MOBILIDADE SOCIAL NO RIO DE JANEIRO



Documentos relacionados
MOBILIDADE SOCIAL NO RIO DE JANEIRO

Mercado de Trabalho. O idoso brasileiro no. NOTA TÉCNICA Ana Amélia Camarano* 1- Introdução

Evolução da população do Rio Grande do Sul. Maria de Lourdes Teixeira Jardim Fundação de Economia e Estatística. 1 - Introdução

PED ABC Novembro 2015

SAÍDA DO MERCADO DE TRABALHO: QUAL É A IDADE?

Docente: Willen Ferreira Lobato

Caracterização do território

Caracterização do território

Caracterização do território

Caracterização do território

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO (SEPLAN) Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE)

O que é Programa Rio: Trabalho e Empreendedorismo da Mulher? Quais suas estratégias e ações? Quantas instituições participam da iniciativa?

PED-RMPA INFORME ESPECIAL IDOSOS

1. Introdução. 1.1 Contextualização do problema e questão-problema

Caracterização do território

Cresce o emprego formal em todos os setores de atividade

na região metropolitana do Rio de Janeiro

Entre 1998 e 2001, a freqüência escolar aumentou bastante no Brasil. Em 1998, 97% das

3 O Panorama Social Brasileiro

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

IDENTIDADE DE POLÍTICOS E DESENVOLVIMENTO DE LONGO- PRAZO

Uma política econômica de combate às desigualdades sociais

Comentários sobre os resultados

Salário Mínimo e Mercado de Trabalho no Brasil no Passado Recente

Mudanças demográficas e saúde no Brasil Dados disponíveis em 2008

Perfil Educacional SEADE 72

POPULAÇÃO BRASILEIRA

ESCRITÓRIO TÉCNICO DE ESTUDOS ECONÔMICOS DO NORDESTE ETENE INFORME RURAL ETENE PRODUÇÃO E ÁREA COLHIDA DE CANA DE AÇÚCAR NO NORDESTE.

Nos últimos 20 anos, o País vem se redemocratizando e

DIEESE e SEBRAE lançam Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa

Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013: análise dos principais resultados de Goiás

MINAS, IDEB E PROVA BRASIL

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Síntese

A educação no Rio de Janeiro

Estratificação/ Classes/ Desigualdade Social

SINCOR-SP 2016 ABRIL 2016 CARTA DE CONJUNTURA DO SETOR DE SEGUROS

Apoio. Patrocínio Institucional

Opinião N13 O DEBATE SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E NA ÁFRICA DO SUL 1

PRÊMIO IPEA-CAIXA º Lugar. Carlos Antônio Costa Ribeiro Filho

CUSTOS LOGÍSTICOS - UMA VISÃO GERENCIAL

Desigualdade Entre Escolas Públicas no Brasil: Um Olhar Inicial

ipea A EFETIVIDADE DO SALÁRIO MÍNIMO COMO UM INSTRUMENTO PARA REDUZIR A POBREZA NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO 2 METODOLOGIA 2.1 Natureza das simulações

Autor(es) RENATA NAYARA ZANE. Orientador(es) FRANCISCO CONSTANTINO CROCOMO, MARIA THEREZA MIGUEL PERES. Apoio Financeiro PIBIC/CNPQ. 1.

OS DILEMAS DA DICOTOMIA RURAL-URBANO: ALGUMAS REFLEXÕES.

Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes 1

Acidentes de Trabalho com Consequência óbitos

5 CONCLUSÃO Resumo

Avaliação Econômica. Relação entre Desempenho Escolar e os Salários no Brasil

Sumário PNAD/SIMPOC 2001 Pontos importantes

Brasil avança em duas áreas da Matemática

Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires

Indicadores de Risco Macroeconômico no Brasil

A EVOLUÇÃO DO PIB PARANAENSE A 2014

O Ensino Superior Brasileiro na Década de 90

ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO ENSINO SUPERIOR: um estudo sobre o perfil dos estudantes usuários dos programas de assistência estudantil da UAG/UFRPE

PERFIL DOS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DA BAHIA

OS NEGROS NO MERCADO DE TRABALHO DA RMBH EM 2007

INCT Observatório das Metrópoles. Acesso às tecnologias digitais no Brasil Metropolitano Documento preliminar

POBREZA, SEGURANÇA ALIMENTAR E SAÚDE NO BRASIL

Modos de vida no município de Paraty - Ponta Negra

Expediente: Autor: Érika Andreassy Editor Responsável: Érika Andreassy Diagramação: Érika Andreassy Abril/

NOTA CEMEC 05/2015 INVESTIMENTO E RECESSÃO NA ECONOMIA BRASILEIRA : 2015: UMA ANÁLISE SETORIAL

Saúde. reprodutiva: gravidez, assistência. pré-natal, parto. e baixo peso. ao nascer

EDUCAÇÃO AMBIENTAL & SAÚDE: ABORDANDO O TEMA RECICLAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

5 Considerações finais

FICHA BIBLIOGRÁFICA. Título: Perfil da Mulher Metalúrgica do ABC. Autoria: Subseção DIEESE/Metalúrgicos do ABC

REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR SETEMBRO DE 2008 TAXA DE DESEMPREGO MANTÉM DECLÍNIO NA RMS

ipea políticas sociais acompanhamento e análise 7 ago GASTOS SOCIAIS: FOCALIZAR VERSUS UNIVERSALIZAR José Márcio Camargo*

O gráfico 1 mostra a evolução da inflação esperada, medida pelo IPCA, comparando-a com a meta máxima de 6,5% estabelecida pelo governo.

