RELACIONANDO CIDADANIA FEMININA E GEOGRAFIA: COMO MEDIAR NO ENSINO FUNDAMENTAL?



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Transcrição:

RELACIONANDO CIDADANIA FEMININA E GEOGRAFIA: COMO Resumo MEDIAR NO ENSINO FUNDAMENTAL? ALMEIDA, Andressa Cristiane Colvara FURG andressacolvara@yahoo.com.br MARTINS, Everton Bandeira - FURG evertonmartins@furg.br Eixo: Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Não só no Brasil, há grupos de cidadãos com maior prejuízo na conquista de seus direitos por fatores discriminatórios, sejam culturais, econômicos ou sociais. Um grupo se destaca por permear os outros: o feminino. Sendo assim, este possui relevância e urgência para que se embasasse sua formação cidadã. Isso porque o tratamento diferencial, historicamente construído pelo patriarcado, com destaque à abreviação da utilização do espaço público, restringe as mulheres principalmente da conquista dos direitos políticos, não sendo possível sua constituição cidadã plenamente. Como pilar da formação educativa na sociedade, sendo o maior difusor de conhecimentos, a escola é fundamental como ator na participação da construção de um cidadão pleno (MARTINS, 2010). Através de políticas públicas educativas, se traça como se espera que seja constituído o cidadão. Tendo início no Ensino Fundamental, essa preocupação se configura destaque das práticas escolares, como se encontra nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Com o intuito de propor uma prática que seja efetiva essa constituição cidadã, em 1998 foram apresentados os Parâmetros Curriculares Nacionais. Tais propostas foram feitas a todas as disciplinas sendo necessário incluir-se os chamados Temas Transversais. Destaca-se que as questões de gênero são tratadas no tema orientação sexual. Sendo a Geografia uma disciplina que trata das relações espaciais, se coloca sob esta a discussão do uso dos espaços público e privado, destacando as diferentes possibilidades da mulher em conquistar sua cidadania. Assim, este trabalho buscou analisar brevemente, através de revisão bibliográfica sobre Geografia de gênero, PCNs, políticas públicas da educação e cidadania, como os PCNs propõem à disciplina de Geografia tratar das questões de cidadania, com enfoque às relações de gênero. A partir disso, se constatou que a Geografia possui conexão entre seus conteúdos e a constituição da cidadania feminina a partir da sala de aula. Palavras-chave: PCN. Cidadania. Ensino Fundamental. Gênero. Geografia. Introdução A segunda metade do século XX, marcada por várias mudanças no cenário nacional brasileiro, como o elevado número de migrações (rural-urbano) e um regime ditatorial que mantém e reforça a dominação do sistema econômico capitalista, é abalizada pela indução do

12934 cidadão a ser entendido como consumidor. Assim, Milton Santos em seu livro O Espaço do Cidadão (1987, p. 42), explícita essa questão que torna o sujeito parcial na busca por seus direitos, pois este (...) alimenta-se de parcialidades, contenta-se com respostas setoriais, alcança satisfações limitadas, não tem direito ao debate sobre os objetivos de suas ações, públicas ou privadas. Desse modo, o ideal de cidadania plena, que surge na Europa no final do século XVIII, não é alcançado no país por razões histórico-econômicas que inverteu a ordem das conquistas do cidadão, pondo em primeiro a conquista social, sendo o civil e o político postergados (CARVALHO, 2008). A cidadania no Brasil, somente ganhou destaque com o fim da Ditadura Civil-Militar em 1985 tendo como consequência a construção de uma nova constituição em 1988, que ficou conhecida como Constituição Cidadã. Desde então, se instigou a busca por uma cidadania plena que combine os direitos civis, políticos e sociais, como proposto por Marshall (1967) em sua análise inglesa. Contudo, essa busca pela conquista da cidadania pode ser limitada pela diferenciação da classe social, pela falta de conhecimento (nível educacional), por discriminação racial, de gênero, dentre outros fatores, que marginalizam alguns grupos no espaço social. Destaca-se que, essa depreciação da participação cidadã, é marcante em um grupo que perpassa todos os outros, ou seja, está presente independente da classe social, da raça e do nível de conhecimento: o grupo feminino. Mas sabe-se que não somente no Brasil há essa diferencial conquista cidadã pelas mulheres quando comparadas aos homens, isso porque historicamente, a construção das identidades de homens e mulheres se tem configurado a partir da dicotomia entre as esferas pública e privada, com atribuições de papéis, atitudes e valores previamente definidos segundo modelos naturais (BRITO, 2001, p. 291). Assim, com essa divisão, houve uma profunda restrição das mulheres na luta pelos seus direitos, as ceifando da participação no espaço político, que é base da constituição cidadã. Com a explicitação dessa problemática a nível mundial, principalmente durante os anos 1970, período marcado por lutas feministas, surge, na mesma década, o estudo da Geografia de gênero que busca uma ruptura desses paradigmas espaciais a homens e mulheres. Para McDowell: (...) são as instituições fundamentais da sociedade moderna família, sistemas de educação, Estado, mercado que normalizam estas diferenças entre os gêneros e ao fazê-lo, reproduzem as relações desiguais entre homens e mulheres. (...) na

