O TORCEDOR DE FUTEBOL, PAIXÃO QUE EXTRAPOLA AS QUATRO LINHAS JULIANA MARTINS PEREIRA 1 DANIEL FIGUEIRA ALVES 2



Documentos relacionados
Transcriça o da Entrevista

FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO PRECISAMOS MELHORAR O PROCESSO? OUTUBRO / 2013

5 Dicas Testadas para Você Produzir Mais na Era da Internet

Metodologia. Entrevistas com amostra de usuárias brasileiras de internet via questionário online.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NOS ANOS INICIAIS: UMA PERSPECTIVA INTERGERACIONAL

Terra de Gigantes 1 APRESENTAÇÃO

Tema: evasão escolar no ensino superior brasileiro

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DAS DIVISÕES DE BASE NO FUTEBOL DO BRASIL JANEIRO DE

Lógicas de Supervisão Pedagógica em Contexto de Avaliação de Desempenho Docente. ENTREVISTA - Professor Avaliado - E 5

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

Daniel Chaves Santos Matrícula: Rio de Janeiro, 28 de maio de 2008.

Recomendada. A coleção apresenta eficiência e adequação. Ciências adequados a cada faixa etária, além de

TRABALHO: VILÃO OU SALVAÇÃO? Sofrimento Psíquico e Alcoolismo entre Servidores da Universidade Federal do Ceará

Módulo 9 A Avaliação de Desempenho faz parte do subsistema de aplicação de recursos humanos.

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

ANÁLISE DA CARACTERIZAÇÃO DO MMA NA LITERATURA E NA INTERNET E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Formação Profissional em Psicologia Social: Um estudo sobre os interesses dos estudantes pela área.

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM VOLEIBOL

Educação Patrimonial Centro de Memória

O CAMINHO DO ATOR BUSCADOR Mônica Mello Universidade Federal da Bahia UFBA Antropologia teatral, treinamento de ator, pré-expressivo.

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

Estratégias adotadas pelas empresas para motivar seus funcionários e suas conseqüências no ambiente produtivo

História. Programação 3. bimestre. Temas de estudo

O ensino aprendizagem da matemática no basquete

O Poder das Exposições no século XXI

INVESTIGANDO O ENSINO MÉDIO E REFLETINDO SOBRE A INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS NA ESCOLA PÚBLICA: AÇÕES DO PROLICEN EM MATEMÁTICA

"Brasil é um tipo de país menos centrado nos EUA"

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

Eixo Temático 1 Instrução e Cult uras Escola res

ANÁLISE DOS TRABALHOS DE CONCLUSÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA: REFLEXÕES INICIAIS ACERCA DA PRODUÇÃO DE 2006 A 2014

Modos de vida no município de Paraty - Ponta Negra

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

Palavras-chave: Ambiente de aprendizagem. Sala de aula. Percepção dos acadêmicos.

Entre 1998 e 2001, a freqüência escolar aumentou bastante no Brasil. Em 1998, 97% das

Distintos convidados e demais pessoas nesta sala, é uma grande honra

CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. Entrevista: Eustáquio Pereira de Oliveira. São José dos Campos SP. Abril de 2011

X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

Motivos de transferência do negócio por parte dos franqueados

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

AFETA A SAÚDE DAS PESSOAS

Atividades lúdicas na educação o Caminho de tijolos amarelos do aprendizado.

PESQUISA DIA DAS CRIANÇAS - MOSSORÓ

5 Considerações finais

PROJETO DE ESTÁGIO CURSO: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DISCIPLINA: ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL CIRCUITO: 9 PERIODO: 5º

Regulação Bimestral do Processo Ensino Aprendizagem 3º bimestre Ano: 2º ano Ensino Médio Data:

20 ANOS DE UNESCO NO COLÉGIO BENJAMIN CONSTANT

PRODUTO FINAL ASSOCIADA A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Marketing Esportivo Grande chance do Brasil virar o jogo e entrar para o Primeiro Mundo. São Paulo, 12 de agosto de 2010

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL I PARA USO DAS TECNOLOGIAS: análise dos cursos EaD e da prática docente

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Meu nome é José Guilherme Monteiro Paixão. Nasci em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1957.