Amapá Amazonas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo

A MULHER TRABALHADORA NO SETOR DA HOTELARIA E GASTRONOMIA EM SÃO PAULO E NO BRASIL

PNAD - Segurança Alimentar Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros

Notas sobre a exclusão social e as suas diferenças

11. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

O PAPEL DOS MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO SUL NA AMPLIAÇÃO DO ATENDIMENTO EM CRECHE ÀS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS

ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS PROGRAMAS DE APOIO ÀS PMEs NO BRASIL Resumo Executivo PARA BAIXAR A AVALIAÇÃO COMPLETA:

O Sindicato de trabalhadores rurais de Ubatã e sua contribuição para a defesa dos interesses da classe trabalhadora rural

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

DISTRIBUIÇÃO DA RENDA NO BRASIL EM Palavras-chaves: desigualdade, pobreza, equações de rendimento, distribuição de renda.

JUVENTUDE E TRABALHO: DESAFIOS PARA AS POLITICAS PÚBLICAS NO MARANHÃO

Questão 11. Questão 12. Resposta. Resposta. O mapa e os blocos-diagramas ilustram um dos grandes problemas do mundo moderno.

MIGRANTES EM UBERLÂNDIA/MG NO PERÍODO RECENTE

MIGRAÇÃO MIGRAÇÃO INTERNA

Ano 3 Nº 37 Novembro de Escolaridade e Trabalho: desafios para a população negra nos mercados de trabalho metropolitanos

DataSenado. Secretaria de Transparência DataSenado. Março de 2013

Maxi Indicadores de Desempenho da Indústria de Produtos Plásticos do Estado de Santa Catarina Relatório do 3º Trimestre 2011 Análise Conjuntural

IMPLANTAÇÃO DOS PILARES DA MPT NO DESEMPENHO OPERACIONAL EM UM CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DE COSMÉTICOS. XV INIC / XI EPG - UNIVAP 2011

SONDAGEM ESPECIAL PRODUTIVIDADE RIO GRANDE DO SUL. Sondagem Especial Produtividade Unidade de Estudos Econômicos Sistema FIERGS

Histórico. Com o final da Segunda Guerra Mundial, tem. sofre um freio em seu crescimento global. O final da Velha Ordem Mundial entre os anos

Política monetária e senhoriagem: depósitos compulsórios na economia brasileira recente

DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO DA INICIATIVA

o Mercado de Trabalho Formal

SINCOR-SP 2015 DEZEMBRO 2015 CARTA DE CONJUNTURA DO SETOR DE SEGUROS

Aumenta a desigualdade mundial, apesar do crescimento econômico

Cursos Técnicos Profissionalizantes de Nível Médio para a Área de Informática

Relatório de Pesquisa. Março 2013

Relatório de atividades Arte e cidadania caminhando juntas Pampa Exportações Ltda.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Nota MDS Brasília, 02 de maio de 2011.

Transcrição:

7 MOBILIDADE SOCIAL NO RIO DE JANEIRO SOCIAL MOBILITY IN RIO DE JANEIRO Valéria Pero Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora adjunta da mesma instituição. Av. Pasteur, 250, sala 111, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22290-240 E-mail: vpero@terra.com.br

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero Resumo O Rio de Janeiro tem a taxa de mobilidade social intergeracional mais alta entre os estados do Brasil, caracterizando uma sociedade mais aberta e dinâmica. No entanto, verificou-se um comportamento temporal atípico com a queda da mobilidade ascendente, que pode ser explicada, pelo menos em parte, pelos reflexos da perda de dinamismo da economia fluminense que vem ocorrendo há algumas décadas sobre a estrutura ocupacional e a migração para outros estados do Brasil. Palavras-chave: Mobilidade social; Mobilidade intergeracional; Desigualdade de oportunidade. Abstract Rio de Janeiro has the highest intergenerational social mobility in Brazil but it is the only one that shows a decreasing trend in the improvement of the social status. This can be explained, partially, by the impacts of the decreasing dynamics of the economy in the State during the last decades on the employment sectoral composition and on the increasing migration of qualified workers to other States of Brazil. Keywords: Social mobility; Intergenerational mobility; Inequality of opportunity. 137

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 1 INTRODUÇÃO A sociedade brasileira apresenta o aparente paradoxo de conviver com uma elevada desigualdade socioeconômica e muita mobilidade social intergeracional. Isso ocorre porque as mudanças na inserção ocupacional entre gerações seguem um padrão de movimentação de curta distância, reproduzindo em grande medida as desigualdades socioeconômicas. Apesar da elevada mobilidade, a origem social exerce um papel importante na determinação do campo de possibilidades de conquista de posições na estrutura socioeconômica. A mobilidade social intergeracional reflete a distribuição de oportunidades na sociedade, ou seja, as chances relativas de as pessoas ocuparem uma posição social conforme a origem socioeconômica da família. Ela depende tanto do comportamento da economia e de seus impactos sobre a estrutura ocupacional quanto da consolidação dos canais de mobilidade na sociedade (como a escola, as associações de classe etc.), também depende de características individuais relativas ao investimento em qualificação e formação profissional. E como anda a mobilidade social no Rio? Se, por um lado, os indicadores sociais referentes à escolaridade, mortalidade infantil, esperança de vida apresentam uma melhora nesse período; por outro, a perda de dinamismo da economia fluminense combinada com a estabilidade da desigualdade de renda levanta questões sobre a melhoria das condições socioeconômicas entre gerações. Este trabalho apresenta, então, como objetivo principal analisar a evolução temporal da mobilidade social intergeracional no estado do Rio de Janeiro. Com isso, buscam-se evidências empíricas para avaliar se houve uma melhora ou piora nas possibilidades de inserção na estrutura social entre gerações de acordo com a origem socioeconômica ao longo das duas últimas décadas. 2 METODOLOGIA BÁSICA PARA O ESTUDO DA MOBILIDADE SOCIAL 2.1 A classificação dos estratos ocupacionais A construção dos estratos ocupacionais é um ponto extremamente delicado nos estudos sobre mobilidade social, pois representa fazer escolhas con- 138

