Conferências - Educação de Necessidades Especiais: uma Perspectiva Internacional



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Transcrição:

Conferências - Educação de Necessidades Especiais: uma Perspectiva Internacional Peter Mittler Nenhum país no mundo tem razões para estar satisfeito com a qualidade dos recursos educacionais colocados à disposição de alunos que têm necessidades especiais. Apesar disso, os inúmeros exemplos de uma boa prática em diferentes países tornam possível reavaliar as maneiras como uma educação inclusiva e uma aprendizagem de alta qualidade poderiam ser oferecidas a todos. Nesse processo, todos os países têm muito a aprender uns com os outros. 1 Rumo à educação inclusiva A educação pode ser definida, em termos gerais, como algo que, sistematicamente, promove a aprendizagem e o desenvolvimento. Desse modo, a educação é um processo que se estende pela vida toda, não começa nem termina com a vida escolar. Por essa razão, é realizada por muitas pessoas que não são professores. Os anos passados na escola são evidentemente, de vital importância, mas são apenas um elemento no processo educacional em cujo centro os pais estão desde o princípio. Existe a crença de que todo trabalho com pessoas que têm necessidades especiais é educacional, na medida em que as ajuda a desenvolver seu conhecimento, habilidades e compreensão das coisas. Nos últimos anos, o termo "educação inclusiva"tem sido cada vez mais usado no campo da educação de necessidades especiais (Mittler, Brouillette & Harris, 1993; Unesco, 1995). O princípio é de que a educação inclusiva começa com uma radical reforma da escola, mudando-se o sistema existente e repensando-se inteiramente o currículo, a fim de que se alcancem as necessidades de todas as crianças. Significa também a idéia de educação numa sala de aula comum, numa escola da vizinhança que uma criança normalmente freqüentaria, com o apoio requerido pelo tratamento individual, e uma atenção extra para fazer frente a necessidades específicas como o ensino de cuidados pessoais ou habilidades de comunicação que não são fáceis de serem ensinadas nas salas de ula comuns. Por esse motivo, a educação inclusiva pressupõe a presença de mais de uma pessoa de apoio na sala de aula. Ao contrário da inclusão, a integração não tem como ponto fundamental um processo semelhante de radical reforma da escola. As crianças podem receber um currículo modificado ou adaptado, mas têm de ajustar-se às estruturas existentes. Por definição, a integração nem sempre tem lugar na escola da vizinhança; ela pode ser feita em uma escola comum, com adaptações, ou em uma classe especial, podendo haver um currículo modificado ou adaptado. 1

2 Aproveitando iniciativas das Nações Unidas Campanhas para incluir na educação todas as crianças incapacitadas são agora parte integral de amplos programas das Nações Unidas, como o "Educação para Todos". Mesmo que isso seja ideológica e estrategicamente vantajoso, há o risco real de crianças deficientes de um modo geral e aquelas com severos distúrbios de aprendizagem em particular verem-se, mais uma vez, no fim da linha ou mesmo serem inteiramente preteridas. Sabe-se, através de amargas experiências, que as necessidades de pessoas com deficiências de aprendizagem são, normalmente, as últimas a serem incluídas em um programa de reforma educacional e que ainda há países industrializados em que tais pessoas são excluídas da escolaridade, permanecendo sob a responsabilidade dos departamentos de saúde e de bem-estar social. Apesar do substancial progresso em alcançar tais crianças para oferecer-lhes a chance da aprendizagem, menos de um por cento das que têm significativas deficiências de aprendizagem freqüentam, em muitos países desenvolvidos, algum tipo de escola (Unesco, 1995). O restante permanece em casa, freqüentemente levando uma vida solitária e isolada. Defensores das pessoas com deficiências de aprendizagem precisam tirar proveito das amplas e genéricas iniciativas internacionais, como "Educação para Todos", "Saúde para Todos"e "Ano Internacional da Família". Deveriam fazer gestões significativas tanto no nível político quanto administrativo das Nações Unidas e no dos seus governos nacionais, a fim de assegurar que os interesses dos que têm deficiência de aprendizagem não sejam negligenciados e, ainda, que benefícios positivos resultem de tais iniciativas. 3 A iniciativa "Educação para Todos" O movimento "Educação para Todos"visa à inclusão de todas as crianças que, de alguma maneira, estão excluídas dos benefícios da escolarização: aquelas que não estão freqüentando a escola por alguma razão (meninos de rua, crianças trabalhadoras, desistentes totais ou parciais), bem como crianças com deficiência que nunca freqüentaram a escola ou que têm sido excluídas como inaptas. Somam-se aí também as numerosas crianças que freqüentam a escola mas que, por outro lado, estão sob o risco do fracasso, como os repetentes e os que nunca completam quatro anos da educação primária, os rotulados como imotivados, de baixo aproveitamento e insubordinados e os que são vítimas de abuso. Muitas dessas crianças vivem abaixo da linha de pobreza, em condições de grande sofrimento, privações e má nutrição. Tais condições não propiciam a aprendizagem. Esse não é um problema apenas das regiões mais pobres do mundo, pois, mesmo em países altamente desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, há uma clara ligação entre pobreza e baixo aproveitamento (Kumar, 1993). Crianças egressas de ambientes socialmente inferiores entram na escola aos cinco ou seis anos, com níveis de cognição e funções lingüísticas substancialmente abaixo das de seus companheiros. Essas diferenças aumentam à medida que as crianças progridem na escola e continuam a ter reflexos nos baixos resultados educacionais aos dezesseis anos e no ingresso na educação superior. Apenas a aprendizagem não aliviará a pobreza dessas famílias ou da comunidade em que vivem, mas pode 2

