por Jacqueline Alves Torres Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Epidemiologia em Saúde Pública



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Transcrição:

Análise da contribuição de um programa perinatal multifacetado para a redução da prevalência de cesarianas em um hospital privado: um subprojeto da pesquisa Nascer no Brasil " por Jacqueline Alves Torres Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Epidemiologia em Saúde Pública Orientadora-principal: Prof a Dr. a Maria do Carmo Leal Segunda orientadora: Prof.Prof a Dr. a Rosa Maria Soares Madeira Domingues e Terceira orientadora:prof a Dr. a Zulmira Maria de Araújo Hartz Rio de Janeiro, abril de 2014

Esta tese, intitulada Análise da contribuição de um programa perinatal multifacetado para a redução da prevalência de cesarianas em um hospital privado: um subprojeto da pesquisa Nascer no Brasil " por Jacqueline Alves Torres foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof a Dr. a Maria Inês Couto de Oliveira Prof a Dr. a Sônia Lansky Prof a Dr. a Ana Cláudia Figueiró Prof a Dr. a Célia landmann Szwarcwald e Prof.Prof a Dr. a Maria do Carmo Leal- Orientadora principal Tese defendida em 11 de abril de 2014

Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública T693a Torres, Jacqueline Alves Análise da contribuição de um programa perinatal multifacetado para a redução da prevalência de cesarianas em um hospital privado: um subprojeto da pesquisa Nascer no Brasil. / Jacqueline Alves Torres. -- 2014. xvi, 257 f. : tab. ; graf. Orientador: Maria do Carmo Leal Tese (Doutorado) Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2014. 1. Cesárea. 2. Parto. 3. Saúde Materno-Infantil. 4. Saúde Suplementar. 5. Aleitamento Materno. 6. Avaliação de Programas e Projetos de Saúde. I. Título. CDD 22.ed. 618.86

DEDICATÓRIA À Joana da Silva, mulher, negra, analfabeta, empregada doméstica, mãe solteira, minha querida bisa, por viver uma vida dura com tanta força, coragem, dignidade; seus valores permanecem em mim. iv

AGRADECIMENTOS O caminho para a obtenção de um título de doutor se faz por uma estrada longa, pela qual só é possível seguir mediante a colaboração de inúmeras pessoas e aqui expresso gratidão por algumas delas. Duca, obrigada por me acolher em seu grupo de pesquisa e por ser muito mais do que uma orientadora. Você foi amiga, conselheira, grande incentivadora, apostou em mim para participar do Comitê Executivo da Pesquisa Nascer no Brasil, apesar da minha inexperiência em pesquisa. Estar ao seu lado durante esses anos, vivenciado as experiências que me proporcionou, me faz encerrar essa etapa confiante na formação que tive como pesquisadora. Tenho em você uma mentora para toda a vida. Rosa, você foi muito mais do que uma co-orientadora foi uma friendvisor! Sua leitura atenta e sugestões certeiras em todas as etapas desta pesquisa foram fundamentais para a qualidade do trabalho, obrigada pelo colo nos momentos difíceis, mesmo à distância! Silvana, a epidemiologia era um mundo novo para mim e você me ajudou a dar os primeiros passos, sua amizade, conselhos e orientações me deram muita confiança e foram fundamentais ao longo da elaboração desta tese, muito obrigada! Às professoras Zulmira Hartz e Jane Sandall, obrigada pela acolhida carinhosa no doutorado sanduíche e pelas valiosíssimas contribuições em meu referencial teórico. A todos os pesquisadores e toda a equipe de trabalho de campo da Pesquisa Nascer no Brasil, em especial à Camilla, Antonieta e toda a equipe que participou da expansão do trabalho de campo no hospital atípico, muito, muito obrigada! Participar dessa pesquisa com vocês foi a experiência profissional mais gratificante que tive na vida. Professores da banca de qualificação e defesa e todos os professores e trabalhadores da Fiocruz, com os quais pude conviver, em especial Marcos, Mariza, Sônia, Márcia, as aulas, recomendações, conversas informais que tivemos contribuíram não só para a elaboração desta tese, mas também para ampliar minha visão de mundo e meu comprometimento com a saúde da população brasileira, minha gratidão. Agradeço, com muito carinho, a todos os professores da Faculdade de Enfermagem da UERJ, em especial, Benedita, Lúcia Helena, Maysa, Jane, Iraci e Octávio, vocês me ensinaram a fazer pesquisa qualitativa, e graças a esse aprendizado pude enriquecer esta tese, trazendo um componente qualitativo, essencial para a discussão teórica que apresento. v

Aos velhos e novos amigos, em especial meus colegas de turma de doutorado, Kali, Jamile, Solange, Roberta, obrigada por me ouvirem, apoiarem e trocarem ideias sempre tão instigantes. Aos amigos, Elaine, Arthur, Ana Paula agradeço pelas inúmeras contribuições, em especial durante o trabalho de campo e etapa de análise dos dados. Obrigada queridos colegas de trabalho da ANS, em especial às amigas Claudia e Kylza, pela ajuda na etapa de elaboração de entrevistas e pelos momentos de descontração. Agradeço em especial à colega e ex-chefe, Carla Soares, por apoiar e viabilizar meu afastamento de quase 4 anos para dedicação exclusiva ao doutorado. Pai, mãe, muito obrigada por despertarem em mim o gosto pela leitura desde bem novinha, por me incentivarem a estudar e pelo apoio incondicional ao longo de toda a minha vida; Rafa e toda a família obrigada por continuarem me amando e apoiando apesar da minha ausência em momentos importantes. Ao Cris, meu amor, amigo, companheiro, sua participação nesta tese é imensurável, tudo que eu diga será pouco para expressar o quanto você foi importante, obrigada pela presença verdadeira e pelo amor incondicional. vi

