PREVALÊNCIA DE DOENÇA CAROTÍDEA NA PATOLOGIA CÉREBRO-VASCULAR ISQUÉMICA O Papel do Eco-Doppler



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NEURORRADIOLOGIA Acta Med Port 2006; 19: 446-450 PREVALÊNCIA DE DOENÇA CAROTÍDEA NA PATOLOGIA CÉREBRO-VASCULAR ISQUÉMICA O Papel do Eco-Doppler ISABEL FRAGATA, SÉRGIO GALO, MANUEL MANITA, SUSANA FERREIRA, JOÃO REIS Departamento de Neurorradiologia. Unidade Cérebro-Vascular, Serviço de Neurologia. Hospital de S. José. Lisboa R E S U M O Objectivo: A doença aterosclerótica carotídea representa cerca de 20% das causas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquémico. O diagnóstico desta patologia é geralmente feito numa primeira abordagem por Eco Doppler carotídeo. Foi feita a análise retrospectiva da prevalência de doença aterosclerótica carotídea numa população de doentes internados por (AVC) Acidente Isquémico Transitório (AIT) na Unidade Cérebro-Vascular do Hospital de S. José. Métodos: De um total de 318 doentes admitidos por AVC isquémico/ait, 260 doentes foram estudados por Doppler carotídeo. O diagnóstico de estenose da artéria carótida interna baseou-se na determinação da velocidade do pico sistólico. Em 43 doentes, foi realizada angiografia de subtracção digital, e o grau de estenose da carótida interna foi avaliado segundo os critérios de NASCET. Resultados: Do total de 318 doentes, 260 (82%) foram estudados por Doppler carotídeo. Do total de 520 artérias carótidas internas estudadas, os graus de estenose foram os seguintes: 0-29% n= 438 (84%); 30-49% n= 8 (2%); 50-69% n= 27 (5%); 70-89% n= 15 (3%); 90-99% n= 20 (4%); oclusão n= 14 (2%). Dos 260 doentes estudados, 43 (16.5%) realizaram angiografia. A sensibilidade e especificidade do Doppler no diagnóstico de estenoses superiores a 70% foi de 91% e 84%, respectivamente. Do total de 31 doentes com estenose carotídea significativa (70-99%), 23 (74%) foram submetidos a terapêutica endovascular por angioplastia transluminal. Discussão: O estudo por Doppler carotídeo é um exame de fácil acesso, não invasivo, de rotina nos doentes com AVC isquémico/ait. Os resultados salientam ainda a significativa prevalência de doença aterosclerótica carotídea nesta população de doentes (16.5%), com um total de 9 % dos doentes submetidos a procedimentos de revascularização carotídea. Palavras-chave: AVC Isquémico, Eco Doppler Carotídeo, Doença Carotídea 446

PREVALÊNCIA DE DOENÇA ATEROSCLERÓTICA CAROTÍDEA S U M M A R Y PREVALENCE OF CAROTID ARTERY DISEASE IN AN ISCHEMIC STROKE POPULATION Role of Doppler Ultrasonography Background: Atherosclerotic carotid disease represents approximately 20% of the causes of ischemic stroke. Effective treatment options, such as endovascular or surgical revascularization procedures, are available. Doppler Ultrasound (DUS) is a non-invasive, unexpensive, routine exam used to evaluate the presence of internal carotid artery (ICA) stenosis. We retrospectively analysed the prevalence of severe atherosclerotic carotid disease in a population of patients with acute ischemic stroke/ transitory ischemic attacks (TIAs), and the role of DUS in the detection of ICA stenosis and treatment decisions in these patients. Methods: A total of 318 patients with ischemic stroke or TIAs was admitted to our stroke unit, and 260 patients were studied by DUS. ICA stenosis was evaluated by DUS according to peak systolic velocity. All DUS exams were performed by the same operator. ICA stenosis was further assessed in 43 patients by digital subtraction angiography (DSA) using NASCET criteria. Results: Of the total 318 patients, 260 (82%) had DUS evaluation. Of the total 520 ICAs studied by DUS, degrees of ICA stenosis were: 0-29% n= 438 (84%); 30-49% n= 8 (2%); 50-69% n= 27 (5%); 70-89% n= 15 (3%); 90-99% n= 20 (4%); oclusão n= 14 (2%). Of the total 260 patients studied, 43 (16.5%) underwent DSA. Sensibility and specificity of DUS in the diagnosis of carotid stenosis over 70% were, respectively, 91% e 84%. Of the total 31 patients with significant carotid stenosis (70-99%), 23 (74%) underwent subsequent carotid revascularization procedures. Discussion: DUS is an important screening test in our stroke