propiciar uma base segura para a emancipação de tais condições. Por essas razões, é preciso encarar o desafio do acesso à educação das crianças com necessidades especiais nesse contexto mais amplo. A iniciativa "Educação para Todos"surgiu de programas das Nações Unidas como Convenção dos Direitos da Criança (1989), a Declaração de Jomtien e a Cúpula Mundial das Crianças, de 1990. Sob a influência desses e de outros instrumentos, os líderes mundiais têm-se sensibilizado para a implementação de objetivos nacionais que aumentem a proporção de crianças freqüentando e permanecendo na escola. Dedica-se particular atenção à educação de meninas. É vital que os objetivos nacionais colocados em termos da iniciativa "Educação para Todos"contemplem o acesso à aprendizagem para todas as crianças, incluindo as portadoras de deficiência. É preciso dizer que as perspectivas não são boas. Por exemplo, houve pouca ou nenhuma referência à educação para crianças deficientes em duas das principais conferências que se seguiram a Jomtien, realizadas na Índia em 1993. O desafio de implementar a Declaração de Jomtien parece não ter saída. Considerem-se, a propósito, algumas das estatísticas globais disponíveis (Unicef, 1994): 1. Pelo menos 100 milhões de crianças em todo o mundo têm o acesso à educação primária negado e mais 100 milhões não conseguem os benefícios da freqüência à escola. 2. Nos quarenta países menos desenvolvidos do mundo, somente metade das crianças que entram na escola primária completa quatro anos de aprendizagem. Apenas 21 por cento dos meninos e 12 por cento das meninas matriculam-se na educação secundária. 3. A população mundial de crianças na idade da educação primária crescerá de 508 milhões em 1980 para pelo menos 724 milhões no ano 2000. 4. Menos de um por cento das crianças deficientes no mundo freqüentam a escola em países desenvolvidos. Embora esses dados pareçam assustadores, assim como inalcançáveis as metas, não se deve esquecer que se está falando do grau de prioridade que os governos dão ao atendimento às crianças, comparativamente com a alocação de recursos para todos os outros gastos. O Banco Mundial (Lynch, 1995) e o Unicef (1994) têm publicado dados que mostram os gastos com o acesso das crianças às escolas num contexto mais amplo. Nos 72 países de renda baixa e média no mundo, aproximadamente 5 bilhões de dólares por ano serão necessários para custear o acesso à educação primária para todas as crianças, o que, presumivelmente, inclui aquelas que são deficientes. 5 bilhões de dólares representam o custo de dois dias de gastos com armamentos pelas nações industrializadas e uma semana de despesas em países em desenvolvimento. A mesma soma é apenas dois por cento do que os países em desenvolvimento têm de pagar pelo serviço da dívida a cada ano. 3

