Matosinhos: território de mobilidades O desenvolvimento do tecido urbano, as alterações do modo de vida, a flexibilidade do automóvel particular, associada a uma oferta nem sempre satisfatória de transportes colectivos, estão na origem do considerável aumento da circulação automóvel nas cidades, nos últimos 40 anos. Embora, por vezes, a descentralização das actividades ou das zonas de habitação tenha sido acompanhada pelo desenvolvimento de infra-estruturas ou de serviços de transportes públicos adequados, a verdade é que, por falta de uma visão integrada entre as políticas de urbanismo e as políticas de transportes, se assiste ao domínio quase absoluto do automóvel particular. Se a sua omnipresença é flagrante e pesada nos centros das cidades, é sobretudo nas zonas suburbanas que se verifica um mais rápido crescimento do tráfego. Ora, nestas zonas onde as necessidades de deslocação são mais difíceis de apreender e de satisfazer, o transporte colectivo, tal como é actualmente concebido, não se mostra suficientemente flexível. (CE, 2001) A mobilidade constitui um elemento tipificador do desenvolvimento económico e social das sociedades democráticas modernas. Assumida como um direito fundamental inalienável, uma exigência de sustentabilidade no próprio processo de desenvolvimento, a procura crescente de transporte não pode, contudo, ser satisfeita apenas com a construção de novas infra-estruturas. Os desafios actuais, relacionados com o congestionamento, a segurança a qualidade dos serviços, exigem a coordenação entre políticas de transporte e políticas urbanas, a introdução de uma nova prática de gestão integrada da mobilidade. A gestão e ordenamento do território não pode ser feita independentemente das políticas de transporte, e a gestão e planeamento dos sistemas de transporte não pode ser feita independentemente das políticas urbanas. Com efeito, os territórios são, na época contemporânea, por excelência, territórios de mobilidade, sobre os quais se inscrevem complexos fluxos de pessoas, de bens e de informação. A mobilidade apresenta-se hoje com uma forma diferente de abordagem, contendo conceitos diversos, participando num processo de conhecimento multifacetado, por ser um dos temas de maior transversalidade disciplinar (Paula Teles, 2003). A definição de estratégias exigirá a avaliação da capacidade disponível em mobilidade, ou seja, da distribuição e densidade da rede viária e dos transportes, assim como a avaliação das suas potencialidades, debilidades, constrangimentos e impactos económicos sociais e ambientais, de forma a possibilitar a criação de medidas capazes de melhorar a qualidade de vida, num contexto de desenvolvimento sustentável a diferentes escalas territoriais. O desafio da sustentabilidade urbana é procurar solucionar tantos os problemas que as cidades conhecem como os por elas causados, reconhecendo que as próprias cidades encontram muitas soluções potenciais, em vez de os deslocar para escalas ou localizações diferentes ou de os transferir para as gerações futuras. Conseguir uma acessibilidade urbana sustentável é uma etapa essencial para a melhoria global do ambiente urbano e a manutenção da viabilidade económica das cidades. A realização dos objectivos em matéria de ambiente e de transportes exige abordagens integradas, que combinem o planeamento dos transportes, do ambiente e do ordenamento do território. A melhoria das condições de mobilidade e de acessibilidade, e a conciliação destes objectivos com os do desenvolvimento económico e a protecção do ambiente constituem os desafios fundamentais da política de transportes urbanos na Câmara Municipal de Matosinhos, Dezembro de 2004 1
