Giovana Souza Silveira 1



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O Brasil e as Relações Sul-Sul Giovana Souza Silveira 1 Resumo Uma notável inversão vem sendo observada a nível global: os Estados que outrora eram tidos como periféricos vêm ascendendo à categoria de países-chave das relações internacionais, enquanto os antigos dominantes veem-se recorrendo aos primeiros para sanar seus crescentes problemas econômicos, agravados ainda pelos efeitos das recentes crises. A ideia de cooperação entre as nações do Sul, portanto, ganha força na atualidade, a partir da percepção, por parte destes Estados, de que suas demandas só serão ouvidas quando sua voz for somada a outras, que clamem por objetivos semelhantes. Para o Brasil, a união com tais países apresenta-se como um dos grandes objetivos de política externa. Palavras-chave: Brasil; Cooperação Sul-Sul; Países em Desenvolvimento. O Papel do Brasil no Início do Século XXI É notória a consolidação do Brasil como ator de caráter relevante no cenário internacional. Detentor de grandes reservas de importantes recursos naturais, o país passou a ocupar, no ano de 2011, a sexta colocação no ranking das maiores economias a nível mundial, ultrapassando a Grã-Bretanha, de acordo com dados do Centro de Pesquisa Econômica e Empresarial (CERB) 2. Em âmbito externo, o Brasil vem empreendendo atuações protagônicas em diversos foros econômicos e sociais, contribuindo de fato nas discussões propostas e tendo voz ativa no encaminhamento das questões em pauta. A imagem associada à dependência do capital externo e aos estereótipos culturais foi relativamente deixada de lado, em prol de um verdadeiro e até então inédito respeito internacional. Claramente, o respeito em questão decorre também da noção de que o país é um dos poucos que vem mantendo um ritmo sustentado de crescimento, ainda que a taxas menores que as observadas em anos anteriores. Em um momento em que consagradas hegemonias se veem recorrendo ao Brasil e a outras nações em desenvolvimento, como a China, com o intuito de sanar seus crescentes problemas econômicos agravados pelas recentes crises do capitalismo, o Estado brasileiro emerge como um dos mais promissores para as próximas décadas. 1 Bacharel em Relações Internacionais pela UFRGS e graduanda em Ciências Econômicas pela mesma instituição. E-mail: giovanasilveira@gmail.com 2 Disponível em: http://www.cebr.com/?p=729 172

Diversos autores 3 creditam o sucesso da estratégia internacional brasileira, em grande parte, à inflexão ocorrida em sua política externa. Após períodos de alinhamento direto com os Estados Unidos, intercalados com outros, de maior autonomia na escolha de parceiros, o Brasil passou a atuar de modo a ter boas relações com os ditos países do Norte, porém dando enfoque à cooperação com os Estados do Sul. Um dos principais indícios dessa mudança reside no fato de a China ter ultrapassado os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil, mantendo-se em tal posição desde abril de 2009, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O Fortalecimento da Cooperação Sul-Sul A ideia de cooperação entre os povos do Sul ganhou força com o movimento independentista afroasiático. O primeiro e grande passo para a participação internacional desses Estados então independentes foi a organização da Conferência de Bandung, a qual, nas palavras de Leite (2011), foi considerada [um] marco no despertar das populações dominadas para a plena consciência de sua força e possibilidades. A Conferência, desse modo, sinalizou a capacidade desses povos de se organizar sem a presença de um ator dominante como os Estados Unidos ou a União Soviética. Fundava-se, portanto, a solidariedade dos povos do Sul (Amin 2003). No caso brasileiro, pode-se dizer que o início da busca pela cooperação com os países do Sul se deu quando do advento da Política Externa Independente, empreendida por Jânio Quadros, no ano de 1960. A PEI, como ficou conhecida, foi a responsável por trazer à cena as noções de autonomia e independência do Brasil, em um cenário em que figurava a bipolaridade, na qual cada uma das duas potências dominantes exercia forte influência sobre metade do globo. (Nogueira 2008) O governo Geisel e seu pragmatismo responsável e ecumênico foram os responsáveis pelo segundo momento de forte inclinação à cooperação com os Estados situados abaixo da linha do Equador. Nesse contexto, a ideia de responsabilidade derivava do compromisso de consecução dos interesses nacionais brasileiros, ao passo que o ecumenismo dizia respeito à tentativa do país de diversificação de parceiros no plano externo, buscando desvencilhar-se do alinhamento automático com os Estados Unidos. (Mendonça & Miyamoto 2011) O breve período no qual Itamar Franco ficou à frente do Executivo foi marcado por inúmeros acontecimentos marcantes em matéria de política externa. De acordo com Amorim (2011), tal ínterim 3 Amorim (2003); Almeida (2004); 173

