Prof. O Prof., na década de 60, pegou a bandeira recém iniciada da conversão da contabilidade brasileira ao seus usuário (interno - o gestor, e externos - os demais) e transformou-se no grande líder desse movimento. Retirou a contabilidade, pelo menos no mundo acadêmico, da categoria de braço fiscal pago pelo empresário a serviço do governo arrecadador e deu-lhe outro status: a de instrumento de gestão e de prestação de contas a proprietários, credores, empregados etc. (incluindo o próprio governo, é lógico). Formou toda uma geração de profissionais e professores com essa filosofia que não era comum entre nós. Assim, com a chegada da Lei das S/A em 1976, tinha ele já preparado um campo fértil para a implementação dessa que foi a primeira grande revolução contábil no Brasil, e não foi por acaso que a recém criada CVM contratou a Fipecafi para, sob sua liderança, escrever o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. E sem essa Lei, que nos nivelou ao que havia de melhor no mundo, não teríamos tido a facilidade que tivemos para a implantação da segunda revolução, mais recente, a das normas internacionais de contabilidade. (Facilidade quando comparamos com tantos outros países, inclusive os desenvolvidos como Alemanha, França, Itália, Espanha etc.) O Prof. Sérgio foi o grande consolidador do Mestrado da FEA/USP, o mentor da criação do seu Doutorado, por tantos e tantos anos os únicos cursos nesse nível no nosso país. E continua ativo, ativíssimo, estudando, pesquisando, lecionando, orientando. Guru de tantos e tantos de nós, continua nossa fonte de inspiração O Sr. fez parte da implantação da Lei 6.404 no ano de 1976, tanto que foi procurado pela CVM para elaborar o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. Como o Sr. compara a implantação da Lei das S/A em 1976 com o processo de harmonização das normas contábeis brasileiras com as do IASB, iniciado em 2008? Não fui tão importante no processo todo a ponto de ter sido convidado diretamente para escrever o Manual das Sociedades Por Ações. Mas, é claro que tive participação nas discussões e em toda a evolução posterior. Foi um trabalho de grande intensidade e dificuldade. Entretanto, acho que a dificuldade da implantação das normas do IASB no Brasil tem sido de uma dimensão 5
bem maior, pois nós contadores (a não ser os pioneiros da internacionalização) estávamos mais preparados para a primeira grande batalha do que para a segunda. Essa última tem sido mais complexa pois significou mudança total de mentalidade e hábitos não apenas dos contadores, mas de todos os segmentos das empresas. Felizmente, como fomos melhorando e nos afinando cada vez mais, com as sucessivas lides, o Brasil tem sido pioneiro entre vários países e hoje o processo de harmonização das normas brasileiras com as do IASB tem sido um retumbante sucesso. O Sr. participou da abertura do primeiro mestrado em Contabilidade no Brasil, em 1970 e da abertura do primeiro doutorado em 1978. Até o ano de 1998 somente esses e os mestrados da PUC/SP e UFRJ foram os únicos cursos de pós-graduação no Brasil. A virada do século XX observou um crescimento enorme dos cursos de pós-graduação no Brasil, sendo, atualmente, por volta de 25 mestrados e 6 doutorados. Como o Sr. vê esse aumento ocorrido nos últimos 15 anos? Mais quantidade tem sido sinônimo de maior qualidade? Não necessariamente, se analisarmos os cursos individualmente e os compararmos, em qualidade, a alguns mais antigos, que servem de referência. De fato, os conceitos atribuídos pela CAPES variam bastante e, também, a meu ver, não indicam, sempre, os melhores. Mas, na atualidade, rankings, embora discutíveis as vezes, estão consolidados no mercado. Creio que a abertura de mestrados e doutorados em estados considerados carentes, se não igualam totalmente em qualidade os cursos referenciais, pelo menos dão oportunidades a alunos individualmente bem dotados de cursar um mestrado ou doutorado, pois nem todos poderiam caber nos cursos absolutamente de ponta. Numa análise global, pode-se dizer que estamos indo razoavelmente bem, no que se refere à Pós Graduação em Contabilidade, no Brasil. Um crescimento também muito grande ocorreu nos cursos de graduação: atualmente são mais de 1.000. Na sua opinião, os contadores que estão sendo formados atualmente estão preparados para a nova Contabilidade? O que é necessário para se formar contadores preparados para o novo pensamento contábil? Quantidade não significa qualidade. De longo tempo, boa parte dos cursos de graduação em contabilidade tem tido problemas sérios de