unit, justifying its use as a routine exam for all patients with ischemic stroke/tias. Moreover, our results show the relevance of severe carotid disease in a population with acute ischemic stroke/ TIAs (16.5%), with a total of 9% of patients being submitted to carotid revascularization procedures. Key-words: Ischemic Stroke, Doppler Ultrasound, Carotid Atherosclerosis INTRODUÇÃO O acidente vascular cerebral isquémico é responsável por aproximadamente 90% de todos os acidentes vasculares cerebrais (AVC), os quais constituem a segunda causa de mortalidade em todo mundo, e uma causa major de incapacidade nos países industrializados. Várias estratégias têm sido propostas, visando a limitação do défice clínico que resulta desta patologia, entre as quais; a consciencialização da população, e a formação dos clínicos que lidam com estes doentes; melhoria do diagnóstico na fase aguda da doença, do reconhecimento etiológico e factores de risco associados; instituição de terapêuticas de reperfusão da fase hiperaguda e posteriormente acções para prevenção de novos eventos vasculares; e estratégias de reabilitação. Desde a introdução da técnica de angiografia carotídea em 1927 por Egas Moniz, que a visualização radiográfica da bifurcação carotídea se tornou possível. No entanto, só a partir da década de 50 foi definitivamente associada a presença de doença aterosclerótica carotídea nos doentes com acidentes vasculares isquémicos. Numerosos estudos apontam a doença aterosclerótica carotídea intra e extracraniana como uma importante causa de síndromes vasculares isquémicos, responsável por cerca de 20% das causas desta patologia 1,2. O grau de estenose, definido pela redução do diâmetro 447

ISABEL FRAGATA et al luminal da carótida, é o principal determinante do significado hemodinâmico da estenose 2. O diagnóstico dos doentes sintomáticos com estenose carotídea significativa é fundamental, como foi demonstrado nos ensaios North American Symptomatic Carotid EndarterectomY Trial 3 e European Carotid Surgery Trial 4, em que se verificou que o risco de AVC varia em relação directa com o grau de estenose carotídea, e que os doentes com estenoses superiores a 60-70% beneficiavam de tratamento não só médico como cirúrgico 3,4. A angiografia de subtracção digital é considerada o método de eleição para o diagnóstico de estenose carotídea, no entanto a sua invasibilidade levou à escolha de outros métodos na abordagem destes doentes. O Eco Doppler carotídeo é o principal método utilizado para o estudo inicial dos doentes com síndromes vasculares isquémicos cerebrais, dada a sua não invasibilidade, baixo custo, e reprodutibilidade quando realizado por operadores experientes. O presente trabalho tem como objectivo descrever a prevalência de doença aterosclerótica carotídea numa população de doentes internados por AVC isquémico/ait na Unidade Cérebro-Vascular do Hospital de S. José, salientar a utilidade da ultrassonografia como primeiro método para abordagem imagiológica inicial e triagem destes doentes, tendo em vista eventual instituição de terapêutica endovascular de repermeabilização de eixos vasculares. MÉTODOS Foram analisados retrospectivamente, os processos clínicos de 318 doentes consecutivos, admitidos num período de 12 meses na Unidade Cérebro-Vascular do Hospital de S. José, por AVC isquémico/ait. Foi dedicada atenção à pesquisa de história de factores de risco vasculares e avaliado o desempenho dos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente, os exames imagiológicos Ultrassonografia (US), RM/ AngioRM, e Angiografia de Subtracção Digital (ASD), no diagnóstico e caracterização de patologia aterosclerótica carotídea cervical. Nos doentes que efectuaram mais do que um exame dos eixos carotídeos, foram comparadas a sensibilidade, especificidade e eventual consequência terapêutica dos exames realizados, tendo como referência os resultados obtidos na ASD. O diagnóstico de estenose da artéria carótida interna baseou-se na determinação da velocidade do pico sistólico. Nos 43 doentes em que foi realizada ASD, e o grau de estenose da carótida interna foi determinado segundo os critérios de NASCET 3. RESULTADOS A