PREVENÇÃO DE ACIDENTES NA PRIMEIRA INFÂNCIA NO ÂMBITO DOMÉSTICO: UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO



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Transcrição:

PREVENÇÃO DE ACIDENTES NA PRIMEIRA INFÂNCIA NO ÂMBITO DOMÉSTICO: UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO Liliane Batista Araújo 1 Kilvia Bezerra Silva 2 Francisca Markilene Nogueira da Cruz 3 RESUMO Na primeira infância, é comum a ocorrência de acidentes nos domicílios. Tais acidentes, normalmente, são influenciados por fatores de risco, tais como exposições em locais perigosos e/ou ausência de vigilância adequada de um adulto, características ligadas ao modo de vida de cada família. O presente trabalho se propõe a entender a partir da perspectiva de gênero, como se apresenta a relação existente entre a prevenção de acidente doméstico na primeira infância e as diferenças entre os sexos evidenciando a importância em se trabalhar o tema no âmbito familiar. Para isso, utilizou-se a análise de dados de um hospital de referência terciária da Rede Municipal de Fortaleza-CE e, como ponto de coleta de bibliografia, a biblioteca do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gênero Idade e Família (NEGIF). Os resultados da pesquisa de campo mostraram que a porcentagem dos casos de acidentes domésticos não apresenta diferenciação significativa quanto ao número de ocorrências para meninos e meninas na primeira infância. Por outro lado, na pesquisa bibliográfica, observou-se que o papel da família está diretamente relacionado ao desenvolvimento da criança, desde a prevenção de acidente no âmbito doméstico, até sua compreensão da concepção de gênero. Considerase a importância de assegurar, na prática, que a família compreenda o valor de suas ações para a segurança das crianças, visto que este é um assunto de fundamental importância para ser discutido por todos os profissionais que atuam direto ou indiretamente, promovendo saúde e qualidade de vida para as famílias em geral. PALAVRAS-CHAVE: Família. Criança. Diferenças Sexuais. 1 INTRODUÇÃO Durante a infância, é bastante comum a ocorrência de acidentes que, em geral, ocorrem nos domicílios, tendo se revelado como uma das principais causas de morbimortalidade infantil. Normalmente, os acidentes são influenciados por fatores de risco, tais como exposições em locais perigosos e/ou ausência de vigilância adequada de um adulto, características estas referentes ao modo de vida de cada família. Os acidentes domésticos com crianças são constatados como problema de saúde pública e a família passa, então, a ser responsável por manter a integridade das mesmas, 1 Graduanda em Economia Doméstica na UFC. Email: lili_cmdm@hotmail.com 2 Graduanda em Economia Doméstica na UFC. Email: kilviabs@hotmail.com@hotmail.com 3 Graduanda em Economia Doméstica na UFC. Email: markinha83@yahoo.com.br 1