representou uma nova inclinação dos interesses brasileiros em direção aos Estados do Sul, especialmente à América Latina. Nesse contexto, no governo de Itamar, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto que institucionaliza o Mercosul, iniciou-se o processo de aproximação com a Venezuela e buscaram-se soluções para a reinserção de Cuba na arena internacional. Outras medidas também disseram respeito aos países do Sul: estabelecimento de parceria estratégica com a China, idealização da CPLP 4 e retomada da cooperação tecnológica com a Rússia e com outras nações pertencentes ao leste europeu. (Amorim 2011) Visentini (2005) argumenta que o governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso, deu continuidade à opção pela autonomia na escolha de parcerias estratégicas. O autor cita a formulação de uma postura, ainda que tímida, de críticas à globalização e à ALCA, além de dar ênfase às relações com os países latino-americanos, por meio do aprofundamento do Mercosul. (Visentini 2005) Foi nos oito anos nos quais Luiz Inácio Lula da Silva esteve à frente do poder, porém, que a opção pela autonomia em reação à política externa foi realmente seguida. Almeida (2004) aponta para uma diferença crucial entre esta administração e a de Cardoso: nas palavras do autor, este último se ateu ao diálogo, mas não a uma real coordenação com os países do Sul, ao passo que o governo Lula se dedicou à formação de alianças estratégicas com essas nações, o que é evidenciado, notadamente, com a formação do Ibas ou G3 com Índia e África do Sul. (Almeida 2004) A breve elucidação acerca dos momentos nos quais a política externa brasileira teve na aproximação com os Estados do Sul um de seus vieses mais contundentes evidencia o caráter cíclico desta opção. Percebe-se, por outro lado, que os três últimos governos bem como acontece com o atual têm nessa arena uma de suas prioridades de atuação. Tal situação, por sua vez, é sentida também em relação ao Brasil, sendo este considerado importante parceiro por grande parte das nações do Sul. À medida que o tempo foi se sucedendo, portanto, o conceito de cooperação sul-sul tornava-se mais abrangente, bem como o número de países por ele abarcado. No entender da atualidade, os Estados do Sul compreendem todos aqueles que, a partir de uma herança colonial exploratória, estiveram à margem do sistema internacional de nações por longos séculos. Alguns destes Estados, porém, superaram, de certa forma, o legado colonial e apresentam elevado potencial de crescimento, bem como curvas ascendentes de desenvolvimento tecnológico e cooperação regional, com vistas ao fortalecimento econômico nacional. 4 Sigla referente a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 174

