Governo sofre. do "síndroma da. negação" na Saúde? Observatório dos Sistemas de Saúde diz que a crise está. a ter impacto na saúde



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Transcrição:

Governo sofre do "síndroma da negação" na Saúde? Observatório dos Sistemas de Saúde diz que a crise está a ter impacto na saúde

"Por que será que se quer silenciar efeito da crise na saúde?" Desigualdades no acesso aos cuidados prejudicam saúde dos mais "vulneráveis'

Relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde denuncia aumento de reinternamentos, amputações de diabéticos e infecções respiratórias. Faltam "planos locais de saúde" Relatório da Primavera Romana Borja-Santos Uma fachada de uma casa com a porta entaipada com tijolos. Esta é a imagem escolhida pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) para ilustrar a capa do Relatório de Primavera, apresentado ontem em Lisboa, e que traça uma fotografia da degradação do estado da saúde em Portugal. O documento, na 15. a edição, defende que a crise está a ter um impacto muito significativo em vários indicadores da saúde e acusa o Governo de sofrer de "síndroma de negação" ao rejeitar esta realidade, contribuindo para que não se trabalhem formas de "acautelar ou minimizar os previsíveis efeitos" das medidas tomadas. Na apresentação do estudo, uma das coordenadoras, Ana Escovai, considerou que prevalece em Portugal e na Europa "o silêncio", tentando-se demonstrar que "não há impacto negativo da crise" para a saúde: "Por que será?", questionou. Para os autores do relatório, coordenado por Ana Escovai, Felismina Mendes e Manuel Lopes, "parece ser evidente, e à semelhança" de anos anteriores, que se está "perante um conjunto de dados que indiciam o impacto negativo da crise sobre a saúde das pessoas": "Ou seja, está a acontecer o que era expectável. Apesar disso, não se vislumbram sinais indiciadores de uma política intersectorial de saúde que tenha como objectivo monitorizar indicadores de impacto e acautelar ou minimizar os previsíveis efeitos da crise, nomeadamente nos grupos mais vulneráveis." Na apresentação, Ana Escovai frisou que continua a haver dois mundos sobre esta realidade: "O oficial, dos poderes, onde, de acordo com a leitura formal, as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo, e um outro da experiência real das pessoas." Ana Escovai também frisou que o Plano Nacional de Saúde, publicado sexta-feira, é "preocupante" e mostra que é necessário desenvolver "planos locais de saúde" que "considerem as reais necessidades da população". As assimetrias regionais no acesso à saúde, para além das desigualdades sociais, foram denunciadas por vários médicos, durante a apresentação do relatório. A coordenadora alertou para a existência de " iniquidades no sistema de saúde" e, embora ressalvando que se trata de uma primeira leitura, considera que "a plausibilidade das metas" do Plano Nacional de Saúde para 2016 é "desastrosa em vários indicadores". "Este documento acentua a ideia que temos defendido sobre a necessidade de operacionalizar a estratégia nacional em planos locais de saúde inteligentes e que considerem as reais necessidades da população", defendeu, acrescentando que existem relatos diários sobre "dificuldades e sofrimento dos cidadãos". Também na coordenação deste observatório, Manuel Lopes alertou para o facto de haver diferenças entre o discurso político e a prática e frisou que gostaria que houvesse uma "relação adulta com quem está na posse dos dados". Dos dados relacionados com a saúde mental aos medicamentos, diabetes e alimentação, são vários os exemplos explicitados pelo Relatório de Primavera, que resulta de uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra e a Universidade de Évora, este ano reforçada com a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Na introdução, o OPSS reforça que "os efeitos negativos da crise económica e financeira sobre a saúde são evitáveis"; para isso é preciso "investir simultaneamente na protecção social e na saúde pública" e que esse investimento pode também ter um papel importante na recuperação económica". Porém, segundo os autores, o caminho tem sido precisamente o contrário: "Ao invés, parece ser evidente um manifesto esforço quer da União Europeia, quer do Governo português, de negar a evidência do impacte da crise sobre a saúde das pessoas e, negando-o, evitar a discussão e consequentemente a adopção de medidas de prevenção e/ou de combate. Tal atitude poderia até ser apelidada de 'síndroma de negação'." O problema, prosseguem, "é que do outro lado estão pessoas em sofrimento e com um desenvolvimento cada vez mais hipotecado". No relatório de 2012, os especialistas do OPSS já alertavam para um "país em sofrimento", com indícios de racionamento, e no de 2013 o documento referia-se a "duas faces da saúde". A falta de dados de acompanhamento da situação é uma das principais críticas reiteradas pelos autores nesta edição de 2014, que alertam que fazer o relatório é "um exercício crescentemente mais difícil na exacta medida em que o acesso e a transparência da informação estão, cada vez mais, con-

