MARCELO CAMELO: DEVANEIOS OU LUCIDEZ? QUE A ANÁLISE DO DISCURSO DE SUAS MÚSICAS O DIGA.



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Transcrição:

MARCELO CAMELO: DEVANEIOS OU LUCIDEZ? QUE A ANÁLISE DO DISCURSO DE SUAS MÚSICAS O DIGA. Carolina Rodrigues de Azevedo PG-UEMS/Campo Grande carol_rda83@hotmail.com Eltongil Brandão Barbosa - UFT eltongil@hotmail.com RESUMO: A dicotomia língua e fala abordada por Saussure não respondia aos questionamentos dos demais estudiosos, a respeito dos aspectos que abordavam além da linearidade da linguagem. Para tanto, direcionaram os estudos nessa nossa perspectiva e o chamaram de Discurso. A linguagem, então, enquanto discurso não se restringia apenas como instrumento de comunicação e sim interação, um modo de produção social, no qual o indivíduo pode utilizar para fixar-se no ambiente em que vive e usar como local de manifestação de suas ideologias, questionamentos e reflexões. Com essa abordagem, a linguagem não poderia ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais e as refletem em suas personalidades e atitudes. È nesse sentido, o qual abordamos nosso trabalho, enfatizamos as relações homem/mulher, como personagens de um discurso carregados de pontos de vista e manifestações de cunho social, nos quais ambos tem como objetivo fixar suas vozes perante a sociedade a qual fazem parte. A essas manifestações individuais, chamamos de enunciação de cada sujeito em torno de um enunciado que pode ou não ser comuns a ambos, mas que pertencem ao mesmo tema, que no caso, trata-se do Amor e da relação do casal. Distinguimos cada pessoa do discurso e detalhamos o seu artifício usado para persuadir o enunciatário, caracterizando com o contexto social cronológico que ele pertence. E para finalizar não podemos esquecer de comentar que todas as músicas analisadas são de autoria do compositor contemporâneo Marcelo Camelo que abordou esses discursos, ora diretos, ora indiretos, mas todos tratando da relação homem/mulher. Palavras Chave: Discurso; Contexto histórico-social; Personagens; Enunciador; Enunciatário INTRODUÇÃO Partindo da afirmação de que a linguagem enquanto discurso é a interação e um modo de produção social, concluímos que ela não é neutra, inocente e por isso seus sujeitos no discurso estão carregados de intencionalidade e ideologia. É essa a proposta de todo nosso trabalho, essa relação discurso e contexto-social. Consideramos ainda que a linguagem é abordada como elemento mediador entre o homem e sua realidade e, portanto funciona como forma de integrá-lo no seu processo históricosocial, ela é também o lugar de confronto, nos quais as pessoas do discurso tentam enquadrar e manifestar suas ideologias para preservar através de suas vozes sua sobrevivência social e por tal fato, não pode ser estudada fora da sociedade. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 1

Através da referência em Saussurre, que estabeleceu a relação dicotômica entre língua e fala, definimos no primeiro capítulo, linguagem, língua e fala, estabelecendo as visões de vários autores sobre suas abordagens. Para melhor compreensão, realizamos inicialmente um breve histórico da lingüística abordados na edição brasileira do Cours de linguistique générale. O reconhecimento da linguagem não só como caráter formal, mas também atravessado por entradas subjetivas e sociais, deu um novo rumo nos estudos lingüísticos. A dicotomia proposta por Sausurre não mais foi suficiente para a compreensão do fenômeno linguagem por isso novos estudiosos surgiram abordando um nível situado fora dessa definição o qual chamaram de discurso, abordado no segundo capítulo. É nesse sentido que se enlaçam todos os objetivos do nosso trabalho: a análise do discurso embasados nas relações homem/mulher do novo século, abordadas nas músicas do compositor contemporâneo Marcelo Camelo, o qual também queremos divulgar. Nessa perspectiva das relações intrínsecas entre o sujeito e o social e o percurso que o indivíduo faz para a elaboração mental do conteúdo do seu discurso com relação a subjetividade externa dos atos de fala, vinculam ao que Bakhtin (1992) definiu através da palavra signo ideológico por excelência, pois como produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Para identificarmos essas intenções do sujeito, principalmente as não-verbais, que correspondem ao contexto da enunciação, caracterizados por aspectos encontrados no discurso da música, definimos no terceiro capítulo os significados de enunciado, enunciação e tema bem como as relações dos sujeitos com a análise do discurso e as intenções do enunciador para com o enunciatário. No último capítulo, segue primeiramente uma apresentação das músicas e sua relação com o compositor Marcelo Camelo e em seguida é realizada a análise das músicas separadas pelas formas dos seus discursos: as duas primeiras, Assim Será e A Outra, que são apresentadas pelo discurso indireto nas vozes, tanto feminina quanto masculina, e depois as músicas Santa Chuva e Do Lado de Dentro, apresentadas pelos discursos diretos, nos quais as vozes masculina e femininas estão bem definidas. Através das análises dos discursos nessas músicas, apresentaremos os recursos usados pelos sujeitos, que através das suas vozes provam o contexto social a que pertencem e usam de Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 2