O fortalecimento das relações entre os países do Sul se deu gradualmente, em um contexto de afirmação da identidade nacional em cada um destes Estados. Antes de mais nada, era preciso construir verdadeiras nações, nas quais seus habitantes identificassem-se mutuamente e com um objetivo comum de desenvolvimento. Após essa relativa consolidação, tais governos e populações perceberam que aliar-se aos desenvolvidos do norte não era o único caminho a ser seguido. Havia, portanto, uma nova opção: o incremento das relações com países que enfrentassem as mesmas questões, no tocante aos problemas de ordem social e econômica. Os povos do Sul percebiam, dessa maneira, que a antiga dependência dos ditos desenvolvidos poderia ser relativizada, sendo seu papel, aos poucos, substituído por Estados cujas condições fossem semelhantes às suas. Desse modo, observou-se destacada mudança no que tange às trocas comerciais empreendidas por esses países. Entre 2001 e 2004, o volume de comércio entre a China e a África quadruplicou, o que fez o Estado Chinês se tornar o terceiro principal parceiro comercial do continente Africano. (Takahashi 2012) Ademais, tornou-se notória a participação desses países na composição do PIB mundial, bem como o aumento considerável de trocas comerciais entre eles, o que é evidenciado pela já constatada elevação da China à condição de maior parceiro comercial do Brasil, em volume de trocas. Desse modo, os Estados Unidos, que ocupavam a posição desde que superaram o predomínio britânico, observam sua influência diminuir gradualmente em território brasileiro. Dentro do bloco genericamente chamado de países do Sul, porém, há de se fazer algumas distinções. A despeito da crescente importância de alguns destes Estados no plano internacional destacadamente, Brasil, China, Rússia, Índia, África do Sul, Indonésia, entre outros, a grande maioria ainda mantêm status de subjugado. Dependentes de ajuda externa e possuidores de economias débeis, estes países apresentam graves problemas sociais, o que se consolida como primeiro entrave à sua estabilização interna. Nesse contexto, uma notável transformação vem sendo sentida nas últimas duas décadas: passíveis de auxílio externo, estes países, que outrora recorriam aos Estados Unidos e à União Europeia para sanar suas finanças, passaram a obter ajuda dos Estados do Sul que vêm apresentando atuação externa sobressaída e economia dinâmica. Desse modo, tem-se que o Brasil, objeto de estudos deste breve trabalho, tornou-se peça chave para o desenvolvimento de regiões como América Latina e África, atuando de modo a prestar auxílio econômico e social a estes países. No tocante ao continente africano, além da prestação de ajuda humanitária, o Brasil realizou o perdão da dívida de diversos Estados, como foi o caso de Moçambique e da Tanzânia. No âmbito latino- 175

americano, o país atuou de maneira similar, junto ao BID, para libertar diversos países de obrigações financeiras com a instituição como ocorreu com Bolívia, Nicarágua, Honduras, Haiti, entre outros. No caso deste último, o Brasil vem tendo atuação diplomática bastante destacada, por meio do envio de tropas destinadas a pacificar o país, como parte integrante da MINUSTAH 5. Após o terremoto de 2010, o Estado Brasileiro vem prestando grande auxílio humanitário, por meio de cooperação técnica que inclui projetos nas áreas de segurança alimentar, tecnologias, infraestrutura, educação profissional, saneamento básico, saúde, meio-ambiente e prevenção da violência contra a mulher, de acordo com dados do Ministério da Defesa. (Ayllón 2010; Ministério da Defesa 2011). Ainda em relação à América Latina, é notório o auxílio econômico fornecido pelo Brasil aos demais países do continente. No âmbito do MERCOSUL, o FOCEM surge como Fundo cujo objetivo assenta-se no auxílio aos Estados em maiores dificuldades econômicas. Mais de 70% dos haveres ali empregados são de origem brasileira, tendo em vista seu superior poder econômico frente os demais. Além disso, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Nacional e Econômico) é reconhecido pela facilitação de empréstimos a nações da região, visando ao desenvolvimento econômico desses Estados. (Ayllón 2010) Assim, as relações com os Estados Austrais vêm tendo sua importância aumentada para o Brasil, notadamente, desde finais do século XX. Em novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff realizou sua primeira viagem à África, em decorrência de encontro de cúpula do Ibas. Na ocasião, ela afirmou que, ao continente, era atribuída importância estratégica por nosso país. Essa informação é corroborada por dados da Agência Brasil (2011), que destacam o crescimento de 20 vezes do comércio bilateral entre Brasil e Angola, entre os anos de 2002 e 2008. Do mesmo modo, no início de 2012, a presidente sustentou, em mensagem enviada ao Congresso por ocasião da abertura do ano legislativo, que os países do Sul seriam a prioridade da política externa brasileira, a qual buscaria aprofundar a cooperação com este grupo de nações. As relações com Estados Unidos e Europa, por sua vez, seriam mantidas de maneira construtiva e equilibrada. (Agência Brasil 2011) A alteração das prioridades brasileiras no plano externo vem ocorrendo gradualmente, desde a consolidação democrática de fins da década de 1980. Esta inclinação foi evidenciada com a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, que previa a criação do Mercado Comum do Sul. Apesar de ter surgido 5 MINUSTAH é a sigla para Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti. 176