implementação e gestão de um sistema de transporte urbano multimodal integrado, que promova modos de transporte complementares em vez de concorrentes. (CE, 1996) A mobilidade e as acessibilidades A diversidade urbana de Matosinhos e a complexidade da sua estrutura viária são o resultado da sua afirmação histórica enquanto plataforma de comunicação da região com o resto do país e do Mundo, assim como da sua capacidade de dinamização de espaços endógenos de emprego. Ao contrário da generalidade dos territórios periféricos, que se tornam dormitórios da cidade-mãe, o crescimento urbano de Matosinhos não foi uma consequência exclusiva da sua geografia periférica à grande cidade (Porto). Matosinhos, sempre foi excepção a esta regra, pela capacidade de produzir desenvolvimento no seu próprio território, em sectores com o das pescas, da indústria conserveira, e, mais recentemente, no terciário superior, designadamente, nos sectores dos transportes, comunicações e dos serviços logísticos de apoio às grandes infraestruturas de transportes. É, neste contexto, que Matosinhos se afirma como o segundo município da área metropolitana, depois do Porto, que mais mobilidades pendulares capta dos municípios vizinhos. De referir que a taxa bruta de atracção, que mede a relação entre o número de empregados ou estudantes não residentes no município e o total de pessoas que aí trabalham e estudam (independentemente da residência), aumentou de 32% para 36% entre 1991 e 2001. Ainda em 2001, o total de pessoas a entrar, diariamente, no município, para aí trabalhar, aumentou de 21751 para 25068, e, para estudar, aumentou de 399 para 1771. Entre os fluxos mais relevantes, saliente-se, que Matosinhos captava, quotidianamente 7113 pessoas provenientes do Porto (correspondendo ao maior movimento de pessoas que daí saem diariamente), 6073 pessoas provenientes da Maia, 3913 de V. N. de Gaia e 3371 de Gondomar. Os indicadores gerais de mobilidade da AMP em 2000, permitem concluir que a população de Matosinhos é extremamente móvel (ou seja, desloca-se pelo menos uma vez por dia) e a mais móvel da AMP. Para o conjunto do município, 83% da sua população residente é móvel, constituindo a taxa de mobilidade mais elevada da AMP (Porto: 75%). No mesmo sentido, segundo os Censos 2001, Matosinhos apresenta-se com uma taxa de mobilidade pendular de 50% (Porto: 46,5%), uma das mais elevadas da AMP. Internamente ao município, os movimentos casa-trabalho ou casa-escola passaram de 47590 pessoas para 47856 pessoas, entre 1991 e 2001, enquanto que o número de pessoas a sair do município para trabalhar ou estudar aumentou de 30467 para 35627. A rede viária nacional, que atravessa o município, se, por um lado, permitiu reduzir as distâncias-tempo, favorecendo a acessibilidade no plano municipal e nacional, tornando-o mais próximo dos grandes centros, em contrapartida, fragmentou-o em diversos territórios, com consequências de descontinuidade jamais reparadas. O IC1, o IC24, a Via Norte e a Circunvalação são os eixos rodoviários estruturantes, vocacionados para o tráfego rápido de atravessamento e ligação. A reformulação, em curso, do itinerário do IC1, entre o nó do Freixieiro e o nó de Francos muito irá contribuir para impedir o actual e permanente congestionamento do tráfego desta via que, em muitas situações, impede a fluidez da rede viária de menor hierarquia. Por outro lado, irá permitir uma maior segurança pedonal, uma vez que está contemplada a construção de várias passagens superiores de peões. Câmara Municipal de Matosinhos, Dezembro de 2004 2
A reformulação de alguns nós, designadamente o do Freixieiro, também será extremamente importante, pois permitirá segregar o tráfego local do tráfego de atravessamento. Está também prevista uma ligação que permita o acesso directo à refinaria da Petrogal e melhorada a distribuição do tráfego para a zona industrial e futura plataforma multimodal de transportes, de forma a libertar a malha urbana do tráfego pesado (CMM, 2001). A construção do IP4 (já em curso) e das Vias Rápidas VRI (Via de ligação entre o nó do aeroporto do IC24 e o nó de Custóias do IP4) e VILPL (Via desenvolvida pela APDL e exclusivamente