Correlação entre disfunção temporomandibular e fibromialgia*



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Transcrição:

ARTIGO DE REVISÃO Correlação entre disfunção temporomandibular e fibromialgia* Correlation between temporomandibular disorder and fibromyalgia Elisa Consalter 1, Monique Lalue Sanches 2, Antonio Sérgio Guimarães 3 * Recebido do Ambulatório de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da Universidade Federal de São Paulo Hospital São Paulo (UNIFESP/HSP). São Paulo, SP, Brasil. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A disfunção temporomandibular (DTM) é o termo genérico para um grande número de distúrbios funcionais do sistema da mastigação, da articulação temporomandibular (ATM) e de estruturas associadas. Fibromialgia (FM) é uma das doenças reumatológicas mais frequentes, cuja característica principal manifesta-se com dor musculoesquelética difusa e crônica. Pelo fato dessas duas condições apresentarem diversas semelhanças, tanto na prevalência quanto nas características clínicas; o objetivo desse estudo foi realizar uma análise e relatar a possível correlação entre ambas. CONTEÚDO: Realizou-se uma revisão da literatura de 1995 a 2008 nas bases de dados Web of Science, Pubmed, MedLine, LILASC e BBO, cruzando-se os descritores fibromialgia, fibrosite, síndrome da dor miofascial difusa, síndrome da disfunção da articulação temporomandibular (DTM), transtornos da articulação temporomandibular e transtornos crânio mandibulares. Os estudos mostraram que a dor muscular oriunda da DTM, embora seja considerada uma condição regional pode, em determinados indivíduos, coexistir com síndromes dolorosas sistêmicas, como a FM. No entanto, indivíduos com FM 1. Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil. 2. Preceptora do Ambulatório Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da Universidade Federal de São Paulo (UNI- FESP). São Paulo, SP, Brasil. 3. Responsável pelo Ambulatório de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Monique Lalue Sanches Rua Pereira da Nóbrega, 324/43 Vila Monumento 01549-020 São Paulo, SP. Fone (11) 5061-6000 E-mail: monique.lalue@unifesp.br c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor apresentam, em sua grande maioria, dolorimento na região de cabeça caracterizando um forte indício da presença de possível DTM. O que se observou é que grande parte dos indivíduos com FM apresentam DTM, porém o inverso não é verdadeiro. CONCLUSÃO: Considerando-se o escasso conhecimento sobre a apresentação orofacial da FM, o tratamento da DTM para pacientes com FM deve ser conservador e direcionado aos possíveis fatores de risco. Descritores: Fibromialgia, Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular, Transtornos da articulação temporomandibular, Transtornos crânio mandibulares. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: Temporomandibular disorder (TMD) is a generic term for a large number of functional disorders of the chewing system, of the temporomandibular joint (TMJ) and of associated structures. Fibromyalgia (FM) is one of the most frequent rheumatologic diseases, the major characteristic of which is diffuse and chronic musculoskeletal pain. Because these two conditions have several similarities both in prevalence and in clinical characteristics, this study aimed at analyzing and reporting the possible correlation between them. CONTENTS: Literature was reviewed from 1995 to 2008 in Web of Science, PubMed, Medline, LILACS and BBO databases by crossing the keywords fibromyal gia, fibrositis, diffuse myofacial pain syndrome, temporomandibular joint disorder syndrome, temporomandibular joint disorders (TMD) and craniomandibular disorders. Studies have shown that TMD-related muscular pain although being considered a regional condition may, in certain people, coexist with systemic painful syndromes such as FM. However, the vast majority of people with FM have pain in the head, characterizing a strong evidence of the presence of possible TMD. What has been 237 07 - Correlacao DTM e FM.indd 237 21.09.10 16:47:15

