INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL UMA EXPERIÊNCIA REAL E ALGUMAS REFLEXÕES



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Transcrição:

INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL UMA EXPERIÊNCIA REAL E ALGUMAS REFLEXÕES Após o advento da Revolução de 1964 e com a idéia de Brasil Potência Militar, no ano de 1967 foi criado um grupo de trabalho composto por Engenheiros de Automóveis, a maioria oriunda da Escola de Engenharia do Exército, atual Instituto Militar de Engenharia IME e que foram os responsáveis em projetar blindados de concepção nacional para atender às necessidades do Exército. Este grupo trabalhou junto por aproximadamente doze anos e foram os responsáveis por projetos importantes que concebidos no Parque Regional de Motomecanização da 2ª Região Militar de São Paulo (PqRMM/2) onde chegaram ao estágio de protótipos foram repassados à indústria privada brasileira e esta produziu alguns destes modelos em escala industrial inclusive atendendo a clientes estrangeiros em aproximadamente vinte países, além de suprir partes das necessidades do Exército. Vale ressaltar que todos os projetos foram concebidos e construídos dentro do Exército, com recursos gerados dentro do próprio PqRMM/2, que chegou inclusive a importar canhões e torres para aprendizado e posterior aprimoramento que foram responsáveis pelo desenvolvimento de toda uma família de blindados sobre rodas ainda em uso no Brasil e exterior.

Torre com canhão de 76mm e torre rardem para canhão de 30mm, inglesas, importadas na década de 1970. (Fotos: coleção autor) O mais importante foi a interação entre este grupo e as empresas brasileiras e algumas multinacionais que materializaram os primeiros sonhos para uma realidade até então nova no país. O problema é que a partir do momento que contratos foram assinados para a produção das primeiras pré-séries com empresas brasileiras, todo este conhecimento foi entregue inclusive os protótipos, para que elas dessem início à produção, não garantindo nenhum direito sobre os desenhos, patentes, etc. que viessem a beneficiar diretamente o Exército como é comum na Europa, por exemplo, onde o fabricante repassa à força responsável por aquele projeto um percentual sobre as unidades exportadas, auferindo assim lucros para que não dependa apenas dos minguados orçamentos, como é o nosso caso. Pré-série dos 8 primeiros Cascavel, produzidos pela Engesa, em 1973, pronta para os testes, São Paulo Rio Grande do Sul e testando suspensão e torre nova, nacional, com canhão de 90mm francês em 1972 no protótipo construído pelo PqRMM/2 em São Paulo. (Fotos: Coleção autor) Após o sucesso inicial, os anos 70 e 80 foram o pontos alto na produção de blindados de concepção nacional ou como digo sempre MADE IN BRAZIL, é claro que a situação do mundo naquele momento favorecia em muito este tipo de desenvolvimento, ainda existia a Guerra Fria, vários conflitos pelo planeta, os grandes parceiros do Brasil que possuíam petrodólares eram a Líbia e o Iraque. Os produtos brasileiros passaram a ter uma boa aceitação no mercado internacional, com uma única empresa, Engesa, vendendo a dezoito países,

blindados e caminhões, alguns modelos que nem o Exército Brasileiro chegou a utilizar. Torre Engesa com canhão de 90mm montada sobre veículo 6x6 Mowag-Cardoen em testes no Chile em 1981 e sobre chassi Steyer sobre lagartas na Grécia. (Fotos: Coleção autor) Pontos importantes para se desenvolver e manter uma Indústria de Defesa: CONHECER O NOSSO PASSADO através de todos os erros e acertos conseguidos em quase três décadas; DESONERAÇÃO FISCAL - buscando, basicamente, produzir no Brasil com a mesma carga que onera os produtos importados; POLÍTICA REAL DE OFFSET que realmente transfira tecnologia de ponta para o país; ORÇAMENTO IMPOSITIVO PARA A ÁREA DE DEFESA, pois na atualidade é obra de ficção; FINANCIAMENTO para desenvolvimento de Produtos de Defesa com aquisição de pré-série. EVITAR IMPORTAÇÕES de produtos que podem ser desenvolvidos e produzidos por empresas no Brasil; FORTALECER O MINISTÉRIO DA DEFESA para que tenha maior poder de decisão; COMPREENDER A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO CONHECIMENTO GERADO PELOS DIVERSOS ÓRGÃOS MILITARES preservando-os como fontes para estudos futuros. Para concretizarmos uma Indústria de Defesa sólida e que possa atender a demanda das Forças Armadas, faz-se necessário: readequar o nosso Parque Industrial de Defesa, com fusões de empresas, tornando-as mais competitivas e diversificadas, como tem sido feito na Europa e Estados Unidos;