em um contexto de vigência do Consenso de Washington e de governos liberais, o MERCOSUL viria a embasar a atuação internacional de seus membros Brasil e Argentina, em especial fortalecendo seu papel no mundo. (Bizzozero 2011) A primeira década do século XXI marcou o fomento de inúmeras iniciativas que previam a facilitação do diálogo entre os Estados em vias de desenvolvimento. A multiplicação de foros de discussão fez transparecer a percepção dessas nações de que a união as faz mais fortes no sistema internacional, colocando em discussão questões de interesse comum a este grupo de nações. Tais iniciativas são a manifestação da afirmação desses Estados como países soberanos e atuantes no sistema internacional, ainda que a nível regional. Nesse sentido, a União Africana, a UNASUL, o Ibas, a CPLP, os BRICS e o G-20, entre outros, representam blocos, foros e grupos de nações unidos sob um ideal comum de cooperação e desenvolvimento. O Brasil é um dos países mais atuantes nessas instâncias, tendo participação efetiva na maioria delas. Essa busca por um número elevado de parceiros e a presença em diversos foros internacionais é a base do conceito de autonomia pela diversificação, atribuído à condição do país por Vigevani e Cepaluni (2007). Para os autores, a política externa do Brasil reflete uma linha que vem sendo seguida desde Rio Branco 6 : a manutenção da amizade com os Estados Unidos e a constante busca de novos aliados na arena internacional. Mais do que participar, os representantes brasileiros contribuem de maneira contundente para o encaminhamento das discussões e das consequentes decisões tomadas em tais foros. A atuação carismática do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi decisiva para essa consolidação. Bastante atuante, o então Chefe do Executivo brasileiro recebeu grande notoriedade internacional em decorrência de sua atuação em reuniões como as cúpulas do G-20 ou as visitas que realizava a Chefes de Estado de diversos países, evidenciando a busca por parceiros de diversos continentes. A iniciativa estadunidense de criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) viu a aprovação de seu projeto padecer frente à constituição da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), que reúne os países da parte sul do continente, sem a presença dos Estados Unidos. Essa iniciativa, por seu turno, é fruto de uma longa construção e identificação dos Estados com uma identidade genuinamente sul-americana. O tratado constitutivo do bloco vislumbra, além da já consagrada facilitação de trocas 6 O Barão de Rio Branco esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores pelo período de dez anos, tendo constituído o mandato mais duradouro até os dias de hoje e mantendo-se como Ministro por quatro sucessões presidenciais. 177