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero ceituais e teóricas sobre posição social e, portanto, determina as possibilidades de análise sobre o tema. Essas escolhas podem ser sumariadas em dois caminhos na literatura empírica: a) a corrente que considera a hierarquia social das ocupações ordenadas segundo um indicador de status socioeconômico; b) a corrente em que as diferenças entre os grupos ocupacionais são determinadas a partir da relação com os meios de produção ou de acordo com a posição de mercado e de trabalho, sem necessariamente expressar uma hierarquia social 1. O caminho adotado para este trabalho foi um tanto eclético, pois se combinou uma hierarquia das ocupações segundo o status socioeconômico medido pela renda esperada dadas a escolaridade e a idade 2 com alguns recortes fundamentais para diferenciar os grupos. Foram estes os recortes: a) Separou-se o grupo de trabalhadores rurais dos urbanos. b) Considerou-se a divisão entre empregadores, trabalhadores por conta própria e empregados. c) Utilizou-se o recorte manual e não-manual. d) Separou-se a categoria de profissionais liberais dos não-manuais de rotina. Os recortes considerados para a classificação ocupacional ficaram restritos ao controle dos valores mínimos e máximos do status socioeconômico das ocupações em 20% do valor médio, gerando um overlapping de status entre as categorias ocupacionais 3. A Tabela 1 apresenta, então, os estratos sociais utilizados neste trabalho com algumas ocupações representativas e o status médio por estrato ocupacional. 1 Sobre a primeira corrente, ver o trabalho pioneiro de Blau e Duncan (1967) e de Hauser et al. (2000). Os trabalhos empíricos mais expressivos na literatura internacional sobre a segunda corrente de análise de classes e estratificação social são de Goldthorpe et al. (1987) e Wright (2000). 2 O cálculo do status socioeconômico foi originalmente realizado por Valle Silva (1973, 1992) e também aplicado em Pero (2001, 2002). 3 Em Pero (2002), encontram-se os valores mínimos e máximos do status das ocupações por categoria ocupacional. Além disso, pode-se analisar também outras características dos estratos ocupacionais, como renda e nível de escolaridade. 139

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 Tabela 1 Composição e status socioeconômico médio dos nove estratos ocupacionais Categorias ocupacionais I. Trabalhadores rurais II. Trabalhadores de serviços domésticos III. Trabalhadores do setor tradicional IV. Trabalhadores da indústria moderna e dos serviços gerais V. Proprietários por conta própria VI. Técnicos e trabalhadores de escritório VII. Empregadores urbanos VIII. Administradores, gerentes e supervisores IX. Profissionais liberais Fonte: Censo 1991, Brasil. Principais ocupações Trabalhador de cultura, trabalhador rural autônomo, pescador, seringueiro Empregado doméstico, porteiro, vigia, lavadeira, lixeiro Pedreiro, pintor, costureiro, alfaiate, sapateiro, marceneiro Vendedor, cozinheiro, garçom, mecânico, ferramenteiro e ajustador mecânico Comerciante por conta própria, dono de hotel e pensão por conta própria, outros proprietários por conta própria Professor de 1 o grau, secretária, auxiliar administrativo, praça militar, eletricista Industrial, comerciante, dono de hotel e pensão, outros proprietários empregadores Administrador e dirigente do comércio, do serviço público, da indústria Engenheiro, médico, professor do ensino superior, magistrado Status médio 11,94 13,88 15,98 18,31 21,33 27,73 35,31 45,42 76,76 A vantagem é que esse tipo de classificação permite avaliar se houve melhora ou piora entre gerações em termos de inserção socioeconômica medida pela posição do estrato ocupacional, bem como analisar as barreiras entre estratos que têm afinidades quanto à posição no mundo do trabalho. A desvantagem é que ela é imperfeita tanto no que se refere à ordenação das ocupações nos estratos (visto que existe um overlapping de status) quanto a uma definição pura de características afins do conteúdo e do tipo de trabalho. 2.2 Fonte de informações e universo de análise A fonte de informações utilizada para estudar mobilidade social foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE. Foram selecio- 140

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero nados os anos que continham o suplemento sobre mobilidade social, quais sejam, 1976, 1988 e 1996. O universo de análise foi restrito aos chefes e cônjuges com idade entre 30 a 55 anos que souberam responder às questões retrospectivas sobre ocupação e escolaridade do pai. Isso porque a pergunta no questionário da PNAD é qual era a função, cargo ou ocupação do seu pai quando o Sr(a)... teve a primeira ocupação, no caso das PNADs 1976 e 1988, e [...] quando tinha 15 anos, na PNAD 1996. Para garantir um certo grau de comparabilidade entre as fases da carreira profissional do pai e do(a) filho(a), considerou-se apropriado fazer um recorte analítico na faixa etária condizente. Com a restrição do universo à faixa etária de 30 e 55 anos, o total de observações da amostra no estado do Rio de Janeiro variou entre 7.738 em 1976 e 6.418 em 1996, sendo que entre 60% e 70% responderam ao questionário sobre mobilidade social. Esse total representava em torno de 35% do total de ocupados neste último ano. 2.3 Definição de mobilidade social intergeracional A mobilidade social analisada nesta tese é a intergeracional e pode ser definida como a mudança de estrato ocupacional atual do(a) filho(a) na faixa etária de 30 a 55 anos comparado com o do pai. Quando se cruza o estrato ocupacional atual do(a) filho(a) com o do pai, tenta-se captar a mobilidade em fases mais maduras da carreira tanto do pai quanto do(a) filho(a). Além disso, ela reflete não só os movimentos entre gerações mas também ao longo da carreira do indivíduo (a mobilidade intrageracional, ou seja, entre a primeira ocupação e a ocupação atual do indivíduo). Isso porque ela percorre tanto a mobilidade intergeracional, entre ocupação do pai e primeira ocupação do filho(a), quanto à mobilidade intrageracional. Esquematicamente, pode-se visualizar da seguinte forma: Ocupação do pai Primeira ocupação do filho Ocupação atual do filho Mobilidade intergeracional (1 a ocupação) Mobilidade intrageracional Mobilidade intergeracional (total) A metodologia utilizada para analisar a mobilidade social intergeracional foi a construção de matrizes de transição de status socioeconômico ou das 141