dicionados". Ainda que saúdem a apresentação de alguns números por parte do Ministério da Saúde, os autores salvaguardam que "os grandes números e a estatística das médias camuflam o que se passa nas franjas". O documento refere o caso da diabetes e das doenças respiratórias como exemplo concreto da deterioração do acesso aos cuidados de saúde. No caso das diabetes os especialistas referem o "aumento persistente dos reinternamentos" e das amputações (mais 8,9%). A "subutilização de medicamentos e o fraco acesso a cuidados de saúde" explicam o aumento da mortalidade; o internamento por doenças respiratórias subiu em 2012. Outra área alvo de destaque é o sector do medicamento, que nos últimos anos sofreu várias mudanças, com a despesa do Serviço Nacional de Saúde a cair em mais de 570 milhões de euros entre 2010 e 2013. O OPSS assume que a redução do preço dos fármacos foi inicialmente benéfica, mas avisa que a situação financeira das farmácia tem consequências "com falhas na distribuição, nomeadamente de alguns medicamentos life saving", isto é, fármacos sem os quais o doente fica em risco de vida em pouco tempo. 62% dos portugueses não conseguem fazer planos para o futuro perante a incerteza e a dificuldade em dar resposta às despesas da família País real No debate que se seguiu à apresentação do estudo, vários especialistas relataram alguns exemplos de dificuldades sentidos no "país real". O médico Francisco Amaral descreveu a dificuldade que as pessoas da serra algarvia têm para se deslocarem em determinadas áreas do país e defendeu que "o verdadeiro Ministério da Solidariedade Social são as autarquias": "As pessoas batem-nos à porta para financiar óculos, medicamentos..." A endocrinologista Isabel do Carmo alertou para "desigualdades" e "deficiências" no acesso aos serviços de saúde e defendeu que, sobretudo desde 2011, há "altas precoces" nos hospitais, devido à "supressão de camas hospitalares". O psiquiatra José Fidalgo deixou o aviso com ironia: "O acesso dos doentes é complicadíssimo. A maioria não tem um amigo médico, enfermeiro, amigo do administrador para ter acesso ao hospital." Questionado, o director-geral de Saúde, Francisco George, disse apenas que irá analisar o relatório e que estão "em contacto com os autores para ver das eventuais dificuldades de acesso a dados": "Isso tem de ser corrigido." com Maria João Lopes "Esconder [efeitos da crise na saúde]? E de rir", responde ministro rejeite que o Governo esteja a Embora esconder os efeitos da crise na saúde dos portugueses, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, reconheceu ontem que as dificuldades económicas têm consequências na saúde dos cidadãos e que a área que tutela precisa de mais investimento. Em declarações aos jornalistas, difundidas pela SIC Notícias, Paulo Macedo lembrou que ainda recentemente falou sobre os efeitos da crise no sector da saúde no Parlamento e rejeitou as críticas do relatório de Primavera 2014: "Esconder? É de rir. Todos os dias falamos. Se não fosse um assunto tão sério, teria de ser um comentário que merecia alguma ironia. Mas não me merece nenhuma ironia. Só nestes últimos oito dias concretos, reconheci na Assembleia da República mais uma vez aquilo que é evidente para todos: a crise tem consequências negativas na saúde", disse, acrescentando que tal se deve ao "menor rendimento disponível das pessoas", ao desemprego e ainda às "situações na área da saúde mental". "Essas situações existem e não são, minimamente, escondidas", sublinhou, frisando ainda que nunca se investiu tanto em Saúde como nos últimos três anos. "Temos uma situação que deriva de problemas e de contenção orçamental em que tivemos, na Saúde como em qualquer outra área e qualquer português, restrições nestes últimos anos, mas ao mesmo tempo tivemos um conjunto de fundos para a Saúde sem paralelo nos últimos três anos", realçou. Admitiu, porém, que é preciso investir "mais na Saúde" e em "diversas áreas", como os recursos humanos, as infra-estruturas e ainda nos comportamentos relacionados com consumo de álcool, tabaco, exercício físico, e nutrição. São áreas "absolutamente decisivas".