artifícios lingüísticos para manter o seu discurso vivo perante a sociedade e assim fixar sua identidade. 1. BREVE VISÃO GERAL DA HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA Na introdução do livro intitulado Curso de Lingüística Geral (2003), encontra-se uma visão geral da história da lingüística e dele extraímos algumas concepções que abordaremos a seguir. Todos os estudos lingüísticos têm como ponto de partida as postulações teóricas de Saussurre que estabeleceu a concepção dicotômica entre língua e fala. Essa ciência iniciou-se pela gramática, desprovida de qualquer visão científica da língua, formulou regras e tornou-se uma disciplina normativa. Em seguida apareceu a Filologia que passou a abordar não só a língua, mas teceu também comentários sobre a história literária, os costumes, as instituições, etc. O último período, preocupou-se em comparar as línguas entre si e apesar de abrir um campo novo e fecundo com relação aos estudos lingüísticos não chegou a constituir uma verdadeira ciência da lingüística. A lingüística nasceu do estudo das línguas românicas, que contribuiu particularmente para aproximar a lingüística do seu verdadeiro objeto. Os germânicos também se achavam nessas circunstâncias de que limitavam os campos das conjecturas e davam a toda pesquisa uma fisionomia particularmente concreta. Logo após, se formou uma nova escola, a dos neogramáticos e graças a eles não se viu mais na língua um organismo que se desenvolveu por si, mas um produto do espírito coletivo aos grupos lingüísticos. Conclui-se então, que a matéria da lingüística engloba todas as manifestações da linguagem humana, considerando também todas as formas de expressão. A tarefa da lingüística será: a) fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do possível, as línguas mães de cada família; b) procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da história; c) delimitar-se e definir-se a si própria. (SAUSSURRE, 2003, p. 13). Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 3

Passemos então a entender melhor os termos linguagem, língua e fala. 1.1. LINGUAGEM, LÍNGUA E FALA Toda e qualquer sociedade tem a necessidade de comunicar-se internamente e externamente afim de que possa transmitir suas emoções, sentimentos, perguntas, afirmações, como também discutir fatos do passado, presente e futuro. Partindo desse pressuposto vamos definir alguns itens. De acordo com Fiorin (1995), a linguagem contém uma visão de mundo, que determina nossa maneira de perceber e conceber a realidade, e impõe-nos essa visão. Ela é como um molde, que ordena o caos, que é a realidade em si. Sapir (apud, Lyons, 1987, p. 17) disse que a linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se comunicar idéias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos. Tal definição explica-se à palavra linguagem considerando-a metafóricamente, a qual pode produzir voluntariamente um sistema de símbolos. Lyons (1987) cita como exemplo a expressão popular linguagem corporal, que faz uso de gestos, posturas, olhares, etc. Todas as teorias sobre linguagem apresentadas por Chomsky (apud, Lyons, p.21) estabelecem um contraste com as demais e seu objetivo é chamar atenção para as propriedades puramente estruturais da linguagem e sugerir que tais propriedades podem ser investigadas numa perspectiva matematicamente precisa. Hall (apud, Lyons, 197, p.19), definiu que os símbolos lingüísticos são usados para referir-se aos sinais vocais transmitidos do emissor para o receptor no processo de comunicação, enfatizando que esses símbolos seriam habitualmente utilizados. Esse termo, habitualmente é errôneo, pois não se pode afirmar que um falante constrói um enunciado lingüístico simplesmente por hábito. Lyons (1987), citou como exemplo o uso do vocabulário pássaro, ressaltando que não temos o hábito de produzir um enunciado contendo essa palavra toda vez que vemos um pássaro e que a probabilidade de usá-la não seria maior nessa circunstância. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 4

Portanto os estudos em relação à origem da lingüística não se diferencia das condições permanentes e pertence tanto no domínio individual quanto social. A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante ela é uma instituição atual e um produto do passado.parece fácil, a primeira vista, distinguir entre esses sistemas e sua história, entre aquilo que ele é e o que foi; na realidade, a relação que une ambas as coisas é tão íntima que se faz difícil separá-las. (SAUSURRE, 2003, p. 17). Saussure, que passou então a considerar uma nova correspondência da linguagem, o som, e o determinou como um instrumento do pensamento que não existia por si próprio. Começou-se então a usar o termo língua que foi tomado como norma de todas as manifestações da linguagem, tornando-se somente uma parte determinada, essencial dela nas quais os indivíduos utilizam para a comunicação. Fiorin (1995), estabelece que a língua é uma rede de elementos, a parte social da linguagem, um sistema de signos exterior ao indivíduo e existe em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade em que cada signo se define em relação aos demais elementos do conjunto. Os signos lingüísticos, embora sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações; as associações, ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua, são realidades que têm sua sede no cérebro.além disso, os signos da língua são, por assim dizer, tangíveis; a escrita pode fixa-los em imagens convencionais ao passo que seria impossível fotografar em todos os seus pormenores os atos da fala; a fonação duma palavra, por pequena que seja, representa uma infinidade de movimentos musculares extremamente difíceis de distinguir e representar. (SAUSSURRE, 2003, p.23). Uma das grandes questões abordadas é de que a língua falada é mais básica do que a língua escrita e, portanto deve-se estabelecer uma diferença entre os sinais lingüísticos e o meio em que tais sinais se realizam. Geralmente os falantes nativos alfabetizados, de uma determinada língua podem dizer se esse processo de transferência de um sinal lingüístico de um meio para o outro foi bem executado ou não.na medida em que, neste sentido a língua é independente do meio em que os sinais Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 5

