AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DAS DIARISTAS NA CIDADE DE BRASÍLIA



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Transcrição:

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DAS DIARISTAS NA CIDADE DE BRASÍLIA Neuza de Farias Araújo Raquel da Silva Trombini Resumo: O trabalho apresenta os resultados da pesquisa sobre a situação das diaristas na cidade de Brasília, colocando reflexões acerca da divisão sexual do trabalho e das relações sociais de sexo/gênero. Abordando a questão do gênero, entendido como construção social, cultural, e histórica. Como resultado da pesquisa de campo, analisamos as categorias a seguir: Condições de trabalho. Considerando que a partir da reestruturação do capital, o mundo do trabalho se torna fragmentado/precarizado em suas múltiplas dimensões. Diferenciação geracional. Percebeu-se que a maior parte da faixa etária das mulheres entrevistadas está entre 31 e 40 anos, estas não tiveram circunstâncias propícias de conquistar melhores condições de trabalho. Reconhecimento do trabalho feminino. Percebeu-se que mais da metade destas mulheres não terminou o ensino fundamental. Conciliação da vida familiar e do trabalho. A maior parte das mulheres entrevistadas vive sem companheiro. Mais da metade tem de 1 a 3 filhos e não tem um companheiro para compartilhar suas criações. Pretendemos trazer para o debate as reflexões sobre a precariedade do trabalho, ausência de regulamentação, as relações de classe/ gênero na desigualdade social, procurando contribuir para a produção de conhecimentos na área de estudos do gênero. Palavras-chave: Diaristas. Condições de Trabalho. Gênero. 1. Introdução A partir da reestruturação do capital pós-1970, o mundo do trabalho se torna fragmentado/precarizado em suas múltiplas dimensões. Pode-se dizer que na atual conjuntura, fase de mundialização do capital, há um aumento do subproletariado, do trabalho precário e da incorporação do trabalho feminino ao mercado. Outro efeito ao mundo do trabalho são as práticas flexíveis de contratação da força de trabalho, mediante a desregulamentação do trabalho e redução dos direitos sociais. Isso se expressa na informalidade, que cresce continuamente na atualidade. De acordo com Antunes (2007), a força de trabalho em diversos países avançados tem sido absorvido pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho part time, precarizado e desregulamentado. Na divisão sexual do trabalho, operada pelo capital dentro do espaço fabril, geralmente as atividades de concepção e aquelas baseadas em capital intensivo são preenchidas pelo trabalho masculino, enquanto aquelas dotadas de menor qualificação, mais elementares e muitas vezes fundadas em trabalho intensivo, são destinadas às mulheres trabalhadoras (e muito frequentemente também aos trabalhadores/as imigrantes e negros/as). Considerando o aumento significativo do trabalho feminino, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), dados revelam que o nível de emprego com carteira assinada para as 1

