REFLEXÕES CLÍNICAS SOBRE UM CASAL DE PAIS ADOTANTES Autores: Tânia Regina Goia; José Paulo Diniz; Maria Luísa Louro de Castro Valente Instituição: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis Email: tania_goia@ig.com.br País: Brasil Eixo e área temática: Psicologia/ Lógicas colectivas: Grupos, Derechos Humanos, conciencia crítica y potencias inventivas
Objetivos O presente trabalho é um relato de experiência clínica e tem como objetivo demonstrar possibilidades de atendimento psicanalítico dentro da clinica escola da UNESP/Assis, um espaço que favorece vivências aos estagiários que são capazes de enriquecer sua experiência clínica. A nosso ver, a adoção é a formação de uma família através de laços de amor. São pais que aprenderam a superar com laços de amor os laços de sangue. Nós precisamos romper com esta imagem que a adoção tem de caridade. Acreditamos que com este trabalho, possibilitamos a comunidade uma ressignificação sobre a cultura da adoção, ressaltando que mais do que uma boa ação é um direito garantido, a uma criança e ao adolescente, pelo ECA, de possuir uma família. Por meio dessas ações, é possível observar que o olhar do psicólogo pode contribuir na construção de novos entendimentos sobre a adoção, tanto na visão da sociedade como das famílias. Para concluir, adotar um filho não é simplesmente realizar o sonho de ser pai ou mãe. Nem tampouco preencher um vazio ou resolver uma necessidade instintiva de dar continuidade na sua família. Os pais adotivos são responsáveis pelo oferecimento do afeto àquele que o busca para viver o milagre da vida. É uma troca de afetos: o adotado necessita do adotando, assim como o adotando necessita do adotado. Podemos ter diversos conceitos do que é adoção, portanto, apontaremos o que Smith e Miroff (1987), num guia para pais (You re our Child: The Adoption Experience), definem como adoção, sendo ela uma invenção social que permite o estabelecimento de relações do tipo pais-filhos entre pessoas que não estão ligadas biologicamente. Mattei (1997) afirma que toda filiação é, antes de tudo, uma adoção. Ela tem sido nos últimos tempos discutido por meio de vários meios de comunicação sejam eles impressos ou televisivos. Neste estudo constam dois casos de pacientes analisados separadamente, sendo que os estagiários fazem parte do mesmo núcleo e são supervisionados pela mesma Profª. Os pacientes começaram a ser atendidos em terapia de casal, mas após um ano ambos foram encaminhados para terapia individual. O casal começou o atendimento porque pretendiam adotar uma criança e ao longo do atendimento foram adotados 2 irmãos, trazendo novas questões a suas vidas e reativando outras. Ao longo do trabalho
foi sendo possível observar a apropriação da paternidade por E. e J. e com a marca de um ano da adoção, pois não haviam internalizado ainda o que é ser pai e o que é ser mãe. Sabemos que as pessoas adotam filhos por vários motivos, e são motivadas por circunstâncias físicas, sociais e emocionais. Nota-se, portanto, que a adoção é uma forma incomum de ter filhos, nos levando a um tema super delicado, que deve ser tratado com o extremo cuidado, pois estamos lidando com pessoas que procuram se realizar enquanto pais e também como filhos. Todo esse processo de maternidade-paternidade tem que ser construída por meio da história de vida dos adotantes. É importante que a decisão da adoção seja elaborada com clareza e segurança antes de ser vivenciada na prática. A adoção pede uma vivência internalizada do projeto adotivo. Não há diferença entre a relação dos pais adotivos e a dos biológicos com seus filhos. Adotados ou não, filhos são criados da mesma forma, com os mesmo objetivos e com a utilização dos mesmos recursos (Schettini Filho, 2005). No caso de experiência relatada, o casal E. (46 anos) e J. (42 anos), fizeram a adoção de filhos em meio ao processo terapêutico, sendo esta uma decisão anti-ética, não sendo realizada com o devido cuidado necessário. Como pudemos perceber ao longo da terapia individual, a decisão da adoção veio em meio a soluções de problemas. A paciente E. revela em um dos seus atendimentos que nunca teve o desejo de ser mãe. Não se imaginava com a barriga de grávida e até mesmo em sua infância, dificilmente brincava de mamãe e filhinha com suas bonecas. Nisso, ressalta-se o que, Schettini Filho (2005) destaca ao dizer que a adoção não tem de estar atrelada à tentativa de solução de problemas pessoais, nem mesmo tem de ser encarada como solução de problemas específicos para a criança adotada. Trata-se de um posicionamento assumido pela pessoa diante da possibilidade de estabelecer relações interpessoais afetivas que compõem um projeto educativo. Esse casal, ao descobrir que um dos genitores era infértil e impotente, começaram a discutir sobre a adoção. Temos visto que a adoção é utilizada por pessoas das mais variadas condições e que são muitos os motivos pelos quais essas pessoas tentam compor seu grupo familiar através dessa prática. Um dos motivos mais freqüentes é a infertilidade (Schettini Filho, 2005). O J. era o que tinha o desejo de ser pai, enquanto que a E. nem cogitava esta possibilidade. Descobrindo sobre a