12935 dualidade entre espaço público e privado, (...), destaca que os geógrafos têm buscado compreender quais são seus termos e suas geografias, explorando as relações entre capitalismo e patriarcado, por exemplo. As críticas têm ressaltado a constante dúvida da natureza destas identidades para estas categorias, em diferentes temporalidade e espacialidades (apud ORNAT, 2008, p. 318). Desse modo, a Geografia de gênero como um dos atores nas ações por igualdade entre os sexos, busca promover, através de estudos nas últimas décadas, a ruptura dos padrões espaciais impostos por uma sociedade patriarcal. Contudo, dessa nova área da ciência geográfica, pouco conhecida é sua abordagem na escola. Partindo disso, como objetivo principal deste trabalho pretende-se conhecer a proposta da educação escolar pelo Estado brasileiro, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais do terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental (os quais abrangem os atuais 6º a 9º ano), com foco na cidadania feminina, tendo como mediação a disciplina de Geografia. Para isso irá se tratar de maneira introdutória de discutir as diferenciações da conquista cidadã de mulheres comparadas aos homens; para de tal forma entender como a escola pode intervir na formação cidadã; e desta maneira buscar brevemente uma reflexão sobre a atuação da ciência geográfica nas questões de gênero com destaque ao feminismo. Geografia, cidadania e gênero na escola A escola se apresenta como um dos pilares da constituição cidadã, sendo um instrumento do Estado na socialização de saberes, o que a faz com que grande parte de suas ações estejam de acordo com seus interesses. Deste modo, é necessário abordar como se efetiva a luta pela conquista igualitária do direito à cidadania de homens e mulheres em sala de aula. Para isso, é preciso conhecer como é institucionalizada a abordagem deste tema pelo Estado. No entanto, se enfatiza que parte do professor, como mediador do processo de ensino e aprendizagem, a escolha do foco dado ao conteúdo de sua disciplina. Com isso, é mister ao professor que se tenha em mente o conhecimento da importância de agregar elementos de utilidade social ao conteúdo de aula, para que os estudantes possam empregar em sua vida, podendo-se ver como agente social. Assim sendo, o entendimento de cidadania é indispensável, tanto para o educador quanto que para o educando. Mas como trabalhar este tema em aula estando inseridos na realidade brasileira, com destaque às aulas que passam a ser administradas em disciplinas compartimentadas a partir da 5ª série (ou 6º ano) do ensino fundamental?

12936 Parte-se daí a importância da investigação de sua proposta feita pelo Estado brasileiro. Demonstrada já na Lei De Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 quando nos princípios e fins da educação nacional em seu artigo 2º é colocado que a educação é (...) dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, fica clara a proposta da educação escolar, sendo atuação educativa por parte do Estado, como componente fundamental na construção do cidadão brasileiro. Com esse embasamento, em 1998, foi instituído pelo então Ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato Souza no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental que (...) nascem da necessidade de se construir uma referência curricular nacional para o ensino fundamental que possa ser discutida e traduzida em propostas regionais nos diferentes estados e municípios brasileiros, em projetos educativos nas escolas e nas salas de aula. E que possam garantir a todo aluno de qualquer região do país, do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, que freqüentam cursos nos períodos diurno ou noturno, que sejam portadores de necessidades especiais, o direito de ter acesso aos conhecimentos indispensáveis para a construção de sua cidadania (BRASIL, 1998, p.9). Essa proposta indica os conteúdos e eixos temáticos para cada disciplina. Mas como para a constituição cidadã não bastam apenas os conteúdos conceituais de cada área, se fez necessário agregar os Temas Transversais, que em sua apresentação diz que O compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da participação política. Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL, 1998, s/p). Assim os temas foram colocados como primordiais na construção de um ser cidadão participante ativo das ações políticas. Destaca-se que, dentro do tema orientação sexual, está colocada em sua 2ª parte as relações de gênero. Portanto, isso mostra que há a interesse nos PCN s que demonstram uma posição onde são necessárias ações em sala de aula que

