Os adolescentes que estiveram em conflito com a lei. O que fazer?



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TEXTOS 10 10-A Os adolescentes que estiveram em conflito com a lei. O que fazer? É preciso construir com políticas públicas e não com polícia verdadeira ponte de ouro entre a marginalidade e a cidadania. Olympio De Sá Sotto Maior Neto A sociedade brasileira, tão condescendente com os políticos corruptos, os funcionários públicos peculatários e os grandes fraudadores do fisco (aqueles que com suas ações subtraem criminosamente os recursos necessários para a implementação de políticas sociais públicas, como saúde, educação, habitação, etc.), volta-se novamente, pela manipulação ideológica que sofre, a transformar as crianças e adolescentes em "bodes expiatórios" da situação de insegurança por todos experimentada (mesmo que os atos infracionais correspondam a menos de cinco por cento do total dos crimes ocorridos no país). Continuamos no topo da lista dos países com maior desigualdade social (as riquezas produzidas pelos brasileiros não são distribuídas entre todos e acabam concentradas nas mãos de grupos minoritários que se beneficiam das estruturas socais injustas estabelecidas no país, enquanto a grande maioria da população acaba marginalizada, ou seja, à margem dos benefícios produzidos pela sociedade). Não cumprimos o comando constitucional no sentido de realizar auditoria da nossa dívida, conforme estabelece as disposições transitórias da Constituição Federal de 1988 (implicando, na prática, permanente comprometimento orçamentário para o fim de pagar os serviços da dívida, que não se sabe se sequer é legal). Por outro lado, os administradores já condenados por improbidade administrativa (inclusive aqueles do estilo "rouba mas faz"), assim como mensaleiros e sanguessugas de todas as espécies, são reeleitos e por isso mesmo os orçamentos públicos devem contemplar recursos para atender os interesses dos financiadores das campanhas eleitorais (que sabemos, com o abuso do poder econômico, ferem de morte o caráter democrático de nosso processo eleitoral).

Em razão das iniqüidades sociais (sensivelmente agravadas pelo fato de que o Estado Brasileiro continua se vangloriando da ampliação do superávit primário sem se envergonhar com sua dívida social), multiplicam-se as tristes figuras dos sem oportunidade de vida digna. Nesse contexto de tragédia padecem especialmente, pela sua condição de vulnerabilidade, a população infanto-juvenil, sem vez nem voz na nossa sociedade e distantes da proteção integral enunciada na Constituição Federal (calcula-se a existência de cerca de quarenta milhões de crianças e adolescentes carentes ou abandonados, boa parte entregue à própria sorte, perambulando pelas ruas, sobrevivendo através da esmola degradante ou da prostituição, usando drogas, cometendo atos infracionais). Pior, aqueles que deveriam estar garantindo os direitos a eles prometidos no ordenamento jurídico (na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente), principalmente o de absoluta prioridade (que significa, entre outras coisas, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas, assim como destinação privilegiada de recursos, conduzindo à certeira conclusão de que lugar de criança é na família, na escola e, também, nos orçamentos públicos), transformam-se agora para, ao invés de esclarecer, agradar a equivocada opinião pública em seus algozes. Exatamente os governantes e parlamentares que mais relapsos se mostram em suas tarefas de canalizar recursos indispensáveis aos programas e ações definidos na política traçada pelos Conselhos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (permitindo assim, por desgraçados exemplos, que milhares de crianças Fernandos, Joãos e Hélios morram todos os anos em razão da desnutrição e de doenças facilmente evitáveis, enquanto que na instituição do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico) sequer se havia feito previsão das creches e, agora, quer-se prevê-las com patamar insuficiente de recursos; ou que milhões de adolescentes não possam freqüentar cursos de iniciação profissional, capazes de garantir acesso ao mercado formal de trabalho; ou que na absoluta maioria dos Estados e Municípios