mulheres cresceu 5,93% em relação ao ano anterior. Já no Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a relação dos salários entre homens e mulheres passou para 85,97%, com um crescimento de 4,94% no salário das mulheres contra 4,74% aos homens. Em 2010, a disponibilização de empregos femininos no Brasil era de 18,3 milhões de postos de trabalho, já em 2011 essa oferta alcançou 19,4 milhões, um crescimento de 5,93%. O estoque de empregos masculinos cresceu no período 4,49% passando de 25,7 milhões de postos em 2010 para 26,9 em 2011. Uma análise no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) demonstra um maior crescimento da participação das mulheres principalmente nas atividades de administração pública (210.612 empregos), restaurantes (54.398), atividades de atendimento hospitalar (51.410), limpeza em prédios e em domicílios (50.214) e comércio varejista especializado em eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo (44.767). Até no setor de transporte rodoviário de carga, atividade tradicionalmente masculina houve crescimento no saldo de emprego de mulheres (11.768 postos). Outro setor onde a participação da mulher evoluiu no período foi à construção civil, principalmente em atividades como construção de estações e redes de telecomunicações, em que a participação feminina passou de 12,96% em 2010 para 13,68% em 2011; perfuração e construção de poços de água que passou de 11,75% para 12,31%; e ainda na montagem e instalação de sistema e equipamentos de iluminação e sinalização em vias públicas, postos e aeroportos, atividade onde a participação feminina passou de 14,14% em 2010 para 14,36% em 2011. (MTE, 2013). 2. Uma análise do sentido do trabalho de diaristas de Brasília Segundo Kergoat (2001), a divisão sexual do trabalho tem por característica a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva, como também simultaneamente a captação pelos homens das funções com forte valor social agregado (políticos, religiosos, militares etc.). O trabalho doméstico é definido por essa autora como aquele através do qual se realizam as atividades do cuidado e da reprodução da vida, o qual é um elemento fundante dessa divisão e, portanto, funcional e integrado ao modo de produção capitalista (Ávila apud Kergoat, 1998). Ainda de acordo com Kergoat (1998), a noção de trabalho doméstico não é ahistórica. É a forma concreta que toma o trabalho reprodutivo designado para o grupo das mulheres em uma sociedade assalariada. Ela se coloca como uma dimensão da divisão sexual do trabalho, quando da 2

reestruturação trazida pelo desenvolvimento do sistema capitalista, que separa um espaço/tempo para trabalhar e ganhar um salário do espaço/tempo do trabalho de reprodução. Quando a nova ordem capitalista instaurou a separação espaço/tempo entre trabalho produtivo e improdutivo, produziu também um princípio da separação de trabalho de homens e trabalho das mulheres e deu a essa separação uma conotação hierárquica (Kergoat, 1998). Esse princípio doravante sustentado por estrutura material e simbólico é um elemento determinante na configuração das relações sociais entre homens e mulheres, de acordo com a sua inserção de classe. O Brasil, como país de desenvolvimento e industrialização retardatários, trilhou muito parcialmente a trajetória observada nas economias desenvolvidas. Ademais, aspectos particulares definiram e continuam definindo características específicas do desenvolvimento capitalista nacional. No momento em que Europa e Estados Unidos começavam o movimento para a superação de um regime de regulação despótica do contrato de trabalho, o Brasil iniciava a construção de seu mercado de trabalho, com o fim do trabalho escravo, que coincidiu com o reconhecimento da propriedade privada da terra no país. A formação desse mercado de trabalho foi marcada por uma clara assimetria entre capital e trabalho, inicialmente mais evidente no setor agrícola. Somente a partir do início do século XX, desencadeou-se o desenvolvimento dos setores não agrícolas e, portanto, dos segmentos do mercado a eles vinculados. Por outro lado, o Estado Nacional introduz alguma regulação sobre o contrato de trabalho que mais reiterava o caráter despótico da relação de trabalho do que estabelecia alguma proteção aos trabalhadores ( DEDECCA. 2009 p. 133.134). Durante o período (1930 1945) de vigência de um governo autoritário de Getúlio Vargas, buscou-se promover o processo de industrialização nacional, num contexto marcado pela crescente urbanização, diversificação do setor de serviços e ampliação das funções do Estado nas diversas esferas administrativas. Como parte deste movimento o governo reorganizou os instrumentos de regulação pública sobre o contrato de trabalho, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1942, e introduziu a remuneração mínima legal (salário mínimo) para o mercado de trabalho em 1942 (DEDECCA, 2009). Segundo DEDECCA (2009), a CLT e o salário mínimo se mostraram meras promessas pouco modificando a natureza despótica do processo de contratação de trabalho no país. A CLT definia um amplo conjunto de direitos para os trabalhadores, mas era restrita aos trabalhadores urbanos não incluindo os empregados domésticos. 2.1 Campo da pesquisa 3