12937 coloquem em evidência as diferentes possibilidades de ações políticas dadas a determinados grupos, com destaque à mulher e sua privação ao espaço público ao longo da história. Sabe-se que houveram muitas conquistas femininas para o uso do lugar público. Mas também não se pode descartar que, na maioria dos casos, se manteve as funções do espaço privado às mulheres, não tendo tempo hábil a outras funções, pois passaram a desdobrar-se em duplas ou triplas jornadas de trabalho. Isso as impediu de utilizar o espaço conquistado como ação além do trabalho, as comprometendo a não igualdade nas ações públicas de maior peso e alcance social. Com foco na disciplina de Geografia, dada sua visão político-espacial, se analisa a proposta da discussão de cidadania durante as aulas. Mas por que a Geografia? Porque a introdução a certos temas mais práticos possui bastante facilidade em seus conteúdos, pois parte do seu objeto de estudo, o espaço, a inter-relação indivíduo (agente) e objetos (materiais) constituintes das transformações sociais, como ressalta a definição de Milton Santos no PCN, o qual diz que espaço é o Conjunto indissociável de sistemas de objetos (redes técnicas, prédios, ruas) e de sistemas de ações (organização do trabalho, produção, circulação, consumo de mercadorias, relações familiares e cotidianas) que procura revelar as práticas sociais dos diferentes grupos que nele produzem, lutam, sonham, vivem e fazem a vida caminhar (BRASIL, 1998). Essa preocupação de constituir cidadãos é reiterada durante todo o discurso do documento. Com destaque ao que está descrito no PCN de Geografia É importante dizer, também, que a Geografia abrange as preocupações fundamentais apresentadas nos temas transversais, identificando-se, portanto, com aquele corpo de conhecimentos considerados como questões emergenciais para a conquista da cidadania. (BRASIL, 1998, p.26) Essa passagem demonstra a relação e possível aplicabilidade do tema cidadania feminina durante as aulas de Geografia no ensino fundamental, pois a disciplina relaciona com tranquilidade os temas com afinidades tanto com cidadania quanto com a igualdade de gênero. E é exatamente nesta etapa que a educação escolar pública se propõe parte constituinte de um cidadão.

12938 O que diz os Temas Transversais e os PCNs do terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental? Para a realização da análise de como são abordados os temas cidadania e gênero na disciplina de Geografia serão elencados passagens dos PCNs do terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental, assim como dos Temas Transversais. Propostos para todas as disciplinas, os Temas Transversais relevam bastante as questões de gênero, sugerindo ao professor formas de tratar tais questões no cotidiano escolar A rigor, podem-se trabalhar as relações de gênero em qualquer situação do convívio escolar. Elas se apresentam de forma nítida nas relações entre os alunos e nas brincadeiras diretamente ligadas à sexualidade. Também estão presentes nas demais brincadeiras, no modo de realizar as tarefas escolares, na organização do material de estudo, enfim, nos comportamentos diferenciados de meninos e meninas. Nessas situações, o professor, estando atento, pode intervir de modo que se coloque contra as discriminações e questione os estereótipos associados ao gênero. Os momentos e as situações em que se faz necessária essa intervenção são os que implicam discriminação de um aluno em seu grupo, com apelidos jocosos e às vezes questionamento sobre sua sexualidade. O professor deve, então, sinalizar a rigidez das regras existentes nesse grupo, apontando para a imensa diversidade dos jeitos de ser homem ou mulher. Também as situações de depreciação ou menosprezo por colegas do outro sexo demandam a intervenção do professor a fim de se trabalhar o respeito ao outro e às diferenças (BRASIL, 1998, p. 324). No PCN de Geografia, também é sugerida uma atitude carregada de significações por parte do professor A postura do professor é fundamental, uma vez que ele transmite valores em relação à sexualidade em seu trabalho. Na questão de gênero, por exemplo, ao tratar de questões relativas à população brasileira e suas desigualdades, o professor deve transmitir, mediante sua conduta, a eqüidade entre os gêneros e dignidade de cada um individualmente. Ao orientar todas as discussões, deve, ele próprio, respeitar a opinião de cada aluno e ao mesmo tempo garantir o respeito e a participação de todos (BRASIL, 1998, p. 45). Assim se destaca que não basta apenas a transmissão de valores sem que haja efetivamente, na vida do profissional, um conhecimento e ação daquilo que propõe. Contudo, se salienta que em sua formação, muitas vezes, esses temas, gênero e cidadania, não foram tratados, sendo que, uma das únicas fontes para o entendimento destas relações se dá somente através dos PCNs e dos Temas Transversais, estes então, assumindo elevada importância para essa questão.