Abordagens Matemáticas e Estatísticas para o Futebol

O AMBIENTE MOTIVADOR E A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

Dicas que ajudam pais na escolha da escola dos seus filhos

OFICINA DE ESTRANGEIRISMO E O ALUNO DO ENSINO MÉDIO: PERSPECTIVAS E REFLEXÕES

OLIMPIADAS DE MATEMÁTICA E O DESPERTAR PELO PRAZER DE ESTUDAR MATEMÁTICA

Plano de Aula SOU PAR OU ÍMPAR? TÍTULO: Iniciais. 3º ano. Matemática. Número e Operações/Álgebra e Funções 1 aula (45 min) Educação Presencial

Reflexões sobre o público no Campeonato Brasileiro de 2007

Elaboração e aplicação de questionários

PROJETO OLÍMPICO - RIO

9 Como o aluno (pré)adolescente vê o livro didático de inglês

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

Juniores aluno 7. Querido aluno,

O QUE OS ALUNOS DIZEM SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: VOZES E VISÕES

Contexto. Rosana Jorge Monteiro Magni

XADREZ NAS ESCOLAS E PARA TODOS

SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ORALIDADE

DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO DA INICIATIVA

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

O ato de ler Projeto Petiscos de leitura

Renê Drezner INTRODUÇÃO

Módulo 6 Cultura organizacional, Liderança e Motivação

CORPO E MÍDIA: UMA COMPREENSÃO MULTIRREFERENCIAL DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Eduardo Ribeiro Dantas (UFRN) Terezinha Petrucia Da Nóbrega

Guia Prático para Encontrar o Seu.

18/11/2005. Discurso do Presidente da República

EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA E AS NOVAS ORIENTAÇÕES PARA O ENSINO MÉDIO

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

GERAÇÃO DA CONECTIVIDADE

Clubes Europeus avançam sobre Torcedores Brasileiros

COMUNIDADE AQUÁTICA: EXTENSÃO EM NATAÇÃO E ATENÇÃO AO DESEMPENHO ESCOLAR EM JATAÍ-GO.

20 perguntas para descobrir como APRENDER MELHOR

Colégio dos Santos Anjos Avenida Iraí, 1330 Planalto Paulista A Serviço da Vida por Amor

Anelise de Brito Turela Ferrão Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Edição de um filme a partir de fotografias

PESQUISA EDUCAÇÃO FINANCEIRA. Orçamento Pessoal e Conhecimentos Financeiros

entrevista: tamas rohonyi

IV EDIPE Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino 2011

Fernandinho, jogador do Shakhtar Donetsk da Ucrânia, de férias em Londrina, concede entrevista exclusiva, em sua visita a Arena Futsal:

1. Preconceito e discriminação, 14 Homofobia, 17

1 Um guia para este livro

A PERCEPÇÃO DE JOVENS E IDOSOS ACERCA DO CÂNCER

O TRABALHO DOCENTE NUM PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS

III Virada Esportiva ATC Gênesis

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

REGRAS E REGULAMENTOS OLIMPÍADAS DE RACIOCÍNIO PROGRAMA MENTEINOVADORA MIND LAB

Transcrição:

O TORCEDOR DE FUTEBOL, PAIXÃO QUE EXTRAPOLA AS QUATRO LINHAS JULIANA MARTINS PEREIRA 1 DANIEL FIGUEIRA ALVES 2 INTRODUÇÃO Há dois séculos, quando as modalidades esportivas foram introduzidas no Brasil, não eram bem aceitas pelos governantes da época. Eles achavam que tais atividades, comparadas aos problemas de terceiro mundo, não mereciam muita atenção por parte deles (CALDAS, 1990). Em contrapartida, o autor acima citado relata que no século XIX (1882), o responsável estadual de ensino, Rui Barbosa, destacou a necessidade de introduzir o exercício físico na grade curricular das escolas primárias, mas mesmo com toda sua influência não teve êxito. A partir deste ponto a atividade física ficou na dependência da voluntariedade dos imigrantes europeus e de um pequeno grupo de brasileiros que havia estudado na Europa. Foi através deles que surgiram no Brasil os clubes de lazer e uma forma mais organizada de exercícios físicos (CALDAS, 1990). No entanto, para o autor, essa iniciativa não foi suficiente para alavancar o interesse brasileiro pela prática de alguma modalidade esportiva da época. Apenas em 1888, no Rio Grande do Sul, surge o primeiro clube de regatas do Brasil, e assim mesmo, fundado por imigrantes alemães e em 1895 é realizada no Rio de Janeiro a primeira competição de natação. Isso demonstra que o esporte brasileiro caminhava a passos lentos e tinha pouco incentivo, com raras exceções. Com exceção do futebol, e mais recentemente do voleibol, o Brasil tem demonstrado, nas competições internacionais (Olimpíadas e Jogos Panamericanos), pouca evolução nas outras modalidades esportivas, salvo alguns casos isolados (Tênis, Ginástica Artística, Natação, Judô etc). 1 Mestre em Ciências da Motricidade, pela UNESP (Universidade Estadual Paulista) Rio Claro; Docente das Faculdades Integradas de Bauru FIB. 2 Graduado em História pela Universidade Bráz Cubas Mogi das Cruzes, aluno do Curso de Especialização em Antropologia Universidade do Sagrado Coração (Bauru).

2 Para Caldas (1990), com relação à origem do futebol, o trabalho de Rosenfeld (sd) é bem preciso, claro e objetivo. Ele cita: O futebol foi transplantado para o Brasil por Charles W. Miller, um brasileiro de origem inglesa. Aos 10 anos de idade, Miller foi enviado à terra de seus pais para freqüentar a escola. Quando voltou a São Paulo, em 1894, trouxe em sua mala uma bola de futebol. Para difundir o futebol entre os ingleses, que viviam em São Paulo e jogavam cricket, Miller entregou-se a uma fervorosa atividade de missionários. O primeiro círculo que cultivou o jogo numa forma organizada foi formado por sócios de um clube inglês, o São Paulo Athetic Club, que havia sido fundado para a prática do cricket e ao qual Miller se associou. O clube reunia altos funcionários ingleses da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway. Para o autor a trajetória do futebol brasileiro teve início em 1894. Desta data até hoje, esse esporte passou por profundas transformações. O futebol surgiu no Brasil no fim do século XIX, por intermédio do inglês Charles Miller, trazendo a primeira bola para a prática futebolística. Nessa época apenas pessoas da nobreza poderiam assistir ou praticar o novo desporto, pessoas de classes inferiores e de cor negra não tinham a mesma oportunidade (LEVER, 1983). O autor afirma que tal discriminação durou aproximadamente até 1923 quando o número de clubes foi aumentando e o futebol foi se popularizando até se tornar uma unanimidade esportiva nacional. Em 1930 é criada a Copa do Mundo de Futebol, realizada de 4 em 4 anos, sendo o Uruguai campeão da primeira edição. Entre 1942 e 1946, a Copa não ocorreu devido à Segunda Guerra Mundial. Nessa competição, o Brasil possui a seleção com mais títulos mundiais, o único país pentacampeão e o único a ter vencido o torneio fora do seu continente. É também o único país a ter participado de todos os Campeonatos. Entre 1894 e 1932, observa-se uma época marcada pela grande presença inglesa, é considerado o período do amadorismo do nosso futebol. O fato mais relevante da época foi a fundação do The Bangu Athetic Club, desencadeando a revolução democratizante do futebol brasileiro. Nessa época prevalecia a visão romântica do futebol.