A pesquisa foi realizada na cidade de Brasília, onde entrevistamos vinte mulheres de ocupação de diaristas e que habitam em diversas cidades satélites e se deslocam para o Plano Piloto da cidade, a fim de exercerem atividades em residências familiares. A pesquisa visou analisar o sentido do trabalho desenvolvido pelas mulheres que realizam atividades como diaristas, como elas se inserem nesta atividade precária e informal, e quais as transformações ocorridas a partir desta situação: ou seja, em suas relações familiares, de gênero, e na sociedade onde estão inseridas. Abordando as questões relativas às relações de gênero, objetivou-se analisar os tipos de transformações sociais na vida das mulheres, considerando seus deslocamentos. Na visão de Hirata e Zarifian (2000), a noção de trabalho doméstico está ligada às relações afetivas da família e baseada na disponibilidade materna e conjugal das mulheres (Chabaud apud Hirata, 2009). Sendo a forma privilegiada de expressão do amor na esfera dita privada, os gestos repetitivos e os atos do cotidiano de manutenção do lar e da educação dos filhos são atribuídos exclusivamente às mulheres. Segundo Fougeryroullas-Schwebel (2000), trabalho doméstico, produção doméstica, economia doméstica, serviço doméstico, atividades do lar, atividades domésticas, cuidadora de pessoas, dona de casa, mãe, esposa, todos esses termos têm conotações disciplinares e conceituações distintas que suscitam controvérsias sobre o significado que se deve dar a expressão trabalho doméstico. 2.2 Categorias analisadas 2.2.1 Diferenciação geracional Na pesquisa realizada, percebeu-se que a maior parte da faixa etária das mulheres entrevistadas está entre 31 e 40 anos, o que podemos supor que estas não tiveram circunstâncias propícias de conquistar melhores condições de trabalho. É importante destacar que o trabalho como diarista não é reconhecido por nossa sociedade e, assim, quem depende deste para sobreviver não tem condições dignas de trabalho, seja em salários, seja em condições físicas de trabalho: resultado de toda uma conjuntura de exploração do sistema capitalista. Não resta dúvida de que o envelhecimento é um desafio contemporâneo nas áreas do conhecimento que estão despertando para esta temática. Atualmente, a investigação sóciodemográfica se depara com uma série de desafios, devido ao rápido envelhecimento populacional decorrente, particularmente, da redução da fecundidade e do aumento da expectativa de vida. As mudanças na estrutura etária da população têm consequências econômicas e sociais, as mais 4

diversas, não apenas para os idosos e as idosas, senão, também, para os jovens e os adultos. Trata-se de um fenômeno universal com forte conotação feminina; quanto mais velha a população se torna, mais feminina ela se apresenta. Observa-se também no mundo do trabalho atual que : Outra tendência presente no mundo do trabalho é a crescente exclusão dos jovens, que atingiram a idade de ingresso no mercado de trabalho e que, sem perspectiva de emprego, acabam muitas vezes engrossando as fileiras dos trabalhos precários, dos desempregados, sem perspectivas de trabalho, dada à vigência da sociedade do desemprego estrutural (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 339). Assim como há a exclusão dos jovens no mercado de trabalho, ocorre também a exclusão dos trabalhadores considerados idosos para o sistema capitalista. Uma das conseqüências dessa exclusão é o aumento dos desempregados e do trabalho informal, este último caracterizado pelo trabalho das diaristas e percebido como faixa etária predominante a de 31 a 40 anos, ou seja, excluindo os jovens e os idosos. Assim, os desafios trazidos pelo envelhecimento da população têm diversas demandas e as demandas partem não apenas da população idosa, mas da sociedade como um todo. Neste contexto é preciso desenhar e programar políticas públicas tanto universais como setoriais, envolvendo Estados, as famílias, o mercado e a sociedade. 2.2.2 Reconhecimento do trabalho feminino Percebeu-se também que mais da metade destas mulheres não terminou o ensino fundamental e, nas entrevistas, foi dito que deixaram de estudar para poderem trabalhar e contribuírem financeiramente dentro de casa. Isso nos remete à idéia da inserção feminina no mercado de trabalho. Desta forma, percebe-se que os dados apresentados das mulheres entrevistadas mostram que estas vão ao mercado de trabalho, por mais precário que seja para reivindicarem lugar igualitário aos homens dentro da atual sociedade: trata-se do aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho em diversos países avançados, e que tem sido absorvido pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho part-time, precarizado e desregulamentado (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 337). Entretanto, por mais que o trabalho feminino esteja sendo incorporado ao mercado de trabalho, percebe-se que ainda há uma diferenciação em relação à temática salarial, sendo a remuneração das mulheres inferiores às recebidas pelos homens. Além disso, observa-se a destinação de trabalhos que exigem menor qualificação às mulheres trabalhadoras, ao contrário do que acontece com os homens, em que, na nova divisão sexual do trabalho, as atividades que demandam maior especificação são destinadas predominantemente a eles. 5