não existam programas de auxílio e orientação às famílias, assim como aqueles destinados à execução das chamadas medidas protetivas, todos estabelecidos como obrigatórios no Estatuto da Criança e do Adolescente), são os que bradam palavras de ódio e vingança contra as crianças e adolescentes. Convém então, como forma primária de prevenção à chamada delinqüência infanto-juvenil, aproveitar de forma positiva a mobilização popular em cursopara, via garantia dos direitos fundamentais, construir com políticas públicas e não com polícia verdadeira ponte de ouro entre a marginalidade e a cidadania (reconhecendo-se que, mesmo sem existir um inerente vínculo entre pobreza e criminalidade, alguns adolescentes experimentam condições reais de vida tão adversas, insuperáveis pelos meios tidos como legais ou legítimos, que acabam mesmo e infelizmente impulsionados no sentido da criminalidade). Em outro aspecto, levando-se em conta que os adolescentes são pessoas em peculiar fase de desenvolvimento marcada por crise determinada pela complexa passagem do mundo infantil para o adulto (todos, de qualquer maneira, ainda não devidamente socializados), vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê resposta, de caráter sócio-educativo, para a prática de atos infracionais (não contemplando qualquer regra que possa ser traduzida em "garantir impunidade" aos adolescentes, tanto que, para os casos mais graves, estabelece inclusive medida privativa de liberdade). Além da sua submissão ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prevista no art. 228, da Constituição Federal, constituir cláusula pétrea (portanto, insuscetível de modificação por emenda constitucional), tem-se que as medidas sócio-

educativas objetivam o resgate social do adolescente autor de ato infracional e não a entrega definitiva do mesmo para o mundo da criminalidade. A opção pela diminuição da imputabilidade penal (para dezesseis ou catorze anos de idade) importará exatamente nisso: ao invés de oportunidade para vir a desenvolver sua potencial sociabilidade (e construir projeto de vida afastado da criminalidade) o adolescente (inclusive aquele autor de delitos sem gravidade) acabará completando seu processo de formação na promiscuidade da penitenciária de adultos, convivendo com a violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas (ou seja, sendo devolvido depois à sociedade um cidadão de pior categoria de que quando ingressou no sistema). Ainda e diante do princípio constitucional da brevidade enquanto informador da medida privativa de liberdade (constante também da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), sequer o aumento do prazo de internação se mostra adequado, vez que, sem dúvida, melhor será a implementação dos programas para a execução das medidas sócio-educativas em meio aberto (especialmente a de liberdade assistida), bem como o funcionamento de unidades de internação onde haja, por equipe técnica especializada, a execução efetivamente individualizada da medida (eliminandose a desastrosa história das "febens da morte"). Indispensável também a integração ao sistema de unidades hospitalares para o atendimento de adolescentes duplamente inimputáveis, isto é, além de menores de dezoito anos, também portadores de doença mental ou distúrbios psiquiátricos (exatamente aqueles capazes da prática dos atos infracionais mais graves e que, hoje, não recebem o tratamento adequado). Por fim, se a idéia é a de usar exemplos de outros países, melhor será nos espelharmos na Holanda e na Suécia (cuja idade penal só se dá depois dos vinte e um anos de idade) e, segundo conclusão do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), encontram-se, entre os vinte e um países mais ricos, nos dois primeiros lugares em qualidade de vida para crianças e adolescentes e não nos Estados Unidos e na Inglaterra, que ostentam os dois últimos lugares, apresentando os maiores índices de envolvimento com drogas e prática de atos contrários à lei. Tendo a indignação como elemento propulsor ao aprimoramento de nosso processo civilizatório e escrevendo com as tintas da fraternidade melhores páginas para nossa infância e juventude (especialmente no que se refere à concretização de seus direitos