APRESENTAÇÃO No ano de 2006 ingressei, por meio de concurso público, na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia federal responsável por regular o setor de planos de saúde no Brasil, para ocupar o cargo de Especialista em Regulação de Saúde Suplementar. Em função da minha formação como enfermeira obstétrica, mestre em enfermagem, e experiência profissional na atenção ao parto e nascimento, fui designada para a então Gerência Geral Técnico-Assistencial dos Produtos, tendo entre minhas atribuições a responsabilidade de desenvolver e implantar projetos e estudos relativos à atenção à saúde da mulher, em especial estratégias para o incentivo ao parto normal no setor suplementar de saúde, dada a prevalência de cesarianas do setor, na época em torno de 80%. Nesse trabalho, passei a ter acesso às pesquisas financiadas pela ANS, entre as quais a pesquisa: Cesarianas desnecessárias: causas, consequências e estratégias para sua redução. conduzida pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Epidemiologia e avaliação de programas sobre a saúde materno-infantil do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP/FIOCRUZ. A parceria entre a ANS e esse grupo de pesquisa não se encerrara com o término do estudo, pelo contrário, a partir da publicação da pesquisa, a ANS conduziu um amplo debate sobre estratégias para redução de cesarianas desnecessárias por meio de um grupo técnico com representantes de diversos segmentos que se relacionam com o setor suplementar. Ao longo desse trabalho, minha gerência promoveu visitas técnicas a operadoras de planos de saúde que estivessem desenvolvendo programas relativos à atenção ao parto. Em uma dessas visitas conheci o hospital e o programa de atenção perinatal, objetos desta tese. O grupo técnico que discutia estratégias para redução de cesarianas contava com a participação dos pesquisadores que haviam realizado pesquisa sobre o tema, financiada pela ANS, e assim passei a ter mais contato com esses pesquisadores, em especial com Silvana Granado Nogueira da Gama, Marcos Augusto Bastos Dias, Rosa Maria Soares Madeira Domingues e Maria do Carmo Leal. No ano de 2009, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) lançou um edital para a seleção de propostas voltadas para a realização de um inquérito epidemiológico sobre as consequências do excesso de cesarianas no Brasil. A professora Maria do Carmo Leal coordenou a elaboração de um projeto, em parceria com pesquisadores de universidade, instituições de pesquisa e órgão públicos de diversas partes vii

do país, para concorrer ao edital. Fui convidada a participar desse grupo, representando a ANS. A proposta foi submetida e ganhou o edital e assim teve início a pesquisa Nascer no Brasil. Vi nessa oportunidade a chance de realizar meu projeto de doutorado e propus à professora Maria do Carmo Leal estudarmos um dos programas que eu conhecera durante as visitas técnicas realizadas pela ANS. Tendo em vista a escassez de estudos sobre intervenções para redução de cesarianas em hospitais privados, a professora Maria do Carmo se interessou pela proposta e, posteriormente à minha aprovação no programa de Doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública, tornou-se minha orientadora. Iniciamos, então, em março de 2010, a elaboração do projeto que deu origem a esta tese como um subprojeto da pesquisa Nascer no Brasil. Como integrante da coordenação central da pesquisa Nascer no Brasil, estive envolvida em todas as etapas do estudo: participei da elaboração do projeto e dos questionários utilizados na pesquisa; conduzi um dos estudos pilotos; participei do treinamento das equipes de trabalho de campo em alguns estados do país; fui coordenadora da pesquisa no Espírito Santo e compartilhei a coordenação com a professora Sônia Duarte Azevedo Bitencourt no estado do Rio de Janeiro; coordenei as atividades relativas ao subprojeto que deu origem a esta tese; entre outras funções. Esse envolvimento com a condução do trabalho de campo, em paralelo com as disciplinas do doutorado, exigiu dedicação exclusiva, com isso, em dezembro de 2010, solicitei afastamento da minha função na ANS e o pedido foi concedido. Nesse período aprofundei o estudo sobre avaliação de programas de saúde, cursei uma disciplina específica, na ENSP, e tive o primeiro contato com o referencial teórico produzido pela professora Zulmira Hartz. Na época a professora Rosa Domingues estava realizando doutorado sanduíche no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa, sob orientação da professora Zulmira Hartz, e, tendo em vista seu conhecimento em pesquisa avaliativa, passou a contribuir com o desenvolvimento da minha tese, vindo, então, a se tornar minha co-orientadora. Conforme aprofundei a leitura sobre o referencial metodológico em pesquisa avaliativa, percebi que a tese aumentaria seu poder explicativo sobre o programa se incluíssemos um componente qualitativo. Como tradicionalmente, no Brasil, as enfermeiras realizam muitos estudos qualitativos, tive contato com esse método ao longo da minha formação na graduação, especialização e mestrado e resolvi então, encarar o desafio de conduzir a tese como um estudo com métodos mistos. Por ocasião da qualificação do projeto, a professora Maria do Carmo, convidou a professora Zulmira Hartz para compor a banca, quando então expressei meu interesse em realizar um estágio de doutorado no exterior no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa. A professora Zulmira concordou e em dezembro de 2012, iniciei um programa de nove meses de doutorado sanduíche, com financiamento da viii

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, em Lisboa. Nesse período, além das atividades realizadas sob a supervisão da professora Zulmira, com destaque para a definição e aprofundamento do marco teórico da metodologia de pesquisa avaliativa da tese e a elaboração do segundo artigo, fui estudante de doutorado visitante no King s College London, supervisionada pela professora Jane Sandall, com quem, durante um período em Londres, discuti e iniciei a redação do primeiro artigo, escrito originalmente em inglês. A tese que apresento a seguir reflete minha trajetória profissional e é o produto dessa experiência riquíssima em pesquisa que tive ao longo dos últimos 4 anos. ix