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 tabelas de mobilidade social que é uma classificação cruzada dos indivíduos de acordo com sua ocupação em dois momentos do tempo, definindo as situações de origem e de destino. Neste estudo, a origem é a categoria ocupacional do pai e o destino é a categoria ocupacional atual do(a) filho(a). A partir dos nove estratos ocupacionais criados para representar a posição socioeconômica dos pais e dos(as) filhos(as), foi possível calcular as taxas de mobilidade com as freqüências na matriz de mobilidade social. Os movimentos entre origem estrato do pai e destino estrato atual do(a) filho(a) com 30 a 55 anos caracterizam a mobilidade social intergeracional. Como os estratos foram ordenados de forma crescente, quando o estrato atual dos(as) filhos(as) era maior que o do pai, definiu-se a mobilidade ascendente e, quando era menor, a descendente. Aos filhos (as) que permaneceram no mesmo estrato do pai, caracterizou-se a situação de imobilidade. Assim sendo, na seção seguinte analisar-se-á a evolução das taxas absolutas de mobilidade social no estado do Rio, comparativamente à média brasileira, levando-se em consideração os movimentos verticais na estrutura social (mobilidade ascendente ou descendente), com intuito de avaliar as possibilidades de movimentação dos indivíduos no sistema de estratificação social entre gerações ao longo do tempo. 3 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE MOBILIDADE SOCIAL INTERGERACIONAL A mobilidade social no Brasil é alta, quando comparada com outros países 4, e cresceu entre 1976 e 1996, como pode ser visto na Tabela 2. No Rio, a mobilidade foi ainda maior e permaneceu praticamente no mesmo patamar, revelando que o peso da origem familiar na determinação da posição dos indivíduos no sistema de estratificação social era, a princípio, muito pequeno. Com uma taxa de imobilidade praticamente constante ao nível de 20%, isso quer dizer que no Rio a grande maioria (80%) dos indivíduos conseguia seguir um caminho diferente do pai no mercado de trabalho, para melhor ou pior. 4 Ver Pastore e Valle Silva (2000) e Erikson e Goldthorpe (1993). Só para dar uma idéia, já que as diferenças no número de estratos e na forma de classificação afetam essas taxas, no início dos anos 1970 a taxa de mobilidade da França era de 43%, da Itália 37%, dos EUA 48%, do Canadá 50% e do Brasil 58%. 142

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero Tabela 2 Mobilidade social intergeracional no Rio de Janeiro e no Brasil 1976 1988 1996 Var. (96-76) Var. (96-88) Rio de Janeiro Imobilidade 20,2 20,4 20,6 2,1% 1,0% Descendente 18,1 20,5 25,3 39,9% 23,4% Ascendente 61,7 59,0 54,0-12,4% -8,5% Brasil Imobilidade 41,7 30,8 29,7-28,7% -3,4% Descendente 11,5 11,8 14,7 27,9% 24,2% Ascendente 46,9 57,4 55,6 18,7% -3,1% Total 100 100 100 Fonte: PNADs 1976, 1988 e 1996. No início do período, tanto a mobilidade ascendente quanto a descendente eram maiores no Rio; ou seja, as possibilidades de mudanças de categoria ocupacional entre as gerações de pai e filho(a) e, portanto de condição socioeconômica tanto para cima quanto para baixo, eram relativamente maiores no Rio. No final do período, no entanto, somente a mobilidade descendente era maior. Em outras palavras, o Rio registrou um comportamento temporal diferente com a queda da taxa de mobilidade ascendente quando comparado com a média brasileira 5. Mas será que este é um comportamento realmente específico do Rio de Janeiro? Os dados da Tabela 3 sobre a mobilidade social por estado mostram que sim 6. Somente o Rio de Janeiro teve uma queda da mobilidade ascendente e manteve a taxa de imobilidade praticamente constante. Esse poderia ser um 5 Esse resultado também foi encontrado para outras formas de estratificação social, baseada numa classificação em quatro estratos (rurais, manuais, não-manuais e profissionais liberais) e também de outra forma de classificação em nove estratos. Para este último caso, ver, por exemplo, Pero (2001). Além disso, quando se analisam essas taxas de mobilidade por sexo e cor, verifica-se que o comportamento temporal diferente do Rio não muda por sexo nem por cor. Esses resultados são bastante fortes, já que não decorrem da forma de classificação nem do comportamento de um grupo específico. 6 As regiões Norte e Centro-Oeste não foram consideradas por problemas de cobertura da amostra da PNAD, principalmente em relação a 1976. 143