criar uma agência de aquisição e avaliação de material para as três forças ligadas ao Ministério da Defesa, com poder de decisão e como forma de transformar as Forças Armadas em operadoras de sistemas de armas e não detentoras de plataformas A ou B, interagindo-as nos sistemas que forem comuns; recriar empresas estatais para produção de material de defesa que não seja de interesse das privadas (pouca lucratividade, pequenas quantidades e longo intervalo de compras), como forma de suprir e manter operacional itens importantes que possam ser produzidos no país, evitando-se importações em escala pequena como tem ocorrido na atualidade; flexibilizar nossos requisitos técnicos, pois no papel são excelentes, mas na prática lamentáveis; criar maior interação entre os diversos centros de pesquisas, civis e militares, que, embora pesquisem as mesmas coisas, na atualidade funcionam como ilhas, sem comunicação uma com as outras, gerando gastos e cometendo erros reincidentes até obterem praticamente os mesmos resultados, visto que sempre estamos a reinventar a roda, cometendo erros idênticos a cada 20 anos; criar regras bem definidas quanto aos itens que seriam de maior interesse para o reequipamento das Forças Armadas e para que os gargalos tecnológicos a serem enfrentados possam vir de cooperação oriundas de países que realmente querem e podem transferir tecnologia de ponta que muito ajudaria para salvarmos os sobreviventes do que foi a Indústria de Defesa Brasileira; conhecer o nosso passado e aí sim termos uma idéia do que pode ser aproveitado para o aprimoramento e a continuação de projetos que eram viáveis na década de 1990 e que ainda podem muito bem, com algumas modernizações, terem um grande valor para reequipar nossas Forças Armadas e servir como plataforma para agregar conhecimento importantes, e, a partir daí, caminharmos para uma sofisticação maior, visto que em tecnologia não se dá grandes saltos, mas sim pequenos passos que somados possibilitem um caminhar suave e crescente; definir o porquê, para quê e como pretendemos no futuro, empregar essas forças, qual o nível de tecnologia que queremos e necessitamos, visto que não temos ambições expansionistas, mas precisamos criar um bloco regional, que sem dúvida caberá a nós ser o elo e a força maior para que a região possa ter mais voz ativa no conturbado século XXI, cujo horizonte não é dos melhores; evitar que empresas ligadas à área de defesa digladiem entre si, como no passado, fazendo com que muitos projetos fossem largados de lado, numa competição que caminhava para uma quase hegemonia de um determinado grupo, sendo que muitas das soluções e necessidades reais de nossas Forças Armadas foram esquecidas, sonhando com um grau de sofisticação muito distante de nossa realidade, tanto que hoje continuamos a comprar equipamentos de segunda-mão excedentes da Europa e Estados Unidos, embora, em vários casos, houvesse um similar nacional, muitas vezes superior ao que vem sendo adquirido;

ter uma visão estratégica que nos faltou em décadas passadas, e compreendermos que produzir e desenvolver material de defesa não fazem mal à sociedade, visto que se conseguirmos dominar pontos importantes nesta área, ela trará enorme benefício a todos, desenvolvendo tecnologias sensíveis que os países mais desenvolvidos não querem e não podem nos transferir; só um decreto não basta para mantermos e ampliarmos uma Indústria de Defesa. Seria de extrema importância manter um museu tecnológico que agregasse tudo o que sobrou do nosso desenvolvimento nessa área nas décadas passadas, com a finalidade de servir de base para desenvolvimentos futuros; analisar a grande interatividade entre as indústrias nacional e multinacionais e as Forças Armadas, na época, transformando o País num produtor de material de defesa para seu uso e exportação, com erros e acertos, desenvolvendo tecnologias que na maior parte não podia ser comprada, pelas simples razão de que quem as detém não ensina a dominar seu ciclo de produção, criando a terrível dependência; diversas etapas do ciclo de projeto, desenvolvimento e produção foram exercitados e entendidos. No momento em que toda a cadeia de desenvolvimento e produção entrou em crise, os governantes não cuidaram em preservá-la, incluindo aí todo o conhecimento gerado por anos de pesquisas e qualificação de pessoal, que, da noite para o dia, se viu desempregado, desamparado e lançado à própria sorte. Nem o material foi mantido para uma retomada futura a maior parte virou papel velho e o maquinário e protótipos simplesmente foram sucateados, vendidos como ferro-velho, sepultando assim um fator essencial para o domínio da tecnologia na área de defesa; Faltou visão estratégica e vontade política, pois as alegações de que importar é mais barato e que isso era coisa da ditadura prevaleceu nos últimos anos e somente agora estamos percebendo o que realmente foi feito. O DESEJO DE TER UM EQUIPAMENTO BRASILEIRO DEVE SER DOS BRASILEIROS E NÃO DOS FABRICANTES MUNDIAIS. TECNOLOGIA NÃO SE COMPRA, DESENVOLVE-SE.