. 135 O trabalho com música nas séries iniciais no ensino de alemão como língua estrangeira Laura J. D. Amato Giovanna L. Chaves 1. Introdução No curso de licenciatura em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os licenciandos entram em contato com o universo educacional principalmente nas disciplinas obrigatórias e em algumas optativas oferecidas pelo Setor de Educação. É na disciplina de Prática de Ensino de Língua Estrangeira Moderna que os alunos, além de observarem continuamente o processo de ensino-aprendizagem, também têm a oportunidade de atuarem, isto é, os licenciandos lecionam, em alguns casos pela primeira vez, para uma turma em uma sala de aula. O que muitos deles aplicam na disciplina de Prática, foi discutido anteriormente ou até concomitantemente na disciplina de Metodologia de Ensino de Língua Estrangeira Moderna. Na UFPR, essa disciplina, como muitas outras do Setor de Educação voltadas para as licenciaturas, abrange aspectos do universo escolar a partir da 5ª. série do Ensino Fundamental, ou seja, os professorandos discutem aspectos do ensinoaprendizagem e do universo escolar não levando em consideração a Educação Infantil e os primeiros anos da Educação Fundamental. Essa escolha parece fazer sentido, afinal, no Brasil, o ensino de língua estrangeira se torna obrigatório somente a partir da 5ª. série do Ensino Fundamental. Mas podemos observar que muitas escolas, em grande parte na rede privada, já oferecem o ensino de uma língua estrangeira a partir da 1ª. série do Ensino Fundamental, outras escolas iniciam até na Educação Infantil. Essas escolas se valem de estudos Cadernos de Letras - n. 24 - p. 135-144 - mai. 2008
136. lingüísticos e de experiências em outros países para promover o bilingüismo. Tais estudos mostram só pontos positivos ao ensinar uma língua estrangeira na infância, desde um aumento da tolerância e do respeito ao próximo a um desenvolvimento maior de várias regiões cerebrais (SILVA, 2007). As licenciaturas, no entanto, não abrangem aspectos da aquisição de língua estrangeira na infância, e por isso muitos professores não possuem o aparato teórico necessário. Este trabalho aborda as séries iniciais justamente por haver uma lacuna na formação dos professorandos. Um de seus objetivos foi colocar esse assunto em pauta e discutir com professorandos alguns aspectos do ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Como se trata de assunto extenso, impossível de explorá-lo em um ano, resolveu-se então trabalhar o aspecto de aprendizagem do vocabulário através das músicas. 2. A música como instrumento lúdico e de ensino Segundo Pekarek et. alii (1996), um dos aspectos presentes na aprendizagem de uma língua estrangeira pelas crianças é o lúdico. A elas é apresentada a língua estrangeira através de jogos e de contextos próximos a sua vivência diária. A ludicidade está presente não só nos jogos, mas também no trabalho diferenciado com a língua, sem foco nas estruturas gramaticais (cf. SILVA, 2007). O artigo de Chiarelli & Barreto (2005) apresenta a música e a musicalização como elementos que estabelecem harmonia pessoal, facilitando a integração, a inclusão social e o equilíbrio psicossomático. Também mostra como contribuem para a inteligência e como podem contribuir na aprendizagem; traz sugestões de atividades; sugere que a escola deve mostrar diferentes gêneros musicais, trabalhando a capacidade de análise crítica do aluno; aborda a questão da Inteligência Musical originada da Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner e porque essa questão deve ser melhor considerada no currículo escolar. Levando isso em consideração, pode-se perceber que a música vai além do seu aspecto lúdico, englobando aspectos do desenvolvimento psicossocial importantes para a criança, confirmando
. 137 assim a pertinência de explorá-la em sala de aula. Segundo os mesmos autores, nos dias atuais é importante desenvolver a escuta sensível e ativa nas crianças como um contrapeso ao excesso de estímulos visuais e de ruídos; assim as crianças se tornarão mais atentas, mais concentradas e terão maior capacidade em selecionar e analisar sons. Ao levar isto em conta, percebe-se que toda essa sensibilidade deve ser explorada no ambiente familiar e levada aos ambientes externos, como a escola. Na escola, a música pode tornar o ambiente mais favorável à aprendizagem, além de poder ser usada especificamente no planejamento da aula, quando relacionada ao conteúdo trabalhado. Esse recurso torna a aula dinâmica, atrativa e ajuda na memorização da informação e de vocabulário. É importante salientar que o ensino da música como disciplina é importante, mas raramente ocorre nas