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 fenômeno de ponto de partida, isto é, como o Rio tinha alta taxa de mobilidade ascendente já em 1976 as chances de cair seriam maiores. No entanto, verificou-se que São Paulo registrou a maior taxa de mobilidade ascendente entre os estados brasileiros em 1976 e continuou crescendo em 1996. Tabela 3 Evolução da mobilidade social por Unidade da Federação 1976 1996 Var. (96-76) Imob. Desc. Asc. Imob. Desc. Asc. Imob. Desc. Asc. Rio de Janeiro 20,2 18,1 61,7 20,6 25,3 54,0 0,4 7,2-7,6 Espírito Santo 39,3 7,9 52,8 35,0 11,8 53,2-4,3 3,9 0,4 São Paulo 24,6 12,1 63,3 19,8 15,5 64,8-4,9 3,4 1,5 Rio Grande do Norte 39,9 10,8 49,3 30,2 12,7 57,1-9,7 1,9 7,8 Santa Catarina 45,2 7,8 47,1 33,7 11,2 55,0-11,4 3,5 7,9 Bahia 55,2 10,3 34,5 44,4 12,2 43,4-10,8 1,9 8,9 Rio Grande do Sul 45,6 13,5 40,9 29,7 18,0 52,4-15,9 4,4 11,5 Minas Gerais 49,3 8,9 41,8 31,9 13,9 54,2-17,4 5,0 12,4 Pernambuco 55,6 12,0 32,5 36,9 15,2 47,9-18,7 3,2 15,5 Paraná 50,1 8,5 41,4 31,1 11,7 57,2-19,0 3,3 15,7 Ceará 59,4 10,7 29,9 41,1 11,3 47,6-18,3 0,6 17,7 Piauí 70,3 3,0 26,7 45,7 9,3 44,9-24,5 6,3 18,2 Paraíba 64,6 5,7 29,8 38,1 9,2 52,7-26,5 3,5 23,0 Sergipe 59,8 9,7 30,5 33,2 12,1 54,6-26,6 2,5 24,1 Alagoas 64,4 14,7 20,9 40,6 11,9 47,5-23,8-2,8 26,6 Maranhão 75,9 7,0 17,1 49,5 6,4 44,0-26,4-0,6 27,0 Fonte: PNADs 1976 e 1996. Uma observação interessante que pode ser feita a partir da Tabela 3 é a relação entre taxa de mobilidade e grau de desenvolvimento regional. Se os estados fossem ordenados de forma crescente de acordo com a taxa de imobilidade, se perceberia que os da região Sudeste e Sul tinham índices menores do que os da região Nordeste. Com intuito de ilustrar esse fato, vale ressaltar que os dois estados com as menores taxas de imobilidade em ambos os 144

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero anos considerados eram Rio de Janeiro e São Paulo e aqueles com as maiores eram Maranhão e Piauí. A análise das taxas de mobilidade absolutas dos estados do Brasil revelou, então, uma correlação positiva entre grau de desenvolvimento e taxa de mobilidade. Esse é um ponto forte a favor da teoria que sustenta que a transmissão intergeracional de posição social diminui com o desenvolvimento econômico, que pode ser tanto decorrente de mudanças estruturais quanto do aumento da importância de outros canais de mobilidade (como a escola), para a determinação da posição social do indivíduo. Além disso, a mobilidade na região Nordeste, mais atrasada no contexto considerado, cresceu relativamente mais, assim como a mobilidade ascendente. Essa constatação, combinada com a anterior, sugeriu que as mudanças de estágio de desenvolvimento produzem movimentos mais fortes na estrutura ocupacional, gerando maiores taxas de crescimento da mobilidade total, especialmente da ascendente. Em outras palavras, a evolução das taxas de mobilidade estaria refletindo muito mais as mudanças na estrutura econômica e ocupacional do que uma melhora nos mecanismos de circulação dos indivíduos entre os estratos ou da fluidez da estrutura social, que seria um indicador mais apropriado de desigualdade de oportunidades. Vale destacar ainda que o Rio que já apresentava a maior taxa de mobilidade descendente em 1976 registrou a maior taxa de crescimento se distanciando ainda mais dos outros estados. Só para dar uma idéia da distância, em 1996 a taxa de mobilidade descendente no Rio era de 25% enquanto o segundo lugar era representado pelo Rio Grande do Sul com 18%. A questão que se coloca agora é sobre as possíveis explicações para o Rio apresentar um comportamento temporal específico da taxa de mobilidade com a queda da mobilidade ascendente, ou da mesma forma, com a maior taxa de crescimento da mobilidade descendente. A Tabela 4 mostra a evolução das taxas de mobilidade entre 1976 e 1996 por categorias ocupacionais, com intuito de verificar as categorias que puxaram esse movimento específico do Rio de Janeiro. A queda da taxa de mobilidade ascendente no Rio foi generalizada, exceto o estrato VII, e foi puxada principalmente pelas categorias ocupacionais de baixo status socioeconômico ou pelos estratos do setor manual (II a IV) e pelo estrato V (Proprietários por conta própria). A maior queda da mobilidade ascendente se refere à categoria II (trabalhadores de serviços domésticos) e quer dizer que, enquanto em 1976 a maioria das pessoas naquele estrato no Rio experimentava uma mobilidade ascendente (pais no setor rural), em 1996 a maior parte tinha origem em estratos superiores da estrutura social. 145

