Máquinas II. Guto Lacaz Ritualiza a Vida Doméstica



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Máquinas II Guto Lacaz Ritualiza a Vida Doméstica Com tanta coisa para falar da performance de Guto Lacaz, "Máquinas 2", em cartaz em São Paulo, pensei em algo inteligente, como: o artista "ritualiza" gestos da vida doméstica. Ou melhor, ele investiga a função das tranqueiras eletrônicas que temos em casa e que dependem de um sem-número de tomadas, fios, cabos e benjamins e cria um novo papel para elas. A vida de quem escreve em jornal não é mole, não. Diferentemente de um simples espectador, o crítico, repórter ou jornalista tem de ler (ver) aquilo que está no palco buscando as referências e intenções do criador. Muitas vezes, as intenções são claras. Muitas vezes, o artista é um provocador. Quem conhece Guto Lacaz sabe que ele é um manipulador original da expectativa alheia Sabe que ele costuma ironizar com os rumos das artes plásticas. Sabe que ele brinca com a imagem que se faz dele. Sabe que é um piadista, no sereno e chique mundo das galerias. E quem conhece as artes plásticas sabe que muitos objetos usuais, como uma tela branca, uma cadeira ou uma lata de sopa, tomam-se obras diante de um foco luz. "Máquinas 2 - Performances de Guto Lacaz" é tudo isso e mais um pouco. Rouba truques da magia do teatro. Explora a música, a luz, o silêncio e o vazio. E transfere outros valores aos aparelhos domésticos. Um secador de cabelos vira uma arma, num duelo entre o artista e seu assistente. Como na piada do português, para trocar a lâmpada do palco, gira-se uma escada. Dois trens elétricos empurram uma cadeira. Uma furadeira vira nariz. Corta papéis. O artista amplia gestos para representar coisas triviais, como colocar uma pedra de gelo num copo usando um taco de golfe. Depois, com uma vassoura elétrica giratória, varre os cubos de gelo que caíram no palco. E a vassoura vira hélice. Um moedor de papel mói o quê? Papel. Balanças de cozinha viram luvas, numa luta de boxe. Uma trena aposta uma corrida com outra Ao fim, com uma bandeira de pirata estendida, Lacaz e seu assistente "fuzilam"... Não vou contar. É surpresa. A platéia ri. Porque Lacaz é bom ator, leva-se a sério, é cínico. É aquele pirata bem-vindo que, se' ficar parado, num palco vazio, sem abrir a boca, causa risos. Ele empresta às artes plásticas uma. humanidade sempre escassa no gênero. Vale à pena conferir. Marcelo Rubens Paiva Folha 22/07/1999

Guto Lacaz faz Performances Insólitas O artista plástico e designer revela o lado secreto dos objetos cotidianos em espetáculo em São Paulo Em ano de exposições como "O Objeto, Anos 90" e "Por Que Duchamp?", o lado secreto dos objetos do dia-a-dia chega agora ao teatro, mostrado em quadros nonsense. "Máquinas 2", a mais nova invenção de Guto Lacaz, é um espetáculo para "apreciar, filosofar ou desopilar", diz ele. Para abrir o guarda-chuva é usada uma máquina de escrever. Para coçar o nariz, uma escavadeira. Para realizar um duelo, empunham-se aspiradores de pó. São 24 performances, de aproximadamente cinco minutos cada, que o artista desenvolveu ao longo de sete anos. O artista, designer gráfico e arquiteto Guto Lacaz integra há anos a linhagem de artistas "performers" que, no Brasil, vem desde Hélio Oiticica e Lygia Clark a' Ivald Granato e Roberto Aguilar. Ele começou fazendo performances em teatro em 82, quando Granato o convidou para participar de um espetáculo em que 60 artistas fariam apresentações de um minuto. Para essa ocasião, ele criou uma cena em que atravessava o palco segurando uma bandeja com um toca-discos, sobre o qual estava um prato com gelo seco. Ele caminhava calmamente pelo palco enquanto o som do toca-discos, a fumaça do gelo seco e o insólito da cena cuidavam de prender a atenção do público. "Foi uma experiência muito gostosa; eu me emocionei fazendo aquilo", conta Lacaz. Foi a partir daí que o artista ficou obcecado em criar quadros