O Presidente do Equador, na Conferência de Jomtien, disse que o custo de um único submarino nuclear financiaria o orçamento anual de 23 países em desenvolvimento e atenderia a 160 milhões de crianças em idade escolar. Esses impressionantes exemplos deixam claro que o gasto com a educação de crianças no mundo requer vontade política e uma mudança nas prioridades nacionais. Na época da realização da Conferência de Jomtien, em 1990, ainda havia muitas falas otimistas sobre dividendos da paz que surgiriam ao fim da Guerra Fria. Desde então, apareceram outros conflitos armados no Kuwait, na Bósnia, na Somália, em Ruanda e, em cerca de 80 países, guerra civil ou rebeliões têm preenchido o que seria aquele vazio deixado. O Diretor Geral da Unesco afirmou em Jomtien que, "em aproximadamente metade dos países em desenvolvimento, o objetivo da educação primária universal parece mais recuar que avançar". Ele atribui isso, em parte, ao rápido crescimento da média de nascimentos nesses países e, por outro lado, ao enorme peso que representa o pagamento das suas dívidas externas. 4 Iniciativas internacionais Apesar das estatísticas pouco promissoras, há algum progresso a ser comemorado no campo da educação de necessidades especiais pelo mundo. No nível internacional, particularmente no das Nações Unidas, há iniciativas cada vez mais numerosas, visando à inclusão de crianças com deficiência intelectual no sistema de escolas regulares. A própria ONU promulgou, recentemente, 22 regras sobre a equalização de oportunidades para pessoas deficientes (1993). A regra 6 estabelece que: Os Estados devem reconhecer o princípio da igualdade de oportunidade de educação no primeiro, segundo e terceiro graus para as crianças, jovens e adultos com deficiências. Devem, pois, garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integral do sistema educacional. Um relator especial foi indicado pela Secretaria Geral da ONU para monitorar a implementação dessas regras e relatar os progressos para a Assembléia Geral. A Unesco também tem feito um grande esforço para promover a educação inclusiva. Pode-se dizer que os resultados mais impressionantes são o desenvolvimento de testes de campo em oito países, assim como a atual aplicação de um Programa de Apoio ao Professor, denominado "Necessidades especiais na sala de aula". (Unesco, 1990; Ainscow, 1994) Esse programa foi concebido para ajudar os professores a repensar a sua prática na sala de aula e a organização da escola em seu conjunto, a fim de atender mais efetivamente à diversidade dos alunos. Ele acaba de ser introduzido em 40 países e também está sendo difundido em projetos de desenvolvimento regional. A mais recente iniciativa da ONU foi divulgada na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, que teve lugar em Copenhagen, em março de 1995, e que contou com a participação de cerca de cem Chefes de Estado (sem contar os do Reino Unido). Os temas principais dessa Cúpula referiam-se a políticas para reduzir ou eliminar a pobreza, o desemprego e a exclusão social, mas o lobby promovido pelas maiores organizações internacionais de deficientes lançou uma bem-sucedida campanha para incluir os direitos e necessidades de pessoas deficientes nos compromissos e recomendações finais. 4

Como exemplo, tem-se o Compromisso 6, que se refere ao acesso à educação e à saúde, cuja recomendação estabelece: "... deve garantir oportunidades educacionais iguais em todos os níveis para crianças, jovens e adultos com deficiência em situações de integração, cuidando inteiramente das diferenças e situações individuais". Uma resolução posterior é expressa em termos semelhantes: "... o acesso à reabilitação e a outras situações de vida independente e à tecnologia de apoio...". 5 Iniciativas nacionais Resoluções internacionais são úteis no sentido de propiciarem uma estrutura que facilita o monitoramento das ações, mas, em última análise, o seu progresso depende de atitudes nos níveis nacional e local. De acordo com levantamentos da Unesco (Unesco, 1995), inúmeros países estão assumindo a responsabilidade ou promulgando novas leis para a educação de crianças com deficiências em geral e deficiência de aprendizagem em particular. Crianças que anteriormente estavam sob a responsabilidade dos departamentos de saúde ou do bem-estar social, estão agora sob a responsabilidade do Ministério da Educação ou das autoidades e dos conselhos escolares locais. Há uma crescente aceitação do princípio da educação inclusiva, bem como do número de animadores exemplos de sua prática por todo o mundo, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. (Mittler, Brouillette & Harris, 1993) Inúmeras reformas inovadoras têm sido feitas. A Espanha, por exemplo, desenvolveu um cuidadoso programa, executado passo a passo, a fim de propiciar a educação inclusiva para todas as crianças. Apontada como exemplo do desenvolvimento da educação inclusiva, mediante a implementação de uma reforma fundamental do sistema educacional e dos currículos, a Espanha garantiu uma redução de 25 por cento do número de alunos em cada classe e a disponibilidade de uma equipe de apoio. Um setor especial da escola ainda trabalha as necessidades de uma minoria de crianças, mas a educação inclusiva é sempre a primeira opção a ser considerada para todas as crianças. (O Hanlon, 1993) Na Itália, o processo de inclusão começou mais cedo do que na Espanha e foi mais rápido e mais radical; muitas escolas especiais foram fechadas e as crianças foram simplesmente realocadas em escolas comuns. Os necessários sistemas de apoio estão agora sendo disponibilizados e há mais suporte político e comunitário para a educação inclusiva, embora entre os pais não haja unanimidade quanto à qualidade do apoio oferecido nas escolas comuns. (Daunt, 1991) 6 Um currículo revitalizado A eficiência de nossas escolas e nosso sistema educacional serão julgados, em parte, pela dimensão com que serão capazes de preparar seus estudantes para contribuírem com a comunidade em que vivem e pela competência e confiança que esses estudantes terão ao defrontar-se com obstáculos. Uma prioridade no futuro em todos os países deve ser a reconsideração do papel desempenhado por professores e pais na preparação de jovens, para que se tornem os próprios defensores de seus direitos. Essa é uma necessidade bastante urgente para os jovens que apresentam deficiência de aprendizagem. 5

