Curitiba. Organizadoras OLGA LÚCIA CASTREGHINI DE FREITAS FIRKOWSKI PATRÍCIA BALISKI



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Transcrição:

Observatório das Metrópoles Finep Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Curitiba Organizadoras OLGA LÚCIA CASTREGHINI DE FREITAS FIRKOWSKI PATRÍCIA BALISKI

Curitiba OS IMPACTOS DA COPA DO MUNDO 2014

CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Adilar Antônio Cigolini Prof. Dr. Eduardo Faria Silva Prof. Dr. José Ricardo Vargas de Faria Prof.ª Dr.ª Madianita Nunes da Silva Prof.ª Dr.ª Myrian Del Vecchio de Lima Prof. Dr. Rodrigo Wolff Apolloni Prof.ª Dr.ª Rosa Moura

Curitiba OS IMPACTOS DA COPA DO MUNDO 2014 Organizadoras OLGA LÚCIA CASTREGHINI DE FREITAS FIRKOWSKI PATRÍCIA BALISKI Curitiba, 2015

Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme Lei n. 10.994 de 14 de dezembro de 2004. André Mantelli - Projeto gráfico e capa Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Bibliotecária responsável: Luzia Glinski Kintopp CRB/9-1535 Curitiba - PR C975 Curitiba : os impactos da copa do mundo 2014 / Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Patrícia Baliski (Organizadoras). Curitiba : Kairós Edições, 2015. 273 p. ; 22 cm. Vários autores ISBN 978-85-63806-33-8 1. Copas do mundo (Futebol) Curitiba (PR). 2. Eventos esportivos. 3. Planejamento urbano Curitiba (PR). 4. Projeto Metropolização e Megaeventos. 5. Investimentos. 6. Economia regional. I. Firkowski, Olga Lúcia Castreghini de Freitas. II. Baliski, Patrícia. III. Título. IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL CDD: 711.4 Antônia Schwinden - Coordenação Editorial Thaíssa Falcão- Assistente Editorial Stella Maris Gazziero - Diagramação

SUMÁRIO Apresentação... 7 Orlando Alves dos Santos Junior e Christopher Gaffney Introdução - Um livro, um tema, várias perspectivas...13 Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Patrícia Baliski 1. A Copa do Mundo de 2014 e as transformações em Curitiba: intenções e ações...19 Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski 2. Moradia popular, projeto de cidade e megaeventos esportivos: a invisibilidade dos conflitos urbanos na cidade modelo...35 Fernanda Keiko Ikuta 3. Centralidade e dinâmica imobiliária em Curitiba: análise exploratória dos impactos das obras da Copa do Mundo FIFA 2014...85 Gislene Pereira, Jussara Maria Silva, Anabelli Simões Peichó, Maicon Leitoles e Talissa Faszank 4. Reflexões sobre os casos do Viaduto Estaiado e do Parque do Centenário da Imigração Japonesa do contexto da Copa do Mundo FIFA 2014 em Curitiba...101 Elena Justen Brandenburg e Ana Caroline de Oliveira Chimenez 5. A dimensão metropolitana dos megaeventos esportivos. Reflexões a partir de Curitiba no contexto da Copa do Mundo FIFA 2014...127 Alexandre Gomes Ferreira 6. Um espaço em disputa: a territorialidade dos vendedores ambulantes e das prostitutas travestis e a Zona de Restrição na Copa do Mundo FIFA 2014...155 Anni Caroline Hirami 7. Megaeventos e espaço: análise e acompanhamento das transformações metropolitanas decorrentes da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 em Curitiba...171 Gleyton Robson da Silva 5

8. As obras para a Copa do Mundo FIFA 2014 e a legislação urbana: encontros e desencontros...189 Anabelli Simões Peichó e Jussara Maria Silva 9. Megaeventos esportivos, espaço urbano e segurança: Curitiba no contexto da Copa 2014...209 Nelson Argentino Soares Junior 10. Análise dos modelos que legitimaram a escolha do estádio Joaquim Américo para sede dos jogos na Copa do Mundo 2014 em Curitiba...233 Márcio Lucino de Quadros 11. Boletim Copa em Discussão: trajetória, análises e relevância...253 Patricia Baliski Sobre os autores...271 6

