ID 1676 SAÚDE DA FAMÍLIA E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM DESAFIO PARA A SAÚDE PUBLICA DE UM MUNICIPIO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Brasil Dutra, Laís; Eugênio, Flávia; Camargo, Aline; Ferreira Cintia. Brasil RESUMO. O presente relato aborda o tema da violência contra a mulher como sendo um desafio para a saúde pública, enfocando a atuação dos profissionais do Programa de Saúde da Família e Unidade de Pronto Atendimento (UPA)* em conjunto com o Centro de Referência e Apoio a Mulher (CRAM). Tem como objetivo, entender a importância desses serviços tanto na abordagem e acompanhamento de mulheres vítimas de violência, como sendo também um espaço que deveria contribuir para o fim das desigualdades nas relações entre homens e mulheres. Ao analisar as principais dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde ao lidar com a violência, observamos não só a necessidade de intensificar ações intersetoriais voltadas para o enfrentamento da questão, mas também a dificuldade em romper com as práticas patriarcais no interior das políticas públicas. Palavras chave: violência, gênero, saúde pública. * UPA: los servicios de salud que operan 24 horas exclusivamente para la atención de emergência. INTRODUÇÃO: Ao longo da história do Brasil, as políticas de saúde propostas pelo Governo eram reflexo daquele momento específico e nem sempre contemplavam o que era melhor para a população. Na década de 80 o sentimento de redemocratização do país ampliou os movimentos populares e uma maior participação social se fez presente de modo mais efetivo conjugado com uma grande crise na área social principalmente na previdência social. Havia o movimento da Reforma Sanitária que formulava propostas no âmbito da saúde de expansão da área de assistência médica da previdência, intensificando os conflitos de interesse com a previdência social e envolvendo poder institucional e pressões no setor privado. (BAPTISTA, 2007, p 45). Então no ano de 1986 acontece um momento histórico para a Reforma Sanitária que é a VIII Conferencia Nacional da Saúde, na qual foi sugerido que um só Ministério, que seria o da Saúde, tenha a responsabilidade de conduzir e gerir a política de Saúde do Brasil. Dessa forma, em 1988, na Constituição Brasileira promulgada naquele ano, foi estabelecido que Saúde é direito de todos e dever do Estado. E a Lei 8.080/90 Lei Orgânica da Saúde regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS). E dentro desta nova forma de pensar a saúde, não tendo mais como foco a doença mas sim a promoção de saúde e qualidade de vida, surge em 1994 o Programa de Saúde da Família (PSF), que mais tarde foi renomeado de Estratégia de Saúde da Família (ESF), promovendo mudanças no atual modelo de assistência à saúde do país, onde passou a olhar o usuário de maneira integral, entendendo que a família, comunidade e contexto socioeconômico e cultural contribuíam no processo saúde doença. Passados então, 20 anos do surgimento do Programa de Saúde da Família (PSF), o Brasil assiste a uma mudança no sistema de saúde. Isso significa dizer que a Estratégia de Saúde da Família, tem conseguido modificar os rumos do modelo de atenção à saúde, tendo na atenção básica seus alicerces. De acordo com o Sistema de Informação da Atenção Básica SIAB/DAB/SAS/MS, essa estratégia conta, aos longos desses anos com mais de 34 mil equipes atuando em municípios de pequeno, médio e grande porte, implantando uma nova concepção do ato de cuidar da saúde. Essas equipes espalhadas pelas 5.328 cidades brasileiras vêm prestando atenção a 55,21% da população nos