lingüísticos se realizam, diremos que a língua tem a propriedade de passar por uma transferência de meio. (LYONS, 1987, p.24). Cada língua estabelecida por um grupo qualquer pode ser caracterizado não só pelo comportamento, ações de seus membros, mas também por quem naquele momento não está envolvido.tal fato pode explicar o intercâmbio entre culturas e comunidades diferentes em se tratando principalmente por questões histórico-sociais. Usar uma determinada língua ao invés de outra, é comportar-se de uma forma ao invés de outra. Tanto a linguagem quanto às línguas específicas podem ser encaradas como comportamento, ou atividade, parcialmente observável e identificável como comportamento lingüístico, não só pelos participantes-observadores (isto é, falantes e ouvintes na medida em que restringimos nossa atenção a língua falada), mas também por observadores que naquele momento não estão envolvidos neste comportamento caracteristicamente interativo e comunicativo. (LYONS, 1981, p 22). Essa interação, entre os indivíduos, possibilita o acesso e o domínio não só em relação à língua daquele grupo, mas também à cultura, costumes e posições estabelecidos pela imposição social do momento em que o falante está inserido. Fiorin (1995) afirma que para esse conjunto de idéias que explicam e respondem as ordens sociais e as relações que os homens mantém entre si é o que chamam de ideologia e que ela estaria contida no objeto, no social e indica que apenas as idéias dominantes são elaboradas a partir de formas fenomênicas da realidade. Para expor suas idéias, o falante usa de um mecanismo individual e particular, que funciona como veículo do discurso a fala. Fiorin (1995), afirma que a fala é uma exteriorização psico-físico-fisiológica do discurso, ou seja, ela é rigorosamente individual, justificando que é sempre um eu quem toma a palavra e realiza o ato de exteriorizar seu discurso. Sausurre corrobora com o conceito de fala determinada por Fiorin, afirmando também, que seria um ato individual e resultante das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da sua Língua, ou seja, o ato da fala é para que a língua se estabeleça e evolua. Apesar de serem duas coisas distintas, a fala e a língua possuem uma interdependência, sendo que todas as línguas naturais, (aquelas que não têm em comum algo que Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 6

não pertença a outros sistemas de comunicação), possuem os recursos necessários para a comunicação entre seus falantes. Lyons (1981), diz que as línguas são determinadas por outras línguas naturais já preexistentes. A partir desses conceitos, estudiosos buscaram uma teoria que estivesse além dessa dicotomia língua/fala estabelecida por Sausurre; a linguagem passou a ter influência não só de mecanismos internos, mas também externos, funcionando ainda como o local no qual ocorrem os processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos e para esse, deram o nome Discurso. A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. (BRANDÃO, [s/t] p.12). Como o objetivo do nosso trabalho está em enfocar essa influência social nas linguagens e o seu papel nessa interação histórico-social, abordaremos a questão do discurso mais minuciosamente no próximo capítulo. 2. DISCURSO A forma particular de representar os mundos físico, social e psicológico de diferentes grupos em diferentes posições sociais, é o discurso, e dentro dessa perspectiva, também nos afirma Fiorin (1993), que define discursos como sendo as combinações de elementos lingüísticos usados pelos falantes, com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, enfim, de agir sobre o mundo. Desta forma o gênero discursivo em análise caracteriza não só a ideologia de um autor, mas a ideologia de um público, ou grupo social, identificável, no qual algumas marcas/pistas lingüísticas nos permitem deduzir que a visão de mundo, as concepções ideológicas e a construção discursiva das identidades constituem relevantes indicadores de mudança social. Segundo (Fairclough, 2003), a análise de Discurso Crítica ADC é uma teoria e metodologia cujo objeto é o estudo de textos e eventos nas diversas práticas sociais, com a proposta de descrever, interpretar e explicar a linguagem no seu contexto sócio-histórico. Assim a ADC foi desenvolvida como um método de estudo da linguagem como prática social, com vistas Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 7