devendo proporcionar-lhes um ambiente saudável e seguro para o seu crescimento. Pode-se perceber que na família são estabelecidas inicialmente as primeiras relações de gênero, ou seja, entendimento do que representa ser menino e ser menina na sociedade. Estudos realizados, como a pesquisa de Lima et al. (2006), que verifica as crianças que experienciaram acidentes domésticos, aponta que das 57 crianças estudadas (52,78%), 37 (64,9%) eram do sexo masculino e 20 (35,1%) do sexo feminino. Tal estatística explica-se pelo fato dos meninos ganharem liberdade mais cedo em relação às meninas, desenvolvendo assim atividades mais dinâmicas e, muitas vezes, sem a supervisão adequada dos responsáveis. Ciampo et al. (1997), por sua vez, relatam um inquérito domiciliar da área de Vila Lobato (Riberão Preto - S.P.), onde das 106 crianças estudadas, 48 (45,28%) eram do sexo masculino, enquanto 58 (54,71%) do sexo feminino. Discute o caso afirmando que a análise estatística não apresenta diferença significativa para os sexos. Ou seja, não houve preocupação em entender como se apresenta à temática prevenção de acidente doméstico na primeira infância, em relação às diferenças existentes entre o sexo das crianças. Certos da relevância desse assunto, o presente trabalho se propõe a entender, a partir da perspectiva de gênero, como se apresenta essa relação gênero x acidente doméstico. Para tal, será utilizada à análise de dados de um hospital de referência terciária da rede municipal de Fortaleza-CE e como ponto de coleta de bibliografia a biblioteca do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (NEGIF) um dos Núcleos de Referência do Curso de Graduação em Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará. Este trabalho relata, em primeiro lugar, informações referentes à prevenção de acidentes na primeira infância no âmbito doméstico, numa perspectiva de gênero. A seguir, apresenta a metodologia de trabalho utilizada nesta pesquisa, seguida da descrição dos resultados, tecendo discussões sobre o assunto. Por fim apresentará as considerações finais. 2 REVISÃO DE LITERATURA Família é conceituada como uma instituição ou um grupo concreto organizado em função da reprodução biológica e social, pela manipulação de um lado dos princípios formais da aliança, da consanguinidade, da descendência e de outro, das práticas substanciais da divisão social do trabalho (DURHAM, 1983 apud BRUSCHINI, 1990). A família pode ser ainda considerada como: 2

um conjunto de pessoas que se relacionam numa constante troca de relações afetivas. Uma família se constitui quando pessoas assumem o compromisso de conviverem em uma ligação que inclui ações de cuidado entre si e para com as crianças que dela fazem parte (CEARÁ, 2005(a), p. 18). Segundo UNICEF (2003; apud CEARÁ, 2005(a), p. 22), as competências familiares são conhecimentos, práticas e habilidades das famílias que facilitam e promovam a sobrevivência, o desenvolvimento, a proteção e a participação das crianças. Com o surgimento da infância como categoria social, a família moderna trouxe consigo um novo conjunto de atitudes com relação às crianças, apresentando formas de intimidade entre pais e filhos, em especial a supervalorização do amor materno, e a preocupação com as qualidades emocionais das relações familiares (ARIÈS, 1977 apud BRUSCHINI, 1990, p. 38). Assim, cabe à família proteger, cuidar e educar a criança, sendo também a principal responsável pela socialização e transmissão de valores éticos e morais, fundamentos importantes para a construção da identidade de cada indivíduo (CEARÁ, 2005(a)). De acordo com Ferreira (2004) a infância é o período de crescimento, do ser humano, que vai do nascimento a puberdade. Como descreve Cruz (2003), as características da infância variam de acordo com a época e a sociedade, ou seja, não existe um conceito certo ou errado de infância, assim como não existe uma única infância, igual para todas as crianças, nem para as que vivem no mesmo período histórico. Segundo Ariès (1981), a infância é uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social construída recentemente na história da humanidade. Através dessa afirmação, pode-se perceber que o conceito de infância, como conhecemos hoje, foi criado historicamente e em condições socioculturais determinadas, não possibilitando analisar todas as infâncias da mesma forma, considerando suas realidades e os seus diferentes contextos sociais, econômicos, culturais, enfim suas singularidades. Amaral (2005, p. 25) explica que desde a infância existe uma preocupação em estabelecer símbolos para menina e para o menino, dentre objetos de uso pessoal e vestimentas. Assim, entre os brinquedos, o carrinho para o menino e a boneca para menina, é perfeitamente aceitável, mas o inverso pode causar estranheza e uma reação forte por parte dos pais e das outras pessoas que convivem com a criança. Certos símbolos, como a cor azul para o enxoval do bebê menino e a cor rosa para o enxoval do bebê menina, detêm uma significação para o atributo gênero, por exemplo. 3