As habilidades dessa defensoria própria são um componente essencial para a vida em comunidade. Nesse cenário, os jovens com necessidades de aprendizagem precisam adquirir confiança para expressar opiniões e serem ouvidos com respeito. Entretanto, para isso, os pais, os profissionais, os colegas e as pessoas comuns terão de modificar suas atitudes e expectativas, aprendendo a ouvir, o que não é algo fácil, porque foram condicionados a acreditar que as pessoas com deficiências de aprendizagem carecem de capacidade para pensarem por si mesmas e dependem dos outros para expressar suas opiniões e tomarem atitudes. Como o movimento da defensoria própria ainda está na sua infância, são os pais e os profissionais que, geralmente, respondem pelo interesse de tais pessoas. As vozes dos que têm problemas de aprendizagem não são tão poderosas quanto às de outras pessoas deficientes que falam por si mesmas. Por essa razão, é animador ver os movimentos denominados People First unindo suas forças às de outras organizações de defensoria própria para exigirem os direitos de cidadania de tais pessoas. Um currículo de escola convencional inclui uma ativa preparação para o desenvolvimento de habilidades da vida social e comunitária: saber usar o dinheiro, reconhecendo valores, fazer compras, estimar preços, conduzir-se com segurança no trânsito, desenvolver aspectos vocacionais, preparação para o trabalho, educação social e sexual. Entretanto, há também urgente necessidade de as escolas prepararem estudantes para a defensoria própria e desenvolverem o que se poderia chamar de revitalização curricular. No plano ideal, os fundamentos para um currículo dessa natureza devem ser implementados nos primeiros anos de vida, devendo propiciar oportunidades para fazer escolhas e tomar decisões. Inicialmente, as escolhas precisarão ser feitas nas situações básicas do dia-a-dia: entre duas bebidas, duas peças de roupas, duas histórias, dois brinquedos. É essencial, entretanto, evoluir dessa iniciação simples para a da escolha de amigos e, mais tarde, de parceiros, para as atividades de trabalho e de lazer e para a decisão de onde e com quem viver. Há sinais de que as escolas estão começando a desenvolver tais currículos revitalizados. (Coupe O Kane and Smith, 1994) 7 Conclusões A educação de necessidades especiais não é uma alta prioridade para muitos países do mundo. Crianças e jovens com necessidades educacionais especiais e suas famílias ainda estão marginalizados ou são ignorados. As atitudes para com eles revelam, freqüentemente, preconceitos e ignorância, indo do nível dos políticos e dos que tomam decisões aos professores e outros profissionais nas comunidades locais. Contudo, seria um erro admitir que, devido ao fato de a educação de necessidades especiais não representar uma alta prioridade para os governantes, nada está sendo feito. Em primeiro lugar, pais e familiares estão em toda parte procurando ensejar uma educação básica comunitária de modo informal para suas crianças e seus filhos e filhas adultos. Em segundo lugar, muitas escolas da comunidade estão recebendo de braços abertos e ensinando com grande sucesso crianças com necessidades educacionais especiais, pelo simples fato de serem crianças da localidade e de seus pais solicitarem sua admissão. Uma integração casual como essa não pode ser desconsiderada. No nível nacional, o progresso depende de vontade política, da alocação de tais prioridades no planejamento, de legislação e, sobretudo, de alocação de 6

recursos. Igualmente importantes são uma eficiente e relevante educação de professores e uma nova forma de parceria com os pais e com as agências da comunidade. No nível local e escolar, a chave da educação inclusiva repousa no acesso planejado a um currículo amplo e balanceado, concebido desde o início como um currículo para todos. 8 Referencias Bibliográficas Ainscow, M. Special needs in the classroom: a teacher education guide. London: Jessica Kin-gsley and Paris: Unesco, 1994 Coupe O Kane, J. & Smith, B. (Ed.). Taking control: enabling people with learning. London: David Fulton, 1994. Daunt, P. Meeting disability: a european response. London: Cassell, 1991. Daunt, P. Disability and the European Community: sources of initiative. In: MITTLER, P. (Ed.). Changing policy and practice for people with learning disabilities. London: Cassell, 1995. Kumar, V. Poverty and inequality in the UK: the effects on children. London: National Chil-dren s Bureau, 1993. Lynch, W. Special needs education in the Asia region. Washington, DC: World Bank, 1995. Mittler, P., Brouillette, R. & Harris, D. (Ed.). World yearbook of education: special needs education. London: Kogan Page, 1993. O Hanlon, C. Special education in Europe. London: David Fulton, 1993. UNESCO. Special needs in the classroom. Paris: Unesco, 1990. UNESCO. World conference on special needs education: access and quality: Paris: Unesco, 1995. UNICEF. State of the World s children. New York: Unicef, 1994 7