TORRES, J. A. Análise da contribuição de um programa perinatal multifacetado para a redução da prevalência de cesarianas em um hospital privado: um subprojeto da pesquisa Nascer no Brasil. Rio de Janeiro, 2014. 257 fl. Tese [Doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública] Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz. RESUMO O objeto examinado nesta tese refere-se a uma possível relação causal entre um programa perinatal multifacetado (PPM) e a redução na prevalência de cesarianas sem indicação clínica em um hospital privado localizado na região sudeste do Brasil. Consistiu em uma pesquisa avaliativa, de métodos mistos, primariamente quantitativa com dois componentes qualitativos concorrentes, integrados na etapa de análise dos resultados. Utilizou como referencial teórico metodológico a Análise de Contribuição. Os resultados são apresentados em formato de artigo. No primeiro artigo compararam-se as prevalências de cesarianas e de desfechos neonatais, segundo características das mulheres, de puérperas cujo parto ocorreu no hospital no qual o PPM está implantado (hospital atípico) com aquelas de puérperas cujo parto ocorreu em hospitais privados, que adotam o modelo de atenção perinatal padrão (hospitais típicos). A classificação de Robson foi adotada para comparação das prevalências de cesariana, que foi menor no hospital atípico (47,8% vs. 90,8%, p<0,001). Desfechos positivos relativos ao aleitamento materno foram mais frequentes no hospital atípico e não houve diferença significativa em relação a desfechos neonatais adversos. No segundo artigo descreveu-se a variação da prevalência de cesarianas no hospital atípico conforme o grau de implantação do PPM. Oitenta e dois por cento das mulheres de baixo risco incluídas na amostra foram expostas ao conjunto de atividades do programa relativas ao componente de atenção ao parto, o que demonstra que PPM estava satisfatoriamente implantado. A prevalência de cesarianas nesse grupo foi de 4,1%. A teoria do PPM evidencia tratar-se de um programa inovador entre hospitais privados. As principais características do componente de atenção ao parto do PPM são: equipe de atenção pré-natal diferente da equipe de atenção ao parto; trabalho colaborativo entre enfermeiras obstétricas e médicos na atenção ao parto; e profissionais pagos por salário mensal independentemente do número de procedimentos realizados. Tendo ainda como base um modelo de gestão integrado entre atenção ambulatorial e hospitalar, com envolvimento da alta direção do hospital no acompanhamento dos processos e resultados do cuidado. Mediante esses resultados, é plausível inferir que o PPM contribuiu para a reduzida prevalência de cesarianas do hospital atípico. Os achados desta tese sugerem que políticas públicas que visem à redução de cesarianas sem indicação clínica no setor suplementar devem conter componentes que: 1) eliminem incentivos para a indicação de cesarianas por conveniência médica; 2) Adotem o trabalho colaborativo para assistência ao parto com equipes compostas por enfermeiras obstétricas/ obstetrizes e médicos; 3) incentivem e monitorem os hospitais privados quanto à adoção de ambiência e processos de trabalho que favoreçam a evolução fisiológica do trabalho de parto; e 4) Engajem lideranças locais na condução das mudanças pretendidas. A intervenção adotada no hospital atípico deve ser testada em outros contextos para que possa ser refinada e servir de base para a elaboração de uma intervenção para redução de cesarianas no setor suplementar de saúde no Brasil. Descritores: Cesárea, Parto, Saúde Materno-Infantil, Saúde Suplementar, Aleitamento Materno, Avaliação de programas e projetos de saúde. x

TORRES, J. A. Contribution Analysis of a multifaceted perinatal program in reducing the prevalence of caesarean sections in a private hospital: a subproject of the Birth in Brazil study. Rio de Janeiro, 2014. 257 fl. Thesis [Doctorate in Epidemiology in Public Health] Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz. ABSTRACT This thesis analyses a possible causal relationship between a multifaceted perinatal program (PPM) and the reduction in the prevalence of caesarean sections without medical indication in a private hospital in the Southeast region of Brazil. This was an evaluative research which used a mixed methods, primarily quantitative, approach, with two concurrent qualitative components integrated at the analysis stage. Contribution Analysis, a theory-based evaluation approach, was adopted and the results presented in the form of scientific articles. In the first article we compared the prevalence of caesarean sections and neonatal outcomes of mothers who gave birth at the hospital in which the PPM is implemented (atypical hospital) with those of mothers who gave birth in private hospitals that adopt the standard perinatal care model (typical hospitals). Robson s classification system was used to compare caesarean prevalence with other private hospitals in the same region, which was lower in the atypical hospital (48% vs. 91%, p<0.001). Outcomes related to breastfeeding were more frequent in the atypical hospital while adverse neonatal outcomes did not differ significantly between hospitals. The second article examined the variation in the prevalence of caesarean sections in the atypical hospital according to the degree of implementation of PPM. Eighty-two percent of low-risk women in the sample were exposed to the set of program activities related to the delivery care component, which showed that PPM was satisfactorily implemented. The prevalence of caesarean sections in this group was 4.1%. The theory of PPM shows that this is an innovative program among private hospitals in Brazil. The main features of the PPM delivery care component are: the antenatal care team is different from the delivery care team; there is collaborative labour and birth assistance between nurse-midwives, and physicians, who are paid a monthly salary regardless of the number of deliveries. There is also integrated management between ambulatory and hospital care, with the involvement of the top management of the hospital in monitoring the process and care outcomes. Through these results, it is reasonable to infer that PPM contributed to the reduced prevalence of caesarean sections at the atypical hospital. These findings suggest that public policies aimed at reducing caesarean sections without medical indication in the private sector might contain components to: 1) eliminate incentives for caesarean section indication for medical convenience; 2) define the composition of maternity care teams comprising midwives and doctors; 3) encourage and monitor private hospitals in the adoption of ambience and work processes that facilitate the evolution of physiological labour; 4) Engage local leaders in driving such change. The intervention adopted in the atypical hospital should be tested in other contexts so it can be refined and used as a basis for the development of an intervention for the reduction of caesarean section prevalence in the supplementary health sector in Brazil. Descriptors: Cesarean Section, Parturition, Maternal and Child Health, Breast Feeding, Supplemental Health; Health Program Evaluation. xi

Lista de Figuras 1 Modelo de análise da contribuição do PPM para a prevalência de cesarianas do hospital atípico............................... 31 2 Modelo teórico-conceitual dos determinantes do excesso de cesarianas no setor suplementar, Brasil, 2011/2012...................... 45 xii