3 Em 1933, formalmente, acontece a introdução do futebol profissional em nosso país, de forma precária, mas o suficiente para estabelecer o mais importante marco na história do futebol. O principal evento esportivo do país, o campeonato brasileiro de futebol, teve inicio em 1971. A idéia partiu da Confederação Brasileira de Desportos, atual Confederação Brasileira de Futebol, logo após a Copa do México. Até então, os principais torneios que aconteciam no Brasil eram a taça Brasil, Taça Roberto Gomes Pedrosa e o Torneio Rio-São Paulo. Conseqüentemente, houve um grande aumento no número de torcedores nas grandes agremiações, pequenos grupos de torcedores, formados principalmente por amigos, se tornaram as conhecidas e temidas torcidas organizadas que atualmente são muito diferentes dos grupos de espectadores passivos do passado (FRANÇA, 2006). Atualmente a conduta agressiva dos torcedores vem se desenvolvendo praticamente em todos os continentes e nada tem a ver com o espetáculo em si. Alguns torcedores vão ao estádio com a má intenção de violência, entretanto, não ocorrerá agressividade se não houver um ambiente propício, ou fatores relacionados com o jogo, o local do espetáculo serve apenas como pretexto para encontros de torcidas organizadas rivais se degladiarem, às vezes até a morte (SAMULSKI, 2002). Essa afirmação demonstra que, algumas vezes, os torcedores de futebol utilizam o estádio ou a derrota de sua equipe como forma de justificar seu comportamento violento. Além da violência os torcedores também podem influenciar negativamente ou positivamente no rendimento dos atletas. Um exemplo claro é o time jogando em seu estádio lotado e, com meia hora de jogo, estando o placar empatado ou o adversário ganhando, os jogadores do time da casa já começam a ouvir as primeiras vaias, pior, se determinado jogador errar três ou quatro passes seguidos ou proporcionar um ou dois contra-ataques para o adversário, começará uma perseguição implacável, sendo este jogador vaiado toda vez que ele tocar na bola. Conseqüentemente, o time deste jogador ficará com dez jogadores, pois sendo escolhido como culpado da torcida ele desaparece dentro de campo. Quando o time corresponde às expectativas dentro de campo, marca, corre, fecha todos os espaços de adversário, não deixa o adversário jogar literalmente, mesmo que não ganhe o jogo, os torcedores, além de se transformarem no décimo

4 segundo jogador, reconhecem o esforço de seus jogadores e estes saem aplaudidos de dentro do campo. Existem vários tipos de torcedores, mas nada se compara as viciado e o fanático por futebol, como exemplifica Perón (2002): Dizem que quando você é viciado em algo, acaba mudando sua via, larga seu emprego, sua carreira. Larguei uma carreira para começar outra e poder ficar mais perto do futebol. Menti, dispensei convites, inventei doenças e trabalhos extras apenas para assistir a uma partida de futebol qualquer, sem nenhuma importância. Já o fanático não se importa com o que acontece com o futebol como um todo, ele só tem olhos para seu clube, tudo que contrarie seu clube é tratado como conspiração. Basta ele ler ou ouvir algo para ficar ofendido, para não falar que ninguém entende de futebol,a não ser ele e os torcedores de seu time. Rotulado de esporte mais popular do mundo e capaz de mover multidões para os estádios ou para frente das televisões, movimentar muito dinheiro, o futebol ainda não perdeu seu encanto, basta o time entrar em campo para milhares de corações começam a bater mais forte, talvez seja o único momento em que o mais humilde fica no mesmo nível do mais favorecido, deslumbrado pela mesma emoção, por pelo menos noventa minutos. Os torcedores podem ser de times adversários, mas o amor pelos seus clubes os une pelo mesmo propósito (LEVER, 1983). De acordo com o site oficial da torcida do Botafogo de Futebol e Regatas, a primeira manifestação popular de torcedores no Brasil ocorreu em 1905, quando o Paulistano ganhou o campeonato paulista, acabando com a série de vitórias do São Paulo Athletic e conquistando seu primeiro titulo. Na noite da comemoração, após o banquete, os jogadores foram convidados para ir ao Teatro Politheama e, ao chegarem, os atores já estavam em cena, representando o primeiro ato. Os campeões entraram silenciosamente na platéia, mas foram reconhecidos, e os aplausos foram tantos e tão demorados que as luzes se acenderam, o pano do palco baixou o espetáculo foi interrompido e os aplausos perduraram por vários minutos, dele participando todos os componentes da Companhia Teatral. Os jogadores vieram ao palco, com todos os atores aplaudindo. O Paulistano foi o primeiro clube a ser campeão com todos os jogadores brasileiros. O São Paulo Athletic Clube, que era tri-campeão paulista nos anos de 1902/03/04, era composto apenas por jogadores ingleses.