12939 Outros aspectos também são relevados nos Temas Transversais, destacados no tema orientação sexual. Realça-se o tratamento ao material didático, que é colocado como relevante tanto na sua influência aos estereótipos de gênero quanto à formação cidadã Outro ponto que merece atenção é o material didático escolhido para o trabalho em sala de aula, que muitas vezes apresenta estereótipos ligados ao gênero, como a mulher predominantemente na esfera doméstica e realizando trabalho não remunerado, enquanto o homem é associado ao desempenho de atividades sempre na esfera pública. A atenção, o questionamento e a crítica dos educadores no trato dessas questões é parte do seu exercício profissional, que contribui para o acesso à plena cidadania de meninos e meninas. (BRASIL, 1998, p. 325) Essa passagem deixa bem clara a relação entre as esferas pública e privada, como relativas a estigmas dados aos gêneros, apontando a importância da abordagem dessa problemática à formação cidadã, para os jovens estudantes. A partir desse ponto, já é perceptível o papel que a disciplina de Geografia pode ter no contexto escolar para tratar da cidadania feminina já que a ela estão reservadas as discussões das diferentes utilizações do espaço e como isso pode interferir na formação de um cidadão pleno1, já que à esfera pública, historicamente, está reservada a ação política constituinte do cidadão. Mas não somente na disciplina de Geografia pode-se abordar a questão da cidadania, como se pode ver no tema Orientação Sexual, dos Temas Transversais A história das mulheres, suas lutas pela conquista de direitos e as enormes diferenças que podem ser encontradas ainda hoje nas diversas partes do globo, constitui tema de estudo, tanto em História quanto em Geografia e mesmo em Matemática, ao utilizar dados para análise dos avanços progressivos do movimento de mulheres ao longo do tempo. Esses avanços referem-se principalmente à maior participação das mulheres na esfera pública em todos os aspectos: na política, na cultura, no trabalho remunerado e outros (BRASIL, 1998, p. 323). Destacando que, mesmo na passagem anterior, quando citadas outras disciplinas, a esfera pública é ressaltada, assim se revela a facilidade deste assunto no conteúdo geográfico. Partindo disso, vários conteúdos inerentes à Geografia podem ser relacionados às questões de