Consalter, Sanches e Guimarães observed was that a large number of people with FM also have TMD, however the opposite is not true. CONCLUSION: Considering the scarce knowledge about orofacial FM presentation, TMD treatment for FM patients should be conservative and oriented toward potential risk factors. Keywords: Craniomandibular disorders, Fibromyalgia, Temporomandibular joint disorder, Temporomandibular disorder syndrome. INTRODUÇÃO Várias doenças podem apresentar sintomas similares, especialmente aquelas que manifestam dor nos músculos craniofaciais e na articulação temporomandibular (ATM) 1. Alguns estudos mostram que a dor muscular oriunda da disfunção temporomandibular (DTM), embora seja considerada uma condição regional, pode, em determinados indivíduos, coexistir com síndromes dolorosas sistêmicas, como a fibromialgia (FM) 2. Certos sintomas relatados pelos pacientes com doenças como FM, síndrome da fadiga crônica (SFC), cefaleia do tipo tensional e outras, são: dor na mandíbula, na orelha e na cabeça. Um dos achados clínicos mais presentes são dor e tensão nos músculos da mastigação durante o exame de palpação 3. Acredita-se que a dor miofascial dos músculos da mastigação esteja relacionada com a FM, pois compartilham várias semelhanças em suas características tais como: fatores moduladores, sinais e sintomas, etiologia desconhecida, predominância no sexo feminino e outros. DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR A DTM é um termo amplo, que abrange vários e diversos problemas clínicos que afetam os músculos da mastigação, a ATM e estruturas associadas 4,5. Estas disfunções são caracterizadas principalmente por dor, sons na articulação e função limitada ou irregular da mandíbula 5. A DTM tem sua maior prevalência no sexo feminino com idade predominante entre 20 e 45 anos 6. Os fatores que afetam o equilíbrio dinâmico do sistema da mastigação são traumas, fatores anatômicos, patofisiológicos e psicossociais 5,6. Por ser classificada como uma doença multifatorial a DTM não apresenta fator etiológico específico e sim, fatores de risco, subdivididos em predisponentes, iniciadores e perpetuantes 5,6. Didaticamente a DTM é subdividida pela Academia Americana de Dor Orofacial (American Academy of Orofacial Pain - AAOP) em DTM muscular, DTM articular ou ambas 6. A DTM articular engloba as desordens de origem congênita, desordens de disco articular, e desordens inflamatórias e não inflamatórias da ATM 6. A grande maioria das DTM é de origem muscular e se apresentam de forma complexa englobando alterações dos músculos do sistema da mastigação e de estruturas associadas. FIBROMIALGIA Fibromialgia é uma das doenças reumatológicas mais frequentes, ficando em segundo lugar apenas para a osteoartrite 7. Trata-se de uma desordem sistêmica cuja característica principal é a dor musculoesquelética difusa e crônica. No exame físico apresenta locais anatômicos específicos, dispersos pelo corpo e dolorosos à palpação denominados de tender points ou pontos de dolorimento 3,8-10. Por ser uma doença de diagnóstico exclusivamente clínico, tem seus sintomas frequentemente confundidos com a síndrome miofascial, a SFC e a DTM 11. Pouco se conhece sobre a etiologia e patogênese da FM 11,12. Estudos recentes sugerem uma origem multifatorial na qual ansiedade prolongada e estresse emocional, traumas, doenças ocupacionais, interrupção repentina de medicamentos, hipertireoidismo e infecções podem ser fatores de risco para o início da doença 11. Apresenta