qualidade. Não apenas para formar contadores na nova mentalidade, mas muito mais do que isso, totalmente despreparados, no que se refere aos requisitos básicos de conhecimento de disciplinas de cultura geral, da área de sistemas e métodos quantitativos, para o novo cenário. É claro que a universidade não forma o profissional pronto e embalado, mas precisa formar o homem/mulher preparado intelectualmente. Temos um problema: para começar, poucos são os professores que conhecem suficientemente IFRS e que possam ensinar esse vasto assunto; depois, temos alunos totalmente despreparados, para início de conversa, no hábito de ler e de estudar. Salvo raras exceções, muitos cursos de graduação em contabilidade precisam ser totalmente reformulados. Perde-se muito tempo com matérias contábeis, ensinadas sem criatividade e que levam, quando muito, a formar pessoas codificadas, nunca os contadores, os novos contadores, capazes de utilizar o subjetivismo O Brasil tem sido pioneiro entre vários e vários países e hoje o processo de harmonização das normas brasileiras com as do IASB tem sido um retumbante sucesso. responsável. Temos que melhorar, demais, o ensino de graduação. Uma verdadeira revolução é necessária e todos os órgãos governamentais e privados envolvidos precisam sentar-se à mesa e moldar um novo modelo. A grande maioria dos profissionais contábeis no Brasil são fundamentalmente voltados para a escrituração fiscal, apuração de impostos e cumprimento de burocracias. O que é necessário para que a profissão deixe de ser tão mecanicista e fiscalista e 6
Somente a profunda alteração dos currículos de formação em ciências contábeis, já em curso, mas ainda não consolidada, é que poderá formar novas levas de contadores com atitude mais gerencial do que tributária. passe a ser vista como como uma provedora de informação relevante para a tomada de decisão, como parte ativa da administração das sociedades e não somente como um mal necessário, principalmente nas pequenas e médias empresas? Sem dúvida, esta ligação fiscal x contábil tem sido um problema muito sério para o desenvolvimento da contabilidade como principal apoio à gerência das empresas, principalmente de médio e pequeno porte. Em parte, é determinada por circunstâncias históricas, pois um contador para tratar de assuntos tributários é mais barato do que um advogado e, muitas vezes, o contador é mais prático e atuante. Creio que com a mais recente legislação, no que se refere às maiores empresas, contabilidade e o aspecto fiscal e tributário estarão cada vez mais inteligentemente interligados pelo próprio reconhecimento por parte do Fisco de que a origem da imposição fiscal deve se basear nos valores contábeis. Lentamente, mas seguramente, desde a Lei das S/A de 76, os contadores estão tendo mais condições de dedicarem mais tempo aos aspectos puramente inerentes da profissão contábil, incrementando, portanto, sua utilidade para as empresas. Considerando a grande quantidade de burocracias exigidas no Brasil e a complexidade das normas tributárias, que acaba por gerar enormes equipes de contadores nas empresas (e escritórios) quase que exclusivamente a serviço das receitas federal, estaduais e municipais, é possível que, no nosso país, ocorra essa mudança de paradigma da profissão contábil de forma ampla e não somente nas grandes empresas? Como vimos na resposta anterior, principalmente nas pequenas e médias empresas, não vai ser fácil que a situação traçada mude rapidamente. Em parte, pela própria propensão dos contadores de se desincumbirem dos problemas tributários, pois a formação deles assim os direcionou, e pela relação custo/benefício, mais favorável ao contador ou contabilista. Somente a profunda alteração dos currículos de formação em ciências contábeis, já em curso, mas ainda não consolidada, é que poderá formar novas levas de contadores com atitude mais gerencial do que tributária. O Sr. escreveu um artigo publicado na Revista FIPECAFI sobre Stewardship e Accountability, criticando a definição, por parte do IASB, dos usuários como sendo somente os investidores e credores. Na sua opinião, iniciativas tais como as do IIRC no sentido de criação de um relato integrado ampliariam as funções de stewardship e accountability? É possível a integração de informações financeiras feitas com base nas normas do IASB com aquelas de caráter não financeira relacionadas aos aspectos de sustentabilidade socioambiental, ou dois relatórios separados parece ser uma melhor ideia? Se se fala de Relato Integrado, em princípio, as várias partes integrantes deveriam ser