5 É importante entender a paixão dos torcedores pelo futebol, uma vez que sua postura pode nos revelar comportamentos distintos entre os indivíduos que apenas acompanham os campeonatos, sem muito envolvimento, e aqueles que são apaixonados por seu time, a ponto de modificar sua rotina para acompanhar as competições. O simples ato de o indivíduo ir assistir seu time se torna uma fonte de sentimentos prazerosos, um bem estar pessoal, que se repetirá todas as vezes que este procedimento ocorrer, assim, a motivação intrínseca pode ser o fator psicológico que melhor explique tais sentimentos (DAVIDOFF, 2001). No início do século XIX houve um aumento significativo no número de clubes fundados por todo o território nacional. Entre esses clubes está o Esporte Clube Noroeste, fundado em primeiro de setembro de 1910, com o nome de Sport Club Noroeste. Foi entre os torcedores desse clube que selecionamos os participantes para a presente pesquisa. De acordo com o site oficial da equipe, sua profissionalização ocorreu em 1948. E, a partir de então, o Noroeste passou a ter dois times: um profissional, que disputaria o Campeonato Paulista e outro para jogar o Amador de Bauru. O primeiro campeonato da 2a Divisão disputado pelo Noroeste foi o do próprio ano de 1948. Após um desempenho inconstante, o time terminou na terceira posição da série branca do Campeonato. O primeiro título da Segunda Divisão foi conquistado em 1953. Em 1958 um grande incêndio atingiu o Estádio Alfredo de Castilho (local onde o Noroeste realizava seus jogos, na cidade de Bauru), que só voltou a ser utilizado em 1960. O Noroeste voltaria à divisão principal do futebol paulista apenas em 1970. Desde então alterna fases nas quais disputa grandes competições entre os clubes mais conhecidos do futebol nacional, e outras fases nas quais disputa campeonatos sem grande expressão no futebol nacional. Entretanto, mesmo com essa inconstância, há torcedores extremamente fiéis, que comparecem a todos os jogos no Estádio Alfredo de Castilho, e, além disso, deslocam-se para outros municípios com o objetivo de acompanhar e incentivar a equipe. Partindo-se dos pontos apresentados acima, é evidente a necessidade de entender a participação do torcedor no processo de evolução do futebol, assim como

6 as mudanças que ocorreram ao longo do tempo na maneira de torcer, muitas por conseqüência da mídia, de novas tecnologias etc. A importância de se entender um participante (o torcedor), em meio a todo um contexto social (o futebol) leva em conta o conceito de campo (BOURDIEU, 1983), que considera o conjunto das práticas e de consumos esportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar certa demanda social. Nesse sentido, considera-se o campo esportivo como um campo de concorrência no qual se defrontam agentes com interesses específicos, ligados às posições que ocupam. Tal campo não resulta de ações individuais, mas sim de relações existentes nesse espaço determinado, que compõem o esquema de transformação e conservação da sociedade, onde se estipulam objetos de disputa e interesses específicos, que são comuns aos agentes que interagem em seu interior. Esses objetos de disputa e interesses se constituem em capital simbólico e caracterizam a cumplicidade existente entre aqueles que compõem o campo. Bourdieu (1983) explica que o campo esportivo é um campo de práticas específicas, dotado de lutas próprias, de regras próprias, e onde se engendra e investe toda uma cultura ou competência específica. Como exemplos podemos citar a competência física de um atleta, a competência cultural de um dirigente, ou, mais especificamente no caso da presente pesquisa, toda a competência emocional de um torcedor. Nesse sentido, é o habitus, ou seja, o conjunto de técnicas, referências, crenças, que determina a posição de agente social no interior do campo esportivo. A partir dessa posição que percebemos e interpretamos as relações existentes no campo, atribuindo valores distintivos aos participantes. É o habitus que irá diferenciar o atleta, o dirigente, o torcedor, e irá determinar sua participação em todo o processo de desenvolvimento de uma modalidade esportiva. Considerando-se os pressupostos até aqui apresentados, estabeleceu-se como objetivo do presente trabalho analisar o perfil do torcedor de futebol profissional do Esporte Clube Noroeste segundo seus hábitos e interesse pela participação dessa equipe nas competições. E, ainda, verificar, de modo específico, suas preferências em relação a forma de acompanhar os jogos e sua importância como forma de lazer.