maior incidência nas mulheres, e sua proporção entre mulheres e homens é de 10:1, atingindo todas as faixas etárias e sem predileção por grupo étnico ou nível socioeconômico 11. No estudo de Senna e col. 7 constatou-se em 40,8% indivíduos com idade entre 35 e 44 anos. Também são pináculos do diagnóstico da FM a presença de distúrbios do sono, que resultam em fadiga e exaustão mesmo após uma noite de descanso, rigidez matinal, geralmente inferior a 15 minutos e distúrbios psicológicos, como ansiedade e depressão 10,13,14. Assim, os indivíduos com FM são, em geral, mulheres sedentárias, ansiosas ou deprimidas que se queixam de dores migratórias difusas e fadiga constante 15. Por não apresentar etiologia bem estabelecida a FM exige uma abordagem multidisciplinar com modalidades de tratamento farmacológico e não farmacológico 12. A DTM e a FM são consideradas entidades distintas, mas alguns estudos relatam que estas duas situações clínicas apresentam semelhanças entre si 3,16-18. Diante deste contexto, foi realizada uma revisão da literatura no período de 1995 a 2008 nas bases de dados Web of Science, PubMed, MedLine, LILACS e BBO, cruzando-se os descritores fibromialgia, fibrosite, síndrome da dor miofascial difusa, síndrome da disfunção da articulação temporomandibular, transtornos da arti- 238 07 - Correlacao DTM e FM.indd 238 21.09.10 16:47:15

Correlação entre disfunção temporomandibular e fibromialgia Rev Dor. São Paulo, 2010 jul-set;11(3):237-241 culação temporomandibular e transtornos crânio mandibulares. Foram incluídos os artigos que apresentavam no título ou no resumo o estudo específico da correlação entre as duas condições, sendo excluídos aqueles que eram em outra língua que não fosse o português ou o inglês. Este estudo teve por objetivo apresentar uma revisão da literatura para tentar demonstrar uma possível correlação entre DTM e FM. DISCUSSÃO Plesh, Wolfe e Lane 16 investigaram a prevalência de DTM em pacientes com FM e de FM em pacientes com DTM analisando os dois grupos. O primeiro grupo correspondia a 60 pacientes que preenchiam os critérios do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) para FM 19. O segundo grupo correspondia a 39 pacientes que preenchiam os critérios diagnósticos de pesquisa para DTM (RDC/TMD) 20. Questionários e exames clínicos segundo o RDC/TMD e o ACR foram aplicados em todos os pacientes. Os resultados sugeriram que uma minoria dos pacientes com DTM apresentava FM segundo o ACR (18,4%), porém, a maioria dos pacientes com FM preenchia os critérios do RDC/TMD para DTM (75%). Um estudo com o propósito de determinar a incidência de sintomas da DTM em um grupo de pacientes com FM documentada selecionou 30 pacientes (29 mulheres e 1 homem) com FM documentada e 10 pacientes controles (8 mulheres e 2 homens) 21. Os dados indicaram que 97% dos pacientes com FM tiveram diagnóstico de DTM em comparação a apenas 30% dos pacientes controles. Em estudo com o objetivo de avaliar a extensão dos sintomas de DTM em pacientes com FM, foi enviado questionário para 237 membros da Associação Reumatológica de Estocolmo que possuíam diagnóstico de FM, com o objetivo de estudar a frequência e duração dos sintomas do sistema temporomandibular em pacientes com FM 3. O questionário foi respondido por 191 indivíduos (180 mulheres e 11 homens). Os resultados indicaram que os pacientes com FM tinham frequentes e graves sintomas subjetivos de DTM. Noventa e quatro por cento dos pacientes relataram presença de dor na região temporomandibular com duração média de 12 anos. O estudo mostrou que as dores locais em cabeça e pescoço tiveram início tardio (duração média de 9 anos) em relação às dores generalizadas (duração média de 10,5 anos). Isso indicaria que a FM geralmente começa em outras partes do corpo e depois