à investigação de transformações na vida social contemporânea, e por diversos estudiosos como Wodak; Chouliaraki; Van Dijk e principalmente por Fairclough entre outros. 2.1. DISCURSO COMO ELEMENTO DAS PRÁTICAS SOCIAIS Sabemos que os textos representam simultaneamente aspectos do mundo, no entanto, Fairclough (2001) define os tipos de funções textuais a partir dos significados neles presentes. Importante é sabermos que, no nível das práticas sociais, essas funções se realizam nas diversas características textuais como vocabulário e gramática e nos propomos, nesta pesquisa, a efetuar uma análise das relações internas dos textos, considerando as relações semânticas (o significado entre palavras no contexto e entre elementos textuais) e as relações gramaticais (relações entre palavras nas frases). Considerando-se as concepções ideológicas presentes nos textos analisados ressaltamos a necessidade de situar alguns aspectos conceituais da Ideologia e da ADC, que constituem o escopo deste trabalho. A ideologia corresponde à significação da realidade que é construída em várias dimensões das formas ou dos sentidos das práticas discursivas e contribui para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação. É a representação simbólica de aspectos do mundo, contribuindo para estabelecer e manter relações de poder, dominação e exploração, como também para a transformação dessas relações. Pode ser analisada na interação social, em gêneros discursivos falados, escritos e visuais; informa acerca dos estilos, das formas de ser ou identidades. De acordo com Fairclough (2003), as Ideologias são representações que contribuem para estabelecer, manter e mudar as relações sociais de poder, dominação e exploração. Segundo Thompson (apud Fairclough 2003), as ideologias, em suas representações, são identificadas nos textos em exercício do poder. Desta forma inferimos que o poder é construído a partir de forças, da força do discurso socialmente construído. A partir das teorias brevemente desenvolvidas aqui, temos na relação entre os atores sociais, homem e mulher, uma relação de disputa pelo poder, propriamente dito. Os Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 8

gêneros representados perpetram incansáveis embates, perceptíveis somente através de um embasamento teórico crítico que a Teoria Social do Discurso pode propiciar. Temos, a partir desses atores sociais, algumas variáveis representadas discursivamente e, em específico nesta pesquisa, de forma particular, ou seja, nos termos dessas variáveis nos ateremos a analisar e descrever aspectos significativos sobre os papéis dos autores, atores sociais, em determinadas circunstâncias, ao constituirem seus discursos, os quais definem as identidades socialmente construídas. O autor ao comunicar-se com os demais sujeitos receptores, ao produzir seus textos, permite que os demais envolvidos no processo comunicativo se identifiquem com ele, de forma parcial ou completa. No texto, o autor representa sua imagem, sua identidade, suas atitudes e visão de mundo, o que constitui uma prática social de interesse para os estudos da Análise de Discurso Crítica- ADC. Porém, não se trata de um processo simples, muito pelo contrário, a identidade que cada autor social assume é observada em seu texto que é atravessado por discursos às vezes contraditórios. Nos textos analisados nesta pesquisa a questão sobre a autoria do texto torna-se complexa, pois, segundo Goffman (apud Fairclough, 2001) um produtor textual pode ocupar distintas posições, isto é, a relação entre a pessoa que realiza, a que o organiza e a que representa ou é representada no texto/discurso é ambígua. 2.2. TEORIA SOCIAL DO DISCURSO E ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA A teoria social do discurso, com a ADC, teoria e metodologia, examinam o papel da linguagem na reprodução de práticas sociais e ideologias, e seu papel fundamental na mudança social. De acordo com Fairclough: O discurso contribui para a construção de todas as dimensões da estrutura social, que direta ou indiretamente o moldam e restringem, suas próprias Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 9

normas e convenções e também as relações, as identidades e as instituições que lhe são subjacentes. FAIRCLOUGH (2001 p. 91). 2.2.1 Autoria do Texto A produção textual pode restringir-se a um autor individual ou coletivo e sendo assim, podemos caracterizar a autoria do texto de acordo com a) Animador: a personagem que fala ou escreve; b) Autor: a personagem que organiza o texto, responsável pelo que foi dito/ escrito; c) Principal: a personagem representada no texto (Goffman, 1981). De acordo com Kress & van Leeuwen (1996:46), os participantes representados no discurso podem ser apresentados de duas formas: uma denominada participantes interativos : os que falam e ouvem ou escrevem e lêem, quem produz ou assiste imagens e participantes representados : que são os sujeitos da comunicação, pessoas, lugares e coisas representadas no/pelo discurso. Ao falarmos em discurso, não nos referimos ao uso individual da linguagem ou as variáveis situacionais, mas a prática social em que o sujeito atua, não como mero representante, mas sim como sujeito que a constrói e a transforma. O texto para que se materialize como concretização do discurso, implica as práticas sociais e essas práticas sociais incluem as atitudes, os costumes, os valores e as crenças dos sujeitos sociais. Segundo Fairclough (2001), discurso apresenta três contribuições construtivas. Ele contribui para a construção das identidades sociais; construção de relações sociais entre as pessoas; a construção de sistemas de conhecimento e crença. Por meio da concepção tridimensional de discurso, ilustrada a seguir podemos compreender sua teoria. TEXTO PRÁTICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL Figura 1: Concepção Tridimensional do Discurso (Fairclough, 2001 p 101). Em sua Teoria Social do Discurso, Fairclough (2001) reúne três categorias analíticas: Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 10