ApresentAção O projeto nacional Metropolização e Megaeventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014 nas metrópoles brasileiras, coordenado pelo INCT Observatório das Metrópoles, teve como objetivo ampliar o espectro analítico sobre as transformações físicoterritoriais, socioeconômicas, ambientais e simbólicas associadas a estes megaeventos. Especial ênfase foi dada à distribuição dos benefícios e dos custos nas diversas esferas que envolvem o processo de adequação da cidade às exigências infraestruturais para a realização dos referidos eventos, partindo-se de um ponto de vista comparativo em relação a experiências internacionais similares anteriores. Assim, combinando uma metodologia qualitativa e quantitativa, o projeto investigou as transformações urbanas ocorridas nas cidades-sede onde se realizaram os jogos da Copa do Mundo e das Olimpíadas (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Manaus e Cuiabá), bem como seus desdobramentos socioespaciais. Visando alcançar este objetivo, a análise se pautou pela utilização de quatro eixos interligados, quais sejam: (i) desenvolvimento econômico; (ii) esporte e segurança; (iii) moradia e mobilidade; e (iv) governança urbana. A pesquisa evidenciou que os megaeventos esportivos no Brasil estão associados à implementação de grandes projetos urbanos e vinculados a projetos de reestruturação das cidades. Dessa forma, não é possível separar a Copa do Mundo e as Olimpíadas dos projetos de cidade que 7

estão sendo implementados. E isso se traduz no próprio orçamento que foi disponibilizado e nos investimentos realizados. A análise da pesquisa confirma a hipótese inicial de que associado aos megaeventos estaria em curso o que pode ser chamado de nova rodada de mercantilização das cidades, traduzida na elitização das metrópoles brasileiras associada à difusão de uma certa governança urbana empreendedorista de caráter neoliberal e do fortalecimento de certas coalizões urbanas de poder que sustentam esse mesmo projeto. É preciso registrar que esta é uma análise do ponto de vista nacional, que deve levar em consideração diferenças significativas entre as cidades-sede. O presente livro ressalta exatamente os resultados desta análise, ponto de vista das pesquisas realizadas em Curitiba, por ocasião dos preparativos para o megaevento nessa cidade. No processo de preparação da Copa do Mundo, fica evidenciado que a gestão pública teve um papel central na criação de um ambiente propício aos investimentos, principalmente aqueles vinculados aos setores do capital imobiliário, das empreiteiras de obras públicas, das construtoras, do setor hoteleiro, de transportes, de entretenimento e de comunicações. Tais investimentos seriam fundamentais para viabilizar as novas condições de acumulação urbana nas cidades brasileiras. Nesse sentido, a reestruturação urbana das cidades-sede da Copa deve contribuir para a criação de novas condições de produção, circulação e consumo, centrada em alguns setores econômicos tradicionais importantes. Esses setores são, principalmente, os de ponta e o setor de serviços, envolvendo o mercado imobiliário, o sistema financeiro de crédito, o complexo petrolífero, a cadeia de produção de eventos culturais (incluindo o funcionamento das arenas esportivas), o setor de turismo, o setor de segurança pública e privada, e o setor automobilístico. Este último, aquecido com as novas condições de acumulação decorrente dos (des)investimentos em transporte de massas. Nessa perspectiva, o poder público tem adotado diversas medidas vinculadas aos investimentos desses setores, tais como: isenção de impostos e financiamento com taxas de juros reduzidas; transferência 8