avança para região de cabeça e pescoço. Os autores acreditam que as dores orofaciais locais nestes indivíduos sejam exacerbadas pela presença de FM, entretanto, a dor facial de origem muscular poderia estar relacionada à presença de hábitos parafuncionais. Ainda, concluíram que a FM poderia ser um dos fatores etiológicos da DTM. Estudo cuja amostra consistiu em 25 pacientes com SFC, 22 pacientes com FM, 25 pacientes com DTM e 22 indivíduos saudáveis como grupo controle avaliou a frequência de 10 condições clínicas entre pacientes com SFC, FM e DTM em comparação a indivíduos saudáveis 17. Foi realizado exame clínico e questionário sobre sintomas. O diagnóstico de DTM foi feito de acordo com os critérios do RDC/TMD. Os resultados mostraram que os pacientes com SFC, FM e DTM compartilham sintomas em comum como sensibilidade à dor muscular generalizada, problemas no sono, dificuldade de concentração, cefaleia debilitante e problemas intestinais. Apesar da maioria dos casos de DTM serem auto-limitantes, aproximadamente 10% dos pacientes desenvolvem graves desordens associadas à dor crônica. A dor generalizada, depressão e distúrbios do sono associados a FM desenvolvem papel importante nos sintomas crônicos dos pacientes com DTM 22. Em estudo que foram investigados os fatores clínicos do envolvimento do sistema da mastigação em pacientes com FM e compararam com sinais e sintomas de DTM entre os pacientes com FM, foram incluídos 30 pacientes com FM e 30 com DTM. A disfunção mastigatória foi comparada entre os grupos por meio de exame clínico de acordo com os critérios estabelecidos pelo RDC/TMD. O estudo demonstrou que 86,7% dos pacientes com FM apresentaram sinais e sintomas relacionados a DTM, em contraste apenas 10% dos pacientes com DTM foram diagnosticados com FM 23. Estudo com o intuito de determinar a associação de FM com DTM e dor miofascial mastigatória, observou que 31 mulheres diagnosticadas com FM de acordo com os critérios do ACR e 21 mulheres diagnosticadas com DTM foram incluídas em um estudo prospectivo. Foi realizado um exame clínico e aplicado questionário. Todos os pacientes foram examinados por um dentista e um médico para identificar a coexistência de FM e DTM. No grupo com FM, a DTM foi encontrada em 25 (80%) pacientes; e no grupo de DTM a prevalência de FM foi de 52%. Os autores concluíram que a coexistência de FM e DTM com dor miofascial mastigatória foram altas 18. Estudo que investigou a prevalência de sinais e sintomas da DTM em pacientes com FM comparativamente com outra amostra de pacientes com dor na coluna vertebral (síndrome da falência da coluna), incluiu 51 pacien- 239 07 - Correlacao DTM e FM.indd 239 21.09.10 16:47:15

Consalter, Sanches e Guimarães tes adultos sendo 32 com FM (Grupo Teste) e 19 com síndrome da falência da coluna (Grupo Controle) 24. Os pacientes com FM incluídos no estudo tinham recebido diagnóstico por um único especialista ou reumatologista em reabilitação e Medicina física, com base nos critérios de classificação estabelecidos pela ACR. O diagnóstico da síndrome da falência na coluna foi baseado na dor crônica persistente ou recorrente nas costas. Nesse estudo encoberto, foi realizado exame clínico por três avaliadores e, antes do exame, todos os pacientes preencheram um questionário de dor orofacial, sintomas, qualidade do sono e uma bateria de avaliações psicológicas. A presença de DTM foi diagnosticada de acordo com o RDC/ TMD. O exame de dor orofacial envolveu avaliação clínica por um dentista cego para o diagnóstico clínico dos pacientes. Os resultados do estudo mostraram que 53% dos pacientes que relatavam FM tiveram dor na face comparada com 11% dos pacientes com síndrome da falência da coluna. Destes pacientes com FM que relataram dor na face 71% preencheram totalmente o