7 MATERIAIS E MÉTODOS Sujeitos Participaram do estudo vinte indivíduos de ambos os sexos, acima de 18 anos de idade, torcedores do Esporte Clube Noroeste do município de Bauru/SP. Foi utilizado como critério de inclusão torcedores que frequentam regularmente o estádio de futebol deste clube. Técnicas Entrevista semi-estruturada As entrevistas foram realizadas com auxilio de gravador. Posteriormente foram transcritas e analisadas por categorias. Esse tipo de entrevista consiste em elaborar previamente um roteiro de questões, de acordo com o objetivo proposto, permitindo, no entanto, que o entrevistador modifique esse roteiro no momento das entrevistas, a fim de melhor explorar as informações coletadas. Essa técnica de coleta de dados valoriza a fonte oral, que, uma vez sistematizada, contribui para que muitas histórias passadas não se percam. De acordo com Le Goff (1992:535): A história faz-se com documentos, sem dúvida, quando esses existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. As entrevistas realizadas legitimam-se como fontes históricas, dado seu valor informativo, e por incorporar perspectivas ausentes na literatura. Uma vez registradas, permitem novas análises, novos objetos de estudo e uma nova documentação, contribuindo para a preservação da memória de determinado grupo social e período histórico. Thompson (1992) atribui à fonte oral o poder de tornar a história livre da significação cultural do documento escrito, contribuindo para uma história mais rica, viva e comovente. Amostra intencional Consiste em coletar os dados junto aos sujeitos que melhor podem corresponder ao objetivo proposto.

8 ANÁLISE DOS RESULTADOS Para melhor compreensão do trabalho e preservação do anonimato dos entrevistados, optou-se por utilizar uma legenda, enumerando os torcedores de um a vinte (torcedor um: T01, torcedor dois: T02, até o torcedor 20: T20). Identificação dos entrevistados Entre os entrevistados, a faixa etária variou de vinte a 69 anos, sendo que seis (30%) estavam entre vinte e 29 anos, cinco (25%) entre trinta e 39, outros seis entrevistados entre quarenta e 49, dois (10%) entrevistados entre cinquenta e 59 e apenas um entrevistado na faixa dos sessenta anos. A grande maioria (18 entrevsitados - 90%) residia em Bauru, sendo que um afirmou morar em Agudos (município próximo) e outro na capital do estado de São Paulo. Dentre os participantes do estudo, apenas um afirmou não ter completado o primeiro grau (atual Ciclo I do Ensino Fundamental). Dois disseram ter completado essa etapa da escolaridade, oito entrevistados (40%) completaram a educação básica, cinco (25%) haviam completado o ensino superior e quatro (20%) estavam cursando essa etapa da escolarização. Em relação ao estado civil oito (40%) declararam-se solteiros, dez (50%) casados e apenas um solteiro e um separado. Perfil dos torcedores em relação ao futebol Esse ponto caracteriza-se como objeto de estudo da presente pesquisa, uma vez que buscamos entender a participação do futebol na vida dos entrevistados (como torcedores). As categorias de análise que emergiram dos dados foram: clube pelo qual torcem (com exceção do Esporte Clube Noroeste), período de tempo durante o qual já acompanham a equipe, como se veem no papel de torcedores, como se sentem quanto aos resultados do time pelo qual torcem e quais as recordações ainda presentes sobre os últimos títulos da referida equipe. Dentre os participantes, quinze (75%) afirmaram torcer por algum outro time, todos do estado de São Paulo. Foram citados Corinthians, São Paulo e Palmeiras.