fundamentais), por certo estaremos todos contribuindo para o alcance, o quanto antes, do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: o de ver instalada uma sociedade livre, justa e solidária. Olympio de Sá Sotto Maior Neto é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná 10-B Combate ao trabalho infantil passa por estruturação de políticas públicas Para evitar que crianças e adolescentes ingressem de modo precoce no mundo do trabalho e na vida adulta não basta somente contar com ações que encontrem, verifiquem e afastem meninos e meninas vítimas desse tipo de exploração. Em geral, fiscalizações trabalhistas, promovidas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), têm, no que diz

respeito à tarefa de erradicar todas as formas de trabalho infantil, alcance limitado, porque agem mais no sentido de reprimir a prática do que preveni-la e garantir que não haja sua reincidência. Guilherme Zocchio Se o Brasil almeja cumprir o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016 e, até 2020, todas as formas de trabalho infantil, deve contar também com um conjunto de políticas públicas que integrem um sistema que garanta efetivamente os direitos de meninas e meninos. Esse é, pelo menos, um dos principais entendimentos de autoridades e agentes da sociedade civil que lidam com o tema, ouvidos pela Repórter Brasil. Medidas como o fortalecimento do papel da educação e da saúde públicas são alguns exemplos. O fato de o país ter reduzido substancialmente o número absoluto de crianças e adolescentes trabalhando nos últimos 12 anos demonstra, por um lado, considerável avanço na questão. Segundo o último Censo, 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos estavam em serviço em 2010 número que indica uma redução de 13,4% desde o ano de 2000. No entanto, esse ritmo é insuficiente para que o Brasil cumpra as metas estabelecidas para eliminar o trabalho infantil dentro do seu território, mesmo se levado em conta o fato de o MTE ter intensificado a quantidade de fiscalizações a partir de 2012. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, entre 2007 e 2011 a média anual de ações fiscais exclusivamente voltadas à busca de focos de jovens trabalhando foi de 2,7 mil em todo o Brasil; em 2012, foram 7.392 ações do tipo, mas uma quantidade menor de meninos e meninas foi afastada de atividades remuneradas. Em 2007, as inspeções encontravam, em média, seis pessoas com menos de 18 anos a cada incursão em empresas ou logradouros públicos. Agora, a média é de 0,9 o que significa que, em parte das vistorias, não são encontrados indícios de exploração infanto-juvenil. Para Isa Maria de Oliveira, secretaria-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), é insuficiente jogar a responsabilidade do combate ao trabalho infantil exclusivamente sobre as fiscalizações do MTE. Não basta que as inspeções retirem as crianças e adolescentes do trabalho, é preciso articular um conjunto de políticas públicas para evitar que essas situações se repitam, explica. O posicionamento dela, entretanto, leva em conta um cenário mais complexo. Todos os casos de flagrantes de crianças e adolescentes em atividades de trabalho seguem um procedimento adicional para a orientação das vítimas. Ao encontrarem meninos e meninas em serviço, as ações de fiscalização os encaminham para outros órgãos responsáveis. Conselhos tutelares, procuradorias do Ministério Público do Trabalho (MPT), órgãos governamentais de assistência social e mesmo organizações do terceiro setor recebem esses jovens. O procedimento é referência para a comunidade internacional e varia conforme as características de cada região do país, conforme indica o auditor Luiz Henrique Ramos, chefe da divisão de fiscalização de trabalho infantil do MTE. Fazemos uma entrevista para verificar as especificidades de cada caso e encaminhamos os jovens para os órgãos responsáveis, detalha. A fiscalização é eficiente, e referência. Deixa a desejar pela falta de recursos, como acontece com os sistemas de garantias, acrescenta um dos coordenadores do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec, na sigla em inglês) do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Antônio Carlos de Mello. Segundo o representante