performáticos e imaginar composições de objetos observando cenas cotidianas. "Eu fico pensando quase só nisso; vejo alguém colocando água no copo ou varrendo o chão e já estou inventando." A escolha de objetos também passa pela observação cotidiana: "uso as coisas com que convivo, é a minha máquina de escrever que está na performance". Na transposição dessas cenas e objetos para o teatro, Lacaz conta ainda com recursos de luz e som que as enriquecem. "Eu estudo bastante o tempo e os movimentos. Altero a velocidade cotidiana das coisas: o que costumamos fazer devagar eu acelero e vice-versa") o que deixa o público intrigado. "Com a alteração, coisas simples, como andar) ganham encantamento." A paixão pela performance o deixou ocupado desde 82. Em 85, foram dois espetáculos, de quase 40 minutos cada, montados especialmente para a 18º Bienal Internacional de São Paulo. Em 92, duas temporadas de três meses no teatro Crowne Plaza. "Máquinas 2" é continuação do espetáculo no Crowne Plaza - "Máquinas e Motores na Sociedade" -, incorporando inclusive quadros daquele. "Máquinas 2" é também o resultado

de uma bolsa de estudos que ele ganhou da John Simon Guggenheim Foundation, instituição a que pertence o Museu Guggenheim de Nova York. O tema das máquinas faz parte da vida de Lacaz: comprador inveterado de peças para aeromodelismo, formado em eletrônica industrial antes de estudar arquitetura, o artista tem uma oficina em seu ateliê) onde ele mesmo constrói as máquinas que projeta para as performances. Por conta de suas invenções, Lacaz costuma ser chamado de "professor Pardal" (o inventor que nos quadrinhos da Disney é capaz do impossível), mas as criações do artista têm uma função bastante diversa: o efeito estético. Engenhocas parecem dadaístas As engenhocas de Guto Lacaz lembram as "máquinas irônicas" do movimento dadá, formas mecânicas sem função alguma que artistas como Francis Picabia criavam para denunciar a irracionalidade de um mundo metido na Primeira Guerra Mundial, questionando a funcionalidade das coisas. O artista francês Marcel Duchamp, cujo legado para as artes brasileiras tem sido discutido em exposições como "O Objeto, Anos 60-90", em cartaz no Instituto Itaú Cultural, foi o mais ousado integrante desse movimento e do surrealismo. Com os "readymades" (arte pronta) que o fizeram famoso, como "Ponte", Duchamp sugeria que em arte a concepção é mais importante do que o resultado. Guto Lacaz admite o parentesco entre suas performances e máquinas e as idéias dadaístas e surrealistas. Também ele se apropria de objetos que a sociedade inutiliza e lhes atribui nova função. "Mas eu não destruo a máquina, como eles faziam: inutilizavam para gerar um objeto só estético." As invenções apresentadas em "Máquinas 2" não funcionariam apenas expostas. "Uma instalação é uma ocupação de espaço onde o artista não precisa estar presente. Quem vai ver, vivencia. Uma performance pede a presença do artista, funciona como uma escultura viva",diz. Juliana Monachesi Folha 22/07/1999

A Mais Nova Provocação de Guto Lacaz o irreverente performer estréia no Teatro Alfa 'Máquinas II', em que utiliza 85 objetos, entre eletrodomésticos, eletrônicos e brinquedos, atribuindo-lhes novas e patéticas funções O que uma furadeira tem a ver com uma vassoura? Ou um revólver de brinquedo com um guarda-chuva? A mente habilidosa e irreverente do designer gráfico Guto Lacaz vai provar mais uma vez que há mais semelhanças entre objetos díspares do que sonha nossa vã imaginação. Na performance Máquinas II, que estréia hoje no Teatro Alfa, um Lacaz cada vez mais provocador volta à cena com uma série de 25 quadros, nos quais funde seu lado professor Pardal ao de um típico vendedor do american way of life, para mostrar como uma furadeira faz uma vassoura girar para recolher o lixo no chão ou um revólver de brinquedo, quando disparado, consegue abrir um guarda-chuva sobre o carro de uma máquina de escrever. Seria