Textual: refere-se à descrição, abrangendo assim vocabulário, gramática, coesão e estrutura do texto. Prática discursiva: refere-se a força dos enunciados, a coerência e a intertextualidade. Pratica social: refere-se a ideologia e a hegemonia, coerência e a intertextualidade; e na prática social, a ideologia e a hegemonia. 2.3 OS TEXTOS ANALISADOS Marcelo Camelo, integrante do grupo Los Hermanos - que se tornou conhecido em todo o país não só pela música Anna Júlia, mas principalmente por sua personalidade e perseverança, é o autor dos textos que nos propomos a analisar, para descobrir no seu discurso, os tipos idealizados de mulheres brasileiras que se disputam nas canções da atualidade. Antes de considerarmos os discursos existentes, bem como analisá-los de acordo com as práticas sociais é preciso observar a questão da intertextualidade, que corresponde à presença de textos dentro de outros textos, haja vista, que os discursos contidos nas letras de músicas apresentam, de forma recorrente, um entrelaçamento ou vestígios de outros textos preexistentes e, muitas vezes, sem o controle do próprio autor/sujeito dele. A ADC parte da percepção de problemas relacionados ao discurso, em alguma parte da vida social. Esses problemas estão nas práticas sociais, em suas atividades ou na construção reflexiva dessas práticas pelas pessoas. Segundo Magalhães (2004), a ADC está ligada à metodologia textualmente orientada, enquanto o termo Teoria Social do Discurso situa a análise do discurso na Ciência Social Crítica. Situamos o poder como capacidade conferida institucionalmente aos sujeitos e que engloba os atos de tomar suas próprias decisões para o alcance de seus objetivos e, conseqüentemente, satisfação de seus interesses. Trata-se de participantes representados nos textos, que podem ser objetos físicos ou não, representados em variáveis que os inclui/exclui; nomeia/classifica e/ou os generaliza pelo uso de pronomes, nomes, pessoas gramaticais em traços lingüísticos. (FAIRCLOGH, 2003, p.145). Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 11

Para que possamos perceber as relações de dominação, é necessário compreendermos a existência das formas simbólicas no meio social, em que as pessoas têm maior ou menor acesso a elas. Para Thompson (1995), a dominação existe quando essas relações de poder, associadas à acessibilidade das formas simbólicas são assimetricamente agrupadas. Inseridas em um processo, a depender do modo como as pessoas apreciam, produzem e recebem o que chamamos de formas simbólicas - que são dotadas de valores também simbólicos - a transmissão cultural se realiza sob três aspectos: por meio técnico ou material, do conteúdo significativo dependendo da sua natureza física; por meio institucional, onde o meio técnico se desenvolve, com seus sistemas de produção e divulgação; pelo distanciamento espaço-temporal, pela separação de uma forma simbólica de seu contexto original e aplicação em um novo contexto, caracterizando-se assim a sua maior ou menor acessibilidade. Fundamentamos nosso estudo sob essa noção de dominação, e reiteramos que essa noção, associada às formas simbólicas englobam as relações ideológicas e de poder. 2.3.1 Linguagem e Gênero Para compreendermos claramente as relações entre linguagem e gênero, buscamos apoio em Talbot (1998) que formula inicialmente uma diferenciação nos conceitos de gênero e sexo. De forma objetiva, temos que o gênero constitui uma importante divisão presente em todas as sociedades, com conseqüências que afetam tanto a nossa linguagem, como o modo de interagirmos com o mundo. O gênero é uma categoria social em distinção à categoria gramatical; enquanto que sexo refere-se a algo biologicamente constituído, como um termo relacionado a genes ou hormônios. O gênero é aprendido, ou socialmente constituído, o que se explica afirmando que as pessoas adquirem características que podem ser interpretadas como sendo (mais ou menos) femininas ou masculinas. Em termos do gênero, é possível dizer que um homem pode ser mais masculino (ou feminino) do que outros. Há diferentes concepções sobre a relação entre linguagem e gênero. Uma dessas concepções propõe que a linguagem simplesmente reflete a sociedade, podendo ser exemplificada nos termos da divisão social no campo profissional, onde as diferenças de gênero são refletidas nos Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 12

padrões de uso da língua, por exemplo, na subordinação feminina. Com freqüência, a mulher tem uma posição social inferior à do homem, o que resulta na utilização de estratégias de polidez em sua linguagem. Em uma segunda concepção, a língua cria a divisão de gêneros, não é simplesmente um reflexo dela, e situações como a exemplificada anteriormente, sobre estratégias de polidez não só criam, como mantêm as relações de desigualdade. Nesse caso a consciência é forçada a incorporar visões de mundo contidas nos padrões lingüísticos. Em um terceiro ponto de vista, temos que a língua determina o que somos e não há nada que possamos fazer para mudar tal situação. Nesse aspecto, percebe-se o feminismo como uma forma política destinada a trazer à tona mudanças sociais que buscam impedir desigualdades sistemáticas entre homens e mulheres. O interesse no estudo de gênero e linguagem está voltado para as práticas sociais e instituições, nas suas ações ao refletir, criar e manter a divisão de gêneros sociais. Na identidade de gênero, de acordo com Talbot (1998), um indivíduo é situado socialmente dentro de um conjunto de posições, que são estabelecidas pelo discurso e a essas posições dá-se o nome de posições de sujeito. Não existimos se não em relação de dependência a essas posições, com base no fato de ocuparmos diferentes posições sociais que nos constituem como pessoas reside no fato de trabalharmos com diversos discursos, em diversas instituições e formações sociais. Essas posições sociais são, dessa forma, resultantes ou efeitos do discurso mais do que produtoras do discurso. Na perspectiva crítica sobre a identidade de gênero, bem como no feminismo, há um objetivo emancipatório, que está na própria razão política do feminismo. A ADC é uma abordagem de estudo adequada a essas questões, pois propõe examinar a maneira na qual a língua(gem) contribui para a mudança social. 3. ALGUNS ELEMENTOS PARA A ANÁLISE DOS DISCURSOS PROPOSTOS Antes de analisarmos as músicas propostas, é preciso estabelecer alguns termos que serão usados na interpretação, principalmente definir o papel dos sujeitos, do compositor e dos artifícios lingüísticos que ele utilizou. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 13