9 Já cinco (25%) torcedores declararam-se fiéis ao Esporte Clube Noroeste, ou seja, não torcem por nenhum outro time de futebol. Em relação ao período de tempo durante o qual acompanham os jogos do Noroeste, o maior número de respostas distribui-se entre 21 e quarenta anos (65%), sendo que seis torcedores (30%) afirmaram acompanhar a equipe há menos de vinte anos, e apenas um torcedor acompanha a equipe há mais de quarenta anos. É nítido que esse panorama se deve á faixa de idade dos participantes da pesquisa. Quando questionados sobre a auto avaliação que fazem de seu papel como torcedor, onze (55%) participantes declararam-se fanáticos, sete (35%) torcedores afirmaram acompanhar sua equipe de maneira normal ou mediana e apenas dois (10%) torcedores reconheceram o futebol apenas como mais uma atividade de lazer. Outro ponto interessante em relação ao discurso dos entrevistados refere-se à maneira como reagem às derrotas da equipe pela qual torcem. Oito (40%) disseram sentirem-se um pouco tristes, quatro torcedores sentem-se tristes e bravos e outros dois disseram ter a sensação de revolta. Outros estados de ânimo relacionados pelos entrevistados às derrotas da equipe pela qual torcem foram: indignação, mágoa, desilusão e angústia. Entre os entrevistados, 14 (70%) afirmaram que se recordam da última conquista do clube pelo qual torcem, enquanto os outros seis (30%) disseram não se lembrar. Embora a maioria afirme ter essa recordação, não os questionamos a respeito dessa conquista (quando foi, qual competição). Quando os questionamos a respeito da frequência com que vão ao estádio, nos períodos em que a equipe disputa competições oficiais, dez (50%) entrevistados afirmaram que procuravam acompanhar a todos os jogos. Outros nove entrevistados disseram que não se recordavam exatamente, mas que tinham esse hábito. Apenas um entrevistado relatou que há mais de um ano não ia ao estádio. A grande maioria dos torcedores (85%) afirmou já ter faltado a compromissos importantes para acompanhar jogos da equipe pela qual torcem, e todos os participantes revelaram gostar mais de ir ao estádio que acompanhar por algum outro veículo de comunicação. Quando não podem ir ao estádio 80% dos torcedores acompanham aos jogos pelo rádio e apenas quatro torcedores (20%) pela televisão. A preferência pelo rádio talvez se deva ao fato da referida equipe não estar disputando competições televisionadas há alguns anos.

10 Ao descreverem como veem as torcidas de futebol, as respostas foram bastante diversificadas: a torcida evoluiu, tem mais responsabilidade, os torcedores estão mais organizados, a torcida está mais passiva, a torcida está mais violenta. DISCUSSÃO Para Lever (1983: 126), entre os torcedores de futebol, alguns são mais apaixonados por seus times que outros. Com relação à essa afirmação, os participantes da presente pesquisa se definiram de diferentes formas quando questionados sobre a intensidade de seu amor pelo time de futebol do qual são torcedores. Entre aqueles que de dizem fanáticos podemos perceber que o futebol ocupa lugar de destaque em suas vidas, uma vez que, segundo Ferreira (1999), fanático é o que tem zelo religioso, cego, excessivo, intolerante. Que adere cegamente a uma doutrina, que tem dedicação, admiração ou amor exaltado por alguém ou algo, entusiasmado, apaixonado. Para esse grupo de entrevistados, qualquer esforço é válido para acompanhar seu time de futebol. A maioria deles relatou já ter faltado a algum compromisso importante para assistir a uma partida, como afirma T05: Já, faltei a vários compromissos várias vezes, inclusive não fui ao pósoperatório, eu tinha feito uma cirurgia de hérnia e no dia seguinte deveria estar em repouso, mas havia um grande jogo e eu fui ao estádio. Fiz muita loucura também, já faltei em casamento, até batizado de familiar eu já faltei para ir ao estádio de futebol torcer pelo Noroeste. Lever (1983) relata ainda que a maioria dos homens brasileiros investe expressiva quantidade de tempo no futebol, em comparação a outros tipo de atividades de lazer. Essa informação também é confirmada junto aos entrevistados, pois quando questionados sobre quantas vezes foram ao estádio acompanhar uma partida de futebol, apenas um afirmou não ido ao estádio nenhuma vez no período de um ano. Todos os outros haviam ido há vários jogos, o que exige certo investimento financeiro na compra de ingressos. Para Lever (1983), embora seja difícil, talvez impossível, mensurar a paixão de um torcedor por seu tima de futebol, é possível determinar até que ponto ele

