Tecnologia sociais entrevista com Larissa Barros (RTS)



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Transcrição:

Tecnologia sociais entrevista com Larissa Barros (RTS) A capacidade de gerar tecnologia e inovação é um dos fatores que distinguem os países ricos dos países pobres. Em sua maioria, essas novas tecnologias surgem em empresas e laboratórios de pesquisa. Por esse motivo, os governos têm se esforçado em buscar ferramentas que facilitem ou incentivem o investimento ento na área de pesquisa por parte das empresas, como é o caso da Lei de Inovação e do Programa de Apoio a Pesquisa em Empresas. Afinal, por trás do desenvolvimento econômico e social de qualquer país, está uma sólida plataforma tecnológica. No entanto, existe outro tipo de tecnologia que une os saberes acadêmico e popular e nasce, geralmente, não em um laboratório, mas dentro da própria comunidade. Com baixo custo de implementação e alto potencial transformador, essas tecnologias oferecem soluções relativamente simples para problemas cotidianos da população. Um exemplo bem conhecido é o soro caseiro. O copo de água com uma pitada de sal e duas colherinhas de açúcar já salvou milhares de crianças da desidratação. Fácil de ser aplicado em qualquer localidade, seu sucesso tem uma explicação científica: o sal e o açúcar possuem elementos que fixam a água no organismo, evitando que a pessoa se desidrate. O soro caseiro é o que chamamos de tecnologia social. A definição mais difundida atualmente caracteriza tecnologia social como produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas em interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social. Elas surgem a partir da união de esforços entre diferentes atores como organizações da sociedade civil, iniciativa privada, instituições de ensino e pesquisa e o próprio governo. Seu objetivo é contribuir para a inclusão social, geração de trabalho e renda, promoção do desenvolvimento local sustentável, dentre outros desafios.

O número de iniciativas desse tipo tem crescido no Brasil, chamando a atenção de pesquisadores e empresários. Uma das conseqüências desse aumento foi a criação da Rede de Tecnologia Social (RTS), organização que tem por objetivo contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável por meio da difusão e reaplicação, em escala, de tecnologias sociais. A Rede procura estimular a adoção de tecnologias sociais como políticas públicas, a apropriação das tecnologias sociais por parte das comunidades e odesenvolvimento de novas tecnologias sociais. Larissa Barros, secretária executiva da RTS Atualmente, a RTS é composta por entidades de todas as regiões do Brasil e também da América Latina. Para o biênio 2007-2008, o compromisso dessas instituições é ampliar ainda mais a escala de reaplicação das tecnologias sociais que têm obtido diversos resultados, promovido a inclusão e melhorado a qualidade de vida de milhares de pessoas e famílias. A RTS foi criada a partir da constatação da importância estratégica das tecnologias sociais para o desenvolvimento e a integração de diferentes agentes da sociedade para a construção de uma nova estrutura social, explica Larissa de Oliveira Constant Barros, secretária executiva da Rede. Nesta entrevista, Larissa, que é formada em Sociologia e especialista em Desenvolvimento Local, fala sobre o surgimento desse conceito e a importância que as tecnologias sociais assumem no contexto atual. Para ela, a partir do momento em que há reconhecimento de que essas ações promovem transformação social e melhoria da qualidade de vida, desperta-se o interesse de órgãos do governo e abre-se espaço para a discussão de novas políticas públicas. Um exemplo de sensibilização das autoridades foi a reunião recente realizada na Câmara Federal sobre o tema, quando foi decidida a criação de uma subcomissão de tecnologia social para elaborar um marco regulatório sobre o tema. Por tudo isso, a expectativa é que as iniciativas se multipliquem por todo o País, criando alternativas de desenvolvimento, inovação e qualidade de vida. Como são definidas as chamadas tecnologias sociais? O que as diferencia de outros tipos de tecnologias? O conceito de tecnologia social com o qual trabalhamos compreende produtos, técnicas ou metodologias que sejam reaplicáveis, desenvolvidas em interação com as comunidades e que representem efetivas soluções de transformação social. Nesse conceito, destaco dois elementos fundamentais. O primeiro deles é a idéia de reaplicação, que é diferente de replicação. A tecnologia social não pode ser simplesmente copia-da tal como foi concebida (replicação). É importante que, no processo de multiplicação das experiências, ela seja recriada, ajustada, que sejam agregados novos elementos pelas pessoas da comunidade. Com isso, espera-se que o conhecimento seja, de fato, apropriado pelas pessoas e reconstruído por elas. É a esse movimento que chamamos de reaplicação. Outra questão bastante importante é a interação com a comunidade. Em geral, as pessoas pensam que essa interação se dá apenas a partir da apresentação de demandas a serem solucionadas