Assim como o conceito de infância, o conceito de gênero que começou a ser usado na década de 80 por estudiosas feministas, pode ser caracterizado como uma construção histórica e social cujas referências partem das representações sociais e culturais formadas a partir da diferença biológica dos sexos. Na infância, percebe-se que essa construção se desenvolve a partir do convívio da criança com as diversas esferas da sociedade, Família, Escola, Igreja, etc (CEARÁ, 2005(b)). A criança, por sua vez, demonstra através de seus próprios meios o entendimento social dos vários ambientes dos quais participa, tentando igualar o seu comportamento aos dos parceiros. Demonstrando ainda, a compreensão das características da concepção de gênero (LIRA; PEDROSA In COSTA et al. 2007). Meninas e meninos adquirem características e atribuições aos apreciados papéis femininos e masculinos. São levadas (os) a se identificarem com padrões do que é feminino e masculino para em seguida, melhor realizarem esses papéis. (FARIA; NOBRE, 1997). No Brasil, cerca de 6 mil crianças morrem vítimas de acidentes domésticos. Deste total, somente 140 mil são hospitalizadas. Entre 01 e 14 anos, os acidentes representam a principal razão de morte em nosso país. Esses são alguns dos números do estudo coordenado pela ONG Criança Segura, que contabiliza números nacionais entre os anos de 2000 e 2005, tendo como fonte os dados do IBGE e o Ministério da Saúde (BRASIL CONTRA PEDOFILIA, 2007). Observa-se que os acidentes domésticos estão relacionados de maneira particular com o comportamento da família, o estilo de vida desta, os fatores educacionais, econômicos, sociais e culturais, além das fases específicas de desenvolvimento das crianças. Deste modo, na faixa etária de 01 a 05 anos, os principais casos de acidentes no âmbito domiciliar são quedas, queimaduras, aspirações ou introduções de corpos estranhos e intoxicações exógenas (SOUZA, 1997). Devido a isso, se verifica a necessidade de proteção e vigilância da família no âmbito doméstico para que haja redução do número de casos de acidentes, proporcionando assim um processo de desenvolvimento sem experiências traumáticas e marcantes (SOUZA; RODRIGUES; BARROSO, 2000). Constata-se, no que se refere aos acidentes na infância, a predominância em crianças do sexo masculino. Tal fato é explicado, provavelmente, pela diferença de atividades desenvolvidas por cada sexo, visto que o menino é mais exposto às atividades dinâmicas que envolvem maior risco, enquanto a menina possui atividades consideradas leves. Outro fato 4

importante relaciona-se com as características sócio-culturais, nesse contexto: o menino adquire liberdade mais precocemente em relação à menina e começa a realizar atividades com menor supervisão direta dos adultos, tendo, então, um maior tempo de exposição a situações que antecedem acidentes (FILÓCOMO et al. 2002). Nesse contexto: Pequenas atitudes inseridas na rotina diária podem reforçar preconceitos, estimulando uma visão separatista e de pouca cooperação entre meninas e meninos ou, ao contrário promover uma convivência mais equilibrada e harmônica, onde as diferenças entre homens e mulheres não sejam mais convertidas em desigualdades de direitos e oportunidades (CEARÁ, 2005(b), p.55). Observa-se ainda a importância do cuidado com o ambiente domiciliar visto que os acidentes atingem os menores que estão em contato com os fatores de risco, como as exposições aos locais perigosos, ou seja, cozinha, banheiros, áreas de serviço, escada, jardins. Sem a vigilância adequada da família ou de um adulto responsável o acidente pode constituir causa importante de sofrimento para as crianças (CEARÁ, 2005(c)). 3 METODOLOGIA O presente trabalho trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, que segundo a definição de Triviños (1987), permite ao investigador ampliar sua experiência em torno de determinado problema. O estudo foi realizado no período de março a junho de 2009 e envolveu a participação de estudantes dos cursos de Economia Doméstica. A primeira etapa da pesquisa ocorreu mediante levantamento bibliográfico realizado com o apoio principalmente da biblioteca do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (NEGIF/UFC). Tendo em vista a grande quantidade de material que se poderia encontrar sobre o assunto, optou-se por restringir a pesquisa a um hospital de referência terciária (emergência/urgência) da rede municipal de Fortaleza- CE. O próximo passo se deu por meio da análise dos dados, identificando o tipo de ocorrência relacionando quanto ao sexo da criança. Por fim, traçando considerações, procurou-se entender como essa relação ocorre. 5