3.1. ENUNCIADO, ENUNCIAÇÃO E TEMA A análise do discurso visa não mais estabeceler o sentido linear do assunto proposto, não é a fala em si, individual, ela agora é carregada do que podemos dizer como segundas intenções do sujeito, carregadas de ideologias e formações histórico-sociais. Ducrot e Vogt (apud, Fávero e Koch, 1994), admitiram que a noção de sentido de um enunciado deve ser entendida, por um lado, como função de suas combinações possíveis com outros enunciados da língua capazes de lhe dar continuidade no discurso, isto é, como função de sua orientação discursiva, do futuro discursivo que se abre no momento de sua enunciação; e por outro lado, como função das relações que o enunciado estabelece com outros pertencentes ao mesmo paradigma argumentativo, ou seja, que apontam para o mesmo tipo de conclusão. Focault (1969), afirmou que o enunciado é a unidade elementar do discurso e não acredita que a condição necessária e suficiente, para que haja enunciado, seja a presença de um a estrutura posicional definida, e que se possa falar de enunciado somente quando houver proposição e apenas neste caso. Pode-se, na verdade, ter dois enunciados perfeitamente distintos, oriundos de agrupamentos discursivos bem diferentes, nas quais não se encontra mais que uma proposição, suscetível de um único e mesmo valor, obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção, e comportando as mesmas possibilidades de utilização. Brandão (s/t) também abordou Focault nessa questão do enunciado e salientou que o mesmo fazia parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando assim, um papel no meio dos outros. Sausurre (apud, Culler, 1979, p.25) estabeleceu uma diferença entre enunciado, como unidade da parole, e oração, como uma unidade da langue e afirmou que dois enunciados diferentes podem ser manifestações na mesma oração. Parole é fala real, os atos de fala tornados possíveis pela língua. A langue é o que o indivíduo assimila quando aprende uma língua, um conjunto de formas. Já para o termo enunciação, trazemos a definição dada por Benveniste, citado em Brandão (s/t), que partiu da preocupação de que seria mais importante analisar o próprio ato de produzir um enunciado e não o texto de um enunciado, isto é, o processo e não o produto. Para tanto, definiu enunciação como um processo de apropriação da língua para dizer algo e levantou Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 14

ainda dois aspectos: o primeiro de que a língua é apenas uma possibilidade que ganha concretude somente no ato da enunciação e dessa forma, a referência passa a ser parte integrante da enunciação; e, segundo, ele introduz o sujeito, aquele que fala, colocando necessariamente a figura do locutor e a questão da subjetividade. A enunciação sempre existirá através de um enunciador que estabelecerá o tema proposto, podendo ser individual a cada agente imediato do discurso. Para Bakhtin (1992), qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata. A partir de um discurso, pode se dizer que a enunciação é o ato de produção do enunciado, envolvendo os fatos abordados, na qual o indivíduo manifesta a sua voz particular carregada de subjetividade. Para tanto é possível determinar a enunciação dentro do quadro formal de sua realização, tornando possível a comunicação lingüística nas quais os interlocutores fazem da linguagem um uso referencial. Conclui-se que a enunciação é a explicação semântica de qualquer ato de comunicação verbal, é o percurso que o indivíduo faz para expor suas colocações mentais, adaptadas ao contexto em que está inserido na história do discurso. E como então, se define tema? Fairclough (2001), o define como ponto de partido do (a) produtor (a) do texto numa oração e geralmente corresponde ao que pode ser considerado (o que não significa que geralmente seja) informação dada, isto é, informação já conhecida ou estabelecida para os produtores e intérpretes do texto. É em torno do tema que gira todo o desenrolar da história e das estórias individuais dano assim uma direção para a formação das estratégias individuais de cada voz: Examinar o que tende a ser selecionado como tema em diferentes tipos de texto pode jogar luz sobre os pressupostos de senso comum a respeito da ordem social e das estratégias retóricas.(fairclough, 2001, p.228). Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 15