diversos e mais diferentes territórios. (NARDI, 2014) Souza, (2007) afirma que o território é um espaço político de atuação, vivenciados na realidade, nas relações sociais, culturais e históricas, individuais e coletivas. Sendo assim, a equipe de Saúde da Família tem a função de desenvolver ações básicas no papel técnico e político, que, empenhadas em compreender a demanda desse território, promove saúde numa lógica de mudanças de práticas, com ações que possam contribuir com a qualidade de vida. A partir dessa estratégia, os serviços de saúde tronaram se mais próximo das pessoas, e foram aparecendo demandas que até então eram invisibilizadas pelos profissionais de saúde: a violência contra a mulher. No inicio dos anos 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a violência contra a mulher como um problema de saúde pública, e em 1996 propôs que houvesse capacitações dos profissionais da saúde para reconhecer e abordar situações de violência doméstica contra as mulheres por meio do acolhimento, e informá las sobre os recursos disponíveis na comunidade como delegacias de mulheres e casas abrigo. Nesse contexto é reafirmado que a violência doméstica contra a mulher é um problema de saúde publica e por isso deve ser erradicada. Compreendê la como violação de direitos humanos e relacioná la como importante causa geradora de fatores de risco para diversos problemas de saúde e problemas sociais, torna se uma demanda não só das equipes de Saúde da Família, mas para todos os serviços de saúde. Sendo então, a violência contra à mulher um grave problema social, que afeta não só a mulher, mas como todos da família, entendemos que esse tipo de violência é um abuso aos direitos humanos, e está culturalmente relacionado à violação de direitos fundamentais, justamente por expressar a desigualdade de poder entre homens e mulheres, fator esse associado a questão de gênero. Considerando a violência de gênero uma manifestação do machismo que reforça o fato de que a mulher não tem possibilidade de escolhas sobre o seu próprio corpo tem aumentado o numero de atendimentos nos serviços de saúde decorrentes aos casos de estupro, que são cada vez mais recorrentes em nossa sociedade, e que, ainda hoje sofre um processo de naturalização da violência às mulheres. Dessa forma, afirmamos que seu combate é também um problema de saúde pública. A rede de proteção às Mulheres, no âmbito nacional, através de ações da Secretaria de Politicas para as Mulheres (SPM), criada no 1 ano do governo Lula em 2003, avançou muito ao institucionalizar algumas agendas do movimento feminista e garantir algum reconhecimento para elas. Porém, ainda estamos longe de fazer entender que o patriarcado é estruturante da nossa sociedade, e que para superar as várias batalhas necessárias contra ele, é preciso muito mais do que o que temos hoje. É preciso prioridade. Para efetivação dessas políticas, a SPM lança em 2006, a Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, no qual traz norteadores essenciais do programa de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e informação) à mulher em situação de violência. Os Centros de Referência tem a proposta de exercer o papel de articuladores dos serviços organismos governamentais e nãogovernamentais que integram a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, em função da violência de gênero. (BRASIL, 2006) Em 2009, o município em questão, começou um processo de reestruturação do sistema de saúde municipal, com bases nos princípios e diretrizes do SUS. O Plano Municipal de Saúde foi construído de forma participativa, a partir de diretrizes do governo municipal do PPA Participativo 2009 2013, com discussões com os conselheiros de saúde, trabalhadores, e aprovação das diretrizes na Conferência Municipal de Saúde. No âmbito das politicas públicas de combate à violência contra a mulher, o município investiu na criação de novos serviços, como Centro de Referência e Hospital Municipal para mulheres, e buscou estruturar à rede de serviços de forma intersetorial, com o objetivo de garantir a integralidade da atenção à saúde das mulheres em situação de vulnerabilidade, possibilitando assim, humanizar as ações em serviços e contribuir para o fim da violência. Sendo assim, em 2011 foi implantado neste município o Centro de Referência e Apoio à Mulher (CRAM), com apoio do governo federal sendo parte de uma das iniciativas do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher que conta com um conjunto de ações preventivas e de combate à