Como a maioria das mulheres entrevistadas tem menos de 40 anos, quase metade destas é natural do próprio Distrito Federal (DF), já que a capital federal tem menos de 60 anos. Em grande parte das entrevistas foi narrado que o motivo para tal situação diz respeito à família das mulheres terem vindo para o DF a fim de procurar melhores condições de vida e então elas continuaram a viver na capital. A diarista é a pessoa que trabalha em casas alguns dias e realiza trabalhos de forma descontínua e não é considerada empregada doméstica. Esta é considerada trabalhadora autônoma, uma vez que trabalha por conta própria e explora a sua força de trabalho, para seu sustento. 2.2.3 Trabalho decente Segundo definições da Organização Internacional do Trabalho OIT (2013), trabalho decente é um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. O governo brasileiro tem aderido a esta proposta, o que pode ser confirmado nas várias conferências em que foram assumidos o compromisso pelo enfrentamento a práticas contrárias à geração de trabalho digno para a população, bem como o estímulo, a política e ações que corroboram com a estratégia de se tornar o trabalho como vetor de inclusão social e desenvolvimento. O desemprego é um dos pontos centrais em políticas selecionadas ao trabalho. No Brasil essa questão é permanente, a promoção do trabalho decente deve usar não apenas a identificação de meios para geração de ocupação e renda, mas também o estímulo a que as ocupações desenvolvemse em condições tais que apresentem meios efetivos de alcance de condições dignas de vida. Quanto às diaristas, os juízes e tribunais brasileiros embora apresentem entendimentos variados sobre a possibilidade de reconhecimento do vínculo da diarista que trabalha alguns dias por semana têm se inclinado no sentido de não admitir o vínculo empregatício. Para se efetivar o compromisso da promoção do trabalho decente é necessário envolver ações nas áreas de segurança e saúde no trabalho, combate à discriminação e busca de oportunidades de trabalho com liberdade de associação e com abertura à participação do diálogo social. Destaca-se igualmente o objetivo de erradicação de formas degradantes de trabalho como o infantil, trabalho forçado e outras práticas desvalorizantes. Desta forma, o trabalho da diarista resta na invisibilidade e sem reconhecimento social e político. 6