inútil se não fosse belo. Seria tolo se não fosse cômico. Lacaz, formado arquiteto, mas há anos assinando seu nome como designer gráfico e performer, pertence ao naipe de artistas brasileiros provocativos na linha de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Ivald Granato. O artista começou suas performances em 1982, e logo elas ganharam repercussão. Em 85, apresentou suas performances na 18. a Bienal Internacional de São Paulo. Seu trabalho também repercutiu via televisão, quando começou a apresentar um quadro semanal no programa TV Mix, de Sérgio Groisman, na TV Gazeta. Há oito anos reuniu várias performances e montou o espetáculo Máquinas e Motores na Sociedade, apresentado no Crowne Plaza. Em 95, patrocinado por uma bolsa de estudos da Fundação John Simon Guggenheim - à qual pertence o Museu Guggenheim de Nova York -, criou a primeira versão de Máquinas II, e mostrou-a numa temporada relâmpago no Cultura Artística, no ano passado. Para esta nova temporada, o artista utiliza 85 objetos, entre eletrodomésticos, eletrônicos e brinquedos, atribuindo-lhes novas funções, a partir das relações inéditas entre eles. Laboratório - O artista impregna suas demonstrações de "estética, precisão e surpresa". Elas nascem dos experimentos científicos - sem ironia - realizados em seu escritório-laboratório, localizado no subsolo de um prédio próximo à Avenida Paulista. Ele explica que cada quadro demanda muita precisão. Por isso, tantos testes/ensaios até que o princípio construtivo funcione. "Eu busco uma idéia na prancheta e dou-lhe começo, meio e fim. Depois saio à procura dos melhores objetos e materiais para realizar a idéia", revela. Nem todas dão certo. Mas quando a realização manifesta o lado secreto de um objeto, o palco transborda de poesia. E de um espírito nonsense, também. É assim que a performance Vôo pelo Palco transforma Lacaz num pássaro. Um protetor solar - desses que vedam o vidro da frente do carro -, acoplado horizontalmente às costas do artista, forma o desenho de asas que abrem e fecham quando são puxadas cordinhas. Não há menos nonsense poético no nariz de sombra formado pela sobreposição de uma furadeira elétrica à silhueta do artista. Ou na luta de boxe com luvas brancas, que são balanças de cozinha. O robô Ego movimenta-se à frente de Lacaz, remetendo ao imaginário

de infância do performer, em que bonecas de pano circenses eram amarradas aos pés dos palhaços, resultando em danças engraçadas. Na levitação de uma esfera com aspirador de pó e sua captação através de braço pantográfico residem movimentos insólitos. Também incomum é a imagem do guardachuva preto, que fica na extremidade do carro de uma velha máquina de escrever, abre-se quando Lacaz dispara uma seta de seu pim-pam-pum (pim-pam-pum é a arma espacial do Capitão Sete, "ícone da disputa de colecionadores" - ele próprio é um -, obcecados pela aerodinâmica dos objetos que fizeram a cabeça nos anos 60). Fragmentos de canções escolhidas a dedo aguçam o sentido estético das imagens em movimento, apoiadas ainda por uma trilha sonora assinada por Carlos Careqa, pela luz de André Boll e a assistência de direção da atriz Cristina Mutarelli. "Os quadros situam-se entre a mágica e o laboratório científico. Quando há truque, ele é imediatamente revelado", explica o performer, que não usa palavras em seus espetáculos para teatro. Cada demonstração tem a duração média de cinco minutos. Delegando tarefa - Lacaz divide o palco com seu assistente Francisco Javier Judas y Manubéns. Ambos garantem uma intensificação do humor nonsense, não só pelo tipo de manipuulação dos objetos, mas porrqu;e, como atores que sabem delegar ao público a tarefa de rir, eles executam todos os quadros com uma invejável seriedade. Em cena, também está o convidado especial Rafic Jorge Farah. Ele rege um dos quadros do espetáculo, Isabelle, em que uma linha de fogo de seis metros cruza o palco saída de seu coração apaixonado. Vale