interligadas, é claro, obtendo-se as informações de várias fontes. Talvez, as criadas pelo sistema e filosofia IASB não sejam suficientes para esse Relato Integrado, tendo em vista a centralização de tais normas no atendimento informativo preferencialmente dos provedores de recursos. Entretanto, acredito que a pressão da sociedade sobre as agências reguladoras terá, a médio prazo, um impacto que não poderá passar inobservado, pois sustentabilidade e todas suas facetas contábeis e outros aspectos sociais, gerenciais e ambientais, serão, cada vez mais, discutidos por grupos sociais e de pressão fazendo com que o IASB e toda sua estrutura regulatória, embora por opção filosófica tipicamente anglo-saxônica, continue a preferenciar os provedores de recursos, de forma alguma poderá deixar de atender, no aspecto informacional, aos outros stakeholders. O Sr. é reconhecido como um dos maiores pensadores de Teoria da Contabilidade no Brasil, sendo autor do mais bem sucedido livro brasileiro sobre 7
o tema. Recentemente, o Sr. publicou o artigo Estudando e Pesquisando Teoria: o futuro chegou? na Revista Universo Contábil (vol. 11, n. 1, 2015) no qual são feitas diversas críticas ao atual estágio das pesquisas em Teoria da Contabilidade. Na sua opinião, o que é necessário por parte dos professores e pesquisadores para que pesquisas e discussões teóricas que sirvam para um efetivo embasamento da prática, raras nos dias de hoje, possam voltar a ser realizadas na academia e consideradas como parte da pesquisa contábil? Contabilidade responde ao desenvolvimento das instituições sociais e econômicas. De uns quarenta anos para cá, a globalização e a necessidade das empresas multinacionais terem um sistema contábil harmonizado, em nível mundial, deveria ter sido o principal movente para a pesquisa contábil. Muitos pesquisadores e teóricos ficaram encastelados em suas torres de marfim, nas universidades, e não se deram conta desse fenômeno invasivo e global e continuaram, a fim de não perderem seus empregos, escrevendo artigos positivistas tão abstratos quão irrelevantes, obviamente com honrosas exceções, desligando-se do mundo real. Entretanto, eles não são incapazes e, se há algo que mexe com os brios e a autoestima de pesquisadores, é o de serem desconsiderados pela sociedade. Por outro lado, as agências reguladoras e normatizadoras precisam da inspiração e da visão arejada dos teóricos e pesquisadores. O ambiente para a colaboração nunca foi tão propício! Prof. Sergio, em frente ao seu piano de armário alemão Bechstein de 1923. Em sua casa de campo, também possui um 2/3 de cauda da mesma marca, fabricação 1920! O Sr. é considerado um Guru por uma grande quantidade de acadêmicos no Brasil, e isso até hoje! Muitas entidades profissionais o homenageiam, e também até hoje! Como se sente com essa admiração toda? Sempre atuei mais no ambiente puramente acadêmico do que no profissional. Às vezes, é menos perigoso e punitivo cometer erros na academia do que na prática. Por isso, é mais fácil, em termos conceituais, desde que não se cometam erros monumentais, ser preditivo e liderar ideias e tendências, no ambiente universitário. Nesse ambiente rarefeito nunca me faltaram reconhecimento e prêmios, embora nunca os tivesse perseguido. Por um longo tempo, fiquei, por assim dizer, na penumbra no que se refere ao reconhecimento por parte da Profissão. Repentinamente, isso tem mudando nos últimos anos e, diga-se de passagem, não foi certamente por eu ter participado mais intensamente da vivência profissional, mas por uma reação totalmente espontânea e inesperada de entidades como Apimec, Anefac, CRCSP, CFC e outras que tenham notado a importância de alguma contribuição minha para a Contabilidade! Agradeço, de todo coração!! O Sr. além de contador é um apaixonado pela música e talentoso pianista. Como se dá essa sua forte relação com a música? Os estudos musicais de alguma forma contribuem para seus estudos na área contábil? Eu demorei um bocado para perceber que, uma coisa é ter bom ouvido e até, quem sabe, certo talento para a composição e regência, outra é ter os requisitos para ser um concertista! Para isso, é necessário ter, também, os mecanismos físicos adequados, como habilidade igual nas duas mãos etc. De qualquer forma, fiquei com a música, e com a paixão por ela! Eu acho que os estudos musicais, de alguma forma, contribuíram, sim, para meus estudos na área contábil! Só não sei explicar muito bem como; talvez a disciplina e a persistência sejam elementos comuns aos dois campos de estudos. 8
True and Fair Override 9