violência, implantadas em parceria com estados e municípios. O serviço conta com a atuação de assistentes sociais, psicóloga e assessor jurídico para oferecer atendimento às mulheres em situação de violência. Ao todo, são sete salas para atendimento, brinquedoteca, sala de reunião e eventos. Mais do que informação, apoio e acolhimento, o Centro de Referência oferece oficinas com as temáticas: Desigualdade de Gênero, Direitos Humanos e Cidadania e Políticas de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. O serviço é gerenciado atualmente pela Gerência de Políticas para Mulheres e Questão de Gênero, do Departamento de Políticas Afirmativas da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania, e trata se de um serviço fundamental para a população feminina em situação de violência doméstica que busca apoio profissional para romper esse ciclo. Por mês, cerca de 35 novos casos são atendidos na unidade e em torno de 70 mulheres passam por acompanhamento. OBJETIVO. A partir desse contexto, as equipes de Saúde da Família do município em questão, em conjunto com a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), ao reconhecer a dificuldade de identificar a violência nas relações familiares e no espaço doméstico, buscou desenvolver estratégias que possibilitem, na prática, qualificar as equipes de Saúde da Família de forma à garantir um atendimento integral e humanizado, implicando inclusive, na construção do empoderamento e autonomia das mulheres em situação de violência. Materiais e Métodos: Diante da dificuldade do território em acolher a mulher em situação de violência e o desconhecimento dos trabalhadores da saúde sobre os equipamentos disponíveis para o cuidado desta mulher, foram feitas reuniões com o Centro de Referência e Apoio à Mulher (CRAM) para uma aproximação deste com as Unidades de Atenção Básica (UBS) e Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Foram realizadas algumas reuniões com funcionários das UBS, UPA e CRAM onde se apresentou o funcionamento do CRAM, descrição da demanda, equipe de trabalho e procedimento de trabalho. Além disso, se apresentou as dificuldades encontradas pelas equipes de Saúde em acolher e cuidar da mulher em situação de violência; Se debateu a respeito do Sigilo profissional; Risco na exposição dos profissionais que estão no território atendendo a violência, e notificação compulsória de violência; A partir disso, ficou evidente que muitos profissionais de saúde desconhecem as leis de proteção à mulher em situação de violência, assim como os serviços de base municipal disponíveis para o atendimento. Desta maneira, o grupo se dispôs a elaborar um questionário e aplica lo para todos os profissionais de saúde a fim de mapear qual o nível de instrução/conhecimento acerca do tema violência contra a mulher. Percebemos com este levantamento que a nossa primeira impressão estava correta e que os profissionais da rede desconheciam os equipamentos assim como traziam consigo algumas ideias préconcebidas e senso comum sobre a violência contra mulher. Sendo assim, diante da necessidade evidente, se propôs a construção de ações com o objetivo de informar os profissionais, desconstruir alguns conceitos e consequentemente fortalecer o atendimento a mulher em situação de violência. RESULTADOS Considerando que os profissionais da rede de nosso município desconheciam o CRAM e também temáticas acerca da violência contra a mulher, acordou se ser importante uma apresentação do serviço em cada UBS e também na UPA. Desta forma uma profissional representando CRAM foi a uma das UBS durante a reunião geral da unidade, na qual todos os profissionais participaram, para tanto descrever o serviço como iniciar uma discussão sobre a temática, acolher as dúvidas dos profissionais. A proposta é que esta ação se repita nas outras UBS e UPA. Além desta ação, foi acordado que uma representante de cada equipamento de saúde se incumbirá de realizar uma conversa com os médicos e Agentes Comunitários de Saúde para reforçar o fluxo construído com o CRAM.