com o aporte do conhecimento acadêmico, mas não é disso que estamos falando. A conexão entre os saberes acadêmico e popular se dá desde o momento da identificação das demandas até o próprio desenvolvimento e utilização das tecnologias sociais. E essa dimensão é importante porque traz à tona o reconhecimento da importância do saber popular e tradicional para a definição e construção de soluções realmente sustentáveis. Esse termo é relativamente novo. Quando e como ele surge? Esse conceito vem sendo cons-truído no Brasil desde a década de 1970, quando se começou a falar de tecnologias apropriadas ou tecnologias alternativas. Nessa época, já se mostrava a importância do estabelecimento da conexão entre as universidades e os institutos de pesquisa com as demandas reais das comunidades, da necessidade de um olhar mais inclusivo e emancipatório sobre os principais problemas da maioria das pessoas. O conceito de tecnologia social agregou o componente da participação e da relevância do conhe-cimento construído por essas pessoas ao processo. Ele vem ganhando força principalmente a partir do ano de 2001, com um visível avanço desde 2003, com o foco governamental nas políticas voltadas à promoção da inclusão social. Geralmente, onde surgem as tecnologias sociais? Nos laboratórios? Dentro da própria comunidade, que apresenta suas demandas aos pesquisadores? As tecnologias sociais surgem, muitas vezes, nas comunidades, e se desenvolvem a partir da conexão de saberes populares e acadêmicos. Ou seja, é fundamental que haja esse envolvimento direto entre as pessoas que vivenciam os problemas e que já sabem por onde passam as soluções para eles e as universidades e institutos de pesquisa, que trazem um acúmulo de conhecimentos diferentes obtidos a partir de estudos e pesquisas sistematizadas no ambiente acadêmico. A partir desse encontro, o conhecimento se estrutura e as tecnologias sociais são construídas. Que exemplos interessantes de tecnologias sociais já aplicadas no Brasil podem ser citados? São muitos exemplos, existem tecnologias sociais voltadas à solução de problemas de várias ordens: saúde, educação, saneamento, habitação, geração de trabalho e renda. Podemos citar alguns exemplos clássicos, que hoje já se tornaram políticas públicas, como o soro caseiro, a multimistura, a cisterna de placa (sistema de captação de água de chuva para o consumo humano) ou metodologias de alfabetização. No âmbito da Rede de Tecnologias Sociais, têm sido construídas alianças e parcerias com o propósito de multiplicar experiências de tecnologias sociais voltadas à geração de trabalho e renda. Os territórios onde a atuação tem sido mais expressiva são o Semiárido, a Amazônia Legal e periferias de grandes centros urbanos. No caso do Semi-árido, existe o Sistema Pais Produção Agroecológica Integrada e Sustentável. Trata-se de um sistema de produção de hortaliças e pequenos animais, que utiliza irrigação por gotejamento, trabalhando com a filosofia da

permacultura (conceito criado nos anos 1970 que significa a reunião dos conhecimentos de socie-dades tradicionais com técnicas inovadoras, com o objetivo de criar uma "cultura permanente", sustentável, baseada na cooperação entre os homens e a natureza). Existe, ainda, o Programa P1 + 2 Uma terra e duas águas, associação de várias tecnologias de captação e manejo sustentável de água da chuva para produção de alimentos e pequenos animais. Na Amazônia Legal, podemos citar a certificação socioparticipativa de produtos agroextrativistas. Essa foi uma forma encontrada para agregar valor à produção familiar na Amazônia e atestar que a mesma foi confeccionada sem o uso de insumos e produtos químicos. Os processos de obtenção das informações, verificação do cumprimento das normas e aperfeiçoamento dos sistemas produtivos são realizados com a inclusão do maior número de pessoas possível, reunindo grande número de pequenas áreas no mesmo grupo. Por fim, na periferia de grandes centros urbanos, existem trabalhos com a incubação de empreendimentos solidários e o desenvolvimento de tecnologias de reciclagem de resíduos sólidos. Como a senhora já mencionou muitas vezes, essa nova tecnologia tem origem no conhecimento popular. O que é necessário para que o conhecimento popular se transforme em tecnologia social? É importante que ele seja sistematizado, de forma a possibilitar a reaplicação da experiência em outras comuni-dades que tenham realidades e problemas semelhantes. Também é fundamental que seja estabelecida uma conexão com o conhecimento acadêmico, que certamente agregará elementos inovadores à solução proposta. Como esse tipo de trabalho pode contribuir ou tem contribuído para o desenvolvimento e a aplicação de novas políticas sociais? A partir do momento em que há um reconhecimento de que essas soluções são promotoras de transformação social e de melhorias da qualidade de vida das pessoas envolvidas, já estamos dando um passo importante na sensibilização do poder público. Vale a pena destacar que essas soluções, em geral, têm baixo custo de implantação. Além disso, por terem sido desenvolvidas em interação com as comunidades, são muito mais sustentáveis. Esses elementos têm servido para despertar o interesse e propiciar uma aproximação de órgãos do governo com essas iniciativas, abrindo espaço para a discussão e para a consideração dessas soluções como objetos de políticas públicas. Um avanço importante que aconteceu neste ano de 2007 foi a sensibilização da Câmara Federal, por meio da Comissão de Ciência e Tecnologia, para este assunto. Foi realizada uma audi-ência pública sobre o tema Tecnologia Social e os deputados decidiram criar uma Subcomissão de Tecnologia Social, com o objetivo de elaborar um marco regulatório sobre o tema. Essa iniciativa está sendo importante, na medida em que, finalmente, o poder público terá um parâmetro legal que legitimará o aporte de recursos na multiplicação dessas tecnologias. Avaliamos uma nova tecnologia pela economia que gera ou pela melhoria de