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo informações da própria instituição pesquisada, no ano de 2008 foram registradas 15.273 ocorrências com crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, abrangendo todos os tipos de acidentes. Para delimitar o estudo, utilizaram-se os dados do mês de dezembro para análise, no qual foram verificadas 1.249 ocorrências, divididas nas seguintes categorias: acidente com animais, acidente ou violência doméstica, afogamento, agressão física, envenenamento, lesão por arma branca, lesão por arma de fogo, picada de animais peçonhentos, queda da própria altura, queimaduras, outros. A fim de facilitar o estudo e aprofundar as informações, traçou-se um recorte de 93 acidentes ocorridos no âmbito doméstico, para em seguida, relacioná-los quanto ao sexo da criança. Os casos escolhidos se enquadram nas seguintes categorias: acidente com animais, acidente ou violência 4 doméstica, agressão física, envenenamento, lesão por arma de fogo, queimaduras. GRÁFICO 1: Porcentagem geral dos casos de acidente na primeira infância entre meninas e meninos em um Hospital da rede municipal de Fortaleza-CE, no mês de dezembro de 2008 Fonte: Assessoria de Comunicação da Instituição Pesquisada. De acordo com o Gráfico 1, que aponta a relação dos casos de acidentes na primeira infância entre meninas e meninos, a partir das categorias selecionadas, verificou-se que dos 93 casos, 49,5% ocorreram com crianças do sexo feminino e 50,5% com crianças do sexo masculino. 4 Segundo o Conselho de Prevenção contra o Abuso Infantil da OMS, violência diz respeito a todas as formas de tratamento físico ou emocional, abuso sexual, negligência ou exploração, que resulta em danos reais ou potenciais para a saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade, no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder (CEARÁ, 2005(c)). 6

Assim, confirmamos a verificação feita por Filócomo et al. (2002) em sua pesquisa na qual afirma que a predominância de acidentes na infância ocorre principalmente em crianças do sexo masculino, entretanto, constatamos que tal afirmação não pode ser considerada de maneira generalista visto que a diferença entre os casos de meninos e meninos foi irrisória. GRÁFICO 2: Total dos casos de crianças vítimas de acidentes na infância, atendidas em um hospital da rede municipal de Fortaleza-CE, quanto ao tipo de ocorrência, o sexo e a idade da criança, no mês de dezembro de 2008. Fonte: Assessoria de Comunicação da Instituição Pesquisada. A partir da análise do segundo gráfico, pode-se estabelecer uma relação entre os tipos de acidentes e as idades das crianças. Com até um ano de idade verifica-se maior ocorrência de casos em meninos, 2 para 1 com meninas. A não compreensão dos riscos, a ausência da capacidade de prever os acidentes, a natureza curiosa e sua necessidade de ação são fatores que podem facilitar a ocorrência de acidentes que ameaçam a integridade da criança nesta faixa (CEARÁ, 2005(a)). Com um ano de idade, conferiu-se que com meninas houve uma diversidade maior de tipos de acidentes, 11 casos divididos entre as categorias analisadas. Quanto aos casos com meninos percebeu-se um número maior de vítima com queimadura (11), em relação aos outros casos. Em seguida, observou-se que aos dois anos de idade meninos e meninas obtiveram igualdade entre as categorias envenenamento e queimadura, 6 e 2 casos respectivamente. Com três anos, destaca-se a mesma quantidade de casos de queimadura (6) para com meninos. No entanto, as meninas estiveram presentes em todas as categorias de acidentes, 7