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 No Brasil, a taxa de mobilidade ascendente também registrou uma queda nos estratos do setor manual, mas com uma intensidade bem menor que no Rio, e ainda com taxas de mobilidade ascendentes bastante superiores que as descendentes em 1996. Tabela 4 Evolução da mobilidade social por estrato ocupacional 1976 1996 Dif. (96-76) Imob. Desc. Asc. Imob. Desc. Asc. Imob. Desc. Asc. Rio de Janeiro I. Trabalhadores rurais 83,8 16,2 67,0 33,0-16,9 16,9 0,0 II.Trabalhadores de serviços domésticos 6,6 31,5 61,8 8,5 50,5 41,0 1,9 19,0-20,9 III. Trabalhadores do setor tradicional 16,9 27,3 55,7 21,8 37,0 41,1 4,9 9,7-14,6 IV. Trabalhadores da indústria moderna e dos serviços gerais 18,8 19,1 62,1 26,1 27,8 46,1 7,3 8,6-15,9 V. Proprietários por conta própria 9,1 15,2 75,6 12,2 28,9 58,9 3,1 13,6-16,7 VI. Não-manuais de rotina 22,7 12,7 64,6 23,3 14,0 62,7 0,6 1,3-1,9 VII. Empregadores urbanos 20,0 4,9 75,2 10,8 12,4 76,8-9,1 7,5 1,6 VIII. Administradores, gerentes e supervisores 9,6 5,8 84,6 12,0 6,7 81,3 2,4 0,9-3,3 IX. Profissionais liberais 13,4 86,6 19,0 81,0 5,6 0,0-5,6 Brasil I. Trabalhadores rurais 92,4 7,6 89,9 10,1-2,5 2,5 0,0 II. Trabalhadores de serviços domésticos 3,2 21,7 75,1 4,8 29,6 65,6 1,6 7,9-9,5 III. Trabalhadores do setor tradicional 16,2 18,0 65,9 16,0 21,9 62,2-0,2 3,9-3,7 IV. Trabalhadores da indústria moderna e dos serviços gerais 14,0 16,5 69,4 17,9 17,9 64,2 3,9 1,3-5,2 V. Proprietários por conta própria 14,6 12,8 72,6 10,7 16,5 72,7-3,9 3,8 0,1 VI. Não-manuais de rotina 20,4 8,3 71,3 16,6 10,1 73,3-3,8 1,8 2,0 VII. Empregadores urbanos 14,7 5,4 79,9 9,6 8,5 81,9-5,0 3,0 2,0 VIII. Administradores, gerentes e supervisores 8,7 7,1 84,3 8,3 3,7 88,0-0,4-3,4 3,7 IX. Profissionais liberais 16,2 83,8 14,5 85,5-1,7 0,0 1,7 Fonte: PNADs 1976 e 1996. 146

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero Vale destacar ainda que no Rio, diferentemente da média brasileira, os estratos sociais mais privilegiados (administradores, gerentes e supervisores, e profissionais liberais) tiveram um aumento das taxas de imobilidade o que significa que essas categorias estariam se tornando mais fechadas para pessoas com origem de outras categorias socioeconômicas. 4 EXPLORANDO POSSÍVEIS EXPLICAÇÕES SOBRE COMPORTAMENTO ATÍPICO DO RIO Para explorar essa questão relativa ao comportamento temporal específico do Rio, o primeiro caminho é analisar se o fato de o Rio ter saído na frente no processo de transição demográfica brasileira pode ser uma explicação para a queda da mobilidade ascendente. Verifica-se que a diminuição da taxa de fecundidade no Rio de Janeiro iniciou-se mais cedo e foi mais além que no resto do Brasil. Além disso, as características históricas como a elevada taxa de urbanização e de escolaridade da população, e também a diminuição da migração têm contribuído para o Rio ser o estado com a menor taxa de crescimento populacional. O Rio, então, está na frente de um processo demográfico que caracteriza as sociedades mais desenvolvidas, qual seja, a de apresentar uma estrutura etária mais velha da população. O impacto sobre a mobilidade social é o de que, por uma característica demográfica, as pessoas na faixa etária considerada (30 a 55 anos) são relativamente mais numerosas e, por conseguinte, deparam-se com uma competição mais pesada para manter a posição social de seus pais. A partir de uma simulação contrafactual, é possível avaliar se a participação mais alta da população mais velha no Rio em relação a São Paulo seria um fator explicativo para as diferenças nas taxas de mobilidade e no comportamento temporal. O exercício é aplicar às taxas da matriz de mobilidade social do Rio a ponderação pela distribuição etária de São Paulo. Assim, poder-se-ia responder à seguinte questão: Qual seria a taxa de mobilidade social intergeracional no Rio, caso sua estrutura etária fosse idêntica a de São Paulo? Os resultados da simulação contrafactual apresentados na Tabela 5 mostram que as taxas não mudam muito e o comportamento temporal continua o mesmo, sugerindo que as diferenças entre as estruturas etárias não explicam o comportamento específico do Rio. 147

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 Tabela 5 Taxas de mobilidade social do Rio de Janeiro: observadas e simuladas com a estrutura etária de São Paulo (pessoas com 15 ou mais anos de idade) Taxas observadas 1976 1996 Imobilidade 24,0 21,6 Descendente 22,4 25,5 Ascendente 53,7 52,3 Taxas simuladas Imobilidade 24,6 22,5 Descendente 22,5 26,5 Ascendente 52,9 51,4 Total 100 100 Fonte: PNADs 1976 e 1996. O outro caminho é explorar o resultado como um reflexo da perda de dinamismo da economia fluminense. Essa perda foi sentida com mais intensidade com a transferência da capital para Brasília em 1960 e, principalmente, a partir da fusão do Estado da Guanabara com o do Rio em 1975, quando não só perdeu definitivamente o bonde da história de um processo de diversificação industrial para São Paulo, mas também todo o circuito de geração de trabalho e renda com a centralidade política de capital do país. Nesse caso, as mudanças na estrutura econômica e ocupacional não teriam sido capazes de manter ou melhorar as oportunidades de trabalho para as gerações mais novas e, por isso, o Rio teria um comportamento pior que os outros estados em termos de mobilidade social. Uma hipótese geral é que as mudanças na estrutura econômica decorrentes da diminuição da participação da economia fluminense no cenário nacional e dos processos de desindustrialização e da diminuição do peso do setor público na economia geraram, junto com um elevado grau de desigualdade, uma estrutura de consumo que alimenta um setor de serviços de baixa qualidade inchado e crescente. Isso levaria a uma subutilização do elevado capital humano (escolaridade) ou até mesmo um saldo migratório negativo de pessoas com alta qualificação, bem como a uma diminuição das chances de melhorar de posição na estrutura social ao longo do tempo. 148

