista, ao gerar o direito positivo, o Estado produz leis, limitação de condutas, o que pode ou não ser feito pelos homens dentro da sociedade. Intrínseca a definição de lei, a validade delas não depende de critérios que não estejam ligados ao positivismo legal. Aqueles que consentiram com o pacto passaram a fazer parte da assembleia de homens. Isso faz com que sua vontade expresse uma concordância tácita pelo pacto. A teoria hobbesiana não foi capaz de possibilitar o Estado a partir do direito natural sobre a criação das leis civis. As leis possuem uma uniformidade entre si, sendo possível à permeabilidade delas. Assim Hobbes não foi capaz de unir direito na lei e nem adaptar lei ao direito, fica a liberdade natural dos súditos não correspondente à lacuna de comando legais do soberano. Seja um homem ou uma assembléia de homens, o legislador é unicamente o soberano, porque o legislador é aquele que faz lei. Mas o Estado, explica Hobbes, só é uma pessoa, com capacidade para fazer seja o que for através do representante (isto é, o soberano). E conclui que, portanto, o soberano é o único legislador. Pela mesma razão, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano. A doutrina da soberania de Hobbes é absolutista não porque reivindica para o legislador uma autoridade suprema, mas por conceder ao soberano um poder ilimitado. (Heck, 2003, p. 141) Para Hobbes, o objeto do absolutismo político são ações e não pessoas, assim como as palavras justo e injusto servem para distinguir ações que são aceitas, por parecerem justas, daqueles que não são aceitas por parecerem injustas. Podemos concluir que as leis não seriam um conselho geral, mas um comando ao qual os homens devem obediência, e que suas definições devem passar pelo crivo do soberano, aparecendo com isso um dos problemas centrais da falta de limites desse poder, em criar ou reformar as leis que servem enquanto comando dentro da sociedade. A passagem do estado natural para o estado civil ocorre, no Leviatã, através da constituição da autoridade com a legitimidade da autorização, isto é, sem exigência à renuncia dos direitos individuais de cada súdito. A quem seja atribuída pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante); todos sem exceção [...] deverão autorizar todos os atos e juízos desse homem ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões. Como Hobbes assevera em quarto lugar no capítulo XVIII, a instituição de um Estado, faz com que através do pacto, cada individuo torne-se autor das ações do soberano, acusa-lo de injúria, seria o mesmo de acusar a si próprio. Encontra-se aqui um dos trechos em que o absolutismo do poder soberano, se entrelaça com a legitimidade transmitida dos homens para seu representante. 6. CONCLUSÃO A complexidade das paixões e dos desejos, fundamentadas por Hobbes torna necessário o contrato social, que mantenha a paz entre os mesmos, na busca por menos competição e ódio dentro da sociedade. Esse contrato dá vida ao Estado enquanto instituição. Da mesma forma em que optamos de maneira indireta, pelos representantes do povo através do voto nos dias atuais, Hobbes acreditava que o estado de natureza, que era a guerra de todos contra todos, levassem-nos a conclusão da necessária transferência de poderes e a escolha de um homem ou de uma assembleia de homens responsáveis pela manutenção da paz. Já Costas transforma a grande dicotomia entre a realidade e o Direito que regula as condutas, colocando a jurisprudência num campo de desgaste e inchaço de leis nada funcionais que não passam de discursos cada vez mais demagogos para aqueles que ainda vivem em estado de guerras constantes entre diferentes soberanias no século XXI.

Portanto, é importante continuar as lutas políticas e intelectuais contra a perversão do espírito de resistência e utopia identificado em O fim dos direitos humanos. O discurso liberal se baseia na possibilidade e abrangência da instrumentalidade e funcionalidade dos contratos entre os homens. Algumas questões estão colocadas na ordem do dia, e se não, estarão perto de se concretizarem em insurgências e enfrentamentos dos homens com o Estado. Qual a possibilidade de colocar em dúvida os princípios dos direitos humanos e questionar suas promessas de emancipação por meio das leis e razões? A partir da conjuntura atual e as justificativas de ocupações militares em países subdesenvolvidos não se faz necessário esse questionamento? A legalidade somada à falta de limites do Estado não deixa mais próximo o fim da virtude daqueles que suportam males e incômodos sem limites? Até quando é viável a aceitação da falta de dignidade, de alimentos, emprego, educação, estruturas básicas para uma sociedade viver em paz? Uma das colocações de Costas demonstra isso de forma veemente assim como interesses que vão além da igualdade entre todos: a democracia e o Estado de direito são cada vez mais usados para garantir que as forças econômicas e tecnológicas não estejam sujeitas a qualquer outro fim que não o da sua própria expansão contínua. (2009, p.78) Está colocado no século XXI, um dos debates que acredito que tenha contornos fundamentais para o mundo, passam tanto no campo da filosofia quanto na do direito e aglutina possibilidades de contribuições recíprocas, dentro da busca de uma sociedade justa e igualitária ao qual seja possível estabelecer relações libertárias e que serão as necessidades sociais o grande estopim para mudanças estruturais. 7. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer imensamente aos meus pais, que apoiaram e incentivaram durante esse ano, o empenho e atenção a esse trabalho. Ao professor Douglas por toda paciência, conhecimento e atenção tranferido ao grupo de pesquisa. 8. REFERÊNCIAS [1] HOOBES, THOMAZ. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz N. da Silva.São Paulo: Martins Fontes, 2003. [2] BARROS, Douglas F. Hobbes, natureza, politica e história. Bauru: Canal6, 2009. [3] DOUZINAS, Costas. O fim dos Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. [4] HECK, J. N. THOMAS HOBBES: Passado e Futuro. 1.ed Goiânia> Editora da UFG e Editora da UCG, 2003 [5] WUNENBURGER, Jean-Jacques & FOLSCHEID, D. Metodologia Filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.