Lista de Quadros 1 Categorias de Robson............................... 38 2 Subcategorias e constructos causais para o excesso de cesarianas no setor suplementar de saúde no Brasil, segundo stakeholders. Brasil, 2012.... 41 3 Prioridades para a avaliação de um programa perinatal multifacetado implantado em um hospital privado, segundo stakeholders. Brasil, 2012... 46 xiii

Lista de Siglas e Abreviações ABENFO Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras AIR Análise do Impacto Regulatório ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CFM Conselho Federal de Medicina CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CO Centro Obstétrico ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca FAPERJ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FEBRASGO Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz IHAC Iniciativa Hospital Amigo da Criança MCT Ministério da Ciência e Tecnologia MRC Medical Research Council MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde OPS Operadora de Planos Privados de Assistência à Saúde PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PP Organização Não Governamental Parto do Princípio PPM Programa Perinatal Multifacetado SBP Sociedade Brasileira de Pediatria SINASC Sistema de Informações de Nascidos Vivos UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UTI Unidade de Terapia Intensiva xiv

Sumário INTRODUÇÃO 16 Cesarianas no setor privado e estratégias para sua redução............ 20 Justificativa...................................... 25 Pressupostos e Objetivos............................... 25 Objetivo Geral.................................... 25 Objetivos Específicos................................. 26 Referencial Teórico-metodológico.......................... 26 METODOLOGIA GERAL 33 Componente quantitativo.............................. 33 Plano Amostral e Tamanho da Amostra................... 33 População do estudo.............................. 35 Logística do trabalho de campo........................ 35 Controle de qualidade............................. 36 Análise estatística................................ 37 Componente qualitativo - Estudo de Caso..................... 39 1 a etapa: definindo o modelo causal do excesso de cesarianas no setor suplementar............................... 40 2 a etapa: construindo os modelos lógicos do PPM.............. 47 Integrando os componentes quanti e qualitativos.................. 48 Considerações Éticas................................. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50 Artigo 1: Cesariana e resultados neonatais em hospitais privados no Brasil: Estudo compartivo de dois diferentes modelos de atenção perinatal 60 Artigo 2: Como reduzir cesarianas sem indicação clínica em hospitais privados no Brasil? Lições de um programa perinatal multifacetado bem sucedido 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97 xv

ANEXO 1 - Carta-convite ao diretor dos hospitais sorteados para a pesquisa Nascer no Brasil 102 ANEXO 2 - Termo de consentimento (diretor do hospital) 103 ANEXO 3 - Carta de apresentação da equipe de trabalho de campo 104 ANEXO 4 - Entrevista de reconhecimento do hospital 105 ANEXO 5 - Termo de consentimento (puérperas) 107 ANEXO 6 - Questionário de puérperas - Pesquisa Nascer no Brasil 109 ANEXO 7 - Instrumento para coleta de dados do prontuário - Pesquisa Nascer no Brasil 152 ANEXO 8 - Instrumento para coleta de dados do cartão de pré-natal- Pesquisa Nascer no Brasil 182 ANEXO 9 - Questionário de estrutura e processo hospitalar - Pesquisa Nascer no Brasil 184 ANEXO 10 - Carta de transferência de puérpera ou recém-nascido 203 ANEXO 11 - Treinamento da equipe de trabalho de campo 204 ANEXO 12 - Atribuições Supervisor 206 ANEXO 13 - Atribuições do entrevistador 224 ANEXO 14 - Lista de material de trabalho de campo 239 ANEXO 15-Termo de consentimento e roteiro de entrevista qualitativa (stakeholders) 241 ANEXO 16 - Termo de consentimento e roteiro de entrevista qualitativa (gestores do programa) 247 ANEXO 17 - Roteiro de coleta de dados dos documentos do programa 252 ANEXO 18 - Matriz de medidas e julgamento do grau de implantação das atividades do PPM 255 ANEXO 19 - Aprovação da pesquisa pelo Conselho de Ética 257 xvi

INTRODUÇÃO O objeto que será examinado neste estudo refere-se a uma possível relação causal entre um programa perinatal multifacetado e a redução na prevalência de cesarianas sem indicação clínica em um hospital do setor suplementar de saúde no Brasil. Trata-se de um tema relevante para a Saúde Pública, uma vez que a prevalência bruta de cesarianas no país é maior do que 50% 1, chegando a ser praticamente universal no setor privado, onde 90% dos partos ocorrem por essa via 2. Cesarianas quando indicadas conforme critérios clínicos podem salvar vidas de mulheres e seus conceptos. Estudo ecológico que analisou a prevalência de cesarianas em países de baixa, média e alta renda encontrou maior risco de mortalidade materna e neonatal nos que tinham prevalência de cesarianas abaixo de 10% 3. Por outro lado, não há evidências que atestem benefícios para populações que apresentem prevalência de cesarianas acima de 15% 4,5. Ainda, pesquisas que avaliaram a existência de associação entre cesariana e morbidade e mortalidade materna e neonatal, controlando-se os riscos maternos e/ou fetais, demonstraram haver maior risco de complicações quando o parto se dá por essa via 5 7. São inúmeras as publicações que postulam associações causais entre cesariana e desfechos maternos e neonatais desfavoráveis, o que confere maior consistência a estes achados. Villar et al. 5 em um estudo envolvendo 97.095 partos, em 120 hospitais públicos e privados da América Latina, incluindo hospitais brasileiros, concluíram que maiores prevalências de cesariana associam-se ao aumento das taxas de partos prematuros, de bebês admitidos em unidades intensivas por 7 dias ou mais e de mortalidade neonatal. Outro estudo sobre morbidade respiratória neonatal 8, que excluiu gestantes com complicações na gravidez, evidenciou que nascidos de cesariana eletiva, em comparação a nascidos de parto vaginal, apresentam maior risco de desenvolver morbidade respiratória e de necessitar de oxigênio nasal por pressão positiva e ventilação mecânica. Os resultados desse estudo indicam que o risco de desenvolver afecções respiratórias aumenta conforme diminui a idade gestacional: com 37 semanas o risco foi 3,9 vezes maior, com 38 semanas, 3 vezes maior e com 39 semanas 1,9 vezes maior. Observa-se que mesmo bebês nascidos a termo por cesariana eletiva apresentaram maior risco de desenvolver problemas respiratórios do que aqueles nascidos de parto vaginal, o que sugere a importância do trabalho de parto para a adequada adaptação respiratória de recém-nascidos. 16