comerciais, a evolução de discussões acerca de temas como direitos humanos e cidadania. (Schmidt 2010; UNASUL 2008) Outro destacado palco de atuação diplomática brasileira são as reuniões dos BRICS. A sigla, inspirada por Jim O Neill, da Goldman Sachs, designa o grupo de países os quais o economista acreditava ser as grandes promessas para a próxima década (de 2010). Entre os atuais representantes da sigla, apenas a África do Sul não fazia parte do estudo de O Neill, em função da vigência do regime do Apartheid 7 no país. A partir de 2010, porém, o Estado africano passou a participar das reuniões do grupo de países, tendo em vista as condições semelhantes que compartilhava com os demais. Os BRICS se destacam pelo grande peso econômico e populacional decorrente da soma de dados de apenas cinco nações. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), entre 2003 e 2007, o crescimento dos quatro países representou 65% da expansão do PIB mundial. Em 2010, a soma do PIB conjunto representava 18% da soma de todas as riquezas produzidas no mundo em um cenário de mais de duzentos países. (Ministério das Relações Exteriores 2011) Nessa mesma linha, a criação do Ibas decorreu da percepção de que Brasil, Índia e África do Sul compartilhavam bem mais do que a condição de mercados emergentes. De acordo com Oliveira (2005), essa parceria visa a consolidar um bloco trilateral Sul-Sul para o fortalecimento da capacidade política nas negociações comerciais internacionais desses países na OMC frente aos desenvolvidos. Somado a esse fator, está a motivação de promover mudanças na Organização das Nações Unidas, de modo a tornar mais democrática a instituição. Nesse contexto, os três países visam à consecução de reformas no Conselho de Segurança da instituição, objetivando a elevação de outros Estados à categoria de membros permanentes do Conselho. (Oliveira 2005) A consolidação do G-20 talvez seja a maior conquista internacional provinda da união de países em desenvolvimento. Sua criação remonta à Conferência de Cancún da OMC, a qual, de acordo com Almeida (2003), sinaliza um ponto de inflexão na dinâmica da Organização, tendo em vista que representou a primeira vez na qual a opinião dos países em desenvolvimento não pôde mais ser ignorada. Brasil, China e Índia, contrários ao rumo que as discussões estavam tomando, articularam uma coalizão, que ficaria conhecida, mais tarde, como G-20. O Grupo rapidamente superaria o G-7 em relevância global, consolidando-se como importante grupo de discussão. (Oliveira 2005; Amorim 2003). 7 Regime de segregação racial, que ocorreu na África do Sul de 1948 a 1994. 178

Conclusão SEMINÁRIO BRASILEIRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS Os países do Sul vêm ocupando, cada vez mais, uma posição de destaque na política empreendida pelo Brasil no plano externo. Essa predileção se justifica em decorrência da crescente importância desses Estados na arena internacional. Detentores de economias dinâmicas, as nações austrais perceberam que, cooperando entre si, lograriam resultados mais positivos do que aqueles provenientes das relações nortesul. Além do mais, o processo independentista é relativamente recente tendo sido executado a menos de cinquenta anos para um número elevado de nações, o que ainda gera ressentimentos e constrangimentos nas relações entre ex-colônias e antigas metrópoles. A força das instituições lideradas por países de notoriedade econômica recentemente reconhecida é inegável. Em um contexto de graves crises econômicas na Europa e de notória desaceleração econômica nos Estados Unidos, muitos creditam aos países do sul à China, em especial a manutenção de sanidade econômica a nível global. Isso se dá em decorrência, principalmente, da economia dinâmica encontrada no país, caracterizada pela mão de obra eficiente e barata, o que possibilita a produção em larga escala de produtos a serem exportados para os quatro cantos do mundo. Em relação ao caso brasileiro, por sua vez, ficou explicitada, ao longo do presente artigo, a opção pela cooperação Sul-Sul. Nessa esfera, o Brasil atua, basicamente, em duas frentes. Na primeira, é um dos grandes prestadores de ajuda humanitária e financeira para Estados africanos e latino-americanos, especialmente. Em outra, celebra acordos, em pé de igualdade, com países como China, Rússia, Índia e África do Sul. Para nosso país, portanto, as relações com as nações austrais são imprescindíveis para que continuemos no caminho da autonomia, na busca pela consolidação na arena internacional e pela caminhada em direção a um dos polos de poder mundiais nas próximas décadas. É necessário, porém, que a economia brasileira tenha fôlego para manter um ritmo de crescimento sustentado, aliado a uma gradativa diminuição do número de miseráveis. Referências AGÊNCIA BRASIL. Dilma Realiza Primeira Viagem Oficial à África. 2011. Acesso em: 19/05/12 http://www.agenciabrasil.ebc.com.br. Presidente Envia Mensagem ao Congresso em Dia de Abertura do Ano no Legislativo. 2012. Acesso em: 19/05/12. http://www.agenciabrasil.ebc.com.br 179

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