algum processo. Como é feita a avaliação dos resultados de uma tecnologia social? A Rede de Tecnologia Social tem trabalhado arduamente na construção de um sistema de monitoramento e avaliação, com o objetivo de acompanhar tanto o trabalho de difusão e articulação que tem se dado a partir de sua criação como os resultados inerentes ao processo de reaplicação dessas tecnologias. Entendemos que a definição dos indicadores deve estar associada à situação em que vive as comunidades envolvidas no processo e ao objetivo da ação desenvolvida. Já temos algumas pistas, a partir das experiências em desenvolvimento. Podemos considerar como indicadores de sucesso elementos que demons-trem o envolvimento das pessoas das comunidades com o processo de reaplicação, o grau de interação entre elas e a universidade, o incremento de renda para as famílias, a melhoria de seu padrão alimentar, a permanência em seu meio com melhor qualidade de vida, enfim, fatores que indiquem passos dados para a emancipação social e econômica dessas pessoas, numa pers-pectiva de sustentabilidade. A Rede de Tecnologia Social foi criada para unificar as iniciativas existentes no Brasil. São muitas iniciativas? As dificuldades enfrentadas para implementação são as mesmas? Na realidade, a RTS não tem o objetivo de unificar, mas de identificar essas iniciativas, promover uma comunicação entre elas, difundir o conhecimento existente (e muitas vezes desconhecido) e facilitar a sua multiplicação. Essa multiplicação pode ser feita tanto de forma direta, por meio do aporte financeiro dos mantenedores e investidores que fazem parte da Rede, como de forma indireta, pela reaplicação que se dá a partir do acesso à sistematização das experiências. Podemos dizer que são muitas as iniciativas existentes no nosso país. Muitas delas ainda nem conhecemos, e a dinâmica estabelecida pela Rede tem nos ajudado a conhecer melhor esse universo. Quanto às dificuldades para implementação, variam de acordo com as especificidades locais e a dimensão do problema que visam a resolver. Apesar disso, há muitas questões comuns à maioria delas, como a gestão, cultura da cooperação, acesso a crédito, acesso a mercado e problemas de logística. \r\n Temos hoje formas de incentivo à implementação de tecnologias sociais, como a premiação da Fundação Banco do Brasil. Que impactos/incentivos isso tem trazido para o segmento e, em conseqüência, para a sociedade? Essas iniciativas têm sido realmente determinantes nesse processo. O Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil foi, inclusive, um elemento inspirador até para a própria formação da Rede de Tecnologia Social. A partir desse movimento, outras iniciativas foram surgindo, como a criação da categoria Inovação Social no Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, a inserção dos elementos do conceito de tecnologia social como critério para outras premiações e seleção de projetos como o Petrobras Fome Zero. Além disso, foram concebidas iniciativas específicas em instituições como o Sebrae, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério da Integração Nacional e a

Caixa Econômica Federal. Acho importante ressaltar, ainda, a cria-ção da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis), no Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem como eixo prioritário o apoio às iniciativas de tecnologia social em todo o Brasil e o reconhecimento da impor-tância do estabelecimento da relação entre os saberes acadêmico e popular. A disseminação do conceito de tecnologia social que se deu a partir desse conjunto de iniciativas e do envolvimento de grandes redes mobilizadoras, de centenas de organizações da sociedade civil e de universidades é a responsável pelo avanço desse movimento inovador e transformador que está ocorrendo no País. Como está a participação das empresas? No que se refere a tecnologias convencionais, o investimento ainda é pequeno... As empresas estão investindo nas tecnologias sociais? Entendemos que a tecnologia social é um instrumento importante a ser considerado pelas empresas em suas ações de responsabilidade social e também como objeto de investimento social privado. Isso por trazer fortemente o componente de sustentabilidade, tanto nos processos como nos resultados daí provenientes. Hoje, já há algumas empresas apoiando iniciativas que envolvem a reaplicação de tecnologias sociais. Mas ainda estamos num processo de aproximação e de discussão com várias outras que têm se mostrado interessadas no tema e no conceito. Que perspectivas podemos vislumbrar para a área no Brasil? A partir dos resultados que já começam a aparecer, decorrentes dessa grande articulação que envolve tanto os órgãos de governo, empresas, organizações da sociedade civil e empresas, a perspectiva é que esse movimento se amplie cada vez mais. É importante que tenhamos cada vez mais investimentos para conseguirmos alcançar uma escala maior com relação à reaplicação dessas tecnologias sociais que já têm feito a diferença na vida de milhares de pessoas. Precisamos chegar à escala dos milhões. É certo também que, a partir da cada vez maior difusão do conceito de tecnologia social, outras iniciativas vão sendo descobertas pelo País e vamos conseguindo conectar mais pon-tos, promover a troca de experiências e, a partir daí, gerar novos conhecimentos, novas sinergias, novas tecnologias. Revista Minas Faz Ciência Nº 30 (Jun a Ago de 2007)