Estudos semelhantes corroboram esses resultados e reportam maior risco de morbidade respiratória 9, além de hipoglicemia, sepsi e óbito neonatal 10 em cesariana eletiva realizada em menores de 39 semanas de gestação. Essas pesquisas demonstram também que a idade gestacional, ainda que em bebês a termo, parece modificar o efeito de cesariana sobre a ocorrência de desfechos neonatais adversos, já que a chance de ocorrência de eventos mórbidos aumenta conforme diminui a idade gestacional. Tais evidências alertam sobre os riscos do agendamento de cesarianas antes do início do trabalho de parto. Para além dos efeitos na saúde neonatal, pesquisas mais recentes, algumas conduzidas no Brasil, sugerem a existência de associação entre nascimento via cesariana e desfechos adversos de longo prazo como sinais de síndrome metabólica 11 13, diabetes tipo I 14 e asma 15. Embora esses resultados sejam decorrentes de estudos observacionais, os quais não permitem afirmar a existência de associação causal entre tipo de parto e desfechos de longo prazo, são resultados que chamam a atenção para um possível fator de risco pouco valorizado no que se refere ao aumento de algumas doenças crônicas não transmissíveis em países com altas prevalências de cesarianas, como o Brasil. Em relação à morbidade materna, evidências demostram, que no curto prazo, mulheres submetidas a cesarianas tem maior risco de necessitar de transfusão sanguínea, tratamento com antibióticos, histerectomia, internação em UTI e óbito 5,6. Os prejuízos maternos estendem-se para a vida reprodutiva futura, em especial, nos casos de cesarianas de repetição. Os principais desfechos reportados são maior risco de placenta acreta e de hemorragia, em gravidezes subsequentes 7. Por se tratar de um procedimento cirúrgico, os riscos de aderências nos tecidos adjacentes ao sítio operatório e de infecção puerperal também são mais elevados 16. As associações causais demonstradas nesses estudos possuem adequada plausibilidade biológica. No que se refere à saúde materna, são plausíveis os achados que associam maior risco de morbimortalidade à cesariana, pois esta via de parto consiste em um ato cirúrgico, no qual a retirada do concepto demandará a incisão do abdome e da parede do útero, expondo essas estruturas à contaminação por micro-organismos. Além disso, trata-se de uma região muito vascularizada. Durante a cirurgia pode ocorrer comprometimento dos grandes pedículos (artéria e veia uterina) por prolongamento irregular ou acidental do procedimento, levando a hemorragia. Ainda, a presença de fibrose decorrente do processo de cicatrização uterina e de aderências na região da área cirúrgica são episódios fisiopatológicos presumíveis, que justificam a maior ocorrência de complicações em gestações futuras 17,18. Em relação à saúde neonatal, a plausibilidade biológica dos achados, em especial, dos que descrevem maior ocorrência de morbidade respiratória em conceptos nascidos por operação cesariana, ampara-se nos processos fisiológicos de maturação do pulmão e de transição perinatal das trocas gasosas, de placentária para pulmonar. Nas últimas semanas de gestação, os pneumócitos tipo II, presente nos alvéolos fetais, passam a produzir 17

grande quantidade de surfactante, substância necessária à manutenção da estabilidade da tensão superficial do líquido alveolar 19. Ainda, no final da gravidez, há um refinamento dos controles neuromusculares da respiração fetal. O feto realiza movimentos descoordenados do tórax e da parede abdominal, por meio dos quais inala e deglute grande quantidade de líquido amniótico, o que parece ser um estágio de preparação para a transição respiratória que virá a seguir 20. A partir da 37 a semana de gestação, considera-se que o feto esteja a termo, ou seja, estima-se que os mecanismos descritos acima e outros imprescindíveis à vida extrauterina tenham sido finalizados. Apesar dessa classificação, nem todos os bebês com 37 semanas de gestação terão completado o processo de maturação necessário para uma adaptação saudável pós-parto. A extração de conceptos, antes do início do trabalho de parto, pode encurtar a etapa de preparação para a transição pulmonar, desencadeando processos respiratórios mórbidos após o nascimento. Outro aspecto da fisiologia da transição a ser destacado diz respeito aos estímulos que ocorrem durante o trabalho de parto e parto, os quais favorecem a adaptação à troca gasosa pulmonar. Nelson 20, ao explicar esse fenômeno, refere que durante a passagem pelo canal vaginal ocorre compressão da caixa torácica, levando a ejeção forçada de líquidos do aparelho respiratório. Além disso, a interrupção intermitente da irrigação placentária, que ocorre durante o trabalho de parto, leva à hipercapenia, acidose respiratória e hipóxia. As substâncias presentes na circulação sanguínea decorrentes desses processos estimulam quimiorreceptores presentes no seio carotídeo, os quais, por sua vez, associados à excitação sensorial ocasionada pelo primeiro contato com aspectos ambientais como luz, frio e ruído, desencadearão os movimentos respiratórios. Em relação às doenças crônicas não transmissíveis, embora sejam causadas por múltiplos fatores e seja difícil estabelecer a possível associação causal entre desfechos adversos de longo prazo e o nascimento por cesariana, alguns achados sustentam a plausibilidade biológica dessa hipótese. Entre esses achados destacam-se as diferenças na composição da microbiota gastrointestinal de bebês nascidos por cesariana comparada aos nascidos por parto vaginal 21. A colonização intestinal, bem como de pele, boca e mucosas, se desenvolve imediatamente após o nascimento e é influenciada pela microbiota materna 22. Neonatos nascidos por cesariana apresentam uma diversificação da microbiota intestinal mais lenta do que nascidos de parto vaginal, uma vez que não são expostos à microbiota vaginal e fecal maternas 23. Essas diferenças parecem ser persistentes, já que foram encontradas inclusive em crianças na faixa etária de sete anos 22. Tais alterações na composição da microbiota intestinal podem afetar o metabolismo de gordura predispondo à obesidade, como destacado por Goldani e colaboradores 11. Além disso, pesquisas sustentam que a microbiota neonatal pode afetar a expressão de alguns genes com impacto na predisposição a doenças relacionadas à resposta imune, como a asma 24. O aleitamento materno também tem papel crucial no processo de colonização gastroin- 18