da OIT, a fiscalização cumpre o papel que deve cumprir no combate ao trabalho infantil, e a única ressalva diz respeito à falta de recursos, ponto do qual os auditores que lidam com o tema também reclamam. É consenso, entre os fiscais do MTE, que faltam equipamentos e mais pessoal para as fiscalizações trabalhistas sobram relatos do tipo entre os profissionais da área e o concurso para 100 novos agentes na área é apontado como insuficiente para suprir o déficit do serviço, segundo o sindicato da classe, o Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho). A analogia entre os problemas de estrutura para os agentes de fiscalização do trabalho e as políticas públicas desenvolvidas com o objetivo de manter um sistema de garantias no Brasil para o combate do trabalho infantil faz parte de como a OIT entende a situação, segundo Antônio Carlos. Existe um interesse internacional nos tipos de políticas públicas desenvolvidos no Brasil, que partem da atenuação da pobreza. O processo vem acontecendo, mas faltam recursos físicos e humanos, afirma. Enquanto essa estruturação não acontecer, vai ser difícil erradicar o trabalho infantil. Educação e ciclo da pobreza As políticas públicas devem atuar sobre o conjunto de questões que são relevantes e impactam a exploração de trabalho infantil, pontua Isa Maria de Oliveira, do FNPETI. O não sucesso [de alguns jovens] na escola é uma questão a se analisar. A escola não responde às necessidades daquelas crianças que podem enfrentar problemas familiares, exemplifica. Segundo ela, há situações em que pais e mães, ao não observarem o bom desempenho escolar dos filhos, forçam a entrada dos meninos e meninas no mundo do trabalho. Nesses casos, os adultos, se não encontram resultados esperados dos filhos, não veem necessidade de a criança perder tempo com o estudo quando já poderiam estar trabalhando. Uma leitura errada desse tipo de situação seria a de entender que os pais são culpados pelo fato de os filhos serem aliciados pelo mundo do trabalho. A representante do FNPETI entende, porém, que o problema está associado ao próprio modelo de funcionamento da educação no Brasil. Ela recomenda, por exemplo, uma escola em período integral, que assegure o acesso ao lazer de crianças e adolescentes e desenvolva um tipo de coordenação pedagógica que proporcione o pleno desenvolvimento na infância. A fragilidade das escolas municipais e estaduais pode colaborar para que crianças e adolescentes estudem e também trabalhem, casos que evidenciam a pouca capacidade do sistema educacional de auxiliar no combate ao trabalho infantil. Muitos jovens, por conta disso, já chegam à idade adulta com uma defasagem educacional, pondera Antônio Carlos, da OIT. Para a comunidade mais vulnerável, que de fato vai procurar trabalho por necessidade, essas dificuldades vão perpetuando o ciclo de pobreza. Por isso, deve haver o reconhecimento dessas deficiências por parte do Estado, completa. De um lado, o papel das políticas públicas deve ser o de proteger crianças e adolescentes que estejam mais vulneráveis ao aliciamento para o trabalho infantil por meio da garantia de direitos, com a estruturação de serviços de educação, saúde e transporte, em quantidade e com qualidade. De outro, o de articular redes que fortaleçam os vínculos comunitários e familiares dessas pessoas em situação de vulnerabilidade. É, de modo geral, o que entendem os representantes das entidades que lidam com o tema. O coordenador do Ipec aponta que

certas medidas já vêm sendo tomadas, como a implementação de algumas escolas de período integral pelo país. Para a secretária executiva do FNPETI, está claro que a erradicação do trabalho infantil passa pela reestruturação do próprio Estado. Crianças e adolescentes que trabalham não conseguem se desenvolver na plenitude e, portanto, têm dificuldade em almejar um emprego melhor que o dos pais e alcançar uma vida mais confortável. Não há desenvolvimento sustentável onde há trabalho infantil. O Brasil, inclusive, tem carência de profissionais qualificados, observa, em referência às dificuldades proporcionadas. A permanência do trabalho infantil perpetua a pobreza e a desigualdade no Brasil. Não rompe e contribui para a manutenção do ciclo de miséria, conclui.