salas de aulas brasileiras; mas, apesar disso, é possível utilizar os recursos musicais para as outras disciplinas. As atividades musicais devem visar a ampliação da cultura geral, a abertura de canais sensoriais para facilitar a expressão das emoções, enfim, contribuir para a formação integral do ser. Na aula de língua estrangeira, o professor pode optar por utilizar músicas com o objetivo de ensinar algo específico ou músicas de bandas ou cantores; a escolha deve ser feita considerando a faixa etária e o objetivo do uso da música, mas é importante salientar o caráter lúdico da música; sendo assim, a aprendizagem de um novo vocabulário se dá não somente por ser uma música tocada à exaustão, mas sim por trazer um contexto próximo do público e por possuir, principalmente nesse caso, um caráter lúdico. Conforme apresentado acima, só vemos vantagens na utilização da música, tanto na sala de aula quanto no desenvolvimento pessoal. Em concordância com esses aspectos, a receptividade do projeto na escola escolhida foi boa e só ratificou as hipóteses sobre o uso da música em sala de aula de língua estrangeira. 3. Metodologia e sua aplicação Os estudos desta pesquisa se iniciaram no mês de abril de 2007, com a definição do objeto de pesquisa, isto é, definição do público alvo e a seleção de material bibliográfico que oferecesse um aporte
138. teórico e/ou prático sobre o ensino de língua estrangeira através da música no contexto escolar. No mês de setembro e outubro foram feitas observações de aulas de alemão como língua estrangeira, em uma turma de cada série do ensino fundamental no Colégio Erasto Gaertner, Curitiba-PR 1. Em duas semanas consecutivas, houve a observação em cada turma e feita a seleção do material a ser aplicado nas aulas de experimentação. O material selecionado deveria ser novo para as crianças, com base na hipótese de que somente com uma música desconhecida ou nunca trabalhada pelas professoras seria possível verificar se através da música as crianças retêm vocabulário novo. A bolsista então listou com as professoras das turmas as músicas trabalhadas por elas e a forma como tais eram apresentadas: via teatro, via texto ou ambos. A música selecionada recebeu um aval apenas parcial das professoras, que acharam-na muito extensa e com vocabulário de média complexidade para as crianças, mas concordaram que era uma música nova, ou seja, nunca trabalhada em sala de aula, e apresentava um contexto não tão desconhecido pelas crianças, pois era uma música que se refere a um conto de fadas que as crianças normalmente conhecem. Em todas as turmas, o planejamento ocorreu da mesma forma. O diferencial previsto entre elas era o tempo de aplicação, sendo ele decrescente em relação à série. A aula de experimentação foi planejada para ensinar a música Dornröschen, que conta a história da Bela Adormecida. Primeiramente seria pedido aos alunos que dissessem quais contos de fadas eles conheciam. Eles enumerariam algumas histórias e, quando falassem Bela Adormecida, seria pedido para contarem essa história. Eles falariam o que sabiam sobre o conto, em português, e depois disso a bolsista contaria em alemão essa história de forma bem resumida, usando-se estrategicamente frases da música Dornröschen, por meio de um teatro de fantoches. Seria proposto aos alunos que fizessem um teatro da Bela Adormecida, mas não poderia haver falas. A bolsista e a professora da turma escolheriam alunos para representarem os principais personagens da história. A bolsista falaria cada frase da música e explicaria aos alunos que estavam fazendo o teatro como deveriam se movimentar em cada parte da música. A letra da música não deveria ser disponibilizada nas 1ª e 3ª séries, apenas nas 2ª e 4ª
. 139 séries. Essa estratégia foi pensada com o intuito de verificar se a apresentação por escrito de uma música facilita ou não a aprendizagem do novo vocabulário 2. Depois, a bolsista cantaria a música uma vez com os alunos, e então deixaria a música tocar no aparelho de som e pediria que os alunos cantassem junto. Enquanto a música tocasse, os alunos nas carteiras cantariam e os outros alunos, na frente da sala, fariam o teatro. No dia 11 de outubro de 2007 a aula planejada foi ministrada nas turmas de 1ª, 2ª e 3ª séries, sendo que na turma de 4ª série isso não foi possível, pois esta havia sido dispensada em razão do lançamento do programa de marketing do colégio para o ano de 2008. A aula da 1ª série aconteceu no horário logo após o recreio. As crianças estavam bastante agitadas, mas a professora fez com que se acalmassem. Foram seguidos os procedimentos do planejamento da aula descrita acima. Após a primeira parte, em que se falou