testinal 24 e o nascimento por cesariana dificulta a amamentação 25, o que pode ocasionar diferenças adicionais na colonização intestinal quando comparados nascidos por cesariana e aqueles nascidos por parto vaginal, com possível associação com desenvolvimento de doenças em longo prazo. Além de alterações na microbiota intestinal e da influencia negativa no aleitamento materno, o nascimento por cesariana também parecer alterar a concentração de leptina. Pesquisa 26 encontrou menor concentração de leptina no cordão umbilical de crianças nascidas por cesariana, comparadas às nascidas por parto vaginal, o estudo conclui que o trabalho de parto pode ser determinante para a produção final de leptina antes do nascimento. A leptina é um hormônio, cuja concentração é maior em crianças do que em adultos e que exerce papéis cruciais na homeostase de energia, ingestão de alimentos, sensação de saciedade, composição de gordura corporal, resposta ao estresse, desenvolvimento cerebral, entre outras funções 27. Resultados empíricos sustentam a importância desse hormônio na composição corporal, como um estudo de coorte 28 que encontrou maior índice de massa corporal em crianças de três anos de idade que apresentaram concentração reduzida de leptina no cordão umbilical, reforçando a hipótese de que cesarianas podem estar associadas a uma maior predisposição à obesidade. As evidências discutidas demonstram que cesarianas sem indicação clínica podem ter um impacto negativo sobre os sistemas de saúde no curto e longo prazos e devem ser evitadas. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 6,2 milhões de cesarianas sem indicação clínica foram realizadas globalmente no ano de 2008 29. O excesso de cesariana por país foi calculado considerando-se prevalências desse procedimento acima dos 15% recomendados pela OMS como indicado para prevenir morbidade e mortalidade materna e neonatal 30. No total, 69 países apresentaram prevalências de cesarianas acima do recomendado, com destaque para Brasil e China, que juntos responderam por quase 50% do excesso de cesarianas do grupo. O Brasil contribuiu sozinho com 15% do total de cesarianas em excesso, a um custo médio diretamente associado à realização desse excedente de cesarianas estimado em 227 milhões de dólares 29. A elevação da prevalência de cesarianas não é um fenômeno exclusivo do Brasil. A análise da evolução desse indicador em 21 países industrializados 31 mostrou que 11 destes países apresentavam proporção de cesariana maior do que 25%, sendo a maior prevalência encontrada na Itália (39%). Entre os países estudados, apenas a Holanda apresentou uma prevalência de 14% de cesariana, em 2007, e estava de acordo com a recomendação da OMS 30. Outros países em desenvolvimento, como o Brasil, também apresentam proporções altas de cesarianas. Um inquérito multicêntrico, conduzido em 24 países, nos anos de 2004 e 2005, encontrou prevalências de cesariana de 46% na China e 38% no México 6. Diniz 32, ao realizar uma releitura da expressão paradoxo perinatal originalmente empregado por Rosenblatt para a atenção neonatal 33, refere que no modelo de assistência obstétrica brasileiro utilizam-se desnecessariamente tecnologias em mulheres de menor 19

risco obstétrico. De fato, observa-se que a população com planos de saúde apresenta melhor nível de escolaridade, emprego formal e renda do que a população sem plano de saúde 34, o que configura menor chance de eventos mórbidos relacionados à gravidez. Contudo, a prevalência de cesarianas no setor suplementar é quase três vezes maior do que a do setor público 2, isso sugere que os determinantes do excesso de cesarianas são diferentes nos dois subsistemas. Cesarianas no setor privado e estratégias para sua redução As diferenças nas prevalências de cesarianas entre os sistemas público e privado encontradas no Brasil, também ocorrem em outros países. O financiamento da assistência materna com recursos privados afeta a decisão pelo tipo de parto e está associado à maior prevalência de cesarianas, conforme reportado por estudos 35 45 realizados em países com profundas diferenças contextuais em aspectos como: produto interno bruto, acesso à educação, emprego e renda, características dos sistemas e serviços de saúde, entre outras. Chama a atenção o resultado de estudo conduzido na Etiópia, país cuja prevalência bruta de cesariana não chega a 1%, e, portanto, está bem abaixo do mínimo recomendado pela OMS para a prevenção de morbimortalidade materna e neonatal, mas atinge 46% em hospitais privados 46. Entretanto os mecanismos específicos que levam a associação entre financiamento privado do cuidado em saúde e maior prevalência de cesarianas não são totalmente conhecidos. Uma hipótese é que a realização de cesarianas em excesso é um efeito negativo, insuficientemente regulado, da comercialização do cuidado em saúde reprodutiva. A comercialização do cuidado de saúde diz respeito às relações de mercado na provisão de assistência à saúde, com objetivo de obtenção de renda ou lucro, incluindo contratação de serviços privados pelo setor público, bem como, o financiamento individual da assistência (desembolso direto) ou por meio de planos de saúde 47. Autores salientam os riscos de aumento da inequidade e resultados negativos em saúde 48 50 decorrentes de uma naturalização da expansão do setor de cuidados privados de saúde, como se observa atualmente no Brasil. Foge ao escopo dessa tese a análise dos efeitos da comercialização de cuidados em saúde no sistema de saúde brasileiro. Interessa destacar que a lógica da obtenção de maior renda ou lucro que guia o comércio de cuidados em saúde molda aspectos relativos à assistência e pode redundar em distorções como a decisão pela via de parto mediada por questões não-clínicas, tendo como resultado a realização de cesarianas em excesso. No Brasil, a assistência privada em saúde, em geral, se dá por meio da utilização de planos de saúde 51. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS 52 em 13 anos, o número de beneficiários em planos privados de assistência médica 20