população de 318 doentes internados no período de 12 meses na Unidade Cérebro-Vascular do Hospital de S. José tinha uma média de idades de 61.4 ± 13.7 anos, com uma distribuição por sexos de 35.2% sexo feminino, e 64.8 % do sexo masculino. A incidência de factores de risco cérebro- -vasculares era a seguinte: Hipertensão Arterial (HTA) 66%, Diabetes Mellitus (DM) 21.1%, dislipidémia 29.6%, tabagismo 13.8%, obesidade 3.1%, síndrome de apneia do sono 1.2%, doença coronária/enfarte do Miocárdio (EAM) prévio 8.2%, claudicação intermitente 1.2%, alcoolismo 8.5%, fibrilhação auricular (FA) 11%, foramen ovale patente 4.4%. (quadro I). Quadro I - Características da população estudada relativamente a idade, sexo e factores de risco cérebro-vasculares Idade 61.4 +/- 13.7 Tabagismo 13.8% Sexo 35.2%F, 64.8%M Alcoolismo 8.5% HTA 66% Cardiop. Isquémica 8.2% DM 21.1% Claudicação intermitente 1.2% Dislipidémia 29.6% FA 11% Do total de 318 doentes, 260 (82%) foram estudados por Doppler carotídeo. Do total de 520 artérias carótidas internas estudadas, os graus de estenose segundo o critério da velocidade do pico sistólico foram os seguintes: 0-29% n= 438 (84%); 30-49% n= 8 (2%); 50-69% n= 27 (5%); 70-89% n= 15 (3%); 90-99% n= 20 (4%); oclusão n= 14 (2%) (Figura 1). 83% 12% 2% 3% 3% 5% 4% oclusão 0-29% 30-49% 50-69% 70-89% 90-99% Fig. 1 - Distribuição dos graus de estenose carotídea, determinados por Doppler segundo critérios velocimétricos (Velocidade do pico sistólico, PSV). A percentagem foi calculada em relação ao total de 520 artérias estudadas Dos 260 doentes estudados por Doppler, 43 (16.5%) realizaram angiografia de subtracção digital. O principal critério utilizado para decisão sobre a realização de angiografia foi o grau de estenose determinado por Doppler, sendo motivo para realização de angiografia a presença de estenose carotídea superior a 70% em pelo menos uma carótida. No nosso Serviço, o Doppler carotídeo atinge 448

PREVALÊNCIA DE DOENÇA ATEROSCLERÓTICA CAROTÍDEA 318 doentes com A VC isq/a IT 260 (82% ) realizaram Doppler 43 (16.5% ) realizaram angiografia digital de subtracção 31 (12% ) tin h a m estenose carotídea 2 3 (9 % ) c o lo c a ram stent Fig. 2 - Esquema representativo do número total de doentes, número e percentagens de doentes estudados por Doppler, submetidos a ASD e submetidos a revascularização carotídea endovascular. uma sensibilidade de 91% e uma especificidade de 84% quando comparado com a angiografia de subtracção digital, no diagnóstico de estenoses carotídeas superiores a 70%. O Doppler carotídeo foi realizado pelo mesmo operador, e a angiografia de subtracção digital foi realizada pela mesma equipa de neurorradiologistas em todos os doentes estudados neste estudo. Do total de 43 doentes estudados por angiografia de subtracção digital, 31 doentes tinham estenose carotídea significativa (70-99%), segundo os critérios de NASCET. Em quatro doentes, a estenose carotídea grave era bilateral, e em dois doentes, coexistia estenose carotídea grave e oclusão. Desses 31 doentes, 23 (74%) foram submetidos a terapêutica endovascular por angioplastia transluminal, o que em relação à população inicial de 260 doentes estudados por Doppler, representa cerca de 9% do total (Figura 2). Os critérios para a colocação de stent carotídeo foram: estenose >70% segundo os critérios de NASCET, lesões isquémicas que cumprissem mais de três semanas de evolução, ausência de lesões hemorrágicas em TAC e/ou RM, antiagregação dupla com AAS 250 mg/dia e clopidogrel 75 mg/dia por pelo menos 72 horas antes do procedimento, e consentimento informado (Figura 3). Os 8 doentes com estenose carotídea significativa confirmada angiograficamente, que não foram tratados por via endovascular não cumpriam critérios clínicos para colocação de stent, encontravam-se em fase aguda de AVC, ou não cumpriam as 72 horas mínimas de antiagregação dupla. Fig. 3 - Exemplo de ASD antes e após colocação de stent em doente com estenose de 75% da artéria carótida interna. DISCUSSÃO A patologia aterosclerótica carotídea extracraniana é uma causa importante de doença cérebro-vascular isquémica. Os estudos de NASCET e ECST realizados no início da década