cada frase e depois foi cantada a música, as crianças ouviram a música através do CD uma vez, tentando cantar. No entanto, a bolsista percebeu que eles não cantavam corretamente, mas produziam sons que se assemelhavam os sons das palavras da música. Tendo isto em vista, o planejamento foi alterado e então trabalhou-se frase por frase, repetindo várias vezes cada frase com os alunos, com e sem o acompanhamento da música no aparelho de som. Não houve o tempo necessário para trabalhar todas as frases da música, mas apenas as três primeiras. Nas 2ª e 4ª séries, as crianças não apresentaram dificuldades em cantar a música, já que podiam ler a letra na projeção, por isso o planejamento seguiu como programado. Os alunos da 3ª série sentiram falta da letra da música por escrito, para que pudessem acompanhar e saber como deveriam cantar 3, mas mesmo assim tudo ocorreu conforme o planejado. Mesmo sem a letra escrita, os alunos saíram-se melhor do que a 1ª série, pois cantaram grande parte das palavras da música corretamente, sem distorcê-las ou murmurá-las, como na 1ª série. Segundo a professora da turma, a performance desses alunos teria sido ótima com a apresentação por escrito da letra da música hipótese que, no entanto, não pôde ser confirmada. Em todas as turmas, o teatro com os alunos provocou bastante alvoroço e algazarra, principalmente entre as crianças que representaram
140. algum personagem. Isso dificultou um pouco o andamento da aula e o ensino da música. O teatro também desviou um pouco a atenção dos alunos, tendo sido necessário pedir constantemente que cantassem a música e não prestassem atenção apenas no teatro dos colegas. No dia 18 de outubro, uma semana depois, foi feita a retomada da música ensinada na semana anterior com os alunos e 1ª, 2ª e 3ª séries, e foi ministrada a aula planejada na turma da 4ª série. Nessa turma, a retomada da música deveria ter sido feita no dia 25, ou seja, uma semana depois. Contudo, não foi possível realizar a retomada nessa data, em razão de problemas pessoais. Por esse motivo, essa retomada foi feita dia 30 de outubro, 12 dias depois que a música foi ensinada. Após a aula com a bolsista, os alunos tiveram outras aulas de alemão e foi pedido às professoras para não cantarem a música ensinada pela bolsista. A retomada da música na 1ª série foi muito gratificante. Apesar de não cantarem a música durante uma semana, entre a aula experimental e a aula de retomada, as crianças cantaram corretamente, com bastante energia e em volume alto, principalmente as três primeiras estrofes da música, mas continuaram a cometer distorções de algumas palavras, mas em menor quantidade. O horário da aula de experimental e da aula de retomada foi o mesmo, causando uma certa estranheza à professora e a bolsista tão grande entusiasmo, que talvez tenha sido influenciado pela condição imposta aos alunos, de que eles só poderiam fazer o teatro se cantassem a música o que não foi feito nas outras classes. E eles estavam bastante ansiosos pelo teatro. Na aula de retomada na 2ª série, não foi disponibilizada a letra aos alunos. Eles estavam, aparentemente, pouco motivados, não se esforçando muito para relembrar e cantar a música. Durante o canto, eles cantavam algumas partes corretamente, outras partes não cantavam ou cantavam errado. A turma de 3ª série teve um melhor desempenho: apesar de não parecerem muito motivados, mostraram-se mais empenhados do que a 2ª série em colaborar e cantaram o que lembravam. Nessas três séries, os alunos não relembraram a música sozinhos. Era preciso começar a cantar para que as crianças acompanhassem. Sendo assim, pode-se perceber que sem um estímulo prévio, o vocabulário visto não era retomado, mas deve-se levar em consideração a única
. 141 apresentação da música e a observação sobre o nível de dificuldade feito por todas as professoras. Diferentemente das séries anteriores, os alunos da 4ª série começaram uma nova estrofe sem precisar ouvi-la antes, como estímulo. Nessa turma, o resultado converge com a hipótese de que é possível aprender vocabulário e retê-lo através da música, mesmo se a recuperação desse vocabulário for após longo prazo, no caso 12 dias após o ensino da música. 