aumentou 59%, passando de 30,7 milhões em 2000 para 49,0 milhões em 2013. Esse valor corresponde a uma taxa de cobertura de planos de assistência médica, com ou sem odontologia, de 25,3% da população brasileira. Desse total de beneficiários, 16,5 milhões são mulheres em idade fértil (10 a 49 anos), 26,1% da população brasileira nessa faixa etária 52. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008 reportam uma cobertura de planos de saúde ligeiramente superior: 25,9% da população brasileira, contudo, enquanto a ANS considera apenas os planos privados de assistência à saúde, a PNAD considera também planos de empresas ou órgão públicos, como os militares 53. Na Região Sudeste, a cobertura de planos de saúde é maior, correspondendo a 38,2% da população. Considerando-se apenas as capitais dos quatro estados dessa Região, chega-se a uma cobertura de até 57,3% 52. Estados onde a população inserida no sistema de saúde suplementar é maior do que a média nacional apresentam prevalência de cesariana mais elevada; é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, por exemplo. Esses estados apresentaram, em 2012, a maior cobertura de planos de saúde da população feminina em idade fértil entre os estados do país: 45,2%, 36,1% e 32,2% 52, respectivamente, e proporções de cesarianas próximas a 60% 1. A ANS aponta tendência de crescimento do setor 34. Caso essa tendência se confirme, a prevalência de cesarianas do país tende a piorar. Medidas de Saúde Pública que objetivem reverter esse quadro terão de necessariamente incluir estratégias voltadas para a regulação efetiva do setor suplementar, com foco especial na Região Sudeste. O desenvolvimento de tais estratégias é um desafio, tendo em vista que o impacto da regulação estatal nos modelos de atenção à saúde praticados no setor suplementar é ainda pequeno. Segundo Malta et al. 54, modelo assistencial ou de atenção "consiste na organização das ações para a intervenção no processo saúde-doença, articulando os recursos físicos, tecnológicos e humanos, para enfrentar e resolver os problemas de saúde em uma coletividade. (p.438). Para obter êxito na regulação assistencial, o Estado precisa dispor de informações e ferramentas que lhe possibilite intervir no espaço cotidiano no qual se dá a produção do cuidado no setor privado. Isso implica conhecer como se dão as relações entre operadoras, prestadores (sejam eles profissionais ou serviços de saúde) e beneficiários 54. Conhecer os mecanismos de micro regulação que acontecem no dia-a-dia da assistência é particularmente importante para a compreensão das causas da elevada proporção de cesarianas no setor suplementar e para a proposição de medidas capazes de modificar essa situação. Pesquisadores brasileiros, ao estudarem os modelos de assistência ao parto em diferentes países, observam que o modelo de atenção ao parto no setor suplementar de saúde no Brasil é altamente medicalizado e centrado na figura do médico, profissional que mantém estreito relacionamento com as gestantes durante o pré-natal e, ao final da gravidez, será responsável por definir a via de parto e realizar o parto 55. Ainda, ao contrário do que 21

acontece em outros países, a inserção de enfermeiras obstétricas ou obstetrizes na atenção ao parto é baixa. Estudos conduzidos no Brasil encontraram resultados que sugerem que esse tipo de modelo assistencial aumenta as chances de cesariana 2,56 59. Pesquisas reportam que fatores não clínicos estão associados a maior prevalência de cesarianas, tais como: tipo de financiamento e/ou organização da assistência médica 37,39,45,60 64, assistência ao pré-natal e ao parto com o mesmo médico 57,59, características e ambiência da maternidade 7,65 67, dia da semana e horário de nascimento 58 e assistência ao parto liderada por médicos ao invés de ser liderada por enfermeiras obstétricas ou obstetrizes 68 71. Em face dessa gama de determinantes para a realização de cesarianas em excesso, os quais pouco tem a ver com aspectos clínicos, estudos sobre intervenções não clínicas para redução de cesarianas têm sido conduzidos. Duas revisões sistemáticas 72,73 a esse respeito sugerem que a utilização de diretrizes clínicas com suporte contínuo de lideranças locais para tomada de decisão, em especial nos casos de mulheres com cesariana anterior; o uso de segunda opinião mandatória e de revisão por pares antes da indicação de cesarianas intraparto; a vigilância da prevalência de cesarianas; a adoção de estratégias multifacetadas que envolvam a análise e a modificação das práticas de profissionais de saúde e sejam baseadas em auditoria e feedback às equipes; bem como a oferta às gestantes de grupos de relaxamento e preparação para o parto conduzidos por enfermeiras podem reduzir com segurança a prevalência de cesarianas. Contudo, as reduções observadas nos estudos incluídos nas revisões foram discretas. Outro estudo publicado posteriormente às revisões citadas, realizado na China, em um hospital universitário de referência para gestação de alto risco, que atende em sua maioria mulheres com seguro saúde, identificou redução na prevalência de cesarianas de 42,4% em 2005 para 36,1% em 2011, após a implantação de um programa multifacetado. O programa apresentava as seguintes estratégias: ações educativas voltadas para pacientes e profissionais de saúde, utilização de diretrizes clínicas, revisão diárias das indicações de cesarianas e solicitação de assinatura de termo de consentimento informado às mulheres sem indicação clínica que, mesmo após orientação sobre os riscos, mantinham a decisão de se submeter a uma cesariana 74. Tais evidências descrevem componentes de intervenções implantados com êxito na redução de cesarianas e podem fazer supor que a replicação de tais estratégias em contextos diversos poderia levar ao mesmo resultado. Entretanto, intervenções em sistemas de saúde podem ser efetivas em determinados locais e apresentar resultados opostos em outros 75. Assumir que isoladamente uma intervenção em saúde é capaz de produzir os resultados almejados é um erro 75, mesmo em se tratando de uma intervenção simples 76. Por exemplo, tendo em vista as pesquisas que evidenciaram associação entre ter o mesmo médico e o aumento da chance de cesariana 57,59, uma intervenção, cujo único componente fosse garantir que o pré-natal fosse realizado por uma equipe de médicos 22