assinalar as participações da cantora Natália Barros, de uma atriz (que ele mantém como surpresa no programa do espetáculo) e do pianista Paulo Braga. A produção é de Henrique Lanfranchi. "Gostamos de fazer o público rir", assinala Lacaz, aos 51 anos de vida, e igual número, segundo ele, de pesquisas e testes. O artista afirma ainda, que um eletrodoméstico "até que dura bastante" em sua mão "Mas às vezes sou obriga do a sacrificar um em nome da arte registra. Para ele, vive mos uma época em que "a neurose prevalece sobre o lúdi co". A depender das performances executadas em Máquinas II, o lúdico vai imperar na sala B do Alfa. Promete ser um bom remédio para qualquer tipo de neurose. Marici Salomão Estado de São Paulo 07/07/2000 Guto Lacaz Leva suas Máquinas ao Crowne Durante 60 minutos e dez pequenos quadros, o designer quer extrair poesia e magia de objetos cotidianos O Teatro Crowne Plaza estréia hoje "Máquinas e Motores", um espetáculo com performances do designer e artista plástico Guto Lacaz, que muita gente identifica mais facilmente como "inventor". Ou, mais estranhamente ainda, o "professor Pardal das artes".

O inventor explica: "'Máquinas' é uma sucessão de dez quadros performáticos abordando as relações entre o homem e as máquinas que integram seu cotidiano. Procuro extrair a poesia e a magia desse relacionamento". O tema tem se repetido nas instalações apresentadas por Lacaz desde alguns anos: do famoso corredor de aspiradores de pó equilibrando bolas de isopor (através da inversão da corrente de ar dos aparelhos) até os trenzinhos elétricos em circuito de choque ("Wellcome/Sayonara", galeria Subdistrito). Em "Máquinas", as performances lacazianas contam com participações especiais, Quando o som está envolvido, o prolongamento do quadro será naturalmente musical. Assim, hoje à noite, após o apito delicado de uma máquina a vapor construída diante dos olhos do espectador, Suzana Salles canta "Três Apitos", de Noel Rosa. Nas noites seguintes, a canção aparece na voz de outras intérpretes: Natália Barros e Consiglia Latorre. Outro quadro implica a execução de uma música ao piano (o tecladista de hoje será Patrício Bisso). O designer e cineasta Rafic Farah aparece em outro momento do show como ator, acopiado a uma engenhoca que envolve efeitos pirotécnicos. Durante aproximadamente 60 minutos, Guto e seu assistente Francisco Javier y Manubens desmontam e refazem máquinas, extraindo delas imagens inusitadas, como no surrealismo, ou subvertendo seu uso, como no movimento dada. Em alguns momentos, a fusão das figuras de máquina e homem vai lembrar imagens do cinema de Chaplin e de Jacques Tati, ou ainda as figuras mutantes desenhadas pelo belga Folon. Guto Lacaz pertence a essa tradição de arte e humor. Álvaro Machado Folha, 16/6/1992 Guto Lacaz Extrai O Novo Do Banal Em 'Máquinas II', artista confere novas atribuições a objetos do cotidiano Um vagão em miniatura desliza sobre trilhos, estaca pouco antes do fim da linha ao comando aparente de uma luz, e retoma para preparar um novo percurso. Em torno há tomadas, fios elétricos, bancadas de trabalho e objetos com que convivemos familiarmente no cotidiano. Modernos eletrodomésticos como a furadeira e o aspirador de pó e utilitários um tanto anacrônicos, como a vassoura e a máquina de escrever, povoam o palco. Em Máquinas II, o artista Guto Lacaz confere novas atribuições a coisas que nos habituamos a ver como instrumentos. Não é novo esse procedimento porque, de fato, há décadas as várias linguagens artísticas desafiam a função racional dos artefatos. Há objetos rebelados nos filmes de Charlie Chaplin corno há também a inesquecível transformação do banal em sublime nos dois pãezinhos que, acoplados a um garfo dançam sobre uma mesa. Mecanismos e objetos produzidos para um uso repetido são desviados da rota e tornam-se, além de objetos diferentes, um sinal de que a arte transtorna qualquer forma e qualquer hábito.

