PROPRIEDADE INTELECTUAL E GLOBALIZAÇÃO José Isaac Pilati Professor, Doutor do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC



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Transcrição:

PROPRIEDADE INTELECTUAL E GLOBALIZAÇÃO José Isaac Pilati Professor, Doutor do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC 1 O problema Dizer Propriedade Intelectual e Globalização, hoje, equivaleria a dizer, em outro tempo, Propriedade da Terra e Feudalismo? A propriedade intelectual, à semelhança da terra sob o feudalismo, é o bem jurídico hegemônico da civilização hodierna, pois é ela, com as suas circunstâncias, que está impondo a globalização da economia, com seus agentes, instituições jurídico-políticas, blocos regionais e caminhos eletrônicos. A proteção jurídica, nos moldes em que é dada hoje a programas de computador, indústria fonográfica, cultivares, marcas e patentes (e tudo o mais que se contém, enfim, no gênero Propriedade Intelectual), não difere muito dos feudos medievais, com seus pedágios e exclusão social. Quais as perspectivas daqueles que estão em desvantagem? A história parece apontar para a esfera Jurídica e a Democracia, como tempero, embora a lei da selva do mercado, num primeiro momento, pareça negá-lo. Em outras palavras: cumpre desenvolver as esferas política e jurídica adequadas para harmonizar os interesses entre o novo capital e sua virulência de um lado, e os interesses das coletividades prejudicadas, de outra parte. Não é justo nem ético, por exemplo, os grandes laboratórios permanecerem isentos de responsabilidade social perante a epidemia de SIDA ou AIDS; quem distrói a camada de ozônio deve ser condenado a reparar o prejuízo, pois o planeta não lhe pertence; o patrimônio cultural da humanidade e a biodiversidade não podem ser presa fácil e dócil de espertezas unilaterais, ou de grilagem intelectual. Há que se contraporem freios e responsabilidades. O presente texto é uma tentativa de identificar e apontar um caminho para harmonizar os interesses em jogo no campo da chamada Propriedade Intelectual, frente à globalização da economia. 2 Perspectiva metodológica de análise: a propriedade como estrutura O dicionário 1 fornece um conjunto de idéias que permitem definir a categoria Estrutura como sendo uma reunião de elementos em torno de uma função, com determinada ordem; a propriedade, assim, é uma ordem (de organização/reprodução social) que funciona com elementos, finalidade e 1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.376.

critérios de avaliação próprios (e intrínsecos). Da Grécia Antiga até hoje, a propriedade (nesse viés metodológico), consagra um modelo de organização social que apresenta duas dimensões: uma transcendente e outra histórica. Vale dizer, a propriedade e o proprietário, em essência, são sempre os mesmos; e de outro lado, na dimensão histórica dos elementos (especialmente o Estado e o Direito), temos, em linhas gerais, as conjunturas da propriedade antiga, da propriedade feudal, da propriedade moderna (das codificações), e agora, na globalização, o contexto econômico, político e jurídico da propriedade intelectual (da OMC-TRIPs). 3 A origem da propriedade privada e do Estado: círculos concêntricos Estudos 2 apontam a Grécia como o palco onde a propriedade privada fez a sua estréia como racionalidade estruturante da organização social. O comércio marítimo inundou Atenas com novos bens, com uma nova classe social (os endinheirados metecos), novos contratos (de empréstimos com hipoteca) e transformações radicais, que, literalmente, foram destroçando a instituição tribal e seus valores (baseados nos laços de sangue). Surgem as leis territoriais (que garantem o mercado e não a ordem da tribo); a polícia (escravos armados a mando de autoridades executivas e não da assembléia tribal); as associações de artesãos e outros profissionais (desestruturando e descaracterizando a igualdade tribal). O capital de empréstimo, ao mesmo tempo, vai arrasando os pequenos proprietários rurais, que perante o novo monstro, a hipoteca, perdem as terras e são obrigados a escravizar os filhos para pagar os saldos devedores e os juros escorchantes. As tribos gregas foram, ao que se vê, uma das primeiras vítimas desse fenômeno revolucionário, que hoje se está chamando de globalização, ou seja, da substituição radical de uma ordem social por outra, mais complexa e mais competitiva. Qual foi a saída, na experiência grega? A constituição de Solon, i, é, a intervenção do Estado, Estado que é, naturalmente, o elemento de controle e mediação da propriedade: limitou-se o latifúndio (reforma agrária?); proibiuse a escravidão de cidadãos por dívida (direitos humanos?); realizou-se, enfim, uma ampla adequação jurídico-política da nova realidade, ao mesmo tempo em que, à nova ordem, o Estado nascente, apropriava-se do exército, da polícia e do monopólio do bem comum. E assim, fechou-se o ciclo, da mesma forma como deverá ocorrer, também, em face da globalização e sua contrarevolução! 2 Ver ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 14 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 224p.