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero Nesse aspecto, vale mencionar alguns resultados empíricos que contribuíram para testar a hipótese colocada. O primeiro se refere ao peso bem menor da passagem rural-urbana na mobilidade ascendente no Rio do que na média brasileira. Como pode ser visto na Tabela 6: em 1996, enquanto na média brasileira a taxa de mobilidade ascendente de filhos com pais no estrato rural representava 65%, no Rio era de 41%. Além disso, a queda dessa contribuição entre 1976 e 1996 foi consideravelmente maior no Rio. Tabela 6 Contribuição da mobilidade rural-urbana para mobilidade ascendente Rio Brasil 1976 61,4% 71,5% 1988 49,8% 68,4% 1996 40,9% 65,1% Var. (96-76) -33,5% -9,0% Fonte: PNADs 1976, 1988 e 1996. O outro resultado se refere ao comportamento da contribuição de um setor muito importante na geração de trabalho e renda na história do Rio, qual seja, a administração pública. Foi o setor que registrou a maior queda da participação na ocupação, contrariamente ao crescimento ocorrido na média brasileira. Isso explica, pelo menos em parte, a queda do estrato VI (técnicos e trabalhadores de escritório), que, tendo um peso importante na estrutura ocupacional e dependendo do regime de mobilidade, pode representar um degrau importante na trajetória de ascensão social. Tabela 7 Distribuição dos ocupados por setor de atividade econômica Rio de Janeiro São Paulo Brasil 1976 1996 Var. 1976 1996 Var. 1976 1996 Var. Agricultura 5,1 3,6-29,7% 14,6 6,9-52,7% 33,1 20,4-38,2% Indústria de transformação 18,1 12,5-31,2% 24,8 21,0-15,4% 14,5 12,5-14,2% Construção civil 9,3 8,0-13,9% 7,9 7,2-8,1% 7,3 7,0-5,0% 149

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 Distribuição dos ocupados por setor de atividade econômica Rio de Janeiro São Paulo Brasil 1976 1996 Var. 1976 1996 Var. 1976 1996 Var. Outras atividades industriais 2,1 1,8-12,4% 2,1 1,1-48,0% 2,1 1,5-25,9% Comércio 10,1 13,3 31,4% 9,0 13,3 47,9% 8,8 12,6 42,4% Serviços 19,1 27,0 41,5% 15,0 22,3 49,0% 12,5 19,0 52,4% Serv. auxiliares 3,5 4,9 39,6% 3,1 4,3 39,0% 2,0 3,3 63,2% Transp./Comunic. 8,9 7,2-19,2% 7,1 5,6-21,6% 5,5 4,8-13,2% Atividades sociais 10,0 12,6 26,5% 8,2 10,5 27,3% 6,9 11,0 59,2% Adm. pública 10,1 6,4-37,2% 4,8 4,9 2,2% 5,1 5,8 14,1% Outras 3,7 2,8-25,1% 3,5 3,0-14,9% 2,1 2,1-3,2% Total 100 100 100 100 100 100 Fonte: PNADs 1976 e 1996. Esses resultados tomados em conjunto revelaram que as explicações para a queda da taxa de mobilidade ascendente têm raízes na história do Rio como capital do país. Com a perda de dinamismo econômico quando da transferência da capital para Brasília, verificou-se uma queda mais acentuada do setor de administração pública, ocasionando reflexos sobre a diminuição da participação do estrato VI (técnicos e trabalhadores de escritório) na ocupação total do Rio. Tabela 8 Número médio de anos de estudo e de pessoas por condição de migração Rio de Janeiro São Paulo 1976 1996 1976 1996 Estudo Pessoas Estudo Pessoas Estudo Pessoas Estudo Pessoas Maiores de 10 anos Emigrantes 5,9 332.915 8,2 695.230 3,8 1.052.900 6,1 1.791.694 Imigrantes 4,5 2.392.195 6,0 2.551.421 3,5 4.741.908 5,1 7.957.012 Naturais 4,4 5.505.745 7,0 8.447.258 4,2 11.927.264 6,9 19.666.765 150