Resposta na área da saúde mental não chega e preocupa Romana Borja-Santos A saúde mental dos portugueses é para o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) um importante termómetro das medidas de austeridade e da crise que o país tem atravessado. E os dados compilados no Relatório de Primavera feito por este organismo não sossegam. Os autores do documento consideram que estamos perante "uma preocupante conjugação de factores desfavoráveis à saúde mental das pessoas, agravada por uma resposta organizacional insuficiente e sustentada por um sistema de informação aparentemente medíocre". A forma como o sistema de saúde português está concebido para dar respostas na área das doenças mentais está de acordo com o que é feito na Europa e existe o Plano Nacional de Saúde Mental com áreas prioritárias definidas. O problema, diz o OPSS, é que "subsiste uma imobilidade" que "põe em causa a capacidade de resposta às necessidades de saúde mental das pessoas num momento em que vários factores de risco se conjugam". No campo dos indicadores de saúde mental, o OPSS destaca a prevalência anual de perturbações psiquiátricas, com Portugal a registar uma taxa de 22,9% no Mental Health Survey Initiative de 2013, que conta com dados de 34 países de cinco continentes. O valor coloca os portugueses em terceiro lugar, depois dos Estados Unidos e da Irlanda do Norte. "Ao nível das perturbações de ansiedade (16,5%) e do controlo dos impulsos (3,5%), Portugal apresenta a prevalência mais elevada da Europa, depois da Irlanda do Norte (23,1); já quanto às perturbações do humor (em que domina a depressão major, com 6,8%), figuramos em 3. lugar com 7,9%, antecedidos pela França (8,5) e a Irlanda do Norte (9,6)", prossegue o documento. Um problema a que acresce a carência de profissionais de especializados, nomeadamente enfermeiros e psicólogos - em que o rácio português fica muito aquém da média europeia. Além disso, o OPSS considera que há desarticulação entre os vários níveis de cuidados de saúde, que vão dos serviços na comunidade aos cuidados de saúde primários, hospitais gerais, instituições especializadas e hospitais psiquiátricos. Isso vai conduzir, segundo os autores, que citam dados da Direcção-Geral da Saúde, a que se verifiquem "elevadas taxas de pessoas sem nenhum tratamento, embora seja igualmente salientada a razoável percentagem das perturbações graves com cuidados médicos". Para reverter a situação, sugerese que se tenham em consideração factos como o custo dos transportes, as taxas moderadoras e a articulação entre os médicos de família e os especialistas. O trabalho estabelece um paralelismo entre a degradação das condições mentais e a adopção de outros estilos de vida menos saudáveis. Esse facto está a traduzir-se, por exemplo, no incremento do consumo de bebidas alcoólicas, sobretudo entre alunos do 3. ciclo e do secundário, que ainda registam aumentos em relação à cannabis. Verificam-se também subidas na prevalência de crimes contra outras pessoas, como homicídios, violações e ofensas à integridade física. Os chamados "medicamentos psicotrópicos" também estão a ser mais procurados. Só nos medicamentos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos o consumo cresceu 16%

de 2012 para 2013. Por fim, o documento salienta ainda os casos de depressão no país, socorrendo-se dos dados recolhidos pela rede de médicos-sentinela, e que apontam para que a taxa de incidência desta doença tenha vindo sempre a crescer desde 2004, sendo "das mais elevadas do mundo e num cenário em que a demora média entre os primeiros sintomas e o início do tratamento chega a ser de cinco anos nos casos de depressão major".