4 A armadilha da propriedade intelectual na globalização Com o TRIPSs (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), ou Acordo OMC (Organização Mundial do Comércio), na Rodada Uruguai 3, em 1994, os países desenvolvidos (identificados, no momento, como G-8), na linha dos novos ricos de Atenas e sua hipoteca, lograram um tento insuperável frente aos parceiros mais fracos: articularam um novo e reforçado modelo de proteção jurídica de seus interesses de propriedade intelectual, pelo qual os demais Estados não só recepcionariam em sua legislação interna um esquema de tutela sem restrições, como ficariam sujeitos a um órgão fiscalizador internacional (a OMC) com o respectivo mecanismo de sanção (na hipótese de descumprimento das regras). Assim, os demais Estados foram neutralizados na sua função reguladora e de ajuste aos interesses sociais, da mesma forma que o foi a organização tribal grega, no episódio histórico acima resumido. Com isso, o Brasil, por exemplo, foi coagido a aprovar nova base legal no setor (Lei 9.279/96, Lei Complementar 86/96, Lei 9.609/98, Lei 9.610/98, 9456/97) 4, assim como Uruguai (Lei 17.011/98, Lei 17.052/98) e Paraguai (Lei 1.294/98). No âmbito do próprio Mercosul, o Protocolo de Harmonização de Procedência e Denominações de Origem, objeto da Decisão nº 8/95, embora ainda não efetivado, tende a reproduzir, também, o mesmo paradigma: no interior do bloco, só se respaldam os interesses da propriedade intelectual, sem a possibilidade de conformá-los à função social. No caso da ALCA, e seu Grupo de Negociação sobre Direitos de Propriedade Intelectual, nem se fala; sob a Presidência dos Estados Unidos, as negociações estampam, claramente, os objetivos da Declaração Ministerial de São José 5 : Reduzir as distorções no comércio hemisférico e promover e assegurar uma adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual, referendando as mudanças tecnológicas. E nada mais. Trata-se, portanto, de uma nova fase feudal, ou de um proto-estado Mundial, como prefere Steffan 6, em que o grande capital estrutura-se para impor direitos, sem a contrapartida de deveres sociais. Estabeleceu-se um regime político e jurídico pelo qual as empresas transnacionais vão usufruindo 3 PUIG, Carmen Soriano. O rosto moderno da pobreza global : as lições do GATT/OMC: a rodada Uruguai. Petrópolis: Vozes, 1995. 4 ADOURIAN, Eva Haig. O tratamento das m@arcas no Mercosul. Meio Jurídico. São José do Rio Preto, n. 46, p. 34-40, jun. 2001. 5 GRUPO DE NEGOCIAÇÕES SOBRE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL. www.cice.oas.org/int-prop.asp#pop. 26 jul. 2001. 6 STEFFAN, Heinz Dieterich. Globalização, educação e democracia na América Latina. In: CHOMSKY, Noam; DIETERICH, Heinz. A sociedade global : educação, mercado e democracia. Trad. Jorge Esteves da Silva. Blumenau: FURB, 1999. p. 67-259. (Sociedade e Ambiente).

de sua força econômica e tecnológica, amparadas nos Estados-Nações dominantes e seu poderio (o G-7 ou G-8), e mediante uma base legal supranacional inquestionável (por parte da ordem interna dos demais países que compõem o espaço ampliado de mercado). O perverso modelo deverá permanecer enquanto não se lhe contrapuser uma constituição de Sólon, fechando o ciclo, num Estado mundial democrático. 5 A função social da propriedade intelectual: num estado democrático de direito mundial Cumpre, portanto, perante o atual estado das coisas, tratar de impor limites ao conteúdo da propriedade intelectual, em favor de interesses coletivos maiores, como a saúde, a cultura e o meio ambiente. Isso somente será possível com um estado mundial democrático, que trate de baixar e fazer respeitar leis que imponham (erga omnes)uma função social à propriedade intelectual. Até agora, isso não tem sido possível e há muito que caminhar, desde o Fórum Social Mundial de Porto Alegre (fevereiro de 2001) e dos balaços de Gênova. Basta lembrar que os Estados Unidos, por exemplo, tem ignorado, solenemente, as condenações impostas por organizações da ONU, valendo lembrar a indenização que deveria ser paga ao Governo Nicaragüense, em face do episódio dos contra da Nicarágua; sem poder de coerção, a decisão do Tribunal Internacional de Justiça de Haia foi olimpicamente ignorada, e não encontrou a menor ressonância... nos meios de comunicação do país ou na opinião pública mundial em geral. 7 Por outro lado, as tentativas do Brasil de virar o feitiço contra o feiticeiro perante a OMC (a propósito dos medicamentos anti-aids e dos protecionismos de União Européia e Estados Unidos) 8, podem esbarrar na mesma limitação de falta de coerção jurídica, por falta de um Estado de Direito mundial, a ser conquistado. Boaventura de Sousa Santos 9, no calor dos fatos, após os protestos antiglobalização e a violência policial de Gênova, entende que essa globalização que está em curso é insustentável e que deve abrir diálogo com uma globalização alternativa. 7 Id., p. 101. 8 JOGO DURO. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2001. Editoriais, p. A2. 9 SANTOS, Boaventura de Sousa. As lições de Gênova. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 jul. 2001, Opinião, p. A3.

6 Resumindo e concluindo Parece claro que o primeiro passo, ante as mudanças que se estão vivenciando, é diagnosticar corretamente o fenômeno e desmistificar o discurso daqueles que não estão com a razão. No caso da propriedade intelectual, o exame histórico e estrutural aponta para a necessidade de criação do adequado mecanismo de controle, que só se obterá com a recuperação do poder estatal, poder este que foi temporariamente suprimido (ou desviado) por essa armadilha feudal da globalização. Milita em favor disso a própria lógica estrutural da propriedade, pois é no seio do Estado, como seu viu na Grécia Antiga, que ela recupera e acomoda as distorções intoleráveis da mudança. No caso da globalização, impõem-se a perspectiva de um Estado Mundial e Democrático de Direito. Isso, os senhores feudais e os burgueses vitoriosos de ontem que o digam, não se ganha, se conquista.