Fiorin (2006) afirma que tema são categorias que organizam, categorizam, ordenam os elementos do mundo natural e que os textos temáticos procuram explicar a realidade, pois constroem uma simulação da realidade, representando dessa forma, o mundo. 3.2. OS SUJEITOS E A ANÁLISE DO DISCURSO O sentido de toda produção de linguagem pode ser considerada discurso e pode-se afirmar que o mesmo é a unidade passível de observação, aquela que se interpreta quando se vê ou ouve uma enunciação. Em se tratando da linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um falante, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou por este e seu interlocutor, no caso do diálogo) e o evento de sua nunciação. (KOCH; FAVERO, 1994, p.24). Para se realizar a análise desses discursos, é considerado como parte constitutiva do sentido o seu contexto histórico-social e as condições a quais ele foi produzido. Portanto, para colocar vida a esse discurso é indispensável a presença dos sujeitos que estabelecem o caminho para a formação do tema abordado através de suas enunciações determinadas por características sociais. (...) o sujeito do discurso ocupa o lugar de onde enuncia, e é este o lugar, entendido como a representação de traços de determinado lugar social, que determina o que ele pode ou não dizer a partir dali.ou seja, este sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de uma formação social, é dominado por uma determinada formação ideológica que preestabelece as possibilidades de sentido de seu discurso. (MUSSALIM, BENTES, 2001, p. 133). Focault (1969) concebe os discursos como uma dispersão, isto é, como sendo formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade. A análise do discurso então, estabeleceu regras para nortear essas formações dos discursos. Focault novamente colaborou com a determinação desses elementos: os objetos que se transformam num espaço comum discursivo; os diferentes tipos de enunciação em torno do qual giram os discursos; os conceitos em suas formas de aparecimento e as estratégias excluem ou permitem alguns temas e teorias. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 16

3.3. RELAÇÃO ENUNCIADOR E ENUNCIATÁRIO Os sujeitos que compõe os discursos na música realizam a concretização e a transformação de todo o fato que é narrado, eles são dotados de um saber e um poder fazer. Portanto para analisarmos melhor os sujeitos, seus estereótipos e suas intenções com o discurso na música, enfocaremos inicialmente um pouco a questão do enunciador e do enunciatário. Primeiramente é necessário definir enunciação, que para Fiorin (2006) se estabelece a partir de um eu-aqui-agora, ela instaura o discurso-enunciado, projetando para fora de si os atores do discurso, é um ato de produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo enunciado (produto da enunciação). A enunciação sempre existirá através de um enunciador que estabelecerá o tema proposto, podendo ser individual a cada agente imediato do discurso. Sempre existirá um eu pressuposto (enunciador) e a do eu projetado no interior do enunciado (narratário). Portando segundo Fiorin (2006), o enunciador e o enunciatário não são somente o autor e o leitor reais de carne e osso, mas o autor e o leitor implícitos, ou seja, uma imagem deles construída através dos diálogos. Pode-se concluir então, que tudo o que é retratado pelo enunciador e também todas suas ações apresentadas através das vozes no discurso, são frutos de relações sociais pertencentes à atualidade em que vive e também a bagagens históricas e estórias que possue. Fiorin (1995) complementa essa afirmação explicando que o enunciador, por ser produto de relações sociais, assimila uma ou várias formações discursivas, que existem em sua formação social, e as reproduz em seu discurso. A repetição por várias vezes do pronome do caso reto eu e também do oblíquo em suas mais variadas apresentações (mim, nós, me, comigo), enfatizam o desejo de exteriorizar o mais íntimo sentimento de quem fala, e a postura do outro fica definida por características que foram atribuídas pela visão do sujeito locutor.portanto esse discurso do eu é totalmente intimista e individualista, o que não deixa de ser uma maneira usada por ele para defender sua existência perante o enunciatário (sociedade), usando assim o seu discurso como arma de defesa da sua existência discursiva. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 17

Dentro de um sistema lingüístico, eu não se refere a ninguém. Seu significado no sistema é resultado das distinções entre eu e tu, ele, ela, nós, vós, ele e elas: um significado que podemos resumir dizendo que eu significa o falante, em oposição a qualquer outra pessoa. (SAUSURRE, 1979, p.26) Em suma, existe então entre o enunciador (autor) e o enunciatário (leitor) o eu e o tu que funcionam como instrumentos para a apresentação do diálogo carregado de ideologias, persuasões e características individuais de cada pessoa do discurso. (...) a finalidade última de todo ato de comunicação não é informar, mas persuadir o outro a aceitar o que está sendo comunicado. Por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite. Por isso ele é sempre persuasão. (FIORIN, 2006, p. 75). 4. APRESENTAÇÃO DAS MÚSICAS A música tomada individualmente é uma forma que o autor (poeta) usa para uma dada percepção do real, na qual é refletida toda a sua posição no contexto social no determinado tempo cronológico em que está inserido. Quando apresentada sem timbres e acordes, não passa de um texto, poesia, produzido por um compositor que tem sua inserção com a relação fundamental na realidade na qual está inserido e da qual decorrem os sentidos atribuídos a todos os termos usados e que emergem no discurso musical. Portanto, a música é um cantar de tempo e o canto (voz) do autor, nas músicas que serão analisadas, está representado pelos discursos masculinos, femininos ou de ambos interiorizados: Fiorin (2006) afirma que os discursos são combinações de elementos lingüísticos (frases ou conjuntos constituídos de muitas frases), usadas pelos falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo. Quando os sentimentos, fatos, situações a ser traduzidos é parte presente na história política-cultural de um povo, o cuidado do autor é redobrado, pois há de servir do fato sem seduzir-se a ele. Portanto, a história não determina, no caso, o texto da música, mas passa a ser objeto de reflexão do compositor. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 18