Muito se discutiu sobre a abordagem dos enfermeiros nos casos de violência contra a mulher e assim, se acordou que o CRAM fará uma capacitação com os enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos das unidades de saúde para qualificar a acolhida nestes casos. E dando continuidade a construção do fluxo, se acordou que a cada dois meses, acontecerá uma reunião entre CRAM e território 1 de Saúde para discussão de casos em comum acompanhamento. Para finalizar fechamos um fluxo de atendimento às mulheres em situação de violência entre as unidades de saúde do território e o CRAM. O primeiro acolhimento será na UPA ou UBS, e então o profissional de saúde entrará em contato por telefone com profissional do CRAM em que descreverá o caso e então encaminhará a mulher para o serviço. Contudo, a equipe de saúde da família continuará acompanhando atentamente aquela mulher e sua família. Segue fluxo acordado entre CRAM e Equipamentos de Saúde do Território 1 do município em questão. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) fará o atendimento, notificará e informará ao munícipe para que serve esta notificação e que a mesma será direcionada para UBS de referencia. Irá pedir ao munícipe que procure qualquer enfermeiro de sua UBS de referência; Em paralelo, também irá referenciar ao CRAM explicando o serviço. A Unidade Básica de Saúde (UBS), receberá as fichas de notificação enviadas pela UPA, deverá ser entregue ao enfermeiro da UBS que aguardará o contato da usuária (período esse estabelecido por cada UBS). Caso a mulher não procure a UBS neste período, o enfermeiro deverá levar o caso para ser discutido junto à equipe para pensar em estratégias de busca ativa e/ou acompanhamento e monitoramento. Enfatiza se que a importância de esclarecer para a usuária que a notificação não se trata de uma denúncia, é diferente de um Boletim de Ocorrência. Ao encaminhar as mulheres para o CRAM, o profissional de Saúde deverá telefonar para apresentar o caso. Dizer à usuária que a técnica (citar nome) estará aguardando por ela, combinem um horário para o atendimento no CRAM. Todavia, lembre se que o CRAM é porta aberta, sem necessidade de agendamento. CONCLUSÕES. O objetivo com esta intervenção no território é contribuir na desconstrução do senso comum sobre a violência contra a mulher tanto com a população como com os profissionais dos serviços, para cada vez mais a usuária que sofreu algum tipo de abuso sentir se acolhida e segura para buscar o rompimento com a violência. Sabemos que apesar dos avanços que as políticas trazem no âmbito da saúde pública, muitas mulheres ainda encontram dificuldades no atendimento ao procurar um serviço de saúde. Nos casos de violência sexual, é muito comum a dificuldade e insegurança que as mulheres enfrentam ao procurar ajuda de um profissional de saúde, isso se dá tanto pelo silêncio e o medo da denuncia por parte das vítimas, como pela falta de capacitação dos profissionais dos serviços públicos de saúde na abordagem e acolhimento dessas mulheres. Além desses fatores, outro fator ainda mais agravante, é o processo de culpabilização (do Estado, da família, do agressor e da sociedade) que as mulheres ainda sofrem ao denunciarem a violência. Contudo acreditamos que intervenções como estas que estão em desenvolvimento são essenciais para contribuir com o processo permanente na rede de saúde para que se possa desmistificar preconceitos da população e dos profissionais, capacitar trabalhadores para que estes compreendam a vulnerabilidade desta mulher que chega até o serviço e dessa forma oferecer a usuária em situação de violência o atendimento mais digno, humanizado e qualificado possível. REFERÊNCIAS 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Politica Nacional de Promoção da Saúde. Brasília, 2010 2. BAPTISTA, T.W. de F. Historia das Políticas de Saúde no Brasil: A trajetória do direito à saúde. In: MATTA, G.C.; PONTES, A.L. de M. (Orgs). Políticas de Saúde: a organização e a operacionalização do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/ Fiocruz, 2007. p. 29 60. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Entendendo o SUS. Brasília, 2007.
4. NARDI, A. Prefácio. In: Saúde da Família nos Municípios Brasileiros. Os reflexos dos 20 anos no espelho do futuro. Brasília, 2014 5. SOUZA, M. F. Agentes Comunitários de Saúde: choque de povo. São Paulo: Ed. Hucitec, 2001 STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO/ Ministério da Saúde, 2002 http://lacobrancobrasil.blogspot.com.br/p/nossa historico.html acessado em 28 de dezembro de 2014 as 20: 15.