de 90 demonstraram a importância do diagnóstico desta patologia, particularmente no grupo dos doentes sintomáticos com estenoses carotídeas superiores a 70%, cujo tratamento resulta em significativa redução do risco de novo acidente vascular isquémico 3,4. O presente trabalho avalia a prevalência da doença aterosclerótica carotídea numa população de doentes com patologia cérebro-vascular isquémica, e salienta o papel do Doppler carotídeo enquanto exame não invasivo na triagem de doentes com estenoses significativas da carótida interna. De acordo com a literatura, o Doppler carotídeo é um método sensível e específico para a determinação de estenoses carotídeas, quando comparado com o método gold standard que é a ASD, mas também quando comparado com a angio-rm, atingindo sensibilidades entre 86 % e 100% e e especificidades entre 82% e 94% 5-7. No entanto, alguns autores advertem para o risco de falsos negativos para estenoses >70%, quer pela ausência de turbulência por baixo fluxo numa estenose grave, quer pela interpretação de estenoses >70% como oclusões 8. No nosso grupo de doentes estudados por Doppler e ASD, a sensibilidade foi de 91% e a especificidade foi de 84%, 449

ISABEL FRAGATA et al valores comparáveis aos descritos na literatura 5-7. A prevalência de doença aterosclerótica carotídea foi de 16.5% na população estudada, um valor comparável ao de outros estudos, em particular na população mediterrânica 9,10, ao contrário de outras populações estudadas como a britânica, em que a percentagem de estenoses carotídeas atinge os 39% nos doentes com acidentes vasculares isquémicos cerebrais 11. CONCLUSÃO O estudo por Doppler carotídeo é um exame de fácil acesso, não invasivo, sensível e específico, cuja realização de rotina é justificada nos doentes com AVC isquémico/ait pela significativa prevalência de doença aterosclerótica carotídea nesta população de doentes (16.5%). Salienta-se ainda a importância do diagnóstico de estenose carotídea grave no doente sintomático, com um total de cerca de 9% dos doentes estudados submetidos a procedimentos endovasculares com angioplastia e colocação de stent carotídeo. BIBLIOGRAFIA 1. SACCO RL, SHI T, ZAMANILLO MC, KARGMAN DE: Predictors of mortality and recurrence after hospitalized cerebral infarction in an urban community: The Northern Manhattan Stroke Study. Neurol 1994;44: 626-634 2. RUNDEK T, SACCO RL: Outcome following Stroke. In: Stroke: Pathophysiology, Diagnosis and Management. Lippincot & Raven 2003;p. 414 3. North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial Collaborators: Benneficial effect of carotid endarterectomy in symptomatic patients with high- grade carotid stenosis. N Engl J Med 1991;325:445-453 4. MRC European Carotid SurgeryTrial: interim results for symptomatic patients with severe or with mild carotid stenosis. Lancet 1991;337:1235-43 5. BOGDAHN U, LINK J: Preoperative Evaluation of Carotid Artery Stenosis: comparison of Contrast- Enhanced MR Angiography and Duplex Sonography with Digital Subtraction Angiography. AJNR 2003;24:1117 1122 6. PY MO, ANDRÉ C et al: Internal Carotid artery Stenosis: comparison of duplex scan and magnetic resonance angiography with digital subtraction angiography. Arq Neuropsiquiatria 2001;59:665-671 7. NEDERKOORN PJ, VAN DER GRAAF Y, HUNINK HG: Duplex Ultrasound and Magnetic Resonance Angiography Compared With Digital Subtraction Angiography in Carotid Artery Stenosis: A Systematic Review. Stroke 2003;34:1324-1332 8. ELIASZIW M, RANKIN MB, FOX AJ et al: Accuracy and prognostic consequences of ultrasonography in identifying severe carotid artery stenosis. Stroke 1995;26:1747-1752 9. CALANDRE L, DIAZ- GUZMAN J, FERRERO M, LEON M: Risk factors, diet and carotid atheromatosis in TIAs and minor ischemic strokes (MISs) in a Mediterranean country. Eur J Neurol 1995;2:325 330 10. SEMPERE AP, DUARTE J, CABEZAS C, CLAVERÍA LE: Etiopathogenesis of Transient Ischemic Attacks and Minor Ischemic Strokes. Stroke 1998;29:40-45 11. HANKEY GJ, WARLOW CP. Symptomatic carotid ischaemic events: safest and most cost effective way of selecting patients for angiography before carotid endarterectomy. BMJ 1990;300:1485 91 450