Fairclough (2001), salientou que o discurso implica ser um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. Essa realidade a qual o autor, Marcelo Camelo, faz parte diz respeito ao Século XXI e o que enfocaremos, neste trabalho através da análise dos discursos, é a presença da mulher e para mostrá-la nessa nova visão, seria impossível não citarmos o homem, já que os dois fazem parte desse diálogo. Autor é a função social que esse eu assume enquanto produtor da linguagem.o autor é, dentre as dimensões enunciativas do sujeito, a que está mais determinada pela exterioridade (contexto sócio-histórico) e mais afetada pelas exigências de coerência, não contradição, responsabilidade. (BRANDÃO, [s/t], p. 67). Em se tratando que o destaque principal será dado ao comportamento feminino, evidenciaremos que ela já não exerce mais o papel de dominada e submissa, aceitando tudo o que seu parceiro/homem a impõe. Tais características serão mostradas pelo sujeito/mulher, implícito ou explícito na música e pertencente a uma dada dimensão ou condição do processo históricosocial. Trata-se de uma construção estereotipada inscrita nos processos de transformação da sociedade brasileira. No mundo inteiro, a entrada recente da mulher no domínio público, na prática e independentemente de qualquer ideologia, está trazendo uma transformação das estruturas psíquicas tanto de homens quanto de mulheres e concomitantemente uma mudança das estruturas sócioeconômicas pelos caminhos mais surpreendentes. (MURARO, 1993, p. 193). O objetivo do trabalho não é fazer uma crítica social, mas somente identificar alguns traços dos personagens do diálogo que evidenciam o contexto social em que o autor das músicas pertence e também os recursos que ele utilizou para persuadir o enunciatário. A linguagem utilizada não é linear, nem mesmo cheia de formalidades, o que facilita o diálogo do autor com quem está escutando a música e para tal, utiliza-se de recursos semânticos para enriquecer sua linguagem e transbordar seus sentimentos. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 19

O próprio Marcelo Camelo (ANEXO 1) em seu blog 1 deixou uma mensagem que reflete esse aspecto que queremos enfocar: A capacidade de compreender, de abraçar, a habilidade de ver partindo do inconsciente, a percepção de que a retórica é mera decodificação de um sentimento (esse sim a fonte), que ela devolve informação e remolda nosso juízo ao longo de uma vida, se defronta, vez ou outra, com uma de minhas hipóteses me pedindo identidade por exclusão (...) O problema é que a linguagem que devolve informação pra gente e forja o nosso juízo é essa da escrita e da fala; é linear e induz a uma forma de existência também linear. Inventa uma percepção de si que se dá a partir da edição sucessiva de todas suas possibilidades (...). Para Fávero e Koch (1994), Benveniste é um dos pioneiros nos estudos sobre discurso, e este colocou em realce a intersubjetividade que caracteriza o uso da linguagem, ressaltando a necessidade de se incorporar aos estudos lingüísticos os fatos envolvidos no evento de produção dos enunciados. Segundo Benveniste (apud Fávero e Koch, 1994, p.31): é somente no quadro do discurso, isto é, da língua assumida pelo homem e sob a condição da intersubjetividade, é que se torna possível a comunicação lingüística. Portanto, analisaremos as músicas separadamente em duplas, as duas primeiras (A outra e Assim Será) tratam de um discurso indireto em que somente existe o sujeito eu, e o tu fica implícito na voz dele. As duas outras músicas (Santa Chuva e Do lado de Dentro), já possuem um discurso direto no qual o sujeito eu vai enfatizar seu ponto de vista e o tu vai ter direito a uma defesa e também a questionar as afirmações do outro. No discurso indireto, o locutor, colocando-se enquanto tradutor usa de suas próprias palavras para remeter a uma outra fonte sentimento (...) no discurso direto, o locutor, colocando-se como porta-voz, recorta as palavras ao outro e cita-as. (BRANDÃO, [s/t], p. 50). 5. ANÁLISE DAS MÚSICAS ASSIM SERÁ E A OUTRA As duas músicas serão analisadas juntamente, pois se tratam de discurso Indireto no quais em A outra, a voz do eu é feminino e em Assim Será masculino e as outras pessoas do discurso, o tu, ficam implícitas na voz deles. Ducrot ressaltou que além da produção física do enunciado e da execução dos atos ilocutórios, é habitual atribuir ao sujeito falante uma terceira propriedade, a de ser designado em 1 http://www.marcelocamelo.globolog.com.br/ Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 20