11 acompanha o esporte. Em suas palavras: Ele atura ônibus coletivo lotado e a arquibancada com um calor sufocante para assistir a seu time pessoalmente ou prefere ficar em casa, tranquilamente, ouvindo a transmissão pelo rádio ou pela televisão?. Todos os entrevistados foram unânimes ao responder que preferem ir ao estádio assistir aos jogos. Para T11 a emoção de assistir ao jogo no estádio é definida da seguinte forma: Nossa, um monte de oportunidade eu já fui pro estádio, ia passar o jogo na tv mas eu fui pro estádio, porque no estádio é totalmente diferente. Outro fator citado nos depoimentos, quando questionamos sobre as mudanças ocorridas nas torcidas de futebol ao longo dos anos referiu-se à violência. Esse fenômeno não é exclusivo do esporte, muito embora não sejam raros os exemplos de manifestações violentas em partidas de futebol no mundo todo. Apesar de apenas um torcedor ter tocado nesse assunto, suas palavras refletem alguns episódios de violência presenciados em campos de futebol. T19 afirmou que: As mudanças, já na minha época, em que eu atuava há uns dez, quinze anos atrás já existiam brigas, vandalismo, e parece que está cada vez pior, é essa mudança do torcedor, acho que o torcedor está deixando a emoção, o fanatismo tomar conta dele, e ele não está medindo esforços para defender seu clube e muitas vezes ele tem exagerado na comemoração e acaba extrapolando e brigando, não só ofendendo verbalmente, mas fisicamente o torcedor de outro clube, e na realidade quem está perdendo são eles, porque os clubes nem sabem que eles existem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho teve como objetivo compreender o comportamento do torcedor de futebol assíduo, que frequenta o estádio, e as mudanças de comportamento desse torcedor ao longo do tempo. Especificamente, selecionamos os participantes entre os torcedores do Esporte Clube Noroeste, do município de Bauru SP. Nesse sentido, buscou-se entender o que leva o indivíduo a sacrificar-se, muitas vezes, para acompanhar um jogo de futebol. No decorrer desse trabalho, em especial durante a coleta dos dados, sentimos que em muitos casos, é o futebol que dita as agendas, horários e compromissos dos indivíduos mais fanáticos.

12 Embora os resultados encontrados tenham contextualizado o torcedor nesse amplo campo esportivo que é o futebol, acreditamos que uma pesquisa científica dificilmente conseguirá alcançar com profundidade o que se passa na cabeça e no coração desse ator social, peça fundamental no campo esportivo representado pelo futebol em nosso país, cujo habitus caracteriza-se pelo envolvimento emocional que tem com seu clube do coração. REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. Como é possível ser esportivo? In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco zero, 1983. CALDAS, W. O pontapé Inicial - Memória de Futebol Brasileiro. São Paulo: IBRASA,1990. DAVIDOFF, L. L Introdução à Psicologia. São Paulo: Makron Books, 2001. FRANÇA, A. disponível em: http://lazer.hsw.com.br/campeonato-brasileiro-defutebol.htm. Acessado em 17/05/2007. LEGOFF, J. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1992. LEVER J. A. Loucura do Futebol. Rio de Janeiro: Record, 1983. PERÓN H. disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/futebolnarede/utlu26.shtml. Acessado em: 28/03/2007. SAMULSKI, D. M. Psicologia do Esporte. Barueri: Manole, 2002. THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. www.botafogopaixao.kit.net/origemdofutebol.htm Acessado em 2008.