4. Conclusão Durante a atividade, a bolsista queria perceber se é possível aprender vocabulário e retê-lo através da música. Das quatro turmas aplicadas, todas demonstraram interesse e motivação durante a aplicação da aula experimental e acompanharam a letra da música, exceto a 1ª série. Uma das possíveis justificativas seria a grau de dificuldade da letra da música. Já na aula de retomada, as três primeiras turmas não recordaram tão facilmente a letra da música, o que vai contra a hipótese de que se aprende vocabulário através da música. Mas deve-se ponderar que a música foi apresentada somente uma vez para essa turma. Em contrapartida, temos os resultados da 4ª série como favoráveis à hipótese. Como os resultados são contraditórios entre as turmas, podemse levantar as seguintes algumas hipóteses, como: 1. a idade influencia na retenção do vocabulário através da música, sendo que os mais velhos retém com maior facilidade, 2. classes musicalmente desenvolvidas possuem mais facilidade com o aprendizado de vocabulário através da música, 3. a utilização de recursos musicais sensibiliza o aprendizado da música, facilitando assim a aprendizagem do vocabulário 4 As três possibilidades sugeridas acima são talvez as mais promissoras, podendo haver outras explicações plausíveis. Em todo caso, seria preciso verificá-las através de um estudo mais aprofundado, tendo em vista que só houve uma aplicação de aula e os resultados foram contraditórios entre as turmas. Ainda que inconclusivo, o estudo feito sugere a pertinência de pesquisas dessa natureza e aponta para a
142. necessidade de maior aprofundamento, tendo por horizonte hipóteses como as citadas acima. Laura J. D. Amato, Professora Assistente, UFPR Giovanna L. Chaves, Graduanda, UFPR Notas 1 O Colégio Erasto Gaertner oferece alemão em níveis diferentes: para bilíngües, para avançados de língua estrangeira, para alunos intermediários de língua e para alunos iniciantes de língua estrangeira. O nível oferecido e recomendado pela coordenação do colégio foi o avançado em língua estrangeira 2 Foi observado que as professoras das turmas não davam letras das músicas ensinadas, os alunos só as recebiam se o intuito da música fosse a apresentação aos pais e à comunidade. 3 Uma aluna perguntou se a bolsista não daria a letra para que pudesse acompanhar a música. 4 A bolsista percebeu que as turmas com melhor retenção foram aquelas nas quais as professoras utilizam recursos musicais com freqüência. Referências CHIARELLI, L. K. M. & BARRETO, S. de J. A importância da musicalização na educação infantil e no ensino fundamental. A música como meio de desenvolver a inteligência e a integração o ser. In: Revista Recre@rte, nº 03, 2005. Disponível em: http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03.htm, acesso em 12.02. 2006. GARDNER, H. A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. LIGHTBOWN, P. M & SPADA, N. How Languages are Learned. Oxford: Oxford University Press, 2003. OLIVEIRA, M.K. Vygostky Aprendizado e Desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. SP: Scipione, 1993. PEKAREK, S.; SAUDAN, V.;LÜDI, G. Apprentissage du français en Suisse alémanique: des systèmes éducatifs aux situations extra-scolaires, In: Berthoud, Anne-Claude (ed.): Acquisition des compétences discursives dans un contexte plurilingue. Bulletin suisse de linguistique appliquée 64 (1996), pp. 87-111
. 143 SILVA, C. D. M. Aquisição de idiomas estrangeiros na infância. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrid=1003, acesso em 28.12.2007. Resumo O presente trabalho é resultado de um ano de trabalho com a bolsa Licenciar da Universidade Federal do Paraná. Esta bolsa é concedida a alunos de licenciaturas que se candidatam a projetos já aceitos pela PROGRAD. Este projeto consistiu em identificar se a música pode ser considerada um agente facilitador da aprendizagem do vocabulário de uma língua estrangeira nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Para o desenvolvimento do projeto foram necessárias observações de aulas de língua alemã em um colégio da rede privada de ensino, conversas com as professoras das turmas, assim como busca e didatização de material e leitura de bibliografia referente ao trabalho a ser realizado. Palavras-chaves Alemão como língua estrangeira, aprendizagem através da música, música nas séries iniciais, aquisição de língua estrangeira. Abstract This paper is the result of one year of work on the Licenciar scholarship at UFPR. This scholarship is given to students who want to become teachers. Through this scholarship these students work on projects that have been already accepted by PROGRAD. The aim of this project was to identify if music can be considered a facilitator of vocabulary learning in a foreign language in the initial grades of elementary school. Prior to starting the project, there was class observation in a private school, talking with the class teachers, adaptation of the selected material and readings on the research topic as preparatory steps. Keywords German as a foreign language, learning through music, music in the elementary school, foreign language acquisition.