exceto agressão física, destacando principalmente o caso de acidente por arma de fogo, totalizando 7 casos. Aos quatro anos, há uma redução considerável no caso de queimadura com meninos, entretanto destaca-se uma ocorrência por agressão física. Em meninas, percebese um aumento nos casos de queimadura de 2 casos com três anos, para 5 casos com quatro anos de idade. Com cinco e seis anos percebe-se um nivelamento quanto aos casos de acidentes com meninas, destaca-se apenas ocorrências por envenenamento. Percebe-se ainda uma redução nos casos de queimadura com meninos nessa mesma faixa etária, considerando as idades anteriores. As crianças nesse período (3 a 6 anos), descobrem que podem fazer muitas coisas. Começam a aprender que muito do que elas querem fazer não tem a aprovação social dos adultos e precisam elaborar estratégias para resolver seus desejos. Passam a lidar com questões como iniciativa, afeição, identificação sexual, medos e agressão (CEARÁ, 2005 (d), p. 53). Segundo Alves e Soares (2001), meninos e meninas na infância são educados de acordo com as definições sociais próprios de homem e mulher, o que marca efetivamente as diferenças entre masculino e feminino. Aos meninos são permitidas ações proibidas às meninas, algumas delas são: brigar, correr na rua, subir em árvores, etc.; tais atividades refletem uma superioridade masculina, sendo reservada a estes ainda a liberdade do mundo exterior. Já à menina, é reservado o mundo privado, sem nenhum atrativo e com uma série de tarefas domésticas repetitivas e frustrantes. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho, que se propôs a entender, a partir da perspectiva de gênero, como se apresenta a relação existente entre prevenção de acidente doméstico na primeira infância e as diferenças entre o sexo das crianças, evidenciou a importância de se trabalhar o tema no âmbito familiar. De acordo com os dados coletados, percebeu-se que a porcentagem dos casos não apresenta diferenciação significativa quanto ao número de ocorrências para meninos e meninas na primeira infância. Na pesquisa bibliográfica, observou-se que o papel da família está diretamente relacionado com o desenvolvimento da criança, desde a prevenção de acidente no âmbito doméstico, até sua compreensão da concepção de gênero. 8

Após fazer essa relação, concluiu-se acerca da importância de assegurar na prática que a família compreenda o valor de suas ações para a segurança das crianças. Não se procurou assim, oferecer receitas de prevenção para as famílias, no entanto, sugere-se a realização de um trabalho efetivo com esta referente à construção de uma práxis no que diz respeito à temática, primando pela não afirmação das diferenças de gênero. Por fim, considera-se a temática prevenção de acidente na primeira infância no âmbito doméstico numa perspectiva de gênero, um assunto de fundamental importância para ser discutido por todos os profissionais que trabalham direta e indiretamente promovendo saúde e qualidade de vida para as famílias em geral. REFERÊNCIAS AMARAL, Célia Chaves Gurgel do. Debates de gênero: a transversalidade do conceito. Fortaleza: Editora UFC, 2005. 122p. ALVES, Francisca Elenir; SOARES, Viane da Silva. Meninos e meninas- universos diferenciados na família e na escola. In: FAGUNDES, T. C. P. C. (Org). Ensaios sobre gênero e educação. Salvador: UFBA Pró-Reitoria de Extensão, 2001. ÀRIES, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BRASIL CONTRA A PEDOFILIA. Ong criança segura lança estudo inédito sobre acidentes com crianças. 2007.Disponível em: <http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com/2007/10/02/ong-crianca-segura-lanca-estudoinedito-sobre-acidentes-com-criancas/>.acesso em: 19 Abr 2009. BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família: cotidiano nas camadas médias paulistanas. São Paulo: Fundação Carlos Chagas: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990. CEARÁ: Secretaria da Educação Básica do Ceará, Coordenação de Desenvolvimento Técnico-Pedagógico. (a) Educação com saúde: noções básicas de educação. Módulo 3 Criança e família: competências familiares, 2005. CEARÁ: Secretaria da Educação Básica do Ceará, Coordenação de Desenvolvimento Técnico-Pedagógico. (b) Educação com saúde: noções básicas de educação. Módulo 2 Crescimento e Desenvolvimento Infantil, 2005. 9

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