12940 gênero, por exemplo, ao estudar movimentos migratórios em Geografia, podem-se incluir as perspectivas de gênero, analisando as conseqüências das migrações nos arranjos familiares, nas ocupações profissionais e na ocupação de espaços. (Brasil, 1998, p. 323). No PCN de Geografia são colocados alguns exemplos, que podem ser inseridos em variados conteúdos, para a abordagem sobre gênero relacionando com cidadania, focando nas relações de trabalho, o qual interfere diretamente na utilização e desenvolvimento dos espaços Cabe notar que os conteúdos geográficos permitem a construção de um instrumental fundamental para a compreensão e análise de uma dimensão macrossocial das questões relativas à sexualidade e suas relações com o trabalho. Por exemplo, é possível compreender, por meio da análise de dados estatísticos, a diferença de remuneração de trabalho de homens e mulheres e do acesso aos cargos de chefia; o aumento da incidência de gravidez indesejada entre jovens e adolescentes, o comportamento das doenças sexualmente transmissíveis e a discussão sobre onde se assentam as raízes das desigualdades nas relações de trabalho. Em Geografia, esses temas podem ser tratados quando o professor estiver desenvolvendo a temática da cidadania, nas formações socioespaciais, a modernização, o modo de vida, entre outros (BRASIL, 1998, p. 45). É notável a relação estabelecida nos PCNs entre os conteúdos geográficos e a constituição cidadã, como segue Adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade, em particular para o desempenho das funções de cidadania: cada cidadão, ao conhecer as características sociais, culturais e naturais do lugar onde vive, bem como as de outros lugares, pode comparar, explicar, compreender e espacializar as múltiplas relações que diferentes sociedades em épocas variadas estabeleceram e estabelecem com a natureza na construção de seu espaço geográfico. A aquisição desses conhecimentos permite maior consciência dos limites e responsabilidades da ação individual e coletiva com relação ao seu lugar e a contextos mais amplos, da escala nacional, a mundial. Para tanto, a seleção de conteúdos de Geografia para o ensino fundamental deve contemplar temáticas de relevância social, cuja compreensão, por parte dos alunos, mostra-se essencial em sua formação como cidadão (BRASIL, 1998, p. 39). Evidenciando a última frase, onde se expõe que é necessária seleção do conteúdo da disciplina para a formação cidadã, o qual tenha relevância social, as questões referentes ao 1 Segundo Martins (2010) O cidadão pleno seria o sujeito que tem acesso aos três direitos, e a real possibilidade de busca da plenitude enquanto ser humana (...) (p.30). Neste contexto os três

12941 gênero se mostram essenciais para a cidadania feminina. Isso porque somente dessa forma se permite uma crítica ao modelo social, que parte da hierarquia familiar, onde o homem é visto como autoridade, independente de outros aspectos, tal como renda ou idade, o que permite uma nova visão do papel dado à mulher nos diferentes ambientes. É dessa maneira que a cidadania feminina se reforça e pode, a partir da equidade de gênero, somar na reivindicação por uma cidadania plena para todos. Considerações finais Apesar da escola não ser o único agente formador de um cidadão, é nela onde é possível a socialização de conhecimentos, buscando a homogeneidade de um saber que fundamenta a busca pela cidadania. Também se é possível ultrapassar as fronteiras físicas da escola, proporcionando mudanças na sociedade como um todo. Tendo em vista que ainda há grandes barreiras a serem enfrentadas para que todos sejam cidadãos, cumpridores de deveres e garantidos de direitos, a busca por equidade é algo essencial. As mulheres, ao longo da história, foram, por muito tempo, ceifadas da utilização do espaço público, palco das ações reivindicativas. Dessa forma, discutir essa questão em aula é essencial para assegurar a conquista cidadã de todos e todas. Como mediação, a disciplina de Geografia demonstrou ter facilidade e conexão com estes temas. Portanto, conhecer como é proposto à Geografia as questões de cidadania e gênero pelo Estado brasileiro, através dos PCNs, é essencial para entender o andamento da discussão sobre cidadania feminina na atualidade. Assim, neste artigo, se destacou as possibilidades para as aulas de Geografia propostas pelos PCNs do terceiro e quarto ciclo do fundamental, momento em que a escola constrói as bases da cidadania, destacando a atuação feminina no espaço geográfico. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI 9394/96. Senado Federal: Brasilia, 1996.. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais : terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / secretaria de educação fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 174 p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/geografia.pdf>. Acesso em: 30 de maio de 2011. direitos, seriam os civis, os políticos e os sociais.

12942. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Temas Transversais.: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / secretaria de educação fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 174 p. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12624%3ae nsino-fundamental&itemid=859 >. Acesso em: 30 de maio de 2011. BRITO, Maria Noemi Castilhos. Gênero e cidadania: referenciais analíticos. Rev. Estudos Feministas, 2001, vol.9, n 1, p.291-298. Florianópolis. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n1/8616.pdf> Acesso em 30 de maio de 2011. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. MARTINS, Everton B. Cidadania: o papel da disciplina de História na construção de cidadão plenos a partir de um olhar histórico reflexivo. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Santa Maria: Santa Maria, 2010. ORNAT, M. J. Sobre espaço e gênero, sexualidade e geografia feminista. Revista Terr@Plural. Vol. 2, Nº 2 (2008). Ponta Grossa: 309-322, jul./dez., 2008. Disponível em <www.revistas2.uepg.br/index.php/tp/article/view/1182>. Acesso em 30 de maio de 2011. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.