dedicada ao tráfego com o porto de Leixões - que se prevê ser superior a 1000 veículos/dia), terão funções fundamentais na melhoria da fluidez do tráfego de atravessamento de ligação norte/sul (VRI) e nas condições de acesso ao Porto de Leixões, o que desafogará a rede urbana do tráfego pesado. Relativamente à rede Ferroviária, importa referir que o município de Matosinhos é atravessado por três linhas ferroviárias que foram determinantes para o desenvolvimento da Área Metropolitana do Porto, as linhas da Póvoa e de Guimarães, as quais foram integradas na rede do Metro do Porto, e a linha de Leixões (actualmente desactivada). Os diferentes modos de transporte Entre 1991 e 2001, nas deslocações pendulares da população residente em Matosinhos, o automóvel substituiu o autocarro, como modo de transporte dominante. Efectivamente, enquanto, em 1991, 33,3% dos movimentos pendulares eram feitos em automóvel e 38,9% em transporte público, em 2001, o automóvel passa a ter um peso 53,9%, contra 28,9% do transporte público. Em 2000, e em média, 54% da população residente do concelho de Matosinhos efectuava as deslocações em automóvel, contrapondo com 16% realizadas em transportes públicos. Os valores limites do uso do automóvel nas deslocações encontravam-se na Maia (60%) e no Porto (44%). No entanto, à escala da freguesia registam-se valores bem mais diferenciados, como é o caso de Leça da Palmeira, cujos residentes utilizam o automóvel em 86% das deslocações, constituindo a taxa mais elevada das freguesias da AMP, a que se segue Nevogilde (77%) e a Foz do Douro (68%). O desequilíbrio entre modos de transporte, em favor do predomínio do automóvel, é um fenómeno que tende a agravar-se, arrastando os problemas típicos das grandes cidades, o congestionamento da rede viária, a insegurança e a perda de competitividade territorial. Para inverter esta tendência é necessário concentrar esforços, à escala metropolitana, no desenvolvimento da intermodalidade e de alternativas eficientes, em concorrência ou em complementaridade, ao transporte individual. Este constituirá um dos maiores desafios que se colocam a Matosinhos e à AMP para os próximos anos. Um contributo decisivo para o sucesso deste desafio é a extensa rede de transportes públicos rodoviários assegurada pela STCP e por outros operadores, como os Transportes Resende, que propicia uma enorme irrigação territorial local e de ligação ao Porto. A sobreposição da rede de transportes públicos rodoviários com a rede do Metro do Porto, origina uma infra-estrutura de transporte fundamental para as necessidades de mobilidade do município, que alarga o espectro de modos de transporte disponíveis, mas que constitui, também, um atributo qualificador do espaço urbano. Câmara Municipal de Matosinhos, Dezembro de 2004 3
Neste sentido, o desenvolvimento de uma política municipal de transportes públicos, assumindo como pressupostos a compatibilidade e integração com a rede do Metro, a expansão da diversidade modal que é exigida pelas novas formas e ritmos de vida, a criação de um adequado sistema de interfaces e de instrumentos de coordenação intermodal, é uma aposta fundamental do município, para a melhoria da qualidade de vida e da qualidade da circulação urbana. A mobilidade pedonal é também bastante importante em Matosinhos. Em 2000, as deslocações a pé representavam 26% do total de deslocações, correspondendo à segunda maior taxa de mobilidade pedonal da área metropolitana (Porto: 30%). A transformação de algumas ruas em pedonais ou partilhadas, o aumento das áreas de circulação a pé (passeios), a eliminação das barreiras urbanísticas de alguns locais, em particular das áreas mais centrais e históricas da cidade, são factores que muito têm contribuído para fomentar as mobilidades pedonais, de todos, incluindo a população com mobilidade condicionada. À mobilidade urbana de génese municipal e metropolitana, acresce a