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero Número médio de anos de estudo e de pessoas por condição de migração Rio de Janeiro São Paulo 1976 1996 1976 1996 Estudo Pessoas Estudo Pessoas Estudo Pessoas Estudo Pessoas 30 a 55 anos Emigrantes 6,6 132.065 9,6 303.018 3,8 477.426 6,6 797.287 Imigrantes 4,7 1.168.862 6,5 1.293.621 3,5 2.058.741 5,3 4.191.214 Naturais 5,0 1.759.812 7,8 3.415.717 4,6 4.038.158 7,6 7.470.820 Fonte: PNADs 1976 e 1996. Além disso, o descompasso relativo entre a qualificação da força de trabalho e a estrutura ocupacional provocaram mudanças mais fortes do saldo migratório no Rio. Entre 1980 e 1991, o saldo migratório foi negativo, quer dizer, saíram mais pessoas do que entraram no Rio. A Tabela 8 revela que o perfil dos emigrantes do Rio era de escolaridade mais elevada que os imigrantes. E como o estoque de capital humano desses emigrantes cresceu entre 1976 e 1996 mais rapidamente que o de São Paulo, há evidências de que ocorreu um aumento da intensidade de transferência de capital humano do Rio para outros lugares do Brasil, sobretudo para a região Sudeste, especialmente São Paulo, e para o Distrito Federal. 5 CONCLUSÕES O Rio tem a taxa de mobilidade social mais alta do Brasil, indicando uma sociedade bastante dinâmica, no sentido em que a posição social dos indivíduos não tem uma associação muito forte com a origem social. Os dados revelam que 80% das pessoas ocupadas em 1996 no Rio encontravam-se em estratos diferentes de seus pais. No entanto, o Rio é o único estado do Brasil que registra uma diminuição da taxa de mobilidade ascendente, ou seja, uma diminuição das possibilidades de os(as) filhos(as) estarem num estrato superior ao de seus pais. Esse comportamento se manteve mesmo depois de calculadas as taxas para outras 151

Revista de Economia Mackenzie Volume 4 n. 4 2006 p. 136-153 formas de estratificação social. Além disso, quando se dividiu a população por sexo e cor, verificou-se o mesmo comportamento tanto para homens e para mulheres quanto para brancos e não-brancos. Esse é um resultado forte que caracteriza uma especificidade da sociedade fluminense. Ao diminuir as possibilidades de as pessoas atingirem uma inserção socioeconômica melhor que a de seus pais, isso pode mexer na autoestima das pessoas, com reflexos sobre comportamentos políticos e eleitorais, movimentos sociais e religiosos, violência, entre outros. É importante destacar que a mobilidade ascendente diminuiu principalmente para as categorias ocupacionais com nível socioeconômico mais baixo (serviços domésticos e gerais) o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela perda de dinamismo da economia fluminense que vem ocorrendo há algumas décadas. Além disso, no outro pólo do sistema social, o peso da origem social aumentou nos estratos sociais mais privilegiados, apontando para um fechamento desse estrato para pessoas de outras origens socioeconômicas. Esse comportamento, diferente da média brasileira, pode estar indicando que, quando se atinge determinado grau de desenvolvimento associado a um nível relativamente alto de escolaridade da população como um todo, a forte competição no mercado de trabalho acaba recolocando um papel importante da origem social das pessoas para determinação da posição social. Por fim, o comportamento temporal atípico da mobilidade social intergeracional no Rio está associado, em alguma medida, ao componente estrutural da perda de dinamismo da economia fluminense. Isso pode ser visto tanto pelo lado da queda do setor de administração pública quanto pela incapacidade relativa de gerar postos de trabalho de qualidade compatível com a qualificação da força de trabalho, criando um movimento de expulsão de trabalhadores mais qualificados para outros estados do Brasil, principalmente São Paulo e Distrito Federal. Esses resultados apontam dois caminhos que devem orientar o debate sobre políticas públicas para o estado do Rio de Janeiro: a) melhorar a qualidade dos postos de trabalho, quer dizer, a renda por ocupação; b) explorar as vantagens comparativas em termos de escolaridade, ou seja, aproveitar esse capital humano para diminuir as desigualdades socioeconômicas, melhorando a situação dos mais pobres. Uma linha seria promover o desenvolvimento local por meio de um amplo leque de parcerias entre diferentes esferas do setor público, a iniciativa 152

Mobilidade social no Rio de Janeiro, Valéria Pero privada e a sociedade civil organizada para criar um ambiente mais propício ao micro e pequenos negócios (dada a relevância do trabalho autônomo e da micro e pequena empresa no Rio). Outra linha seria explorar, de forma mais efetiva, as vantagens comparativas do estado do Rio em termos de escolaridade de sua força de trabalho e de salários para a atração de investimentos que fossem capazes de gerar mais e melhores postos de trabalho. Referências BLAU, P.; DUNCAN O. D. The American occupational structure. New York: Wiley, 1967. ERIKSON, R.; GOLDTHORPE, J. H. The constant flux: a study of class mobility in industrial societies. Oxford: Oxford University Press, 1993. GOLDTHORPE, J. H.; LEWELLYN, C.; PAYNE. Social mobility and class structure in modern Britain. Oxford: Clarendon Press, 1987. HAUSER, R. M. et al. Occupational status, education, and social mobility in the meritocracy. In: ARROW; BOWELS; DURLAUF (Ed.). Meritocracy and economic inequality. Princeton University Press, 2000. PASTORE, J.; VALLE SILVA, N. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 2000. PERO, V. Et, à Rio, plus ça reste le même. Tendências da mobilidade social intergeracional no Rio de Janeiro. Anais da ANPEC, Salvador, 2001.. Tendências da mobilidade social no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado) Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. SCALON, M. C. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: IUPERJ/Ed. Revan, 1999. VALLE SILVA, N. Posição social das ocupações. Rio de Janeiro: IBGE, 1973.. Atualização da escala socioeconômica de ocupações para 1980. Rio de Janeiro: LNCC, 1985. Relatório de pesquisa e desenvolvimento.. Cor e realização socioeconômica no Rio de Janeiro. Rio 97. O mercado de trabalho no Rio de Janeiro. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal do Trabalho, 1997.. Uma classificação ocupacional para o estudo da mobilidade e da situação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: LNCC, 1992. Mimeografado. WRIGHT, E. O. Class counts. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 153