critério para diagnóstico de DTM. Dor nos músculos da mastigação foi diagnosticada em 74% dos pacientes com FM. Os autores confirmaram a hipótese que a prevalência de DTM é maior nos pacientes fibromiálgicos comparado aos pacientes com síndrome da falência da coluna. A FM e a DTM parecem ser alterações que podem se apresentar concomitantemente. Elas compartilham de sintomas como fadiga, dores musculares e uma aparente associação com fatores psicológicos. Muitos pacientes com FM têm DTM e não sabem. Se houver um melhor entendimento da sintomatologia da DTM, da FM e das condições clínicas associadas, a abordagem destes indivíduos e o consequente plano terapêutico serão mais eficientes proporcionando assim, uma melhor qualidade de vida. Além disso, a abordagem de pacientes com FM e DTM deve abranger diversos profissionais da saúde (fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, enfermeiro, psicólogo, médico e cirurgiãodentista), ocorrendo a associação das diversas modalidades terapêuticas (educação, recondicionamento físico, condicionamento do trabalho, aconselhamento e terapia farmacológica), para que haja um bom resultado do tratamento. CONCLUSÃO Considerando-se o escasso conhecimento sobre a apresentação orofacial da FM, o tratamento da DTM para pacientes com FM deve ser conservador e direcionado aos possíveis fatores de risco. REFERÊNCIAS 1. Machado LP, Nery C de G, Leles CR, et al. The prevalence of clinical diagnostic groups in patients with temporomandibular disorders. Cranio 2009;27(3):194-9. 2. Fujarra FJC. Disfunção temporomandibular e síndrome fibromiálgica: caracterização de amostra segundo critérios clínicos. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2008. 3. Hedenberg-Magnusson B, Ernberg M, Kopp S. Presence of orofacial pain and temporomandibular disorder in fibromyalgia. A study by questionnaire. Swed Dent J 1999;23(5-6):185-92. 4. Sessle BJ, Lavigne GJ, Lund JP, et al. (editors). Orofacial pain: from basic science to clinical management. Chicago: Quintessence; 2008. p. 179-85. 5. Guimarães AS, Magnusson T, Carlsson GE. Tratamento das disfunções temporomandibulares na Clínica Odontológica. São Paulo: Quintenssence Editora Ltda; 2006. p. 9-23. 6. De Leeuw R, (editor). Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis, and management, 4 th ed. Chicago: Quintessence; 2008. p. 129-58. 7. Senna ER, De Barros AL, Silva EO, et al. Prevalence of rheumatic diseases in Brazil: a study using the COP- CORD approach. J Rheumatol 2004;31(3):594-7. 8. Martinez JE, Barauna Filho IS, Kubokawa K, et al. Comparação clínica e funcional de pacientes com fibromialgia e dor miofascial. Acta Fisiátrica 1998;5(3):159-63. 9. Yeng LT, Kaziyama HHS, Teixeira MJ. Síndrome dolorosa miofascial e fibromialgia. In: Siqueira JTT, Teixeira MJ, (editores). Dor orofacial: diagnóstico, terapêutica e qualidade de vida. Curitiba, Ed. Maio, 2001. p. 418-30. 10. Helfenstein M, Feldmann D. Síndrome da fibromialgia: características clínicas e associações com outras síndromes disfuncionais. Rev Bras Reumatol 2002;42(1):8-14. 11. Oliveira AS, Rodrigues D, Semeghini TA, et al. Diagnóstico diferencial entre DTM, síndrome da fibromialgia e síndrome da dor miofascial. Rev Assoc Paul Cir Dent 2005;59(3):195-200. 12. Heymann R, Paiva E, Helfenstein M, et al. Consenso brasileiro do tratamento da fibromialgia. Rev Bras Reu matol 2010;50(1):56-60. 13. Olson GB, Savage S, Olson J. The effects of collagen hydrolysat on symptoms of chronic fibromyalgia and temporomandibular joint pain. Cranio 2000;18(2):135-41. 14. Moldofsky HK. Disordered sleep in fibromyalgia and related myofascial facial pain conditions. Dent Clin North Am 2001;45(4):701-13. 240 07 - Correlacao DTM e FM.indd 240 21.09.10 16:47:16

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