As possibilidades que se ocultam sob o hábito de usar e a percepção limitada desdobram-se com mais graça do que ironia nas seqüências de 'Máquinas II. Como um teatro de sombras, uma furadeira acopla-se ao perfil do artista e produz um inesperado recorte, enquanto uma vassoura revoluteia e uma bolinha de pingue-pongue dança suspensa no ar. Nada disso parece agressivo ou transgressor e, pelo contrário, ressaltam-se as possibilidades afirmativas dessas recombinações. Cada objeto usual vale pela sua forma e pelo seu desempenho surpreendente. Em cena estão a vulgar furadeira ou um brinquedo mecânico desses em que tropeçamos com um certo fastio, mas que, como estão sendo tratados por uma nova sensibilidade, parecem incrivelmente promissoras. Enfim, baixada a poeira de um procedimento, que, de início, tinha também uma intenção crítica, a reatribuição de funções pode incluir o jogo e sugerir que a mesma insuspeita beleza reside nas outras coisas que proliferam ao nosso redor apenas para nos servir. Quem quiser extrair dessa apresentação prazer intelectual encontrará certamente isso inventariando as operações realizadas sobre os objetos. Além da mais evidente, o transtorno do uso, há recombinações por agrupamentos, interferência sutis ou escandalosas no formato original ou uma relação dinâmica com fatores externos como a luz e o som. No entanto, quem se contenta em repousar na fluência reconhecerá uma espécie de roteiro dramático. As manipulações são delicadas, precisas, há uma aproximação respeitosa dos objetos e, no entanto, estes, porque têm o ritmo alterado e porque não fazem exatamente o que se prevê, são fonte de surpresa e desse tipo de alegria que sentimos quando alguém tem imaginação suficiente para extrair o novo do usual. São dois senhores muito sérios atuando sobre as máquinas e obtendo delas respostas precisas como podem ser as reações mecânicas. Guto Lacaz e seu aprendiz de feiticeiro concentram-se na coordenação de atos rigorosamente planejados, que não admitem deslizes sob pena de pôr a perder a seqüência e o sentido de cada atuação. E essa seriedade de oficiantes parece fundamental para a percepção do trabalho. São também sérias e intensas as crianças quando, ao brincar, constroem complexos universos paralelos. Mariângela Alves de Lima Estado de São Paulo - 22/07/99 Máquinas II No escuro alguém faz a pergunta baixinho: "O que eles tomaram? Sob o efeito de que eles estão?" O comentário irônico vem acompanhado de muito riso, que o público compactua no divertido espetáculo do arquiteto, designer gráfico e performer Lacaz. Criativo, inteligente, provocador, Lacaz e seu impecável assistente Francisco Javier Judas y Manubens levam o público a um mundo nonsense no qual 85 eletrodomésticos e os mais prosaicos objetos do cotidiano, em 25 quadros, assumem outras formas e funções surrealistas. Assim, numa brincadeira de sombras, furadeiras viram narizes de serras cortantes; em seguida, balanças de cozinha se transformam em luvas de boxe; um conjunto de quinquilharias dá vida a um robô batizado de Ego; e antigos revólveres atiradores de setas são protagonistas das mais diversas invenções. Respaldadas pela trilha sonora de Carlos Careqa, as performances deste

professor Pardal nada careta, 51 anos, levam a platéia a participar de um intenso jogo lúdico, com muita risada. (A.R.) Não Perca Revista Istoé 19/07/2000