2.2.4 Conciliação da vida familiar e do trabalho A maior parte das mulheres que foram entrevistas é solteira. Isso nos leva a fazer um paralelo com relação aos filhos: mais da metade tem de 1 a 3 filhos e não tem um companheiro para auxiliar em suas criações. E mais, metade destas mulheres tem renda média mensal familiar de até um salário mínimo. Foi possível perceber que muitas destas mulheres têm dificuldade de conciliar a vida pessoal com a profissional, o que acaba por não destinar seu tempo livre, quando há, a algumas categorias de sua vida, como lazer, vida amorosa, cuidado aos filhos. De acordo com a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS, 2005), a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes (...). Na situação das diaristas entrevistadas, geralmente há dificuldade em encontrar apoio para deixar seus filhos menores, quando vão ao trabalho, o que se torna difícil a conciliação entre trabalho e família. 3. Considerações finais A situação das entrevistadas em termos educacionais apresenta-se de forma frágil, uma vez que não foram beneficiadas com a formação educacional, não há proteção social, nem legalização. Além disso, elas são expostas a trabalhos de risco, como no interior das residências ao lidar com produtos químicos, a limpeza de tetos e janelas, o manejo de objetos elétricos não existindo segurança. E, caso haja algum acidente, não há nem plano de saúde para cobertura desses eventos. No que se refere à guarda das crianças, não existem creches suficientes para guardá-las, elas são obrigadas a deixá-las na companhia de familiares ou amigas. Quanto ao sentido do trabalho desenvolvido pelas mulheres que realizam atividades como diaristas, mesmo em um trabalho invisível elas se inserem nesta atividade precária e informal e as transformações ocorridas a partir desta situação são lentas, mas elas consideram que há uma mudança na medida em que vão saindo do privado e tendo conhecimento de como outras mulheres se inserem no mundo do trabalho, em que algumas procuram aprender informática, outras vão a escolas com cursos noturnos com a finalidade de uma melhor qualificação e procuram desenvolver novas práticas de aprendizado, seja hotelaria e/ou outros serviços. As transformações nas suas relações familiares, de gênero, e na sociedade em geral são sentidas por elas a partir desta inserção. Quanto às relações de gênero, considerando que são relações historicamente construídas, nossas preocupações teóricas e metodológicas acerca desta divisão sexual do trabalho e das 7

relações sociais de sexo/gênero, compreendemos que há necessidade de aprofundar esta problemática quanto à invisibilidade do trabalho da diarista, e se faz necessário abordá-la do ponto de vista de uma questão de gênero o reconhecimento desta categoria enquanto trabalhadora, sendo um desafio para os estudos feministas e de gênero. Referências ANTUNES, R; ALVES, G. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v25n87/21460.pdf>. 2004. Acesso em 17 de janeiro de 2013. R. Os Sentidos do Trabalho Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Boitempo Editorial, 9ª Reimpressão, SP, 2007. ARAÚJO, N; HIRATA. H; SUGITA, K. (Orgs.). Trabalho Flexível, Empregos Precários? Edusp, SP, 2009. ARAÚJO, N.F. Contribuição Econômica das Mulheres para a Família e a Sociedade. Ensaio sobre gênero e economia numa perspectiva comparativa. Editor Otimismo, Brasília, 2010. COSTA, A; ÁVILA, M.BSILVA, R; SOARES, V; FERREIRA, V. (Orgs). Divisão Sexual do trabalho, Estado e Crise no Capitalismo. Edição SOS CORPO, Recife, PE 2010. DEDECCA. C. S. Flexibilidade e regulação de um mercado de trabalho precário in Trabalho Flexível, Empregos Precários Guimarães N. Hirata. H. Sugita K. (orgs) Edusp, São Paulo, 2009. FOUGEYROLLAS, S.D. Trabalho Doméstico (verbete) P. 256-262. Helena Hirata et al (Orgs). Dicionário Critico do Feminismo, Edição brasileira, UNESP, São Paulo. 2009. FRASER.N. in FÉMINISME (s) Penser la pluralité. Cahiers du Genre, n. 39. 2005. FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, Dominique; LÉPINARD, Éléonore; VARIKAS, Eleni (Coordonné) Paris: L'Harmattan, 2005. HIRATA, H; LABORIE, F; LE DOARÉ; SENOTIER, D. Dictionnaire critique du Féminisme. Presses Universitaire de France, 2000. HIRATA, H; LABORIE, F; LE DOARÉ; SENOTIER. D. Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP (Tradução brasileira), 2009. HIRATA, H; LE DOARÈ, H.,(coord.). Les paradoxes de la mondialisation. Cahiers du Gedisst, Paris, França, 1998. HIRATA, H. Nova Divisão sexual do Trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. Boitempo Editorial, São Paulo, 2002. HIRATA, H; SEGNINI, L. (Orgs). Organização, Trabalho e Gênero. Trabalho e Sociedade. Editora SENAC, São Paulo 2007. 8

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