de patrimônio imobiliário, sobretudo por meio das parcerias públicoprivadas (PPPs) e operações urbanas consorciadas; e remoção de comunidades de baixa renda das áreas urbanas a serem valorizadas. De fato, a existência das classes populares em áreas de interesse desses agentes econômicos se torna um obstáculo ao processo de apropriação desses espaços aos circuitos de valorização do capital vinculados à produção e à gestão da cidade. Efetivamente, tal obstáculo tem sido enfrentado pelo poder público mediante processos de remoção, os quais envolvem reassentamentos das famílias para áreas periféricas, indenizações ou simplesmente despejos. Na prática, a tendência é que esse processo se constitua numa espécie de transferência de patrimônio sob a posse das classes populares para alguns setores do capital. Além disso, no que diz respeito à governança urbana, percebe-se a crescente adoção dos princípios do empreendedorismo urbano neoliberal, nos termos descritos por David Harvey, pelas metrópoles brasileiras, impulsionada em grande parte pela realização desses megaeventos. Esse projeto empreendedorista de cidade que está em curso parece ser marcado por uma relação promíscua entre o poder público e o poder privado, uma vez que o poder público se subordina à lógica mercantil de diversas formas, entre elas, por intermédio das parcerias público-privadas. Mas esta não é a única forma de subordinação do poder público verificada. Por exemplo, a Lei Geral da Copa, replicada em todas as cidades-sede tanto por meio de contratos firmados entre as prefeituras e a FIFA como por meio de leis e decretos municipais, expressa uma outra forma de subordinação, pelo fato de o Estado adotar um padrão de intervenção por exceção, incluindo a alteração da legislação urbana para atender aos interesses privados. Por tudo isso, parece evidente que as intervenções vinculadas à Copa do Mundo/2014 e às Olimpíadas/2016 envolvem transformações mais profundas na dinâmica urbana das cidades brasileiras. Com isso, torna-se necessário aprofundar a análise dos impactos desses megaeventos esportivos a partir da hipótese, aqui exposta, de emergência 9

do padrão de governança empreendedorista empresarial urbana e da nova rodada de mercantilização/elitização das cidades. Este livro busca discutir esta hipótese à luz da experiência de Curitiba e contribuir para o enfrentamento dos processos em curso, na perspectiva da promoção do direito à cidade e da justiça social. Os artigos que compõem esta coletânea sobre os impactos da Copa 2014 em Curitiba configuram um importante documento institucional desse momento de investimentos e mudanças nesta cidade. Como o leitor poderá observar pela leitura dos artigos, pode-se dizer que a Copa do Mundo não representa uma inflexão na trajetória política da cidade de Curitiba, que já vinha vivenciando uma transição na adoção de modelos neoliberais de política urbana. Mas não se pode deixar de reconhecer que a Copa do Mundo representou a legitimação e a aceleração desse projeto. A política urbana municipal, sustentada na aliança entre a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, e em uma coalizão de poder que subordina o interesse público à lógica do mercado, busca tornar Curitiba uma espécie de cidade-modelo, mas diversos processos revelam dinâmicas socioespaciais segregadoras, caminhando na direção da elitização da cidade. Nesse contexto, atravessado de contradições, não se pode deixar de reconhecer a emergência de diversos processos de resistência e contestação que questionam este modelo, reivindicando uma cidade mais justa e democrática. Especificamente durante a preparação da Copa do Mundo, Curitiba foi uma dos principais palcos de contestação e resistência ao processos de violação dos direitos humanos associados às intervenções deste megaeventos esportivo. O projeto desenvolvido pelo INCT Observatório das Metrópoles contou com uma rede de pesquisadores e o engajamento de diversas instituições de pesquisa e universidades espalhadas pelo país. Em Curitiba, a pesquisa integrou as atividades do LaDiMe - Laboratório de Dinâmicas Metropolitanas ligado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná, teve o apoio do Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, do Curso 10

de Direito todos da UFPR e do Projeto de Extensão Cidade em Debate (UFPR/Universidade Positivo), além do Comitê Popular da Copa de Curitiba. Em especial, cabe destacar a dedicação do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, onde foram desenvolvidas as pesquisas vinculadas à rede nacional. Esse núcleo local viabilizou uma ampla discussão e o engajamento de vários segmentos, entre acadêmicos, estudantes e movimentos da sociedade civil organizada, resultando na coletânea ora apresentada. O projeto nacional contou com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, a quem a rede de pesquisa do projeto agradece, e sem o qual não seria possível desenvolver tal estudo. Além disso, cabe um agradecimento especial aos Comitês Populares da Copa, organizados nas cidadessede, e à Articulação Nacional dos Comitês Populares (ANCOP), que se constituíram em interlocutores privilegiados dos resultados da pesquisa ao longo do seu desenvolvimento. Orlando Alves dos Santos Junior Christopher Gaffney Coordenadores do Projeto Metropolização e Megaeventos: impactos da Copa do Mundo e das Olimpíadas nas metrópoles brasileiras 11