diferentes dos que realizaram o parto poderia ser proposta, com vistas à redução na prevalência de cesarianas em mulheres de baixo risco, em três hospitais privados diferentes. Essa intervenção hipotética pode ser classificada como simples 76, entretanto, mesmo se nos três hospitais do exemplo 100% dos partos fosse realizado por médicos diferentes dos médicos do pré-natal, o resultado que seria obtido em cada hospital é incerto. Isso se dá porque hospitais 77 e sistemas de saúde em geral são sistemas complexos, isto é, consistem em uma coleção de agentes individuais com liberdade de ação por caminhos não lineares mudanças nas atividades não são diretamente proporcionais a mudanças nos processos e resultados, desse modo, a efetividade de intervenções nesse tipo de sistema não são totalmente previsíveis 78,79. Em sistemas complexos, as ações dos agentes são interconectadas de modo que a ação de um agente muda o contexto para os outros agentes e são guiadas por regras internas individuais (valores e crenças) 78. A complexidade é uma propriedade do sistema de saúde e afetará os resultados de uma intervenção, seja ela simples, complicada ou complexa 79. Assim, os resultados de intervenções em sistemas complexos são geralmente sensíveis a pequenas alterações, modificáveis por fatores pouco controláveis (como os pensamentos das pessoas por trás da intervenção) e emergem da interação entre seus agentes. Por outro lado, se em pesquisas sobre intervenções em sistemas complexos, como as que visem a solucionar o problema do excesso de cesarianas, predições não são possíveis, há lugar para explicações sobre os componentes e os mecanismos que mais influenciaram os resultados 75,80. Teorias que explorem o que funcionou em um determinado contexto, quando e de que maneira contribuem para melhorar intervenções que objetivem alcançar resultados semelhantes 81. A OMS recomenda que novas pesquisas sobre medidas efetivas para redução de cesarianas procurem compreender os mecanismos e a lógica das intervenções em estudo, em seu contexto local 82. Nesse sentido, o modelo de atenção perinatal de um hospital particular, que atende somente pacientes do setor privado chamou a atenção da ANS. Esse hospital está localizado no interior de São Paulo e pertence a uma operadora de planos privados de assistência à saúde (OPS). Durante uma visita técnica ao hospital, realizada em 2008, os gestores do hospital relataram que a OPS possuía um programa que contava com estratégias voltadas para a atenção perinatal. Algumas atividades do programa elencadas pelos gestores do hospital pareciam efetivas para redução de cesarianas, conforme evidências discutidas, entre elas: pré-natal e parto com médicos diferentes, partos assistidos por equipes de plantão, presença de enfermeiras obstétricas na atenção ao parto, oferta de grupos de gestantes, uso de protocolos clínicos e auditoria de cesarianas. Parecia tratar-se de um programa perinatal multifacetado, com aspectos inovadores em relação ao modelo de atenção padrão adotado por hospitais privados no Brasil, razão pela qual o hospital da OPS passará a ser denominado desse ponto em diante como hospital atípico e o programa perinatal multifacetado como PPM. Outro aspecto que parecia diferenciar o hospital 23

atípico de outros hospitais privados foi a prevalência de cesarianas do hospital registrada no Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Segundo o SINASC, o hospital atípico realizou, no ano de 2007, um total de 2.507 partos, sendo 1.339 partos vaginais e 1.168 cesarianas, o que equivale a uma proporção de 46% de cesarianas. Diante desse modelo de atenção e da prevalência de cesarianas do hospital atípico registrada no SINASC, alguns questionamentos surgiram: A prevalência de cesarianas do hospital atípico é de fato inferior a de outros hospitais privados da região? Por quê? Como o hospital atípico reduziu a prevalência de cesarianas? O PPM contribuiu para esse resultado? Essas perguntas iniciais nortearam a elaboração do projeto desta tese de doutorado, a qual poderia subsidiar a elaboração de uma intervenção para redução do excesso de cesarianas com foco no setor suplementar como um todo. A esse respeito, destaca-se que, atualmente, discute-se no âmbito das agências reguladoras a premência da adoção de metodologias que tornem o processo regulatório mais transparente, racional e efetivo e que contem com a participação social 83. Recomenda-se que, idealmente, no início do processo decisório, as agências reguladoras e outros órgãos de gestão pública utilizem a ferramenta de Análise do Impacto Regulatório (AIR), metodologia que verifica entre diferentes alternativas disponíveis para o enfrentamento de um problema, qual a mais benéfica. A AIR melhora a eficácia e a eficiência das ações governamentais 84. Entre outras etapas que devem ser percorridas durante a condução de uma AIR, encontra-se a análise das causas do problema a ser enfrentado; a definição sobre quais causas a ação regulatória pretendida irá incidir; e a definição das medidas regulatórias que parecem mais adequadas para o alcance dos objetivos propostos 84. A elaboração de uma intervenção para redução da prevalência de cesarianas no setor suplementar é um exemplo de uma ação regulatória que se beneficiaria da adoção de uma AIR. Ainda, no que se refere à análise e definição das alternativas mais adequadas para o enfrentamento do problema do excesso de cesarianas, o guia para o desenvolvimento e a avaliação de intervenções complexas, desenvolvido pelo Medical Research Council (MRC), do Reino Unido 85,86 parece útil. Esse guia destaca a importância da etapa de elaboração de uma intervenção, que posteriormente deverá ser testada, em menor escala, em diferentes cenários, possibilitando que possíveis variações em seus resultados sejam conhecidas antes de uma implantação em larga escala, como no setor suplementar, no Brasil. Assim, na etapa de elaboração de uma intervenção complexa, o MRC recomenda que se realize uma análise aprofundada e uma descrição clara do problema sobre o qual se busca intervir (fase zero) e o desenvolvimento de um entendimento teórico sobre como se espera que as mudanças pretendidas sejam atingidas (fase um).indica, ainda, o uso de evidências científicas e/ou a condução de estudos epidemiológicos e qualitativos primários que possam servir de base para a elaboração de uma intervenção capaz de solucionar o problema 85. Consoante com essa proposta esta tese apresenta evidências relativas às fases zero e um do guia, quais sejam: definindo e entendendo o problema e desenvolvendo 24