infertilidade, o casal não conseguia a ter mais relações sexuais. O J. chegou a dizer a E. que se eles viessem a adotar um criança, que esse problema passaria. Frente a isso, sua esposa E. resolve pensar na adoção. De certa forma, todo casal quer, por questão social, ter filhos, sejam eles adotados ou não. O J. é uma pessoa muito exigente, perfeccionista, mandão, teimoso, dono da verdade; enquanto que sua esposa, E. é uma pessoa totalmente submissa, tímida, procura sempre agradar aos outros mesmo que isso não seja da sua vontade, não gosta muito de expor suas opiniões e aceita tudo o que os outros falam calada. Sabendo disso, percebemos que este casal procurou a adoção, de início, como forma de solucionar os problemas surgidos enquanto casal, sendo esta uma atitude totalmente errônea. Se não bem trabalhada, a adoção pode ser um evento doloroso e potencialmente traumático, em especial para as crianças, pois as sensações de abandono e rejeição estão geralmente internalizadas. Concordamos com Schettini Filho (2005) quando ele diz que a decisão de adotar é uma decisão de se ter um filho. E adotar é ter um filho no sentido de ele surgir de dentro da pessoa. Podemos comparar a uma mãe que espera durante nove meses de gestação para ter um filho, onde faz toda uma preparação, assim também é com a pessoa que vai adotar, só que com uma diferença: essa gestação pode durar o tempo que for necessário de preparação, até que seu filho possa nascer na mente, no coração, na imaginação e na expectativa dos pais adotantes. No início, percebíamos que o casal não se sentiam pais das crianças. Quando foram buscar as crianças na casa abrigo, o garoto de 8 anos e a menina de 1 ano e 9 meses, já no caminho de casa, chamou-os de pai, de mãe; o que foi relatado pela E. como uma forma de espanto, surpresa, pois ela mesma disse que pensou no momento: nossa, mas já?. Notamos que o menino já havia internalizado ser filho daquele casal, enquanto que os mesmos ainda não. Na adoção tardia, sendo ela considerada a partir dos 2 anos de idade, de acordo com Ducatti (2004) a criança já chega em sua nova família e se encontra portadora de uma história, uma vez que sua identidade se constituiu a partir de elementos de outros, mas mesmo assim, o menino não deixou de reconhecê-los como pais. Há o mito de que a adoção tardia não dá certo porque há uma grande dificuldade por parte da criança em aceitar a figura paterna e materna, mas o que temos percebido neste casal, é o contrário, pois esta adoção tardia vem surtindo grandes efeitos não só para o casal como também para os adotados.
Não se pode dizer que a adoção se restringe apenas ao desejo de um casal. Para que uma criança seja inserida numa linhagem familiar faz-se necessário que toda a família compartilhe dessa aspiração cada qual em sua função específica. Este fato implica em que toda a história familiar seja transmitida à criança mediante diferentes olhares. O processo de filiação satisfatório depende, portanto, desse envolvimento familiar global. Ao adotar uma criança toda a constelação familiar deveria, em tese, sofrer o processo (Ducatti, 2004). A afetividade é condição indispensável para a caracterização e permanência da família (Schettini Filho, 2005). Uma grande diferença diante da esterilidade observada entre homens e mulheres reside no fato de que a mulher a vive enquanto luto. Já o homem não faz o luto pela esterilidade e sim pela transmissão genética, o que implica em uma vivência de morte vista através do enfoque genético e da perpetuação do patronímico (Ducatti, 2004). Isso nós pudemos notar nos atendimentos realizados individuais, em que o J. relatava com felicidade quando o seu filho começou a escrever o seu sobrenome. A felicidade dele foi tanta, que pôde internalizar aí o que é ser pai. O que salientamos é que, tanto os pais quanto os filhos, tem sido de grande importância para ambos. Está sendo uma troca mútua. No início, houve sim a não internalização por parte dos pais pelas crianças adotas. Levou-se um tempo para que houvesse de fato essa aceitação. Pudemos vivenciar o marco de ano de adoção. Ao relatar esta data, a E. se emocionou. Disse que há um ano atrás, estava buscando as crianças na casa abrigo com todos os seus anseios, incertezas, temores se daria certo ou não, ansiedade; enfim, como um turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo. Hoje, ela descreve que de toda essas sensações vivenciadas, a que permanece é a de alegria por ter adotado essas crianças. Aponta que não há em nenhum momento o arrependimento. Só relembra cada momento com alegria. Menciona que as incertezas, inseguranças continuam, mas de uma maneira diferente do que era no início. Agora sim, notamos que eles internalizaram o que é ser mãe e o que é ser pai.
Referência Bibliográfica Ducatti, M. A. G. Diálogos sobre adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. Levinzon, G. K. A criança adotiva na psicoterapia psicanalítica. São Paulo: Editora Escuta, 2000. apud Smith e Miroff (1987); Mattei (1997). Schettini Filho, L. Compreendendo os pais adotivos. Recife: Bagaço, 2005. 126p.