mobilidade de âmbito nacional e internacional gerada pelas grandes plataformas de comunicação que são o Porto de Leixões e o Aeroporto Dr. Francisco Sá Carneiro, na qual se alicerça grande parte da especificidade que assume o fenómeno da mobilidade em Matosinhos. Essa especificidade não poderá deixar de se aprofundar com os projectos, em curso, de beneficiação e alargamento dessas duas importantes infra-estruturas de transportes, assim como com os projectos associados à construção de uma Plataforma Logística, destinada a coordenar, futuramente, à escala peninsular, a circulação e distribuição dos produtos. Os novos desafios da mobilidade no concelho de Matosinhos Tão importante como estudar o tráfego, é estudar os movimentos dos diferentes grupos que compõem a mobilidade, enquanto direito e liberdade de cidadania. Consequência da difusão das novas tecnologias e do processo de globalização, criaram- Câmara Municipal de Matosinhos, Dezembro de 2004 4
se mobilidades inéditas e mais diversificadas. São as novas mobilidades em emergência: as mobilidades sociais, resultantes dos novos ritmos e estilos de vida que as cidades contemporâneas têm proporcionado, e que se manifestam, em Matosinhos, por elevados índices de mobilidade gerados por outros motivos que não o trabalho ou os estudos, em particular o motivo de lazer e de compras. Estes novos fenómenos de mobilidade e as mobilidades emergentes, em segmentos como o das mulheres e dos idosos, lançam novos desafios ao planeamento urbano e dos transportes, pois representam movimentos mais irregulares, heterogéneos e diversificados. Exigem-se assim, soluções cada vez mais individualizadas, políticas integradas e regulações colectivas mais complexas, que, inequivocamente, a gestão de tráfego de forma isolada, já não consegue resolver. A articulação entre os diferentes modos de transporte, a criação de interfaces, as políticas de circulação e estacionamento, são desafios permanentes a uma gestão sustentável da mobilidade. Novas apostas já se iniciaram ou estão em vias de arrancar, como a participação do município como sócio fundador da Rede Nacional das Cidades e Vilas com Mobilidade para Todos, cujo objectivo é o de eliminar barreiras urbanísticas e projectar a cidade numa óptica de cidade para todos, ou o projecto BIMAS (Bicicletas Públicas Gratuitas de Matosinhos), a Loja da Mobilidade e a criação da Plataforma Logística. bibliografia BANISTER, DAVID (2000), Sustainable urban development and transport a Eurovision for 2020, in Transport Reviews, Vol. 20, No.1, 113-130, London. BONNET, M. ET DESJEUX, D. (Org) (2000), Les territoires de la mobilité, PUF, Paris. CE (1996), Relatório: Cidades Europeias Sustentáveis. Grupo de Peritos dos o Ambiente Urbano. Comissão Europeia. CE (2001), Livro branco: A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010. Comissão Europeia. CMM (1989), Plano Director Municipal, Câmara Municipal de Matosinhos. CMM (2001), Acessibilidades, Mobilidade e Estacionamento em Matosinhos, Comunicação apresentada pelo Gabinete do Presidente (21.09.2001). DEPARTMENTS OF ENVIRONMENT, TRANSPORT AND THE REGIONS (1999), Proposals for a Good Practise Guide on Sustainability Appraisal of Regional Planning Guidance http://www.planning.detr.gov.uk [ Março 2002]. GEE (2004), Apresentação do PA de Matosinhos aos Agentes Locais, súmula de apoio à caracterização Sócio-Económica do Município, Gabinete de Estudos Estratégicos, Câmara Municipal de Matosinhos. INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2002), Inquérito à Mobilidade da População Residente 2000, Publicação do Instituto Nacional de Estatística / Direcção Regional do Norte, Novembro 2002, Porto. TELES, Paula (2003), Os Territórios (Sociais) da Mobilidade Um desafio para a Área Metropolitana do Porto, Dissertação de Mestrado em Planeamento e Projecto do Ambiente Urbana, FEUP/FAUP, Porto. Câmara Municipal de Matosinhos, Dezembro de 2004 5